Open Access
CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451811180
DOI: 10.1055/s-0045-1811180
Artigo Original

Retalhos regionais ainda são uma estratégia de reconstrução adequada para tumores de cabeça e pescoço na era do boom dos retalhos livres? Avaliação de 269 casos em um centro de nível 4

Artikel in mehreren Sprachen: português | English

Authors

 

Resumo

Introdução

Há uma tendência atual em favor de retalhos microcirúrgicos em comparação aos pediculados para reconstrução de grandes defeitos loco-regionais após cirurgia. Revisamos o uso de ambas as técnicas na reconstrução de cabeça e pescoço para estabelecer o papel dos retalhos não microvasculares.

Materiais e Métodos

Estudo transversal retrospectivo. A análise estatística incluiu médias e desvios padrão (DP), frequências absolutas e relativas, correlação por análise bivariada e regressão logística binária. A significância estatística foi definida como p < 0,05, com intervalo de confiança (IC) de 95%.

Resultados

Revisamos 269 pacientes, sendo 105 mulheres e 164 homens, com idade média de 62,5. A maioria apresentava carcinoma espinocelular localizado na cavidade oral e orofaringe, em estágio IV (77%). Retalhos regionais foram usados em 70,6% e microvasculares em 29,4% dos casos. A morbidade geral foi de 16% e a mortalidade foi de 6,7% dos casos, todos em indivíduos com doença em estágio IV e mais de 70 anos. A análise bivariada revelou uma correlação intermediária entre idade avançada e maior morbidade, baixa correlação entre estágios avançados e uso de microcirurgia, além de alta correlação entre a idade superior a 70 anos e mortalidade pós-operatória. A regressão logística mostrou que o retalho microcirúrgico tinha 2,8 vezes maior probabilidade de morbidade, enquanto homens apresentavam 2,7 vezes mais risco de mortalidade, aumentando para 18,5 vezes em casos com morbidade pós-operatória.

Conclusão

Apesar da atual preferência por retalhos livres, os pediculados não devem descartados, pois podem oferecer resultados semelhantes, inclusive menor morbidade, tempo cirúrgico e custos de saúde.


Introdução

A reconstrução de grandes defeitos loco-regionais decorrentes de margens oncológicas em ressecções de cabeça e pescoço é de extrema importância. O procedimento minimiza morbidade, preserva a função dos órgãos (como fonação e deglutição), protege estruturas vitais, confere aparência estética adequada e melhora a qualidade de vida.

O uso do retalho do músculo peitoral maior foi descrito por Ariyana pela primeira vez em 1979, para reconstrução de cabeça e pescoço. Desde então, houve grandes avanços. Embora o primeiro retalho microvascular tenha sido realizado em 1959 por Steinberg, a técnica se popularizou somente em 1970 e, a partir da década de 1990, apresentou desenvolvimento rápido e progressivo, incluindo novas propostas de retalhos microcirúrgicos com adição de desenhos pré-operatórios tridimensionais (3D) e melhora dos resultados estéticos e funcionais. Ao longo desses anos, diferentes e versáteis retalhos pediculados e não pediculados também foram projetados; bons exemplos são os retalhos submandibulares e supraclaviculares que alcançam resultados semelhantes com eficiência.

Em contraste com essa tendência de reconstrução microcirúrgica como uma alternativa quase obrigatória, indicação individualizada para os casos em que outros retalhos não geram resultados semelhantes, visando reduzir o tempo cirúrgico, a morbidade e, os custos de saúde.

Diferentes estudos mostram benefícios semelhantes ou melhores dos retalhos regionais pediculados ou não pediculados em termos de desfechos funcionais e estéticos, com possibilidades similares de reabilitação, além de menor tempo cirúrgico, menor necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e menores custos de saúde. Isso significa que os retalhos regionais ainda podem ter um papel importante na era dos retalhos livres e devem ser considerados na definição de uma reconstrução.


