Palavras-chave
cirurgia plástica - cursos de capacitação - educação médica - procedimentos de cirurgia
plástica - treinamento com simulação de alta fidelidade
Introdução
O emprego de métodos educacionais que envolvem simulações de alta fidelidade oferece
aos estudantes de Medicina a oportunidade de adquirir experiência precoce em tópicos
clínicos complexos, permitindo o desenvolvimento de habilidades relevantes para ambientes
de trabalho reais. Por meio da simulação, é possível treinar habilidades médicas em
um ambiente controlado, por repetidas vezes, o que promove um aprendizado significativo
que encoraja a reflexão sobre a própria prática. O uso de simuladores vem sendo impulsionado
por tendências no cuidado à saúde e na educação, como o aumento do conhecimento médico,
a valorização da segurança do paciente e da qualidade de vida dos profissionais de
saúde, as limitações nas horas de trabalho e o movimento em direção à educação baseada
em competências.[1]
Um aspecto particularmente notável é o uso da simulação para ensinar habilidades cirúrgicas,
uma área de extrema importância para médicos recém-formados. Em 2014, a AAMC (Association of American Medical Colleges) apresentou 13 EPAs (atividades profissionalmente confiáveis) essenciais para todos
os graduados em Medicina ingressarem na residência médica. A medida respondeu às preocupações
dos diretores de programas de residência, especialmente em Cirurgia, sobre a falta
de preparo dos recém-formados para as funções de um residente de primeiro ano.[2] Esse aspecto é também enfatizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais brasileiras,
visto que, para formar um médico generalista, é fundamental adquirir competências
cirúrgicas.[3]
A aplicação da aprendizagem significativa por meio de simulação foi estabelecida em
outras profissões de alto risco, aumentando a segurança e reduzindo os riscos envolvidos.
Por muito tempo, a incorporação da simulação no ensino médico foi subestimada por
várias razões, incluindo custos elevados, falta de evidência rigorosa de sua eficácia
e resistência à mudança. Apesar do valor inegável do treinamento em situações reais,
ele é limitado por preocupações relacionadas à segurança, sendo preferível que o treinamento
em procedimentos cirúrgicos invasivos ocorra em simuladores, reduzindo o risco de
erros médicos e complicações em procedimentos reais.[4]
[5]
Durante a formação acadêmica, os profissionais da área da saúde frequentemente realizam
procedimentos, sejam eles ambulatoriais ou cirúrgicos, sem que tenham um treinamento
prévio. Devido à falta de recursos econômicos e do alto valor dos produtos de treinamento
de prática médica, foram buscadas alternativas viáveis para o desenvolvimento de recursos
de baixo custo em ensino.[6]
[7]
Objetivo
Este estudo tem o objetivo de avaliar a efetividade do uso de modelos sintéticos de
baixo custo na simulação de procedimentos cirúrgicos e aprendizagem de habilidades
cirúrgicas por estudantes de Medicina.
Métodos
Trata-se de um estudo prospectivo e de intervenção, realizado na Universidade de Fortaleza
(Unifor), com estudantes do curso de graduação em Medicina, acima de 18 anos de idade,
de ambos os sexos, matriculados do primeiro ao último período do curso, de setembro
de 2023 a agosto de 2024 e que participaram de ações de um curso de treinamento de
habilidades cirúrgicas promovidas pela Liga de Cirurgia Plástica (LICIP) da Unifor.
Os participantes foram recrutados por chamamento público com divulgação ampla da pesquisa
de forma virtual via e-mail, na forma de lista oculta, e publicação do chamamento da pesquisa em redes sociais
e por mensagens eletrônicas, contendo convite para pesquisa, o endereço eletrônico
com as informações sobre a pesquisa, termo de consentimento livre esclarecido e questionário
de opinião. Foram excluídos estudantes com menos de 18 anos, aqueles que estavam com
a matrícula do curso trancada, discentes que não concordaram em participar do estudo,
que abandonaram o estudo em alguma fase e questionários com erros de preenchimento.
