Palavras-chave
cirurgia plástica - couro cabeludo - dermatofibrossarcoma - dispositivos para expansão
de tecidos - neoplasias de cabeça e pescoço
Introducão
O dermatofibrossarcoma protuberante (DFSP) é um sarcoma cutâneo incomum, localmente
invasivo e com um curso clínico indolente, com uma incidência anual de 4,1 casos por
1 milhão de habitantes nos Estados Unidos.[1] Ocorre tipicamente em adultos de meia idade, com uma leve predominância em homens,
sendo responsável por 1% dos sarcomas de partes moles. A localização preferencial
é no tronco (40–50%) e nas extremidades (30–40%), sendo que na cabeça e pescoço a
incidência é de 10 a 15%, e no couro cabeludo, de 5%. A principal característica desse
tipo de tumor é a sua elevada taxa de recidiva local após excisão cirúrgica, especialmente
quando localizado na cabeça e pescoço.[2]
Este relato tem por objetivo apresentar um caso de DFSP cujo diagnóstico foi confundido
com dermatofibroma, apesar da recidiva do tumor após duas ressecções. Com a evolução
da oncologia cutânea, os cirurgiões têm sido cada vez mais requisitados para o diagnóstico
e orientação terapêutica de tumores menos frequentes.
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino
e Pesquisa em Ciências da Saúde/Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
(Fepecs/SES-DF, sob o CAAE 48838921.2.0000.5553/ parecer no 5.784.230), e seguiu todos os aspectos éticos descritos na Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Relato do Caso
Uma paciente do sexo feminino, de 25 anos, branca, solteira, procedente de Paracatu,
Minas Gerais, procurou atendimento médico no ambulatório de Cirurgia Plástica do hospital
queixando-se de um tumor de couro cabeludo havia 2 anos, que tinha sido retirado 2
vezes, mas recidivou. Nas duas ocasiões, o diagnóstico histopatológico foi dermatofibroma.
Após o último procedimento 6 meses antes, a lesão apresentou um crescimento rápido,
e alcançou 12 cm de diâmetro. A paciente estava em bom estado geral e, à palpação,
não se evidenciaram linfoadenomegalias ou visceromagalias. A tomografia computadorizada
da cabeça revelou que o tumor do couro cabeludo não infiltrava a calota craniana subjacente.
A ressonância magnética mostrou que o tumor de partes moles apresentava bordas bem
definidas. O exame radiográfico do tórax foi negativo para a doença. Finalmente, a
paciente realizou a cintilografia óssea com tecnécio-99m (99mTc), que excluiu o envolvimento ósseo. Uma biópsia incisional foi feita sob anestesia
local, e o diagnóstico de dermatofibrossarcoma protuberante foi estabelecido após
a análise imuno-histoquímica. A paciente foi submetida a ampla excisão local no plano
subgaleal sob anestesia geral, com uma margem macroscópica livre de 3 cm. O defeito
foi coberto com enxerto de pele parcial retirado da face externa da coxa esquerda.
Posteriormente, a paciente foi submetida a duas operações, com colocação de expansores
de pele para a cobertura da área de alopecia ([Fig. 1A–E]). Desde então, faz 12 anos que ela tem permanecido livre de recorrência da doença.
Fig. 1 (A) Dermatofibrossarcoma protuberante de 12 cm de diâmetro no couro cabeludo. (B) Quatro meses após exérese do dermatofibrossarcoma e enxertia de pele parcial sobre
o periósteo integro. (C) Expansores retangulares implantados para a expansão do couro cabeludo. (D) Pós-operatório 1 ano após a cobertura da área de alopecia (vista anterior). (E) Pós-operatório 1 ano depois da cobertura da área de alopecia (vista lateral).
