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CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(03): 217712352024rbcp0826pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0826-PT
Artigo Original

Fatores preditivos da permanência em uma Unidade de Queimados

Article in several languages: português | English
1   Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Plastic Surgery - Lisboa - Lisboa - Portugal.
,
2   Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Cirurgia Plástica - Lisboa - Lisboa - Portugal.
,
3   Hospital Garcia de Orta, Cirurgia Plastica - Lisboa - Lisboa - Portugal.
,
1   Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Plastic Surgery - Lisboa - Lisboa - Portugal.
› Author Affiliations
 

▪ RESUMO

Introdução:

A taxa de mortalidade em pacientes queimados diminuiu significativamente, tornando importante avaliar outros desfechos, como o tempo de internação, que aumenta a morbidade física e psicológica, o risco de infecção hospitalar e os custos financeiros. O objetivo deste estudo é analisar a relevância de vários fatores no tempo de internação na Unidade de Queimados.

Método:

Foram incluídos neste estudo 711 pacientes admitidos entre 2011 e 2020 na Unidade de Queimados do Hospital de São José, Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa, Portugal. Os dados coletados foram analisados utilizando o PSPP para Windows.

Resultados:

Os pacientes eram predominantemente do sexo masculino, com idade média de 54 anos. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 29 dias. Os fatores que prolongaram a estadia hospitalar foram relacionados à gravidade da queimadura, ao número de cirurgias e ao tempo decorrido até a primeira cirurgia, valores laboratoriais alterados tanto no perfil hematológico quanto químico durante a hospitalização, e a presença e o número de infecções documentadas.

Conclusão:

Existem fatores potencialmente modificáveis que infiuenciam o tempo de permanência hospitalar. Nosso estudo nos permite concluir que o tempo decorrido até a primeira intervenção cirúrgica e a presença e o número de infecções documentadas prolongam significativamente esse desfecho, e ênfase deve ser dada à implementação de medidas que favoreçam a intervenção cirúrgica precoce e o controle rigoroso de infecções.


INTRODUÇÃO

Devido a uma melhoria generalizada nos cuidados de saúde, os últimos 30 anos apresentaramnos uma redução significativa na taxa de mortalidade de pacientes queimados[1] [2]. Vários fatores são responsáveis por esta mudança, tais como uma melhor compreensão da fisiopatologia das queimaduras graves, o desenvolvimento generalizado de unidades de cuidados intensivos e novas estratégias terapêuticas adaptadas ao paciente, nomeadamente, reanimação agressiva com fluidos, controle rigoroso da infecção e intervenção cirúrgica precoce com cuidadoso desbridamento e enxerto de pele para superar a perda de poder de avaliação da mortalidade por queimaduras.

Portanto, para avaliar a qualidade e a eficiência dos cuidados clínicos, é importante avaliar outros desfechos, como o tempo de internação[3], cujo aumento está irrefutavelmente associado a consequências adversas. Uma permanência mais longa em uma unidade de queimados ou unidade de terapia intensiva tem sido associada a maior morbidade física (e psicológica), atraso no retorno ao trabalho, diminuição da produtividade, menor qualidade de vida relacionada à saúde e uma incidência cada vez maior de sintomas psicopatológicos[4] [5].

Pacientes queimados são particularmente suscetíveis a infecções. Um tempo de permanência prolongado aumenta o risco de infecção nosocomial, o que por sua vez aumenta o tempo de permanência em uma unidade de queimados, em média, 18 dias. Além disso, foi comprovado que o aumento do tempo de internação está diretamente relacionado ao desenvolvimento de resistência aos antibióticos. As infecções mais comuns neste contexto são causadas por microrganismos agressivos como Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A infecção por esse microrganismo está associada ao aumento da mortalidade e morbidade por todas as causas.

