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DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0907-PT
Tendência temporal de internação por queimadura, na faixa etária 0-14 anos, no Brasil, 2012-2022
Article in several languages: português | English▪ RESUMO
Introdução:
Queimaduras são lesões teciduais causadas pelo contato com fontes de calor. Representam um problema de saúde pública global. Em crianças causam grandes impactos. A gravidade e intensidade das queimaduras estão relacionadas ao agente etiológico e suas consequências são um grande obstáculo para o paciente.
Método:
O estudo analisou dados de internações hospitalares por queimaduras em crianças de 2012 a 2022, utilizando informações do SIH-SUS. Foram calculadas taxas de internações por 100.000 habitantes para cada ano, considerando variáveis dependentes. Os pesquisadores utilizaram coeficientes padronizados e regressão linear simples para analisar os dados.
Resultados:
Incluíram-se dados de 91.091 internações por queimaduras em crianças, 0-14 anos. Verificou-se estabilidade na taxa geral de internações (taxa média 17,963; ß=0,119; p=0,163). No sexo feminino houve tendência de aumento (taxa média 14,346; ß=0,169; p=0,029); no masculino de estabilidade (taxa média 21,426; ß=0,069; p=0,504). O sexo feminino comportou-se com estabilidade em todas as faixas etárias; o masculino com aumento na faixa 0-4 anos (taxa média 42,264; ß=0,613; p=0,003), estabilidade na faixa 5-9 anos (taxa média 14,189; ß=-0,21; p=0,867) e redução na faixa 10-14 anos (taxa média 9,871; ß= -0,328; p=0,007). A Região Sul demonstrou tendência de aumento (taxa média 26,952; ß=1,091; p=0,001).
Conclusão:
Houve estabilidade na taxa geral de internações. O sexo feminino tendeu ao aumento e o masculino à estabilidade. Houve estabilidade nas regiões brasileiras, exceto no Sul.
INTRODUÇÃO
As queimaduras são lesões teciduais decorrentes de fontes variadas capazes de produzir calor[1] e configuram-se como um problema global de saúde pública responsável por aproximadamente 180.000 mortes/ano em países de baixa e média renda, consideradas a quinta causa de mortes no mundo[2]. Em crianças, são responsáveis por impactos negativos devido à gravidade, às dificuldades de manejo, ao potencial de mortalidade, às consequências físicas e psicológicas, tanto para a vítima quanto para o seu ambiente familiar[3].
Apresentam diferentes etiologias, entre elas, escaldaduras, chamas, tensão elétrica, produtos químicos ácidos ou básicos e radiação ultravioleta[4], responsáveis por pequenas queimaduras, tratadas com facilidade, ou por lesões de grau elevado, com consequências irreversíveis[5]. O organismo responde de forma local ou sistêmica, a primeira devido a dano direto ao tecido, enquanto a segunda resulta de danos indiretos, isto é, vários mecanismos fisiológicos tentam conter a lesão[6]. A gravidade e o grau das lesões têm relação direta com o agente etiológico, a intensidade do calor, o local atingido e o tempo de exposição[7] [8].
Na infância, as queimaduras são a segunda causa de acidentes mais recorrentes, a quinta causa de lesões pediátricas não fatais[2] [9] e a terceira causa de morte[9]. Mais de 111 mil crianças são internadas por acidentes ou lesões não intencionais, como as queimaduras, que acarretam cerca de 3,6 mil óbitos/ano[10] e representam aproximadamente 6% das mortes entre as faixas etárias de 0 a 14 anos[11].
As crianças menores são mais vulneráveis aos acidentes domésticos do tipo queimaduras devido à menor coordenação motora causada por imaturidade física, por curiosidade aguçada e maior dependência dos pais e cuidadores[12]. O sexo masculino tem risco aumentado em todas as faixas etárias, sendo 1,5 meninos para cada menina vítima de queimaduras, e 53,4% dos meninos, a partir do primeiro ano de vida, têm o dobro de chance de sofrer injúrias[13]. Essa maior proporção pode estar associada ao comportamento e aos fatores culturais, determinantes na maior liberdade aos meninos, que se expõem a brincadeiras arriscadas[14] [15].
Nos Estados Unidos da América (EUA), a queimadura é a quarta maior causa de morte por trauma[3] [16] e, em menores de 16 anos, conforme National Burn Repository, as internações correspondem a 20%[17]. No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas sofrem acidentes envolvendo queimaduras e apenas 100 mil procuram ajuda médica após o ocorrido[18].
