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CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(03): 217712352024rbcp0924pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0924-PT
Artigo Original

A cirurgia plástica e a mudança de comportamento de celebridades: Ocultando e desvelando

Article in several languages: português | English
1   Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Faculdade de Medicina, Campinas, SP, Brasil.
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1   Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Faculdade de Medicina, Campinas, SP, Brasil.
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1   Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Faculdade de Medicina, Campinas, SP, Brasil.
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▪ RESUMO

Introdução:

A recente Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.336/23, que permite divulgação mais ampla dos serviços médicos, joga luz sobre a relação da Cirurgia Plástica com a esfera midiática. Esta, além da insatisfação com o corpo e questões socioculturais, é fator que contribui para que mulheres representem 86,3% dos recipiendários dos procedimentos da especialidade mundialmente. Objetiva-se elaborar painel referencial de situações reais do modo como celebridades femininas abordam suas cirurgias plásticas publicamente na mídia.

Método:

Procede-se estudo qualitativo do tipo Ensaio Descritivo-Analítico com coleta de dados online. Utilizaram-se publicações provenientes de três nações, Brasil, Reino Unido e Estados Unidos da América, veiculadas em sites, revistas, jornais, além de materiais de redes sociais.

Resultados:

A construção de painel evolutivo referencial constituído por situações reais revela a sequência de duas principais fases: o ocultamento e o desvelar. Na primeira, celebridades femininas negavam que suas alterações de aparência física eram fruto de intervenções cirúrgicas, como nos emblemáticos casos das atrizes Marilyn Monroe e Jeniffer Laurence e da estrela da televisão Kim Kardashian. Acerca do desvelamento, sobretudo no Brasil, personalidades famosas começaram a tratar suas cirurgias plásticas com maior transparência, tais quais a cantora Anitta e a apresentadora Xuxa. Em redes sociais tornou-se encontradiça a presença de usuários documentando a própria experiência com procedimentos da especialidade.

Conclusão:

A cirurgia plástica provavelmente ganhou maior presença na mídia com a popularização da cirurgia estética, processo este em que a aceitação das celebridades e a publicização de procedimentos mostram-se significativas.


INTRODUÇÃO

A mudança das normativas de publicidade médica, notavelmente representada pela recente Resolução CFM nº 2.336/23[1], sinaliza transformação substancial no panorama da prática médica, particularmente no campo da cirurgia plástica (CP). Tal revisão do Conselho Federal de Medicina agora permite divulgação mais ampla dos serviços médicos, como o resultado das intervenções cirúrgicas, cuja presença da cirurgia estética mostra-se crescente nos meios de comunicação. Assim, tal evento joga luz, desafiando aprofundamento sobre a relação da especialidade com a esfera midiática.

De fato, em artigo publicado na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, Coelho et al.[2] apontam que, além do reconhecimento da insatisfação para com o corpo e a influência sociocultural como sendo os fatores mais evidentes que levam as mulheres à cirurgia plástica, a mídia também se constitui elemento presente nas decisões dessa ordem. Como o trabalho dos autores avalia esse fenômeno em pacientes femininas que não são celebridades, pode-se inferir que, naquelas que o são, a influência da mídia pode ser ainda mais atuante.

Desse modo, desde especulações de intervenções em personalidades famosas até relatos de experiências costumam ser tópicos em revistas, jornais e redes sociais. No entanto, mesmo com tamanho desenvolvimento e abrangência, aparentemente pouco se investigou a conduta desse grupo em relação às CPs. Num contexto em que as fronteiras entre a esfera clínica e a exposição pública se tornam cada vez mais permeáveis, a maneira como a popularização da cirurgia plástica está possivelmente relacionada à aceitação das celebridades e à não confidencialidade dos procedimentos destaca o comportamento de figuras públicas na moldagem das percepções sociais acerca da especialidade.

Dado que as mulheres representam 86,3% do total dos recipiendários dos procedimentos cirúrgicos estéticos no mundo[3], mostra-se legítima a busca de composição de painel sobre como celebridades femininas se comportam com o fato de tornarem públicas ou não suas cirurgias plásticas estéticas.


OBJETIVO

Portanto, tem-se como objetivo contribuir para elaboração de painel referencial constituído por situações reais do modo com que se dá a abordagem por celebridades femininas de suas cirurgias plásticas publicamente na mídia.


MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo com dados secundários do tipo Ensaio Descritivo-Analítico. Procedeu-se à coleta de dados “online”, considerando fontes em língua portuguesa e inglesa. Foram encontradas publicações relevantes provenientes de três nações diferentes, quais sejam seis do Brasil, três do Reino Unido e uma dos Estados Unidos da América. Ademais, utilizaram-se textos escritos em sites, revistas, jornais, além de vídeos longos e curtos de redes sociais.


RESULTADOS

Ocultando

Durante a “era de ouro” de Hollywood, nos anos 1960, havia dez regras que as estrelas do cinema eram obrigadas a seguir, dentre as quais se configura a mudança de aparência, muitas vezes por meio de CPs[4]. Tais modificações eram envoltas de especulações, visto que famosos da época não costumavam falar abertamente sobre o tema.

Celebridades, principalmente do sexo feminino, negavam que suas mudanças de aparência física, ao se comparar o antes e o depois da fama, eram fruto de intervenções cirúrgicas. Exemplo representativo da ocultação é o da atriz Marilyn Monroe, a qual nunca confirmou ter realizado CPs. No entanto, 51 anos após sua morte, radiografias comprovaram a realização de enxerto no queixo, fratura no osso nasal e injeções de silicone nas mamas (um precursor dos implantes mamários atuais)[5].

Com o início do novo século, percebe-se que o público permaneceu com a ideia de que pessoas famosas que apareciam em televisão, revistas e recentemente na Internet eram belas de forma nata. Personalidades famosas do século XXI ainda se apresentam relutantes em admitir publicamente suas cirurgias plásticas, embora com notáveis transformações em sua aparência física após a fama.

Outro exemplo notório de tal fenômeno se passa com a personalidade da mídia suíça Jocelyn Wildenstein, de 82 anos. Chamada de “mulher gato” por suas mudanças de fisionomia, a celebridade nega ter feito qualquer procedimento, mesmo que sua aparência denuncie características típicas de intervenções cirúrgicas sucessivas[6].

Também, a estrela de “reality show” da televisão estadunidense Kim Kardashian, de 42 anos, é outro exemplo do referido ocultamento. Nos anos 2010, a influenciadora era noticiada pela mídia por submeter-se ao aumento de glúteos com o “Brazilian Butt Lift” (BBL); já em 2023, especulava-se acerca de reversão do BBL por meio de lipoaspiração[7]. Outro caso que ganhou notoriedade na mídia foi o da atriz Jennifer Lawrence, de 32 anos, a qual também foi alvo de especulações. Após mudanças em sua fisionomia e a nomeação em 2011 como uma das pessoas mais bonitas do mundo pela revista People Magazine, ela confirmou, em 2012, os boatos acerca de rinoplastia antes ocultada no passado[8].


Desvelando

Diferentemente de celebridades como a personalidade da televisão e a atriz, há aquelas que expõem abertamente seus procedimentos cirúrgicos. Nesse sentido, a cantora Anitta, em 2013, decidiu revelar sua primeira rinoplastia ao receber o prêmio Melhores do Ano no programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, com curativo no nariz[9]. Em tal episódio, como a CP ainda era assunto que não costumava ser tratado tão abertamente, ao não se esconder o processo de recuperação, a audiência do programa reagiu de forma negativa[10]. A artista pareceu não se importar com as críticas e manteve-se na posição de não ocultar suas intervenções estéticas.

No Brasil, outras personalidades famosas também começaram a tratar o assunto com maior transparência, a exemplo da apresentadora Xuxa Meneghel, de 60 anos, que contou suas experiências com mamoplastias: a primeira em 2000, com prótese de 230ml, e a segunda em 2016, com redução para próteses com 140ml[11].

Ademais, o conceito de celebridade, no passado, limitava-se a pessoas conhecidas por ocuparem lugar de destaque como em cinema, programas de televisão, novelas, e peças de teatro. Na contemporaneidade, com a relevância das redes sociais, percebe-se que surgiram personalidades famosas do meio virtual, como as influenciadoras digitais.