Materiais e Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo transversal de revisão em pacientes submetidos à reconstrução com retalhos regionais e microcirúrgicos após cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço para correção do defeito de ressecção. Casos de 1° de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2023 foram analisados com o objetivo de avaliar os desfechos da reconstrução com ambas as técnicas.

Os critérios de inclusão foram pacientes maiores de 18 anos submetidos a retalhos regionais e microcirúrgicos para reconstrução após cirurgia oncológica ou tratamento de doenças benignas ou traumáticas. Os pacientes com informações incompletas foram excluídos. Neste estudo, os retalhos microcirúrgicos em hélice (propeller) foram agrupados com os pediculados regionais, considerando a ausência de anastomose microvascular. Os dados clínicos sobre o paciente e o tumor primário, sua localização, estadiamento clínico, tipo de cirurgia, anatomia patológica, tipo de reconstrução, morbidade e mortalidade foram registrados. Os pacientes não foram submetidos a intervenções diretas e o estudo seguiu as diretrizes da Declaração de Helsinque. A instituição aprovou a realização deste estudo e as informações dos pacientes foram obtidas de seus prontuários médicos, preservando sua privacidade.

A análise estatística foi realizada após a coleta dos dados em uma planilha do Microsoft Excel (Microsoft Corp.) e utilizou o software IBM SPSS Statistics for Windows (IBM Corp.), versão 22.0. O teste de Shapiro-Wilk avaliou a normalidade das variáveis quantitativas, que foram expressas como médias e desvios padrão (DP). As variáveis qualitativas foram expressas com frequências absolutas e relativas. A análise bivariada de correlação das variáveis dependentes empregou o método de Pearson, e a avaliação de sua associação às outras variáveis foi realizada por regressão logística binária. A significância estatística foi definida como p < 0,05, com intervalo de confiança (IC) de 95%.


Resultados

A amostra continha 269 pacientes, sendo 105 mulheres e 164 homens. A idade média foi de 62,5 anos; 60,2% tinham mais de 61 anos de idade e a maioria tinha entre 51 e 79 anos. A ressecção oncológica para tratamento de câncer (96,3%) foi a principal indicação para uso de retalho, seguida por doenças benignas e traumáticas. O carcinoma espinocelular foi a etiologia mais frequente, com 187 casos, seguido por carcinoma papilar de tireoide (6,3%) e alguns outros tumores, como sarcomas (3,7%), melanomas (3%) e adenoide cístico das glândulas salivares (3,7%). As principais localizações foram cavidade oral e orofaringe (28,6%), seguidas por seios paranasais e órbita (20,1%), laringe (12,3%) e glândula parótida (14,9%). A maioria dos pacientes estava no estágio clínico IV (77%) e os demais no III. Nenhum paciente foi diagnosticado em estágios iniciais e poucos casos foram benignos ou traumáticos ([Tabela 1]).

Tabela 1

N = 269

%

Idade média

65 anos

Sexo

Feminino

105

39

Masculino

164

61

Diagnóstico histológico

Espinocelular

187

69,5

Tumor papilar de tireoide

17

6,3

Adenoide cístico

10

3,7

Melanoma

8

3

Basocelular

6

2,2

Sarcoma

10

3,7

Trauma/fístula

16

5,9

Outro

15

5,7

Localização

Cavidade oral

72

26,8

Laringe

33

12,3

Seios da face/órbita

45

16,7

Aumento de salivação

40

14,9

Orofaringe

17

6,3

Pele

21

7,6

Tireoide

19

7,1

Traqueia/esôfago/hipofaringe

17

6,3

Outro

5

1,9

Estágio clínico

III

44

16,4

IV

207

77

Benigno/Trauma

18

6,6

O tratamento cirúrgico foi realizado como terapia inicial em 167 pacientes e como secundária em 102, após o tratamento oncológico não cirúrgico.

A cirurgia mais frequente foi a maxilectomia parcial ou total (14,5%), seguida por ressecção faríngea em monobloco, laringectomia, glossectomia, exenteração orbital, esvaziamento cervical completo e ressecção traqueal. Em relação às cirurgias da cavidade oral, 20,5% necessitaram de ressecção mandibular e 12,8% de mandibulectomia de aproximação.