Por último, um aumento do tempo de permanência está associado a um aumento do custo social e econômico. Em Portugal, o custo médio da estadia numa Unidade de Queimados em 2013 foi de 8032 euros[6] [7]. Os seguintes fatores têm sido associados a uma permanência mais prolongada: idade[8] [9], sexo masculino[9], percentual de área queimada[8] [9], profundidade da queimadura[10], presença de lesão nas vias aéreas[9], comorbidades ou lesão traumática associada[11], necessidade de procedimento cirúrgico[8] [10] e presença de infecção ou sepse[10].

Neste estudo retrospectivo, os autores pretendem estabelecer quais são os fatores relevantes para o tempo de permanência numa Unidade de Queimados em Portugal, para identificar medidas e intervenções específicas que possam permitir a redução do tempo de internamento e, consequentemente, da morbilidade e mortalidade a ele associadas.


MÉTODO

Neste estudo retrospectivo foram avaliados todos os pacientes internados na Unidade de Cuidados Especiais de Queimados do Hospital Universitário Lisboa Central, em Lisboa, Portugal, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2020. Foram coletados 745 pacientes. Os pacientes foram excluídos do estudo devido à alta precoce para outra unidade por motivos médicos ou logísticos[10]; alta contra ordem médica[3] ou admitidos sem quadro de queimadura (necrólise epidérmica tóxica)[2].

Os dados dos 711 pacientes resultantes foram coletados quanto à idade, sexo, condições médicas prévias, data de admissão e alta da unidade de queimados, mecanismo da queimadura, agente da queimadura, área da queimadura, profundidade da queimadura, lesões traumáticas associadas, necessidade de ventilação, necessidade de fasciotomia ou escarotomia, lesão das vias aéreas, necessidade e momento da intervenção cirúrgica, infecção e local da infecção, parâmetros laboratoriais e resultado clínico. A análise estatística foi realizada utilizando SPSS para Windows. Um valor de p<0,05 foi considerado significativo. ([Tabela 1]).

Tabela 1.

n=711

Sexo

Masculino

398 (56%)

Feminino

313 (44%)

Idade (média, anos)

54

Idade mínima

17

Idade máxima

95

Grupo de idade

Menos de 20 anos

21 (3%)

21-40 anos

202 (28%)

41-60 anos

238 (34%)

61-80 anos

159 (22%)

81-100 anos

91 (13%)

Duração da estadia (média, dias)

29

Estadia mínima (dias)

1

Estadia máxima (dias)

254

Duração da estadia

Menos de 7 dias

80 (11%)

Menos de 30 dias

468 (66%)

Menos de 60 dias

644 (91%)

Menos de 120 dias

702 (99%)

Mais de 120 dias

9 (1%)

Dias na Unidade de Queimados > Porcentagem de queimaduras

Sim

578 (81%)

Não

133 (19%)

Comorbidades médicas

Sim

353 (50%)

Não

358 (50%)

Agente da queimadura

Térmico

623 (88%)

Elétrico

70 (10%)

Químico

18 (2%)

Agente da queimadura

Fogo

359 (51%)

Líquido

227 (32%)

Elétrico

70 (10%)

Contato

37 (5%)

Químico

18 (2%)

Superfície queimada (média, porcentagem)

14

Mínimo

0

Máximo

91

Superfície queimada

Menos do que 10%

396 (56%)

11-20%

186 (26%)

21-30%

59 (8%)

31-40%

29 (4%)

41-50%

16 (2%)

51-60%

8 (1%)

61-70%

4 (1%)

71-80%

5 (1%)

81-90%

7 (1%)

Mais de 90%

1 (0%)

Superfície queimada

Menos do que 10%

396 (56%)

Menos de 20%

582 (82%)

Menos de 30%

641 (90%)

Menos de 40%

670 (94%)

Menos de 50%

686 (97%)

Menos de 60%

694 (98%)

Menos de 70%

698 (98%)

Menos de 80%

703 (99%)

Menos de 90%

710 (100%)

Mais de 90%

1 (0%)