Tornou-se comum a postagem de vídeos no YouTube de pacientes documentando a própria experiência com determinada cirurgia plástica. A maquiadora Mari Maria, de 30 anos, cujo canal tem 10,5 milhões de inscritos, elaborou uma série na plataforma relatando os processos de pré e pós-cirúrgico de sua rinoplastia, que contabiliza 2,6 milhões de visualizações no vídeo mostrando o dia da intervenção[12]. Nas imagens de 2018, são compartilhados com o público registros logo após o procedimento, com a influenciadora ainda debilitada.

Nesse sentido de maior popularização e liberdade de relatos, há movimento similar de usuários do TikTok. Perfis com bastante engajamento publicam vídeos curtos contando a vivência e tirando dúvidas dos seguidores a respeito. A influenciadora Dylan Mulvaney, com 10,6 milhões de seguidores na rede social, narrou o seu processo de afirmação de gênero para o sexo feminino, explicando como ocorreram suas sucessivas cirurgias, tais como rinoplastia, mentoplastia e frontoplastia. Em publicação de 2022 com 17,5 milhões em audiência, por exemplo, a influenciadora mostra conversa com seu cirurgião plástico sobre a cirurgia de feminização facial[13].



DISCUSSÃO

Evidências consistentes indicam que no passado a Cirurgia Plástica restringiase a contribuir à recuperação da qualidade de vida de pacientes por meio de procedimentos reconstrutivos, percebendo-se mudança no direcionamento da especialidade com o passar dos anos. Nesse sentido, Censo de 2018 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica[14] mostra o predomínio de intervenções estéticas em relação às reparadoras, dado que, no período de 2009 a 2018, a cirurgia estética superou em 359.029 a quantidade de procedimento reparadores em 2018 no Brasil.

Além disso, no que se refere ao crescimento da especialidade, foi relatado aumento de 177,1% nesses dez anos de análise, com incialmente 629.000 procedimentos em 2009 e 1.742.861 em 2018[14]. Desse modo, a cirurgia plástica cresceu como especialidade com a popularização das intervenções estéticas, processo possivelmente influenciado pela mudança de comportamento das celebridades em revelar suas cirurgias publicamente.

Lima et al.[15], em estudo publicado nesta revista, destacam que, de fato, o conceito de CP veiculado na mídia está diretamente associado a ganhos estéticos. Os autores chegaram à conclusão de que das 1.983 notícias que abordavam CPs analisadas na imprensa brasileira, 68,94% foram classificadas com foco na estética, enquanto 21,33% na área reparadora.

Ademais, da ocultação ao desvelamento, é observado que, na atualidade, muitas celebridades expõem abertamente seus procedimentos. Tal alteração de comportamento observada pode promover a afirmação da cirurgia plástica, dado que contribui para desmistificar e popularizar os procedimentos. Igualmente, é possível inferir que, ao passo que elas começaram a relatar seus procedimentos estéticos, a CP ganhou mais presença na mídia.

Por fim, no que se refere às limitações do trabalho, parece que, contribuindo contrariamente ao aqui amealhado, pode ser identificada carência de estudos científicos que relacionem a cirurgia plástica com pacientes em exposição na mídia. Nas bases de dados como SciELO, PubMed e LILACS, foi encontrado único artigo sobre essa discussão, o já citado de Lima et al.[15]. Desse modo, tal escassez aponta para a procedência de se produzirem mais estudos sobre a matéria, que ampliam esta exploração presente.


CONCLUSÃO

Pode-se afirmar, portanto, que são registradas três importantes mudanças que parecem articuladas entre si. A primeira diz respeito à popularização da cirurgia estética. Percebe-se também a transição da conduta de personalidades famosas acerca de suas cirurgias plásticas, saindo do ocultamento em direção ao desvelamento. Releva-se que o noticiar de tal mudança teria se associado a maior presença da cirurgia plástica na mídia, contribuindo para a divulgação da especialidade.



Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas), Faculdade de Medicina, Campinas, SP, Brasil.



*Autor correspondente:

Lucas Monteiro Chaves
José Decourt Homem de Mello, S/N, Res. Estância Eudóxia, Campinas, SP, Brasil, CEP:130855-552

Publication History

Received: 29 January 2024

Accepted: 26 July 2024

Article published online:
22 May 2025

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Bibliographical Record
LUCAS MONTEIRO CHAVES, ISABELLA WUILLAUME MARINO, AGUINALDO GONÇALVES. A cirurgia plástica e a mudança de comportamento de celebridades: Ocultando e desvelando. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0924pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0924-PT