Foi utilizado um questionário virtual autoaplicável elaborado na plataforma on-line Google Forms, com 26 perguntas objetivas sobre as aulas teóricas e práticas de treinamento
cirúrgico com o uso de simuladores e a retenção de conteúdo por parte dos alunos.
Os alunos avaliavam sua retenção dos conteúdos após apenas a aula teórica e após aula
e prática simulada, em uma escala de 1 a 5 (1 = muito ruim; 2 = ruim; 3= indiferente;
4 = boa; 5 = muito boa).
Os treinamentos e a fabricação dos simuladores de baixo custo foram realizados no
Núcleo de Biologia Experimental (NUBEX) da Unifor. O curso teve duração de 40 horas,
sendo 20 horas a distância e 20 horas presenciais, estas divididas em 7 encontros
com duração de 2 horas cada e 3 encontros presenciais de 4 horas cada. De maneira
remota, o aluno assistia a videoaulas teóricas gravadas via plataforma Google Scholar
e, no momento presencial, o aluno praticava as técnicas cirúrgicas que foram abordadas
nas videoaulas, utilizando os modelos sintéticos, com o auxílio de monitores da liga
acadêmica e professores cirurgiões. Cada videoaula era liberada 3 dias antes da aula
prática correspondente. Os seguintes assuntos foram abordados, dentre outros: bases
em Anestesiologia; fundamentos em cirurgia; Cirurgia Plástica estética - bases em
rinoplastia e ninfoplastia; Cirurgia Plástica reconstrutiva - bases em retalho e reconstrução
de complexo areolopapilar (CAP); lipoaspiração e otoplastia; e bases em videolaparoscopia.
Foram fabricados os seguintes simuladores de baixo custo para os treinamentos práticos:
Modelo de Otoplastia
Utilizou-se inicialmente uma cabeça de manequim como estrutura base, a qual foi revestida
por uma camada uniforme de espuma com 1 cm de espessura fixada com cola quente, proporcionando
a forma e a consistência necessárias para simular as características anatômicas da
região auricular. Após o revestimento com espuma, uma malha de tecido foi aplicada
sobre a superfície para representar a pele, conferindo ao modelo um aspecto estético
mais realista. Na região das orelhas, foram feitas duas aberturas bilaterais e simétricas
na malha, cada uma com 6 cm de diâmetro, que permitiram a inserção e remoção das orelhas
sintéticas, uma vez que este modelo foi projetado para ser reutilizável, permitindo
a substituição das orelhas sintéticas após cada prática das suturas, utilizando as
técnicas cirúrgicas de Furnas e Mustardé. Foram produzidos 2 modelos e 80 pares de
orelhas intercambiáveis para treinamento, permitindo a troca após a realização da
técnica por cada participante. O custo total para a confecção de um modelo foi de
aproximadamente R$100,00 ([Figura 1]).
Fig. 1 Modelo para treinamento de otoplastia. Fonte: autores.
Modelo de Rinoplastia
Foi utilizada uma máscara plástica com aplicações de cola quente como arcabouço ósseo
para a face, incluindo o septo nasal e os ossos próprios nasais. As cartilagens foram
fabricadas a partir de silicone acético, utilizando um molde de massa epóxi artesanalmente
criado para reproduzir o formato das cartilagens laterais superior e inferior. As
cartilagens foram fixadas ao arcabouço ósseo utilizando fios de sutura, proporcionando
estabilidade e anatomia realística ao modelo. O uso de silicone acético neste modelo
permite treinamento repetido sem desgaste significativo, facilitando a substituição
das cartilagens por novas peças moldadas conforme necessário. Foram feitos três modelos,
cada um com custo total aproximado de R$150,00 ([Figura 2]).
Fig. 2 Modelo para treinamento de rinoplastia. Fonte: autores.