Os retalhos mais utilizados foram os regionais, em 70,6% dos casos. Entre os retalhos microcirúrgicos, 48 foram musculocutâneos e 12, osteocutâneos. Quanto ao tipo de retalho livre, o radial foi o mais usado (10,4%), seguido pelos retalhos anterolateral da coxa (ALT), de escápula e de fíbula. Foram realizados 168 retalhos regionais pediculados; o mais comum foi o de Ariyana (27,1%), seguido pelo supraclavicular e pelo submandibular ([Tabela 2]). De acordo com a localização, os defeitos na cavidade oral foram tratados com retalho submandibular em 38,9% dos casos, microcirúrgico musculocutâneo em 31,9% e osteocutâneo em 15,3% dos pacientes. Dentre os defeitos orofaríngeos, 88,2% receberam retalhos regionais. A maioria dos defeitos orbitais e de tecidos moles e/ou ósseos exigiu retalho microcirúrgico, mas 31,1% puderam ser resolvidos com um em hélice.

Tabela 2

Retalho

n = 269

%

Microcirúrgico

79

29,4

Regional

190

70,6

Regional/Pedículo

Ariyana

73

38,4

Bakamjiam

19

10,0

Submandibular

38

20,0

Supraclavicular

44

23,1

Trapézio

4

2,1

Outro

12

6,3

Microcirúrgico

ALT

18

22,8

Escápula

6

7,6

Fíbula

6

7,6

Radial

28

35,4

TRAM

2

2,5

Hélice (propeller)

19

24,0

A morbidade geral foi de 16%, mas apenas 6,8% dos casos foram associados à reconstrução com retalho livre ou pediculado. A morbidade dos retalhos microcirúrgicos foi de 22,5% e dos retalhos regionais, 13,2%. No total, as causas de morbidade foram comprometimento da vascularização do retalho, infecção do sítio cirúrgico, hematoma e deiscência. Pneumonia pós-operatória ocorreu em dois pacientes (0,7%). Em relação à morbidade por tipo de retalho, houve trombose arterial em 3,8% dos retalhos livres; deiscência em 1,3% dos retalhos livres e 2,6% dos regionais; aparecimento de fístula em 2,5% dos retalhos livres e 3,7% dos regionais; e hematoma em 5% dos retalhos livres e 1,6% dos regionais. Após a detecção de comprometimento vascular do retalho, 46,2% dos casos puderam ser resgatados em cirurgia de revisão com nova anastomose arterial ou venosa, dependendo da situação. Nos casos em que o resgate não foi possível, os pacientes foram tratados de maneira eficaz com retalhos regionais, com uma exceção que passou por um segundo retalho livre, sem sucesso.

Registramos 18 (6,7%) óbitos, todos com doença em estágio IV, entre os quais 10 tinham mais de 70 anos (55,6%) e metade tinha câncer do trato aerodigestivo. As causas mais frequentes foram fístula pós-operatória e complicações vasculares, seguidas por causas médicas não cirúrgicas ([Tabela 3]).

Tabela 3

Morbidade

n = 269

%

Sem morbidade

226

84

Complicações vasculares

13

4,8

Infecção loco-regional

2

0,7

Hematoma

7

2,6

Deiscência/fístula

15

5,6

Pneumonia

2

0,7

Outra

4

1,5

Mortalidade

n = 18

%

Estágio IV

18

100

Idade acima de 70 anos

10

56

Doença aerodigestiva

9

50

Causas de mortalidade

Fístula pós-operatória

5

28

Complicações vasculares

2

11

Causas médicas não cirúrgicas

11

61

A análise bivariada foi feita por meio da correlação de Pearson. Detectou-se evidência de correlação intermediária entre pacientes mais idosos e maior morbidade, assim como uma baixa correlação entre estágios clínicos avançados e maior necessidade de retalhos microcirúrgicos. Além disso, notou-se ausência de correlação entre o tipo de retalho ou estágio clínico e a maior morbidade ([Tabela 4]).