Queimaduras de terceiro grau

Sim

379 (53%)

Não

332 (47%)

Ventilação mecânica

Sim

208 (29%)

Não

503 (71%)

Duração da ventilação mecânica (média, dias) – n=208

12

Mínimo

1

Máximo

67

Ventilação mecânica > 12 dias – n=208

Sim

58 (28%)

Não

150 (72%)

Lesão inalatória

Sim

112 (16%)

Não

599 (84%)

Trauma associado

Sim

49 (7%)

Não

662 (93%)

Escarotomias

Sim

118 (17%)

Não

593 (83%)

Intervenção cirúrgica

Sim

505 (71%)

Não

206 (29%)

Número de Intervenções Cirúrgicas (média) – n=505

2

Mínimo

1

Máximo

17

Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica (média, dias) - n=505

9

Mínimo

1

Máximo

36

Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica (dias) - n=505

Primeiros 5 dias

131 (26%)

Primeiros 10 dias

327 (65%)

Primeiros 15 dias

435 (86%)

Primeiros 20 dias

479 (95%)

Depois de 20 dias

27 (5%)

Infecção documentada

Sim

328 (46%)

Não

383 (54%)

Infeção nosocomial

Sim

261 (37%)

Não

450 (63%)

Número de infecções documentadas (média) – n=711

2

Mínimo

0

Máximo

13

Número de infecções – n=328

1-2 infecções

231 (71%)

3-4 Infecções

57 (17%)

5-6 Infecções

23 (7%)

Mais de 6 infecções

17 (5%)

Infecção mucocutânea

Sim

151 (21%)

Não

560 (79%)

Infecção respiratória

Sim

61 (9%)

Não

650 (91%)

Infecção do trato urinário

Sim

172 (24%)

Não

539 (76%)

Infecção sistêmica

Sim

132 (19%)

Não

579 (81%)

Hemoglobina mínima (média, g/dl)

11,9

Anemia (Hb < 8g/dl)

Sim

30 (4%)

Não

681 (96%)

Doença renal (Creatinina > 1,2mg/dl)

Sim

89 (13%)

Não

622 (87%)

Valor mínimo de proteína total (média, g/l)

50,7

Hipoproteinemia (proteína total < 60g/l)

Sim

557 (78%)

Não

154 (22%)

Hipoalbuminemia (Albumina < 35g/l)

Sim

569 (80%)

Não

142 (20%)

ABSI (média)

6

Mínimo

2

Máximo

17

Ameaça à vida

56 (8%)

Muito baixa (ABSI 2-3)

243 (34%)

Moderada (ABSI 4-5) Moderadamente Grave (ABSI 6-7)

254 (36%)

Séria (ABSI 8-9)

111 (16%)

Severa (ABSI 10-11)

22 (3%)

Máxima (ABSI 12 ou Superior)

25 (3%)

Mortalidade > 50% ABSI (> 10)

Sim

47 (7%)

Não

664 (93%)

Escore de Baux (média)

67

Mínimo

21

Máximo

169

Escore de Baux Modificado (média)

70

Mínimo

23

Máximo

189

Mortalidade > 50% Escore de Baux Modificado (≥ 140)

Sim

14 (2%)

Não

697 (98%)

Morte

Sim

43 (6%)

Não

668 (94%)


RESULTADOS

Análise Populacional

Após aplicação dos critérios de exclusão, foram incluídos 711 pacientes. Havia 398 pacientes do sexo masculino (56%; [Tabela 1]). A idade variou entre 17 e 95 anos, com média de 54 anos. A duração da estadia foi, em média, de 29 dias (mínimo de 1 dia; máximo de 254 dias). Cerca de metade dos pacientes tinha uma comorbidade médica. A queimadura térmica foi o mecanismo mais comum (88%), sendo o fogo o agente causador mais comum (51%). A superfície corporal afetada variou entre 0 e 91% na admissão, com média de 14%, 53% dos pacientes apresentaram queimaduras de terceiro grau na admissão, 7% apresentaram trauma associado, 29% dos pacientes necessitaram de ventilação mecânica, com média duração da ventilação de 12 dias, e 16% apresentaram lesão de vias aéreas à broncoscopia, 17% dos pacientes necessitaram de escarotomia ou fasciotomia na admissão, 71% dos pacientes foram operados, com média de 2 procedimentos por paciente. A cirurgia foi realizada entre o 1º e o 36º dia de internação, com tempo médio para cirurgia de 9 dias.