Modelo de Reconstrução do CAP
Utilizou-se um manequim de membro superior como base, sobre o qual foi aplicada uma
camada de espuma de 0,5 cm de espessura. Adicionalmente, foram sobrepostas diversas
camadas de espuma nos flancos e no tórax para moldar anatomicamente o corpo, fixadas
com cola quente, simulando características femininas. Em seguida, o modelo foi recoberto
com malha, proporcionando uma superfície mais estética. Na região das mamas, em ambos
os lados, foram deixados espaços estratégicos que permitiram a inserção e remoção
de discos de espuma com a mesma espessura da colocada no manequim, revestidos com
a mesma malha já utilizada para a realização da reconstrução do CAP através de suturas.
Esses discos eram inseridos nos espaços designados no modelo, permitindo aos praticantes
realizar repetidamente a reconstrução, sendo removidos e substituídos por novos após
cada prática. Foram feitos dois modelos, cada um custando aproximadamente R$170,00
([Figura 3]).
Fig. 3 (A). Modelo para treinamento de reconstrução de complexo areolopapilar (CAP). (B). Peça removível para confecção da técnica, reproduzindo uma mama pós-mastectomia.
É possível a sua troca para reutilização do modelo. (C). Reprodução da técnica de retalho C-V usada na reconstrução do CAP. Fonte: autores.
Modelo de Ninfoplastia
Para a montagem do modelo de ninfoplastia foi confeccionado um manequim de tecido,
preenchido com espuma, que representava uma pelve feminina na posição de litotomia.
Os grandes lábios foram confeccionados individualmente com um tecido mais espesso
e moldados, através de costura, para serem encaixados de forma ajustada na pelve do
modelo, permitindo que os estudantes praticassem a redução dos grandes lábios realizada
no procedimento de ninfoplastia e realizassem suturas. Após as práticas de sutura,
apenas os grandes lábios, feitos com o tecido mais espesso e de cor rosa escuro, podiam
ser facilmente substituídos. Isso possibilitava a reutilização contínua do modelo,
economizando recursos e permitindo que múltiplos estudantes praticassem a técnica
de ninfoplastia de maneira eficiente e realista. Foram feitos dois modelos, cada um
custando aproximadamente R$100,00 ([Figura 4]).
Fig. 4 (A). Modelo para simulação de ninfoplastia com possibilidade de reposição e reutilização
dos pequenos lábios após o treino da técnica. (B). Pequenos lábios antes (direita) e após (esquerda) o treino da técnica de ressecção
em estrela.
Modelo de Lipoaspiração
Os materiais necessários utilizados foram o corpo de um manequim, esponja 0,5 cm de
largura, 1,5 m de tecido de malha da cor bege, 0,5 m de tecido rosa claro, zíper e
isopor micropérola. Foi utilizado um tórax de manequim que foi envolto por uma camada
de esponja 0,5 cm, recoberto pelos tecidos, que foram costurados, e assim foi adquirido
o formato do busto, simulando um corpo humano. Foi costurada outra camada de tecido
por cima dessa camada, na região abdominal, delimitando uma cavidade virtual, onde
posteriormente foi colocado um isopor micropérola e fechado inferiormente com zíper.
O intuito dessa dupla camada é fazer com que a absorção das bolas de isopor, feita
por uma cânula fixada em um aspirador de pó caseiro, simula a remoção da gordura corporal.
O tecido da região umbilical foi costurado separadamente para possibilitar a reutilização
mesmo após fazer a incisão supra púbica, sendo colocada uma pequena camada de espuma
substituível. O modelo foi testado por outros cirurgiões plásticos e pelos ligantes
e teve sua eficácia comprovada como uma alternativa inovadora para a prática cirúrgica
de lipoaspiração. Foi fabricado um modelo, com custo total para sua confecção de aproximadamente
R$200,00 ([Figura 5]).
Fig. 5 Modelo para treinamento de lipoaspiração. Fonte: autores.