Tabela 4

Correlação espúria

R de Pearson

Significância bilateral

Morbidade

Faixas etárias

0,45

0,047

Tipo de retalho

-0,116

0,049

Estágio clínico

Uso de retalho microvascular

-0,122

0,045

Morbidade

-0,21

0,73

Mortalidade

Faixas etárias

0,89

0,015

Tipo de retalho

0,77

0,21

Morbidade

Significância

Razão de chances

IC 95%

Inferior

Superior

Localização

0,076

1,138

0,987

1,313

Estágio

0,863

0,95

0,53

1,703

Cirurgia mandibular

0,595

0,866

0,51

1,47

Sexo (masculino)

0,364

1,366

0,696

2,679

Idade

0,912

0,999

0,974

1,024

Retalho microvascular

0,01

2,793

1,281

6,09

Mortalidade

Age

0,141

1,035

0,989

1,084

Sexo (masculino)

0,045

2,694

0,871

8,336

Localização

0,402

1,099

0,881

1,37

Estágio

0,211

2,275

0,628

8,244

Cirurgia mandibular

0,682

1,214

0,48

3,07

Retalho microvascular

0,167

0,344

0,075

1,564

Morbidade

0,01

18,505

5,823

58,811

Causas de mortalidade

Retalho vascular

0,001

0,027

0,003

0,227

Infecção

0,085

0,083

0,005

1,411

Hematoma

0,999

0

0

Deiscência/fístula

0,224

0,167

0,009

2,984

Pneumonia

0,72

0,667

0,073

6,111

Da mesma forma, há uma alta correlação entre idade superior a 70 anos e maior mortalidade pós-operatória, assim como uma correlação significativa entre o tipo de retalho e a maior mortalidade. Além disso, análises de regressão logística foram realizadas para avaliar se a morbidade estava associada ao tipo de retalho, idade, sexo, estadiamento clínico, localização do tumor e abordagem mandibular. Os resultados revelaram que retalhos microcirúrgicos tinham 2,8 vezes mais chance de apresentar morbidade (p = 0,010). Ao considerar as mesmas variáveis para explicar a mortalidade, houve associação do sexo masculino a um risco 2,7 vezes maior (p = 0,052). Além disso, o risco de mortalidade era 18,5 vezes maior em casos com morbidade pós-operatória (p = 0,001). Ao analisar o tipo de morbidade, pacientes com acometimento pós-operatório da vascularização do retalho tiveram um risco de morte 0,27 vezes maior (p = 0,001), como pode ser visto na [Tabela 4].


Discussão

A reconstrução com retalhos em cirurgia de cabeça e pescoço é uma ferramenta importante para minimizar as sequelas de grandes ressecções com margens oncológicas, buscando alcançar cobertura, função e correspondência de cor, entre outros aspectos, na tentativa de restaurar a normalidade tecidual. Houve uma grande evolução técnica na execução de retalhos de cabeça e pescoço para reconstrução e, hoje, observa-se grande preferência por retalhos livres. No entanto, a reconstrução com retalhos regionais pediculados tem sido uma ferramenta de grande valor nos múltiplos subsítios de cabeça e pescoço.

Os retalhos livres são mais demorados e exigem mais treinamento. Às vezes cirurgiões reconstrutivos precisam ser envolvidos, mas nem sempre estão à disposição em todas as instituições. Logo, nesse cenário, cirurgiões de cabeça e pescoço também são protagonistas na reconstrução.

Day et al. conduziram um estudo transversal online com todos os cirurgiões da American Society for Head and Neck Surgery para determinar a experiência dos cirurgiões que realizam retalhos regionais; 197 profissionais (25%) responderam à pesquisa. Os cirurgiões que realizavam retalhos regionais e livres tinham menos tempo de prática, mas faziam mais retalhos por ano; 28 e 23% dos cirurgiões realizavam retalhos supraclaviculares e submentonianos, respectivamente, pelo menos quatro a 10 vezes por ano. Os retalhos regionais os mais usados para reconstrução.[1]