Os custos financeiros variam conforme extensão da lesão, tempo de internação, número de intervenções e método de tratamento[19]. Tratar queimaduras exige grande oneração econômica, conforme manejo clínico e cirúrgico, os quais incluem equipe multiprofissional capacitada, alto tempo de internação, associado a procedimentos, medicações e equipamentos[20].
Nos EUA, os custos diretos para atendimento de crianças vítimas de queimaduras são superiores a US$ 211 milhões, entre 3000 a 5000 dólares/dia e corresponde a aproximadamente 23% do custo total do tratamento[2]. No Brasil, os gastos aproximados foram de R$ 450 milhões com internações por queimadura na última década[21]. No entanto, não existem estudos suficientes que avaliem detalhes do custo da hospitalização de vítimas de queimaduras[22]. Estudo que analisou 180 pacientes vítimas de queimaduras por 5207 dias, estimou que os custos diretos diários de tratamento foram de US$ 1.330,48 e o custo total da internação de US$ 39.594,90[19]. Ainda, sobreviventes à queimadura despendem menos que não sobreviventes e, entre custos diretos e indiretos, cada paciente custa US$ 88.218[19] [22].
Além do custo financeiro, as queimaduras têm custos sociais de causas indiretas como desemprego, cuidado prolongado, traumas emocionais e assistência familiar[2]. O estigma causado pelas queimaduras é considerado um obstáculo pelo paciente, pois interfere na autopercepção e autoestima e conduz as vítimas a sentimentos de autodepreciação[23]. Aproximadamente metade das queimaduras ocorrem em crianças e adolescentes, o que acarreta consequências individuais e sociais[24].
Segundo a Organização Mundial da Saúde, traumas por queimaduras são mais frequentes em países subdesenvolvidos, visto que há mais atendimentos médicos entre crianças de menor nível socioeconômico e que as políticas públicas, as condutas de prevenção implementadas pelo governo, as baixas condições sociais, econômicas e culturais são motivos para a maior prevalência nesses locais[2] [24].
Logo, conhecer a tendência temporal das internações por queimaduras pediátricas de todas as regiões brasileiras poderá contribuir para o planejamento de políticas públicas voltadas à prevenção e à redução de custos sociais e financeiros destinados às internações hospitalares.
OBJETIVO
Assim, o objetivo do estudo foi investigar a tendência temporal de internações por queimaduras pediátricas, na faixa etária de 0 a 14 anos, no Brasil, entre 2012 e 2022.
MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais com informações referente às internações hospitalares por queimaduras pediátricas no Brasil. Os dados foram obtidos no site de domínio público Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), disponíveis no Departamento de Informática do Sistema único de Saúde (DATASUS). As informações sobre as internações hospitalares no SUS são armazenadas a partir dos dados da Autorização de Internações Hospitalares (AIH). Os dados foram exportados no formato comma separated values (csv) e salvos em planilha Excel, para cálculo das taxas.
As informações demográficas populacionais foram coletadas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, utilizando os censos de 2000 e 2010, além de suas estimativas intercensitárias. Foram incluídos dados de 91.091 crianças menores de 14 anos de idade, de ambos os sexos, residentes nas regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste), vítimas de queimaduras (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde T20-T32) entre os anos de 2012-2022. As variáveis analisadas foram sexo (masculino e feminino), faixa etária (< 1 ano; 1 – 4 anos; 5 – 9 anos e 10 – 14 anos), região (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e anos analisados (2012-2022).
As variáveis utilizadas no estudo que se enquadram na categoria dependente foram: taxa geral de internação, taxa de internação segundo sexo, taxa faixa etária por sexo e região. A variável independente foram os anos utilizados para o estudo.
Para cada ano do período em estudo, calcularamse as taxas de internações por queimaduras conforme as variáveis dependentes, para cada 100.000 habitantes a partir da razão entre o total de internações por queimaduras pediátricas e a população referente ao sexo, faixa etária/sexo e regiões.
Para análise do estudo de tendência temporal de internações por queimaduras pediátricas, foram utilizados coeficientes padronizados e o método de regressão linear simples, a partir do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Neste método, as taxas de internações padronizadas foram consideradas variáveis dependentes e os anos do período em estudo como variável independente, obtendo-se um modelo estimado de acordo com a fórmula Y = b0 + b1X, onde Y = coeficiente padronizado, b0= coeficiente médio do período, b1= incremento anual médio e X= ano. A análise do comportamento (aumento, queda ou estabilidade) e a variação média anual do coeficiente de internações, foi realizada a partir da avaliação do valor do coeficiente de regressão (P). A significância estatística considerada foi p≤0,05.
Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, de domínio público e livre acesso, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012 e de acordo com as diretrizes e normas da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, Artigo 1°, Parágrafo Único, Incisos II, III e V, não houve a necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa.
RESULTADOS
Foram analisados os dados de 91.091 internações hospitalares por queimadura em crianças de 0 a 14 anos, no Brasil, entre 2012 e 2022. Verificou-se tendência de estabilidade na taxa geral de internação no Brasil, com taxa inicial de 18,51 e final de 18,73 internações/100.000 habitantes (taxa média 17,963; β = 0,119; p =0,163).
No que diz respeito à estratificação por sexo, o mesmo comportamento de estabilidade foi observado no sexo masculino (taxa média de 21,42; β =0,069; p =0,504). A taxa de internação no sexo masculino iniciou com 22,33/100.000 habitantes e, ao final do período, reduziu para 21,95/100.000 habitantes, refletindo em 1,7% de redução. No sexo feminino, o comportamento foi de aumento (taxa média 14,346; β = 0,169; p =0,029) nas internações/100.000 habitantes, com taxa inicial de 14,53, finalizando o período do estudo com 15,35/100.000 habitantes, caracterizando 5,5% de aumento ([Tabela 1], [Figura 1]).
Variáveis |
Taxa Média |
R (*) |
R2 (†) |
B (‡) |
IC95% |
Valor p |
Tendência |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Taxa Geral Sexo |
17,963 |
0,451 |
0,204 |
0,119 |
(-0,580; 0,295) |
0,163 |
Estabilidade |
Masculino |
21,426 |
0,226 |
0,051 |
0,069 |
(-0,155; 0,293) |
0,504 |
Estabilidade |
Feminino |
14,346 |
0,654 |
0,427 |
0,169 |
(0,021; 0,316) |
0,029 |
Aumento |
Faixa Etária Feminina |
|||||||
0 - 4 anos |
29,281 |
0,698 |
0,488 |
0,407 |
(0,093; 0,722) |
0,170 |
Estabilidade |
5 - 9 anos |
9,614 |
0,286 |
0,082 |
0,084 |
(-0,127; 0,294) |
0,393 |
Estabilidade |
10 - 14 anos |
5,684 |
0,195 |
0,038 |
0,034 |
(-0,095; 0,163) |
0,565 |
Estabilidade |
Faixa Etária Masculina |
|||||||
0 – 4 anos |
42,264 |
0,798 |
0,637 |
0,613 |
(0,265; 0,962) |
0,003 |
Aumento |
5 – 9 anos |
14,189 |
0,057 |
0,003 |
-0,210 |
(-0,300; 0,257) |
0,867 |
Estabilidade |
10 – 14 anos |
9,871 |
0,754 |
0,569 |
-0,328 |
(-0,543; -0,113) |
0,007 |
Redução |
Regiões |
|||||||
Sul |
26,952 |
0,861 |
0,741 |
1,091 |
(0,605; 1,577) |
0,001 |
Aumento |
Sudeste |
13,748 |
0,615 |
0,378 |
0,172 |
(0,006; 0,338) |
0,440 |
Estabilidade |
Centro-Oeste |
23,689 |
0,004 |
0,000 |
0,006 |
(-1,133; 1,146) |
0,990 |
Estabilidade |
Norte |
12,267 |
0,082 |
0,007 |
-0,022 |
(-0,226; 0,182) |
0,600 |
Estabilidade |
Nordeste |
19,881 |
0,638 |
0,407 |
-0,291 |
(-0,557; -0,026) |
0,350 |
Estabilidade |


Na [Tabela 1] estão apresentadas a taxa média, o coeficiente de determinação (R2), a variação média anual (β), o valor de p e a tendência estratificado por sexo, faixa etária e regiões.
Ao analisar a faixa etária por sexo masculino, observou-se tendência de aumento de internações na faixa etária de 0 a 4 anos (taxa média 42,264; β=0,613; p= 0,003), com uma taxa inicial de 39,23 e final de 44,31, representando aumento de 13%. Nas faixas etárias de 5 a 9 anos e de 10 a 14 anos houve estabilidade (taxa média 14,189; β=-0,21; p= 0,867) e redução (taxa média 9,871; β=-0,328; p= 0,007) nas internações por 100.000 habitantes, respectivamente ([Tabela 1]; [Figura 2]). Nas faixas etárias por sexo feminino, verificou-se tendência de estabilidade em todas as faixas etárias. Na faixa etária de 0-4 anos, houve aumento de 11,5%, apresentando taxa inicial de 28,14 e final de 31,38 internações/100.000 habitantes, com comportamento de estabilidade ([Tabela 1]; [Figura 3]).