Para análise das respostas do questionário, os dados categóricos foram expressos como
contagem absoluta e porcentagens. Dados contínuos foram primeiramente avaliados quanto
à normalidade usando o teste de Shapiro-Wilk. Dados considerados paramétricos foram
expressos como média ± desvio padrão (DP), e dados não paramétricos como mediana e
intervalo interquartil (IIQ). Comparações entre dois grupos independentes foram feitas
usando o teste t de Student para dados paramétricos e teste de Wilcoxon para dados
não paramétricos. A hipótese é de que a retenção foi maior após o treinamento simulado
comparado com a aula teórica apenas. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. As análises foram realizadas
no software Jamovi.[8]
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Unifor, contemplando os preceitos éticos
e legais que norteiam e balizam pesquisas envolvendo seres humanos, estabelecidos
pela Resolução 466/12, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CAEE 73903623.6.0000.5052).
Resultados
Participaram 50 estudantes, 23 (46%) do sexo masculino e 27 (54%) do sexo feminino.
A mediana de idade dos participantes foi de 19,5 anos (mín. 17 - máx. 39; IIQ 2).
Participaram 4 (8%) alunos matriculados no 1° semestre letivo do curso de Medicina,
17 (34%) do 2° semestre, 17 (34%) do 3° semestre, 9 (18%) do 4° semestre, 1 (2%) do
5° semestre, 1 (2%) do 6° semestre e 1 (2%) do 8° semestre.
A maioria dos participantes (n = 29, 58%) respondeu que tem como método principal de estudo assistir a aulas teóricas
e realizar práticas reais que simulem a realidade do conteúdo teórico, enquanto a
minoria respondeu apenas assistir aulas teórica ou assistir aulas e apenas imaginar
situações reais.
A maior parte dos participantes (n = 34, 68%) nunca havia tido contato com um simulador cirúrgico antes de participar
do curso promovido pela liga acadêmica. Dentre aqueles que responderam que já tinham
tido contato antes, os principais simuladores citados foram modelo de pele ou braço
para treino de sutura, simulador de drenagem torácica e simulador de paracentese.
Nenhum estudante havia tido contato anteriormente com modelos sintéticos para treino
de otoplastia, rinoplastia e lipoaspiração, enquanto apenas um conhecia um modelo
para cirurgia da reconstrução CAP e quatro conheciam um modelo para ninfoplastia.
Cerca de 76% (n = 38) dos estudantes avaliaram seu conhecimento sobre técnicas em cirurgia plástica
como zero, 1 ou 2 (numa escala onde zero equivale a nenhum conhecimento e 5 a conhecimento
máximo), antes das aulas promovidas pelo curso.
Após assistir apenas a aula teórica sobre otoplastia, ninfoplastia, rinoplastia, reconstrução
do CAP e lipoaspiração, a maior parte dos alunos respondeu que obteve uma boa fixação
de conteúdos aprendidos, respectivamente 64% (n = 32), 62% (n = 31), 56% (n = 28), 68% (n = 34), 64% (n = 32). Depois de realizarem o treinamento prático de cada técnica cirúrgica nos modelos
sintéticos de baixo custo, a maioria dos estudantes respondeu que a fixação do aprendizado
foi muito boa: 80% (n = 40) para otoplastia, 80% (n = 40) para ninfoplastia, 76% (n = 38) para rinoplastia, 78% (n = 39) para reconstrução do CAP e 70% (n = 35) para lipoaspiração. Após as práticas, 88% (n = 44) dos participantes avaliaram seus conhecimentos como 4 ou 5.