Na admissão, todos os pacientes foram submetidos a swab nasal de MRSA, swab de região perineal e swab de pele sã e queimadura. Culturas adicionais foram coletadas se a situação clínica assim o justificasse. Um ou mais agentes microbiológicos foram cultivados em 46% dos pacientes e em 37% dos pacientes era de origem nosocomial. A média de culturas positivas foi 2. A infecção mais frequente foi no trato urinário. Em termos de anomalias laboratoriais, a alteração mais frequente foi a hipoproteinemia (79%) e a hipoalbuminemia (80%). A pontuação média do Abbreviated Burn Severity Index (ABSI) foi 6. A pontuação média de Baux modificada foi 70. A taxa média de mortalidade foi de 6%.


Duração da estadia

O tempo de permanência na unidade de queimados foi em média de 29 dias. O mínimo foi 1 dia e o máximo, 254 dias. Os seguintes fatores estiveram associados ao aumento do tempo de internação: sexo feminino (p-valor 0,048); idade (p-valor 0,002); e presença de comorbidades (p-valor 0,015). ([Tabela 2]).

Tabela 2.

Média Estatística

Valor p

Sexo

Masculino

27

0,048 T

Feminino

31

Idade

0,002 S

Faixa etária – anos

<20

16

21-40

25

0,007 A

41-60

30

61-80

33

81-100

31

Comorbidades Médicas

Sim

31

0,015 T

Não

27

Mecanismo de queima

Térmico

30

0,000 A

Elétrico

20

Químico

17

Queimadura Térmica

Sim

30

0,000 T

Não

19

Queimadura Elétrica

Sim

20

0,001 T

Não

30

Queimadura Química

Sim

17

0,048 T

Não

29

Lesão de Fogo

Sim

35

0,000 T

Não

23

Lesão por Líquido Quente

Sim

24

0,000 T

Não

31

Lesão por queimadura de contato

Sim

23

0,167 T

Não

29

Agente de queimaduras

Fogo

35

Líquido Quente

24

0,000 A

Elétrico

20

Queimadura de Contato

23

Químico

17

Área de superfície corporal

0,000 S

Área de superfície corporal (%)