A morbidade pós-operatória em nosso estudo foi de 6,1%, ocorrendo em 22,5% dos retalhos microcirúrgicos e 13,2% dos retalhos regionais. Estes números são um pouco superiores aos relatados pelo Hospital San Paolo, na Itália, em que 4,4% dos 45 pacientes apresentaram complicações relacionadas a retalhos regionais, entre 2009 e 2014. Os retalhos utilizados foram musculares e miocutâneos de peitoral maior, trapézio, supraclavicular e latíssimo do dorso e fasciocutâneo temporal. Os autores não observaram falência do retalho. Houve um caso de perda completa de pele, mas com sobrevida da parte muscular do retalho. Um caso teve perda parcial de pele e um teve sangramento ativo.[2]

Semelhante ao presente estudo, Gabryz-Forget et al. avaliaram as complicações categorizadas de acordo com o tipo de retalho realizado, ou seja, regional ou microvascular. Sua revisão sistemática mostrou que os retalhos livres foram associados a uma maior incidência de complicações em comparação aos regionais, de 68 e 36%, respectivamente. Os retalhos microcirúrgicos também apresentaram maior incidência de trombose arterial e hematoma, enquanto os regionais tiveram maior deiscência e aparecimento de fístula.[3] Nossos achados foram semelhantes, mas em uma porcentagem muito menor, sem casos de trombose arterial nos pacientes com retalhos pediculados e diferença mínima na incidência de fístula entre os dois grupos (microcirúrgicos: 2,5%, regionais: 3,7%). Os tempos cirúrgicos foram maiores em pacientes submetidos à reconstrução com retalho livre, com internações mais longas na UTI e no hospital. Embora nosso estudo não tenha considerado a qualidade de vida, Gabryz-Forget et al. revelaram escores semelhantes em termos de deglutição e fonação com ambas as técnicas de reconstrução, com abertura oral e dependência de sonda de alimentação similares.[3]

Por outro lado, diferentemente de nosso estudo, Goyal et al.[4] relataram uma maior taxa de infecção (9,1%), sem diferença no tipo de retalho, associada à internação prolongada. A presença de fístula também foi maior em comparação à nossa, de 8,2 e 3,7%, respectivamente, sem diferenças significativas entre retalhos livres e pediculados. Os pediculados apresentaram fístulas na população idosa, assim como em pacientes submetidos a cirurgias ou radioterapias prévias.

Nos pacientes com morbidade relacionada ao acometimento vascular por isquemia ou trombose, 46,2% foram submetidos com sucesso à revisão do retalho. Essa porcentagem é um pouco menor em comparação a outras publicações sobre técnicas de resgate para retalho livre. Kucur et al.[5] presented loss of the free flaps in 3.5% of their patients; 12% of their flaps needed a revision surgery, with a successful rescue in 57%. Ross et al.,[6] em sua série de 1.473 pacientes, necessitaram de resgate em 2,8% dos casos com um segundo retalho livre, com uma taxa de sucesso de 73%. Em nosso trabalho, apenas um paciente necessitou de um segundo retalho de resgate, que não obteve sucesso.

Bozikov e Arnez[7] obteve uma taxa de sucesso de 85% em 162 pacientes, observando que a falência dos retalhos livres foi 5 vezes maior na presença de diabetes e 4,6 vezes maior após a cirurgia de resgate, especialmente nos casos com enxerto venoso de interposição.

A revisão sistemática de Mooney et al.[8] comparou o retalho submentoniano aos retalhos livres e incluiu 7 estudos, a maioria retrospectiva. Embora os grupos avaliados tenham apresentado heterogeneidade moderada, o retalho regional levou a uma redução média do tempo cirúrgico de 193 minutos, bem como do tempo de internação hospitalar em 2,1 dias em comparação aos retalhos livres. As taxas de perda total do retalho, hematoma, infecção do sítio cirúrgico, deiscência e congestão venosa foram semelhantes em ambos os grupos, sem diferenças estatisticamente significativas. A recidiva tumoral foi inferior a 10% em ambos os grupos. Por outro lado, Vitkos et al.[9] também compararam os retalhos supraclavicular e livres e, em 8 estudos, descobriram que não houve diferença significativa em termos de perda do retalho, necrose, fístula e deiscência, propondo esses retalhos como uma alternativa de utilidade semelhante ao microvascular.