As frequências de respostas quanto à retenção de conteúdos após apenas a aula teórica
e após aula e prática simulada para todas as práticas seguiram uma distribuição não
normal (teste Shapiro Wilk p < 0,01). As medianas das respostas após as aulas e práticas foram significativamente
maiores (teste de Wilcoxon p < 0,001) quando comparados com as aulas teóricas apenas ([Tabela 1]). Apesar das médias não representarem bem o comportamento das variáveis, optou-se
por apresentá-las para possíveis comparações com outros estudos. Todos responderam
que a prática com modelos sintéticos ajudou a despertar algum interesse por cirurgia
e que consideram relevante o uso de modelos cirúrgicos de baixo custo no desenvolvimento
de habilidades médicas.
Tabela 1
|
Após assistir apenas à aula teórica sobre a técnica cirúrgica
|
Após assistir à aula teórica e realizar a prática com modelo sintético
|
|
|
|
Média (DP)
|
IC 95%
|
Mediana (IIQ)
|
Média (DP)
|
IC 95%
|
Mediana (IIQ)
|
W
|
p
|
Otoplastia
|
3,80 (0,67)
|
3,61 - 3,99
|
4 (0,75)
|
4,70 (0,64)
|
4,52 - 4,88
|
5 (0,0)
|
95[a]
|
<,001
|
Ninfoplastia
|
3,80 (0,80)
|
3,57 - 4,03
|
4 (0,0)
|
4,74 (0,56)
|
4,58 - 4,90
|
5 (0,0)
|
78[b]
|
<,001
|
Rinoplastia
|
3,80 (0,80)
|
3,57 - 4,03
|
4 (1,0)
|
4,62 (0,75)
|
4,41 - 4,83
|
5 (0,0)
|
78[d]
|
<,001
|
Reconstrução do CAP
|
3,86 (0,60)
|
3,69 - 4,03
|
4 (0,0)
|
4,74 (0,52)
|
4,59 - 4,89
|
5 (0,0)
|
64,5[b]
|
<,001
|
Lipoaspiração
|
3,92 (0,69)
|
3,72 - 4,12
|
4 (0,0)
|
4,56 (0,73)
|
4,35 - 4,77
|
5 (1,0)
|
134[e]
|
<,001
|
Discussão
Este estudo avalia a efetividade de modelos sintéticos de baixo custo na simulação
de procedimentos cirúrgicos e no ensino de habilidades cirúrgicas para estudantes
de Medicina. O estudo envolveu 50 estudantes, que, usando modelos sintéticos de baixo
custo, foram treinados em otoplastia, rinoplastia e lipoaspiração. Após o curso, a
grande maioria dos participantes classificaram seu conhecimento como alto, e todos
os participantes relataram que a experiência prática com modelos sintéticos ajudou
a despertar o interesse pela cirurgia.
Nos últimos anos, a graduação médica vem passando por mudanças significativas, exigindo
adaptação do ensino de habilidades cirúrgicas. O cenário tradicional de ensino está
mudando também devido aos custos financeiros, modificações culturais e sociais e novas
tecnologias de ensino-aprendizagem.[5]
Ao longo dos anos, percebeu-se que os egressos de cursos de Medicina treinados em
habilidades cirúrgicas pelo modelo Halstediano (“ver um, fazer um, ensinar um”) não
estavam preparados para as residências médicas. Era necessário um método eficiente
e acessível de ensino e avaliação de conhecimentos e habilidades, que pudesse ser
amplamente aplicado. A solução foi o treinamento simulado, que oferece um ambiente
seguro para os alunos praticarem e aprenderem antes de lidar com pacientes e cenários
reais.[9]
[10]
A simulação inclui modelos físicos, como bancadas sintéticas de “laboratório seco”
e modelos de cadáveres e animais, além de simuladores de realidade virtual e aumentada.