<10%

20

11-20%

32

21-30%

45

31-40%

48

41-50%

71

0,000 A

51-60%

94

61-70%

40

71-80%

32

81-90%

61

> 90%

5

Área de superfície corporal até 10%

Sim

20

0,000 T

Não

40

Área de superfície corporal de 10 a 20%

Sim

24

0,000 T

Não

52

Área de superfície corporal de 20 a 30%

Sim

26

0,000 T

Não

58

Área de superfície corporal de 30 a 40%

Sim

27

0,000 T

Não

64

Área de superfície corporal de 50 a 60%

Sim

28

0,000 T

Não

60

Área de superfície corporal de 50 a 60%

Sim

29

0,012 T

Não

44

Área de superfície corporal de 60 a 70%

Sim

29

0,018 T

Não

45

Área de superfície corporal de 70 a 80%

Sim

29

0,005 T

Não

54

Área de superfície corporal de 80 a 90%

Sim

29

0,344 T

Não

5

Queimadura de 3º Grau

Sim

37

0,000 T

Não

20

Necessidade de Ventilação Mecânica

Sim

36

0,000 T

Não

26

Duração da Ventilação Mecânica – n=208

0,000 S

Duração da Ventilação Mecânica > 12 dias

Sim

57

0,000 T

Não

28

Lesão Inalatória

Sim

43

0,000 T

Não

26

Trauma Associado

Sim

34

0,125 T

Não

29

Necessidade de escarotomia

Sim

50

0,000 T

Não

25

Necessidade de intervenção cirúrgica

Sim

36

0,000 T

Não

13

Número de Intervenções Cirúrgicas – n=505

0,000 S

Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica - n=505

0,000 S

Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica - n=505

Primeiros 5 dias

27

Primeiros 10 dias

37

Primeiros 15 dias

35

Primeiros 20 dias

40

Depois de 20 dias

61

Primeiros 5 dias

Sim

27

0,000 T

Não

39

Primeiros 10 dias

Sim

33

0,003 T

Não

40

Primeiros 15 dias

Sim

34

0,000 T

Não

48

Primeiros 20 dias

Sim

34

0,000 T

Não

61

Infecção documentada

Sim

40

0,000 T

Não

20

Infeção nosocomial

Sim

46

0,000 T

Não

19

Número de infecções documentadas – n=328

0,000S

Número de infecções documentadas – n=328

1-2 infecções

30

3-4 Infecções

52

0,000 A

5-6 Infecções

60

Mais de 6 infecções

107

Infecções mucocutâneas

Sim

41

0,000 T

Não

26

Infecção respiratória

Sim

50

0,000 T

Não

27

Infecção urinária

Sim

50

0,000 T

Não

22

Infecção sistêmica

Sim

51

0,000 T

Não

24

Valor mínimo de hemoglobina (g/dl)

0,000 S

Anemia (Hb < 8g/dl)

Sim

43

0,002 T

Não

28

Valor Máximo de Creatinina (mg/dl)

0,002 S

Doença Renal Aguda (Creatinina >1,2mg/dl)

Sim

38

0,000 T

Não

28

Valor Mínimo de Proteína (g/l)

0,000 S

Hipoproteinemia (proteína total <60g/l)

Sim

32

0,000 T

Não

19

Valor mínimo de albumina (g/l)

0,000 S

Hipoalbuminemia (Albumina <35g/l)

Sim

32

0.000 T

Não

16

Ameaça à vida

Muito baixa (ABSI 2-3)

12

Moderada (ABSI 4-5)

20

Moderadamente grave (ABSI 6-7)

29

0,000 A

Séria (ABSI 8-9)

42

Severa (ABSI 10-11)

73

Máxima (ABSI 12 ou Superior)

42

Mortalidade > 50% segundo ABSI (>10)

Sim

63

0,000 T

Não

27

Escore de Baux

0,000S

Escore de Baux Modificado

0,000S

Mortalidade > 50% segundo Escore Baux Modificado (≥140)

Sim

55

0,000 T

Não

29

Morte

Sim

33

0,283 T

Não

29

Em relação às lesões, os seguintes fatores estiveram associados ao aumento do tempo de internação: queimaduras térmicas (p-valor 0,000), principalmente se o agente térmico for fogo (p-valor 0,000); queimaduras de terceiro grau (p-valor 0,000); necessidade de ventilação mecânica (p-valor 0,000); lesão de via aérea estabelecida (p-valor 0,000); necessidade de fasciotomias ou escarotomias descompressivas (p-valor 0,000) e percentual de área corporal (p-valor 0,000). É importante a comparação entre pacientes extubados precocemente (primeiros 12 dias) e não extubados precocemente, que tiveram um tempo de internação significativamente (valor de p 0,000) maior (média de 28 vs. 57 dias).

A presença de traumatismo associado não se associou significativamente ao aumento do tempo de internação (p-valor 0,125) ([Tabela 2]).

