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CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(01): 217712352023rbcp0891pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2023RBCP0891-PT
Relato de Caso

Associação do retalho miocutâneo do músculo peitoral maior e da mamaplastia em T invertido para reconstrução de extenso defeito da parede torácica: relato de caso

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1   Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil.
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1   Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil.
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▪ RESUMO

Introdução:

Em 1977, a partir dos estudos anatômicos de McCraw et al., passou-se a utilizar o músculo peitoral maior como retalho miocutâneo em ilha. O presente artigo descreve um caso de reconstrução de um defeito da parede anterior do hemitórax direito através do retalho miocutâneo peitoral maior em ilha ipsilateral.

Relato do Caso:

A.E.S., de 66 anos, sexo masculino foi submetido a ressecção ampla de um carcinoma basocelular infiltrativo recidivante de 13,0 x 8,0cm da região paraesternal direita. O retalho miocutâneo foi transposto através de tunelização subcutânea e as cicatrizes posicionadas em forma de mamaplastia em T invertido.

Conclusão:

A presente tática cirúrgica é de fácil execução para cirurgiões habituados com reconstrução mamária, apresenta tempo cirúrgico curto e resultado estético-funcional satisfatório.


INTRODUÇÃO

Em 1947, Pickrell et al. utilizaram o músculo peitoral maior para reconstruir um defeito da parede torácica pós-mastectomia[1]. No entanto, somente em 1977 McCraw et al.[2] [3] realizaram estudos anatômicos que viabilizaram a sua utilização como retalho miocutâneo. A experiência acumulada na utilização do retalho e o maior conhecimento de sua anatomia propiciaram a transferência de segmentos de pele cada vez maiores[4]. O pedículo que, inicialmente, incluía a pele, passou a se constituir apenas de musculatura e dos vasos toracoacromiais na parte proximal. Isto permitiu a utilização do retalho em ilha[5].

Em 2019, Rauchenwald et al.[6] publicaram um estudo retrospectivo com 23 pacientes submetidos a reconstrução com retalho miocutâneo em ilha de peitoral maior para a profilaxia de fístula após laringectomia de resgate, demonstrando grande evolução da técnica operatória e das suas indicações.

Por outro lado, a ideia de combinar as técnicas de mamaplastia para acessar o retalho miocutâneo do músculo peitoral maior para cobertura de defeitos da parede torácica começou a ser descrita em 1996 por alguns autores como de Fontaine et al.[7] e Griffin[8]. Em 2023, Boodhun & Zinn[9] utilizaram também o retalho miocutâneo do músculo peitoral maior em associação com a mamaplastia redutora para a cobertura de um defeito da região cervical anterior.

No presente artigo, descrevemos o caso de um paciente masculino submetido a reconstrução de um grande defeito da parede anterior do tórax através do retalho miocutâneo ilhado do músculo peitoral maior em associação com técnicas de mamaplastia.

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e conflito de interesses

O projeto de pesquisa do presente artigo está de acordo com o CEP do Hospital Governador Celso Ramos, de Florianópolis-SC, e foi aprovado sob o parecer número 6.305.043.

Os autores declaram não possuir conflito de interesse.



RELATO DO CASO

A.E.S., 66 anos, sexo masculino, compareceu ao Hospital Governador Celso Ramos, em Florianópolis, SC, e apresentava um tumor de pele com evolução de aproximadamente 10 anos na região paraesternal direita. Nesse período, já havia sido submetido a diversas sessões de crioterapia e a quatro ressecções do mesmo tumor em outros Serviços. A biópsia da lesão apresentou o diagnóstico de carcinoma basocelular infiltrativo.

Ao exame físico, o tumor de pele comprometia a região correspondente à porção medial da clavícula direita, seguindo inferiormente e paralelamente à direita do esterno. O tumor compreendia 13,0cm no seu maior eixo vertical e 8,0cm no seu maior eixo horizontal. O paciente apresentava também retração de pele da região anterior do pescoço ([Figura 1]). Porém, sem linfonodomegalia cervical.

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Figura 1. Extenso carcinoma basocelular infiltrativo e recidivante na região paraesternal à direita.

Técnica cirúrgica

Marcação da ressecção tumoral

A marcação da peça tumoral a ser ressecada foi realizada com margens laterais de segurança de 2,0cm ([Figura 2]). A ferida resultante expunha a porção medial da clavícula direita e o músculo peitoral maior ipsilateral ([Figura 3]).

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Figura 2. Peça cirúrgica encaminhada para exame anatomopatológico.
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Figura 3. Extensa ferida operatória resultante da ressecção ampla do tumor.

Marcação da área doadora do retalho

Foi realizada com o paciente em posição ortostática. Foi definido o ponto A da mama e a partir dele foi desenhado um semicírculo periareolar, mantendo a papila no seu centro. O semicírculo foi finalizado nos pontos definidos como B e C a 1,0cm do limite inferior da aréola.

A ilha de pele do retalho miocutâneo correspondeu à área do triangular medial da mama que normalmente seria ressecada e descartada em uma mamaplastia redutora ([Figura 4]).

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Figura 4. Retalho miocutâneo do músculo peitoral maior em ilha.

Descrição cirúrgica

Foi realizada a ressecção ampla do tumor com o paciente em decúbito dorsal e sob anestesia geral.

A pele da mama direita foi infiltrada com solução contendo 200ml de SF 0,9%, 40ml de xilocaína a 2% sem vasoconstrictor e 1ml de adrenalina.