A análise multivariada de morbidade identificou uma alta correlação entre pacientes mais velhos e maior morbidade, além de uma correlação entre aqueles com mais de 70 anos e a maior mortalidade pós-operatória. Vários autores relataram que a idade não deve ser considerada um fator de risco independente em um retalho livre. Ferrari et al.[10] relataram uma taxa de sucesso de 96,5% em 54 retalhos realizados em pacientes com mais de 75 anos de idade, com uma taxa de complicações de 30,9%, semelhante à de pacientes mais novos, notando uma associação com o estado físico segundo a classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA) e não à idade. Da mesma forma, Tarsitano et al.[11] relataram que a taxa de complicações foi semelhante em pacientes com mais (11%) e menos (9%) de 75 anos, e apenas um escore ASA alto foi relacionado a uma maior probabilidade de complicação.

Nossos resultados não puderam ser comparados à revisão sistemática de Fancy et al., uma vez que seu ponto de corte de maior risco de morbidade e mortalidade perioperatória era 80 anos, tendo observado complicações graves aos 30 dias em até 51% dos casos, assim como mortalidade de 8% aos 90 dias, especialmente associada à maior fragilidade, baixo índice de massa corporal (IMC), cirurgia prolongada e subsítios como cavidade oral, orofaringe e maxila. No entanto, assim como em nosso estudo, na presença de morbidade, a mortalidade foi ainda maior em pacientes com menos de 80 anos. O tipo de retalho, livre ou pediculado, não foi associado à morbidade e mortalidade, mas não contrastou com o tempo cirúrgico, apesar de ser maior nos casos microcirúrgicos.[12]

Em relação à mortalidade por sexo, que no nosso estudo se revelou mais elevada em homens, a publicação da Global Burden Cancer[13] pontua achados semelhantes, com mais óbitos em homens (241.585; intervalo de incerteza de 95%: 207.546–279.188) do que em mulheres (148.189; intervalo de incerteza de 95%: 124.242–175.146). A incidência também foi maior em homens, com razão de 2:1, em comparação a 1,5:1 em nosso estudo. A mortalidade também foi maior no grupo entre 70 e 79 anos de idade.

Por fim, a mortalidade pós-reconstrução observada em nosso estudo foi de 6,8%, semelhante à relatada por Ali et al.,[14] que descreveu taxa de mortalidade em 30 dias em pacientes com retalhos livres de até 6,3%, especialmente relacionada à anemia, idade acima de 80 anos, desnutrição e mau estado funcional.


Conclusão

A reconstrução de defeitos cirúrgicos grandes e complexos após a ressecção oncológica de tumores avançados de cabeça e pescoço requer bom julgamento clínico das técnicas de retalhos microcirúrgicos, pediculados ou regionais. Atualmente, há uma preferência pelos retalhos livres, com base na aplicação de novas técnicas que parecem melhorar os desfechos estéticos e funcionais. No entanto, os retalhos regionais e pediculados não devem ser descartados, uma vez que são igualmente úteis em termos de cobertura, função e, por vezes, estética. À exceção de componente ósseo na reconstrução, estes retalhos devem ser considerados ferramentas cirúrgicas relevantes, já que oferecem resultados semelhantes, como menor morbidade e redução do tempo necessário para sua realização, o que leva a menores os custos de saúde. A idade de 70 anos parece ser o ponto de corte em que há aumento da morbidade e da mortalidade nos indivíduos submetidos a retalhos microcirúrgicos para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço. Esses índices são ainda maiores em homens e, portanto, deve-se sempre considerar um tipo de reconstrução menos exigente como alternativa nesses casos.



Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Fonte de Financiamento

Os autores declaram que não receberam suporte financeiro de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.