Atualmente, cada vez mais são empregadas novas tecnologias baseadas em simuladores,
com variados níveis de realismo. O Colégio Americano de Cirurgiões, por exemplo, não
exige treinamento em animais, utilizando simuladores para a acreditação de especialistas.[7]
Simuladores de baixa fidelidade consistem em manequins estáticos usados para treinar
habilidades básicas e não interagem com o aprendiz. Já os simuladores de alta fidelidade
são controlados por computador e ajustam parâmetros conforme o desempenho do participante,
além de serem em geral de custo elevado. Em contraste, simuladores de baixo custo
são feitos com materiais acessíveis e replicam a anatomia necessária para treinamentos
específicos.[11] Apesar das diferenças entre os tipos de simuladores, a literatura mostra que o treinamento
de habilidades cirúrgicas em modelos de baixa fidelidade é tão efetivo quanto o treinamento
de modelos de alta-fidelidade.[9]
[12] Tais dados corroboram os achados de nosso estudo.
A efetividade dos simuladores fabricados e utilizados em nosso estudo foi avaliada
com base em vários aspectos já bem estabelecidos, como: opinião de especialistas sobre
quão bem o conteúdo do simulador reflete as habilidades e conhecimentos necessários;
opinião do usuário; e o custo-benefício.[13]
No campo da educação na área de saúde, a fabricação local de simuladores para o treinamento
de procedimentos clínicos capacita e encoraja estudantes e professores a se envolverem
de maneira ativa, incentivando o desenvolvimento de novas formas de avaliar o desempenho
na utilização desses recursos. Corroborando os achados do nosso estudo, pesquisas
mostram que a simulação é mais agradável, envolvente, eficaz e segura de que o ensino
tradicional por palestras.[14] Alguns dos simuladores disponíveis no mercado têm um custo significativo para adquirir
e manter, limitando o acesso das instituições de ensino. Essas barreiras impulsionam
o desenvolvimento de modelos acessíveis, fáceis de fabricar e de substituir.[15]
Semelhante ao nosso estudo, uma outra pesquisa foi realizada com 91 estudantes do
4° ano de Medicina de uma instituição no oeste do Paraná sobre o uso de simuladores,
no caso para treinamento urogenital masculino. Entre eles, 45 receberam orientação
e treinamento com simuladores, enquanto 46 usaram apenas informações de aulas teóricas.
Os que treinaram com simuladores tiveram escores mais altos e maior confiança. Esses
estudantes tiveram até o dobro de chances de obter escores maiores. Aqueles que apenas
seguiram as aulas teóricas tiveram mais dificuldade, estresse e ansiedade ao realizar
as tarefas nos manequins.[16]
A Comissão Lancet sobre Cirurgia Global de 2015 destacou a escassez de profissionais
de saúde prestadores de serviços de cirurgia, especialmente em países de baixa e média
renda, deixando 5 bilhões de pessoas sem acesso a cuidados cirúrgicos. Em alguns países,
não se exige pós-graduação para realizar cirurgias, aumentando a necessidade de formar
generalistas cirurgicamente competentes. Isso é desafiador devido à falta de docentes,
ao grande número de estudantes, à prioridade dos residentes nos serviços de saúde
e à carga de trabalho dos supervisores. O treinamento cirúrgico baseado em simulação
pode ajudar a enfrentar esses desafios.[17]
[18]
Esse estudo apresenta certas limitações. Primeiramente, a quantidade de participantes
envolvidos é relativamente baixa, o que pode comprometer a representatividade dos
resultados. Além disso, a variedade limitada de modelos sintéticos que simulam procedimentos
cirúrgicos restringe a abrangência das conclusões, potencialmente diminuindo o impacto
do estudo.
Apesar dessas limitações, o objetivo principal foi alcançado: desenvolver e avaliar
modelos sintéticos de baixo custo como ferramentas práticas, acessíveis e escaláveis
para o ensino inicial de técnicas cirúrgicas, com foco em cirurgia plástica. Esses
modelos foram projetados para possibilitar procedimentos como ressecções, mobilizações
e rotações com grau de realismo adequado ao propósito do treinamento básico.