Foi realizada a manobra de Schwarzmann[10] e a secção do triângulo medial de pele e gordura. Realizado o descolamento subcutâneo da região peitoral direita, expondo toda a face anterior do músculo peitoral maior até a sua origem. Após, as suas inserções nos arcos costais e no esterno foram seccionadas e a sua face posterior foi igualmente descolada até a sua origem. Dessa forma, o retalho miocutâneo foi completamente liberado, possibilitando a sua rotação subcutânea e cobertura do defeito da região paraesternal direita ([Figuras 4] e [5]).

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Figura 5. Transposição do retalho peitoral.

Após a pequena ascensão do complexo areolopapilar (CAP), a mama masculina é suturada por planos. Um triângulo lateral de pele e gordura foi ressecado para ajuste da cicatriz de mamaplastia em T invertido[11] [12]. Na área de descolamento, foi deixado um dreno de sucção 4.8 ([Figura 6])[13].

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Figura 6. Aspecto final da mamaplastia e da reconstrução do defeito peitoral.

No pós-operatório, o dreno foi retirado após 7 dias e não houve complicações[13]. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de carcinoma basocelular infiltrativo e margens cirúrgicas livres de neoplasia. O paciente fez acompanhamento ambulatorial e não apresentou mais recidiva tumoral ([Figura 7]).

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Figura 7. Três meses de pós-operatório.



DISCUSSÃO

Embora o enxerto de pele fosse uma opção mais simples de tratamento, nesse caso, essa técnica apresentava algumas desvantagens. A maior parte do leito do defeito era constituído por ventre do muscular, que favorecia a integração do enxerto de pele, mas havia outras áreas de exposição óssea (clavícula) e de tecido celular subcutâneo. Haveria também maior morbidade da área doadora de pele. Além disso, a espessura e a textura da pele do enxerto seriam diferentes das encontradas na região peitoral.

Alguns retalhos cutâneos locais poderiam ser planejados, mas resultariam em grandes cicatrizes aparentes[14]. Já no caso de outros retalhos miocutâneos pediculados, haveria as alternativas do grande dorsal e do reto abdominal. No entanto, resultariam em mais cicatrizes, maior tempo cirúrgico e maior morbidade pós-operatória.

Por sua vez, os retalhos cutâneos livres baseados na artéria epigástrica profunda ou superficial seriam boas alternativas para a cobertura do defeito torácico. No entanto, o paciente era obeso e apresentava um avental abdominal volumoso e protuberante. Dessa forma, a dissecção da região abdominal inferior seria de difícil execução e, também, com chance maior de complicações pósoperatórias locais.

Por outro lado, a simplicidade e a baixa morbidade do retalho miocutâneo peitoral em ilha motivaram a sua escolha. O descolamento do músculo peitoral maior nos seus planos anterior e posterior foi de simples execução. O ponto pivô da transposição subcutânea da ilha de pele foi o acrômio e o defeito torácico estava dentro do seu arco de rotação. Para a reparação da área doadora do retalho, foram utilizadas técnicas de mamaplastia a fim de evitar cicatrizes em locais desfavoráveis ou provocar alguma assimetria inaceitável.

Embora a cicatriz em T invertido pudesse produzir o estigma de mamaplastia feminina, nesse caso, isso não ocorreu. Como o paciente apresentava ginecomastia grau 4 e a mamaplastia não objetivava o tratamento dessa condição, as cicatrizes finais da mama doadora do retalho não ficaram tão destacadas.


CONCLUSÃO

Com a associação das técnicas do retalho miocutâneo peitoral e o fechamento da área doadora do retalho em forma de mamaplastia em T invertido foi possível obter-se um resultado estético e funcional satisfatório, em tempo cirúrgico único e com baixa morbidade.

A presente tática cirúrgica é uma alternativa simples para o tratamento de defeitos localizados no arco de rotação do retalho peitoral maior, quando executada por cirurgiões habituados com reconstruções mamárias.

COLABORAÇÕES

FBW

Aprovação final do manuscrito, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original.

VE

Aprovação final do manuscrito, Supervisão.



Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil.



*Autor correspondente:

Felipe Barbieri Wohlgemuth
Rua Irmã Benwarda, 297, 8º andar, Sala 802, Centro, Florianópolis, SC, Brasil, CEP: 88015-270

Publikationsverlauf

Eingereicht: 23. Oktober 2023

Angenommen: 04. Februar 2024

Artikel online veröffentlicht:
20. Mai 2025

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Bibliographical Record
FELIPE BARBIERI WOHLGEMUTH, VALMOR ELPO. Associação do retalho miocutâneo do músculo peitoral maior e da mamaplastia em T invertido para reconstrução de extenso defeito da parede torácica: relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352023rbcp0891pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2023RBCP0891-PT

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Figura 1. Extenso carcinoma basocelular infiltrativo e recidivante na região paraesternal à direita.
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Figura 2. Peça cirúrgica encaminhada para exame anatomopatológico.
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Figura 3. Extensa ferida operatória resultante da ressecção ampla do tumor.
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Figura 4. Retalho miocutâneo do músculo peitoral maior em ilha.
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Figura 5. Transposição do retalho peitoral.
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Figura 6. Aspecto final da mamaplastia e da reconstrução do defeito peitoral.
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Figura 7. Três meses de pós-operatório.
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Figure 1. Extensive infiltrative and recurrent basal cell carcinoma in the parasternal region on the right.
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Figure 2. A surgical specimen sent for pathological examination.
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Figure 3. Extensive surgical wound resulting from wide resection of the tumor.
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Figure 4. Myocutaneous island flap of the pectoralis major muscle.
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Figure 5. Transposition of the pectoral flap.
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Figure 6. Final aspect of mammaplasty and reconstruction of the pectoral defect.
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Figure 7. Three months postoperatively.