Quanto às internações por regiões, observouse comportamento de aumento na Região Sul (taxa média de 23,952; β=1,091; p=0,001), com 23,28 internações/100.000 habitantes no período inicial do estudo e 30,21/100.000 habitantes no período final, refletindo 29,8% de aumento. As demais regiões apresentaram comportamento de estabilidade: Região Norte (taxa média 12,267; β=-0,022; p=0,600), Região Nordeste (taxa média 19,881; β=-0,291; p=0,035), Região Sudeste (taxa média 13,748; β=0,172; p=0,44) e Região Centro-Oeste (taxa média 23,689; β=0,006; p=0,99). A Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa média de internações por 100.000 habitantes no início do período estudado, com valor de 32,68/100.000 habitantes.
Já a menor taxa média de internações por 100.000 habitantes, no período inicial do estudo, foi obtida pela Região Norte, com valor de 13,29/100.000 habitantes. Ao final do período de estudo, exceto a Região Sul, que teve comportamento de aumento na taxa média de internação por 100.000 habitantes, todas as regiões comportaram-se de modo semelhante com estabilidade nas taxas médias de internações ([Tabela 1], [Figura 4]).


DISCUSSÃO
Os estudos acerca de internações pediátricas na faixa etária 0-14 anos por regiões no Brasil são escassos. O estudo em discussão verificou tendência temporal de estabilidade nas internações por queimaduras pediátricas no Brasil no período analisado. Em contrapartida, estudo de internações hospitalares no Brasil em crianças menores de 14 anos, entre 2008-2015, apontou tendência de diminuição nas internações[25], com redução de 28,14% masculino e 22,2% feminino, demonstrando comportamento divergente do estudo atual.
A tendência de estabilidade encontrada no presente estudo pode ser explicada pela adoção de medidas de prevenção como a Política Nacional para Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (2001), a proibição da comercialização de álcool líquido para a população em geral (2002) e a criação de Núcleos de Prevenção de Acidentes e Violências no Sistema Único de Saúde (2004)[25] [26]. Em conjunto, tais ações recebem suporte para a promoção de comportamentos e ambientes seguros e saudáveis[25], corroborando para a estabilidade e uma possível diminuição na tendência de internações no decorrer dos anos.
Ao analisar a taxa de internação no sexo masculino, verificou-se comportamento de estabilidade durante o período estudado, o que difere da literatura, a qual traz aumento de internações no gênero masculino, apresentando 61,4% das internações por queimadura na faixa etária de 0-14 anos nas regiões do Brasil no sexo masculino entre 2008-2015[25], bem como 69,4% de internações no sexo masculino em Centro de Tratamento de Queimados em crianças de 7-12 anos no período de 2011-2014[18]. O comportamento observado pode ser reflexo das medidas educativas[25] [26] associadas ao aprendizado da criança quanto à noção do perigo, além do ganho de força e agilidade conforme o seu desenvolvimento psicomotor[27].
Quanto ao sexo feminino, houve tendência de aumento na taxa geral, com dados estatisticamente significativos. Na literatura, comportamento semelhante ocorreu apenas na Região Sul, com elevação de 23,25% nas internações por queimaduras[25]. Pode-se associar o comportamento de aumento na taxa de internação feminina aos acidentes domésticos e à violência doméstica ou autoprovocada[18], uma vez que, devido à interação complexa entre hábitos familiares, normas culturais, ambiente socioeconômico e comportamentos seculares[16], muitas vezes, o sexo feminino é mais propenso a colaborar com afazeres domésticos, suscetível ao maior contato com substâncias químicas potencialmente inflamáveis.
Tanto o sexo masculino quanto o feminino apresentaram elevações na taxa geral de internações no ano de 2021. Esse aumento pode estar associado ao período de pandemia de COVID-19 que incentivou a permanência das crianças em ambiente domiciliar, no qual as queimaduras infantis ocorrem predominantemente[17], assim como outros acidentes, em sua maioria, não intencionais e evitáveis[28].
Além disso, com a pandemia de COVID-19 foi autorizada, em 2020, a comercialização do álcool etílico 70º GL em embalagens de um litro[29] para a higiene de mãos, superfícies e objetos; a venda de álcool com gradação maior que 54º GL era vedada desde 2002[25]. O álcool, entre os agentes inflamáveis, foi o que mais causou queimaduras no Brasil[10] [25] e com a proibição de sua comercialização, houve uma considerável redução desses acidentes, no entanto, a retomada da venda resultou no aumento da incidência novamente[8].