Reconhece-se que alguns materiais biológicos classicamente utilizados para esse tipo
de treinamento, como línguas bovinas, possam oferecer vantagens específicas, os modelos
sintéticos apresentam benefícios complementares de: praticidade e segurança - eliminam
o manuseio e descarte de materiais orgânicos, que demandam cuidados adicionais; reprodutibilidade
e padronização - permitem a fabricação de características anatômicas consistentes,
garantindo uniformidade nos treinamentos; sustentabilidade e acessibilidade - os materiais
utilizados são de fácil aquisição e permitem a substituição modular de componentes,
reduzindo custos operacionais.
Estudos recentes corroboram a eficácia de modelos sintéticos no ensino cirúrgico.
Uma revisão sistemática recente, englobando 57 artigos, destaca que simuladores não
biológicos são eficazes na aquisição de habilidades motoras e no aumento da confiança
de aprendizes em estágios iniciais no treinamento de técnicas microcirúrgicas em cirurgia
plástica. Além disso, são amplamente aceitos como alternativas viáveis e econômicas.[19] Awad et al (2023) demonstraram que modelos à base de espuma para treinamento de
sutura de pele são uma alternativa não biológica de alta fidelidade e não são inferiores
a outros matérias de alto custo.[20] Outra revisão sistemática sobre treinamento microcirúrgico reforça que simuladores
sintéticos são viáveis para o ensino inicial, reduzindo a necessidade de uso de modelos
biológicos e animais.[21] Esses achados sustentam os resultados do nosso estudo, no qual 88% dos participantes
relataram melhora significativa no aprendizado e na confiança após o treinamento com
modelos sintéticos, em comparação às aulas teóricas.
Ressalta-se que os modelos desenvolvidos não têm a pretensão de substituir abordagens
mais avançadas, mas sim de complementar o ensino prático, proporcionando uma alternativa
acessível e eficiente para a introdução de habilidades técnicas. Sua simplicidade
e custo-benefício permitem maior escalabilidade e democratização do acesso ao treinamento
cirúrgico.
Para aumentar a validade e a confiabilidade dos resultados, é essencial ampliar o
número de participantes e diversificar os modelos sintéticos utilizados. Essas ações
não apenas fortaleceriam a fidedignidade das conclusões, mas também aumentariam o
impacto do estudo, oferecendo uma base mais robusta para a aplicação prática dos achados.
Para estudos futuros, é recomendável também expandir a avaliação de diferentes materiais
sintéticos, com o objetivo de aprimorar o realismo dos modelos, realizar comparações
diretas entre a eficácia de modelos biológicos e sintéticos em treinamentos avançados
e ampliar tanto o número de participantes quanto as técnicas avaliadas. Apesar das
limitações, os dados mostram que simuladores de baixo custo permitem treinar habilidades
cirúrgicas.
Conclusão
A simulação prática utilizando modelos de baixo custo para treinamento de técnicas
de diferentes cirurgias plásticas demonstrou ser um método efetivo de ensino e ofereceu
um ambiente seguro de aprendizagem, reduzindo a insegurança e melhorando a preparação
e a confiança dos estudantes para interagir futuramente com pacientes reais. Assim,
os alunos enfrentam situações desafiadoras, veem as consequências de suas ações e
recebem feedback imediato. Esse aprendizado interativo desenvolve julgamento clínico,
reconhecimento e gerenciamento de erros, reduzindo riscos e aumentando a segurança
dos pacientes.
Destaca-se que a introdução precoce da simulação no currículo médico proporciona um
aprendizado significativo que liga teoria e prática. Os modelos descritos e utilizados
no presente estudo podem ser replicados em outras instituições para difundir o ensino
médico cirúrgico.
Bibliographical Record
Artur Diógenes Vasques Farias, Ivens Rafael Resplande de Sá, Leticia Libório Santos,
Lucas Evangelista de Andrade, Lourrany Borges Costa. Simuladores sintéticos de baixo
custo no ensino de Cirurgia Plástica para estudantes de Medicina. Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451809396.
DOI: 10.1055/s-0045-1809396