O desbridamento adequado com ou sem enxerto é a base do tratamento de queimaduras. Na nossa amostra, a necessidade de cirurgia esteve significativamente associada ao aumento do tempo de internamento (p-valor 0,000), assim como o momento da cirurgia (p-valor 0,000). Os pacientes submetidos a cirurgia nos primeiros 5 dias tiveram tempo médio de permanência de 27 dias, porém, quando a cirurgia foi realizada após o 20º dia, o tempo médio de permanência foi de 61 dias.

A presença de infecção (valor-p 0,000), o número de infecções (valor-p 0,000) e a presença de microrganismo nosocomial (valor p 0,000) correlacionaram-se positivamente com o tempo de internação ([Tabela 2]). A presença de anemia (p-valor 0,002); insuficiência renal (valor p 0,000), hipoproteinemia (valor p 0,000) e hipoalbuminemia (valor p 0,000) também foram positivamente correlacionadas com um aumento no tempo de internação.

Os índices clássicos de prognóstico de queimaduras, como o Abbreviated Burn Severity Index e o Modified Baux Score, apresentaram forte correlação com o tempo de internação (p-valor 0,000).



DISCUSSÃO

A evolução dos cuidados com queimaduras levou a um aumento da taxa de sobrevivência dos pacientes queimados, o que tornou alguns índices clássicos desatualizados em termos de prognóstico. Por outro lado, o tempo de internamento é uma variável objetiva, fácil de medir e comparar e que ganha cada vez mais relevância como métrica na avaliação da qualidade dos cuidados de saúde em pacientes queimados. Um tempo de permanência mais prolongado em uma unidade de queimados está associado a um maior número de infecções, maior morbidade, maior mortalidade e custos. Portanto, é relevante compreender quais fatores contribuem para o aumento desta métrica, para acessar potenciais ações para enfrentar este problema.

Em nosso estudo, o tempo médio de internação foi de 29 dias, variando de 1 a 254 dias. Comparado com a literatura atual[12], esse valor é superior. Porém, em nossa unidade, esses dados representam apenas os pacientes internados na Unidade de Tratamento de Queimados, que é equivalente a uma unidade de terapia intensiva e, portanto, a maioria dos pacientes queimados são graves e não são passíveis de cuidados de enfermaria padrão, nos quais a maioria dos estudos publicados se concentra.

Da mesma forma que outros estudos, alguns fatores associados ao aumento do tempo de internação foram idade, comorbidades e fatores relacionados à gravidade da queimadura, como área de pele queimada, profundidade da queimadura e necessidade de escarotomia descompressiva ou fasciotomia. A lesão inalatória é, na literatura atual, o fator de maior impacto nos pacientes queimados. Em nossa coorte, a presença de lesão de vias aéreas com ou sem necessidade de ventilação mecânica foi associada ao aumento do tempo de internação. Da mesma forma, a extubação precoce foi associada a uma diminuição do tempo de internação.

Ao contrário da literatura atual, na nossa coorte o sexo feminino foi associado a um aumento estatisticamente significativo do tempo de internação. Isto pode ser devido à idade mais avançada das mulheres em relação aos homens, levando a mais queimaduras em idades avançadas, em que existe uma condição mais frágil e dependente.

O momento do desbridamento cirúrgico é um tema controverso no atendimento ao paciente queimado[13] [14] [15]. Tradicionalmente, uma abordagem conservadora com trocas seriadas de curativos permite que o tecido necrótico se separe do leito saudável da ferida que mais tarde seria enxertado de pele. Contudo, se esta abordagem fosse prolongada, a libertação constante de fatores pró-inflamatórios resultaria num estado inflamatório sistêmico, o que agravaria o desequilíbrio metabólico, imunológico e sistêmico, levando à falência de múltiplos órgãos e à morte. Além disso, um atraso maior no desbridamento cirúrgico muitas vezes levaria à infecção das áreas queimadas, agravando o risco de morte, e a problemas cicatriciais nefastos, como cicatrizes hipertróficas ou contraturas articulares, que podem prejudicar a qualidade de vida do paciente.