  • Referências

  • 1 Day AT, Yang AM, Tang L, Gordin EA, Emerick KS, Richmon JD. Regional flap practice patterns: A survey of 197 head and neck surgeons. Auris Nasus Larynx 2020; 47 (06) 1088-1090
  • 2 Colletti G, Tewfik K, Bardazzi A, Allevi F, Chiapasco M, Mandalà M, Rabbiosi D. Regional flaps in head and neck reconstruction: a reappraisal. J Oral Maxillofac Surg 2015; 73 (03) 571.e1-571.e10
  • 3 Gabrysz-Forget F, Tabet P, Rahal A, Bissada E, Christopoulos A, Ayad T. Free versus pedicled flaps for reconstruction of head and neck cancer defects: a systematic review. J Otolaryngol Head Neck Surg 2019; 48 (01) 13
  • 4 Goyal N, Yarlagadda BB, Deschler DG, Emerick KS, Lin DT, Rich DL. et al. Surgical Site Infections in Major Head and Neck Surgeries Involving Pedicled Flap Reconstruction. Ann Otol Rhinol Laryngol 2017; 126 (01) 20-28
  • 5 Kucur C, Durmus K, Uysal IO, Old M, Agrawal A, Arshad H. et al. Management of complications and compromised free flaps following major head and neck surgery. Eur Arch Otorhinolaryngol 2016; 273 (01) 209-213
  • 6 Ross G, Yla-Kotola TM, Goldstein D, Zhong T, Gilbert R, Irish J. et al. Second free flaps in head and neck reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2012; 65 (09) 1165-1168
  • 7 Bozikov K, Arnez ZM. Factors predicting free flap complications in head and neck reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2006; 59 (07) 737-742
  • 8 Mooney SM, Sukato DC, Azoulay O, Rosenfeld RM. Systematic review of submental artery island flap versus free flap in head and neck reconstruction. Am J Otolaryngol 2021; 42 (06) 103142
  • 9 Vitkos EN, Galani Manolakou MM, Kounatidou NE, Dimasis P, Kyrgidis A. Is Supraclavicular Artery Island flap (SAI) a viable alternative to Free Tissue Transfer (FTT) in head and neck reconstruction? A systematic review and meta-analysis. J Stomatol Oral Maxillofac Surg 2023; 124 (03) 101391
  • 10 Ferrari S, Copelli C, Bianchi B, Ferri A, Poli T, Ferri T, Sesenna E. Free flaps in elderly patients: outcomes and complications in head and neck reconstruction after oncological resection. J Craniomaxillofac Surg 2013; 41 (02) 167-171
  • 11 Tarsitano A, Pizzigallo A, Sgarzani R, Oranges CM, Cipriani R, Marchetti C. Head and neck cancer in elderly patients: is microsurgical free-tissue transfer a safe procedure?. Acta Otorhinolaryngol Ital 2012; 32 (06) 371-375
  • 12 Fancy T, Huang AT, Kass JI, Lamarre ED, Tassone P, Mantravadi AV. et al. Complications, Mortality, and Functional Decline in Patients 80 Years or Older Undergoing Major Head and Neck Ablation and Reconstruction. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2019; 145 (12) 1150-1157
  • 13 Zhou T, Huang W, Wang X, Zhang Y, Zhou E, Tu Y. et al. Global burden of head and neck cancers from 1990 to 2019. iScience 2024; 27 (03) 109282
  • 14 Ali B, Choi EE, Barlas V, Petersen TR, Menon NG, Morrell NT. Risk Factors for 30-Day Mortality After Head and Neck Microsurgical Reconstruction for Cancer: NSQIP Analysis. OTO Open 2021; 5 (03) 2473974-X211037257 Doi: X211037257

Endereço para correspondência

Andres I Chala
Oncologos del occidente, Calle 92 29-75 Manizales, Caldas
Colombia   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 06. April 2025

Angenommen: 20. Mai 2025

Artikel online veröffentlicht:
10. September 2025

© 2025. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua Rego Freitas, 175, loja 1, República, São Paulo, SP, CEP 01220-010, Brazil