Houve tendência à estabilidade em todas as faixas etárias no sexo feminino. Já no sexo masculino houve tendência de aumento na faixa etária de 0-4 anos, com dados estatisticamente significativos. Tal aumento nessa faixa etária corrobora com a literatura, a qual traz que os maiores índices ocorreram em pré-escolares de 1-4 anos, com 57,05% casos de internações, e majoritariamente no sexo masculino, com incidência de 63,04%[26].
O comportamento de aumento de internações masculinas na faixa etária 0-4 anos pode estar relacionado ao aumento da curiosidade e ao desenvolvimento intelectual e cognitivo não acompanhado do desenvolvimento motor das crianças nesta idade[25], associados à maior liberdade proporcionada a eles[12] [18]. As queimaduras pediátricas são a segunda causa de acidentes mais frequentes e a terceira causa de morte entre 0-14 anos[11].
No que se refere às internações por regiões, a Região Sul foi a única que apresentou dados estatisticamente significativos, demonstrando aumento na taxa de internações por queimadura pediátrica, com elevação de 29,8% nas internações no período do estudo. As demais regiões apresentaram comportamento de estabilidade. Logo, o presente estudo está em consonância com estudo semelhante que demonstrou aumento nas internações por queimaduras pediátricas na Região Sul, em ambos os sexos (sexo masculino p=0,050; sexo feminino p=0,033)[25].
Esse fato pode estar relacionado ao aumento das notificações e a um melhor acesso a serviços especializados que incluem rigor nas internações na faixa etária pediátrica e disponibilidade de leitos em Unidade de Tratamento de Queimaduras (UTQ) do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) em Florianópolis, a qual é a única UTQ pediátrica do Sul do Brasil[25] [28]. Ainda, é pertinente ressaltar que algumas regiões, como a Norte, apresentam grandes extensões territoriais, o que pode dificultar o acesso entre população e atendimento hospitalar, bem como inexistem unidades especializadas em queimaduras de alta complexidade[25].
Acerca das limitações, como os dados foram coletados a partir de registros de internações hospitalares disponíveis no DATASUS, subnotificações de internações por queimaduras ou notificações errôneas no sistema podem ter ocorrido. Além disso, visto que o DATASUS apresenta informações referentes ao Sistema Único de Saúde, as internações por queimaduras pediátricas que ocorreram na rede particular não foram contabilizadas na análise do estudo.
Este estudo contribuiu para a identificação da tendência temporal das taxas de internações por queimaduras no período de 2012-2022 nas regiões do Brasil nas faixas etárias de 0-14 anos por meio da análise de faixa etária, sexo e regiões. Na literatura, encontrase apenas um estudo de tendência temporal sobre internações por queimaduras pediátricas por regiões, por isso, a relevância desse estudo, ao comparar as taxas de internação por queimaduras entre as regiões brasileiras. Ademais, os dados encontrados podem contribuir para a elaboração de políticas públicas de saúde, visando prevenção e cuidados em nível secundário e terciário para as populações estudadas.
CONCLUSÃO
No período 2012 a 2022, houve 91.091 internações por queimadura em crianças de 0-14 anos no Brasil. A maioria dessas ocorreram na população masculina 60,97% (n=55.539) e na faixa etária de 0-4 anos 62,33% (n=56.778). No período estudado, houve tendência de estabilidade nas internações hospitalares por queimaduras no Brasil na população de 0-14 anos no sexo masculino e de aumento no sexo feminino.
O sexo feminino comportou-se com estabilidade em todas as idades, enquanto o sexo masculino apresentou aumento na faixa etária 0-4 anos, estabilidade na de 5-9 anos e redução na de 10-14 anos.
As regiões comportaram-se com estabilidade nas internações hospitalares por queimadura pediátrica, exceto a Região Sul, que demonstrou aumento.
Conflitos de interesse:
não há.
Instituição: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Campus Pedra Branca, Palhoça, SC, Brasil.
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REFERÊNCIAS
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*Autor correspondente:
Publication History
Received: 23 November 2023
Accepted: 30 April 2024
Article published online:
22 May 2025
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LUZIELI PORTALUPPI, CAROLINE SILVA BETTIOL, ANDREIA CLARA NAZÁRIO, NAZARÉ OTÍLIA NAZÁRIO. Tendência temporal de internação por queimadura, na faixa etária 0-14 anos, no Brasil, 2012-2022. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0907pt.
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