A presença dessas cicatrizes, em áreas delicadas esteticamente funcionais, pode exigir procedimentos adicionais para correção. Janzekovic[16] descreveu o desbridamento tangencial em 1970 e alterou o paradigma do atendimento cirúrgico ao paciente queimado. Ele propôs uma intervenção mais precoce com desbridamento mecânico agressivo e enxerto de pele[11] para reduzir o tempo de exposição da ferida, reduzindo o estresse metabólico, a taxa de infecção e, portanto, as complicações e a taxa de mortalidade. Além disso, o tempo de internação e, consequentemente, os custos são reduzidos[13]. Isto foi particularmente verdadeiro em pacientes sem lesão das vias aéreas[14].

Alguns autores ainda defendem uma abordagem mais tardia, alegando que uma maior perda sanguínea e, consequentemente, uma maior necessidade de transfusão leva a maior sofrimento metabólico e hemodinâmico. Além disso, alguns autores defendem que a profundidade precoce da queimadura é difícil de determinar, tornando a distinção entre quais áreas cicatrizarão espontaneamente e quais necessitarão de desbridamento e enxertia uma decisão difícil nos primeiros dias, mesmo para cirurgiões experientes em queimaduras.

Essa dificuldade decorre da heterogeneidade de uma queimadura, onde é comum que um paciente apresente lesões com diferentes prognósticos em continuidade e muitas vezes em padrão manchado; e o fato de que as queimaduras são uma lesão em evolução. A zona de estase apresenta uma área potencialmente reversível, e a fluidoterapia adequada e a prevenção de infecções podem melhorar muito o resultado desta área[15]. Em suma, aqueles que defendem uma abordagem tardia sugerem que adiar a abordagem cirúrgica por alguns dias irá permitir uma avaliação mais precisa e evitar intervenções desnecessárias.

Em nossa coorte, que replica a literatura atual, observamos uma relação diretamente proporcional entre o momento cirúrgico da primeira intervenção e o tempo de internação ([Figura 1]). Os pacientes que foram submetidos a uma intervenção mais precoce tiveram menor tempo de internação. Isto abre um caminho para melhores cuidados com queimaduras – uma abordagem mais precoce pode proporcionar um período de internamento mais curto, o que pode levar a uma diminuição do risco de infecção, especialmente infecção nosocomial, e a uma redução de custos. Esta abordagem demonstrou superar os benefícios de uma intervenção cirúrgica tardia[17] [18].

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Figura 1. Relação entre o primeiro dia de intervenção cirúrgica e o tempo total de internação.

Em nossa coorte, vários fatores foram associados a um atraso na primeira intervenção cirúrgica, como pacientes que são criticamente instáveis para tolerar um procedimento cirúrgico, pacientes que têm múltiplas áreas pequenas que cicatrizam favoravelmente com trocas de curativos, falta de tempo na sala de cirurgia e necessidade de atrasar a cirurgia devido ao uso de anticoagulantes orais.

Pacientes queimados são suscetíveis a infecções, especialmente por organismos nosocomiais multirresistentes. Em nossa coorte, 46% dos pacientes foram diagnosticados com pelo menos uma infecção. O tempo médio de internação em pacientes que tiveram infecção foi de 40 dias, o que contrasta com 20 dias em pacientes que nunca tiveram um microrganismo identificado nas culturas de admissão ou necessitaram de qualquer investigação séptica adicional. Esta diferença é ainda maior quando as infecções nosocomiais (definida como infecção que se desenvolve nas primeiras 48 horas após a admissão), em que o tempo médio de internação foi de 46 dias.

Curiosamente, esse aumento no tempo de internação foi independente do sistema afetado (mucocutâneo, urinário, hematológico ou brônquico). Aí, a prevenção de infecções é uma área na qual melhorias significativas podem traduzir-se na redução do tempo de internamento, promovendo a causa para o desenvolvimento de estratégias específicas para o controle e prevenção de infecções.