Bibliographical Record
Andres I. Chala, Yessica A. Trujillo. Retalhos regionais ainda são uma estratégia de reconstrução adequada para tumores de cabeça e pescoço na era do boom dos retalhos livres? Avaliação de 269 casos em um centro de nível 4. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451811180.
DOI: 10.1055/s-0045-1811180
  • Referências

  • 1 Day AT, Yang AM, Tang L, Gordin EA, Emerick KS, Richmon JD. Regional flap practice patterns: A survey of 197 head and neck surgeons. Auris Nasus Larynx 2020; 47 (06) 1088-1090
  • 2 Colletti G, Tewfik K, Bardazzi A, Allevi F, Chiapasco M, Mandalà M, Rabbiosi D. Regional flaps in head and neck reconstruction: a reappraisal. J Oral Maxillofac Surg 2015; 73 (03) 571.e1-571.e10
  • 3 Gabrysz-Forget F, Tabet P, Rahal A, Bissada E, Christopoulos A, Ayad T. Free versus pedicled flaps for reconstruction of head and neck cancer defects: a systematic review. J Otolaryngol Head Neck Surg 2019; 48 (01) 13
  • 4 Goyal N, Yarlagadda BB, Deschler DG, Emerick KS, Lin DT, Rich DL. et al. Surgical Site Infections in Major Head and Neck Surgeries Involving Pedicled Flap Reconstruction. Ann Otol Rhinol Laryngol 2017; 126 (01) 20-28
  • 5 Kucur C, Durmus K, Uysal IO, Old M, Agrawal A, Arshad H. et al. Management of complications and compromised free flaps following major head and neck surgery. Eur Arch Otorhinolaryngol 2016; 273 (01) 209-213
  • 6 Ross G, Yla-Kotola TM, Goldstein D, Zhong T, Gilbert R, Irish J. et al. Second free flaps in head and neck reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2012; 65 (09) 1165-1168
  • 7 Bozikov K, Arnez ZM. Factors predicting free flap complications in head and neck reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2006; 59 (07) 737-742
  • 8 Mooney SM, Sukato DC, Azoulay O, Rosenfeld RM. Systematic review of submental artery island flap versus free flap in head and neck reconstruction. Am J Otolaryngol 2021; 42 (06) 103142
  • 9 Vitkos EN, Galani Manolakou MM, Kounatidou NE, Dimasis P, Kyrgidis A. Is Supraclavicular Artery Island flap (SAI) a viable alternative to Free Tissue Transfer (FTT) in head and neck reconstruction? A systematic review and meta-analysis. J Stomatol Oral Maxillofac Surg 2023; 124 (03) 101391
  • 10 Ferrari S, Copelli C, Bianchi B, Ferri A, Poli T, Ferri T, Sesenna E. Free flaps in elderly patients: outcomes and complications in head and neck reconstruction after oncological resection. J Craniomaxillofac Surg 2013; 41 (02) 167-171
  • 11 Tarsitano A, Pizzigallo A, Sgarzani R, Oranges CM, Cipriani R, Marchetti C. Head and neck cancer in elderly patients: is microsurgical free-tissue transfer a safe procedure?. Acta Otorhinolaryngol Ital 2012; 32 (06) 371-375
  • 12 Fancy T, Huang AT, Kass JI, Lamarre ED, Tassone P, Mantravadi AV. et al. Complications, Mortality, and Functional Decline in Patients 80 Years or Older Undergoing Major Head and Neck Ablation and Reconstruction. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2019; 145 (12) 1150-1157
  • 13 Zhou T, Huang W, Wang X, Zhang Y, Zhou E, Tu Y. et al. Global burden of head and neck cancers from 1990 to 2019. iScience 2024; 27 (03) 109282
  • 14 Ali B, Choi EE, Barlas V, Petersen TR, Menon NG, Morrell NT. Risk Factors for 30-Day Mortality After Head and Neck Microsurgical Reconstruction for Cancer: NSQIP Analysis. OTO Open 2021; 5 (03) 2473974-X211037257 Doi: X211037257