Alguns resultados laboratoriais refletem um agravamento do estado clínico e estão também associados a um aumento do tempo de internamento. Hemoglobina baixa (definida como valor laboratorial de hemoglobina inferior a 8,0g/dL); insuficiência renal (definida por creatinina sorológica acima de 1,2mg/ dL); hipoproteinemia (definida por proteína sorológica inferior a 60g/L) e hipoalbuminemia (definida por albumina sorológica inferior a 35g/L) foram todas estatisticamente significativas para prever um aumento no tempo de internação.

Os índices de prognóstico clássicos, como o Índice Abreviado de Gravidade da Queimadura e o Escore de Baux Modificado, incluem fatores conhecidos que influenciam a morbidade, como área

superficial queimada e lesão das vias aéreas. Como dito anteriormente, esses fatores também apresentam forte correlação com o tempo de permanência.

A mortalidade intra-hospitalar em Portugal permanece comparativamente elevada (7,7%)[7] quando comparada com outros países do sul da Europa, mas está diminuindo constantemente. Em nossa coorte, a mortalidade foi de 6%. As taxas de mortalidade por queimaduras são normalmente calculadas com base na população geral que sofreu queimaduras. Este grupo é heterogêneo e inclui pequenas áreas de queimaduras, graus de queimaduras menos graves e reflete principalmente pacientes que são tratados em sua maioria com troca de curativos em ambulatório ou com curta permanência em enfermaria. A taxa de mortalidade em nossa coorte reflete apenas pacientes internados em Unidade de Cuidados Especiais para Pacientes Queimados.

Como nota final, o autor gostaria de reconhecer algumas limitações do estudo. Primeiro, o estudo tem desenho retrospectivo, o que não permite a randomização dos pacientes. Em segundo lugar, alguns fatores possivelmente importantes não foram avaliados, como a necessidade de transfusão, o padrão de resistência dos microrganismos e qual terapia antibiótica foi realizada. Escalas de resultados funcionais e estéticos não foram acessadas. Estudos multicêntricos maiores podem permitir uma melhor estratificação dos pacientes de acordo com a área de superfície queimada ou comorbidades do paciente, o que pode ser capaz de combater a heterogeneidade desta população específica de pacientes e permitir uma conclusão mais prática e aplicável diariamente.


CONCLUSÃO

Este estudo permite afirmar que variáveis relacionadas à maior gravidade da queimadura, como área queimada, necessidade de ventilação mecânica, necessidade de fasciotomia ou escarotomia, lesão de vias aéreas e presença de queimaduras de terceiro grau têm efeito significativo no tempo de internação. Contudo, na opinião do autor, a conclusão mais relevante deste estudo retrospectivo é a confirmação de que existem fatores modificáveis – como o tempo até a primeira intervenção e o número de infeções documentadas – que podem efetivamente reduzir o tempo de internamento. Estas duas áreas devem ser o foco do atendimento ao paciente para melhorar os resultados relacionados à saúde.

A conclusão do nosso estudo está de acordo com a literatura médica atual.



Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.



*Autor correspondente:

Miguel João Ribeiro Matias
Rua General Norton de Matos, 35, 5º, Esquerdo, Barreiro, Portugal. CEP: 2830-345

Publication History

Received: 11 June 2023

Accepted: 30 April 2024

Article published online:
22 May 2025

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Bibliographical Record
MIGUEL JOÃO RIBEIRO MATIAS, RUBÉN MALCATA NOGUEIRA, CAROLINA VASCONCELOS, JOAQUIM BEXIGA. Fatores preditivos da permanência em uma Unidade de Queimados. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0826pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0826-PT

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Figura 1. Relação entre o primeiro dia de intervenção cirúrgica e o tempo total de internação.
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Figure 1. Relationship between the first surgical intervention day and total length of stay.