Discussão
O DFSP é um sarcoma superficial de baixo grau de origem dérmica, cujas margens tumorais
histológicas normalmente estão bem além das margens macroscópicas, devido à disseminação
horizontal do tumor. Até mesmo tumores aparentemente pequenos podem apresentar projeções
distantes intercaladas em lóbulos de gordura, o que justifica a elevada taxa de recidiva
local. Antecedente de trauma como fator desencadeante é descrito em 10% a 20% dos
casos. No entanto, há vários relatos do tumor se desenvolvendo em cicatriz cirúrgica,
queimadura ou cicatriz de vacinação (bacilo de Calmette-Guérin, BCG), bem como do
crescimento rápido durante a gravidez, fato atribuído a receptores de progesterona
no tumor. É considerado o sarcoma mais comum da pele, e aproximadamente 5% dos casos
acometem o couro cabeludo.[1]
[2]
Microscopicamente, o tumor consiste em células fusiformes atípicas em um estroma fibrótico,
na derme e envolvendo o subcutâneo, organizadas em fascículos irregulares, entrelaçados,
que resultam em um padrão estoriforme ou em roda de carroça ([Fig. 2]). A atividade mitótica é leve, e o pleomorfismo nuclear é mínimo, o que explica
o comportamento de baixo grau do tumor. O desenvolvimento de metástases é raro, ocorre
em menos de 4% dos pacientes, e normalmente é precedido por múltiplas recidivas e
tumor de longa duração. O pulmão é o principal local de acometimento metastático.
Entretanto, lesões cerebrais e ósseas já foram descritas.[3]
[4]
Fig. 2 Fotomicrografia que mostra a grande celularidade do tumor, caracterizada pela proliferação
de células fusiformes monomórficas dispostas em arranjo irregular (hematoxilina e
eosina, 400x).
O diagnóstico preciso é de extrema importância, pois este tipo de tumor é eventualmente
confundido com dermatofibromas ou até mesmo lesões queloideanas. Inicialmente aparece
como um nódulo rosa de aproximadamente 1 cm de diâmetro aderido ao plano subcutâneo.
O nódulo tende a crescer lentamente, coberto por epiderme normal. A origem provável
do tumor, segundo estudos imuno-histoquímicos recentes, é perineural. A fusão do cromossomo
17 do gene do colágeno tipo-1 alfa-1 (COL1A1) com cromossomo 22 do gene fator de crescimento beta derivado de plaquetas (platelet-derived growth factor-beta, PDGF-β, em inglês) na forma de uma translocação linear é a principal anormalidade molecular
do tumor,[3]
[4] o que resultando em uma ativação aumentada do PDGF-β. Portanto, terapias neoadjuvante e adjuvante podem ser úteis associadas ao tratamento
cirúrgico em tumores recidivantes, com o uso de medicações que bloqueiem os receptores
dessas substâncias, como o mesilato de imatinibe.[5]
[6]
As células tumorais do DFSP exibem positividade para CD34 e para vimentina mediante
imuno-histoquímica, mas não reagem ao CD44, à proteína S-100 ou ao fator XIIIa, ao
passo que os dermatofibromas reagem fortemente ao CD44 e levemente ao CD34 e à vimentina.
Além do CD34 e da vimentina, a estromelisina 3 (ST3) tem se mostrado um marcador imuno-histoquímico
característico da doença.[5]
O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica com amplas margens (2–3 cm) ou a cirurgia
micrográfica de Mohs. Deve-se buscar margens cirúrgicas livres na profundidade e na
periferia na ressecção primária do tumor, com a avaliação adequada dessas margens.
A radioterapia no pós-operatório também desempenha um papel em lesões cujas margens
cirúrgicas não puderam ser alcançadas, como no caso de tumores na face, por exemplo.
O uso do inibidor seletivo da tirosina-kinase vem sendo estudado, demonstrando alguma
atividade em pacientes com DFSP irressecável ou metastático. O imatinibe funciona
como um inibidor do receptor do PDGF, pois bloqueia a sua estimulação autócrina.[6]
O DFSP do couro cabeludo representa cerca de 5% de todos os casos, e apresenta pecularidades
devido à probabilidade de infiltrar o periósteo, a calota craniana ou a dura-máter.
Além disso, a extensão da ressecção pode gerar grandes defeitos, com dificuldade de
reconstrução da região pela pouca distensibilidade do couro cabeludo.
Uma revisão multicêntrica de casos de dermatofibrossarcoma do couro cabeludo[5] totalizou 53 casos na literatura mundial, sendo a maioria constituída de tumores
primários.
No caso apresentado aqui, tratava-se de um caso primário sem invasão do periósteo
em que a ressecção foi feita no plano subgaleal, com cobertura do defeito com enxerto
de pele parcial para aguardar o resultado do estudo histopatológico com definição
das margens livres periféricas e profundas. A reconstrução definitiva foi realizada
com a expansão do remanescente do couro cabeludo com expansores teciduais retangulares.
Atualmente, a paciente encontra-se há 12 anos livre da doença.
A reconstrução com o uso de expansores após a ressecção de dermatofibrossarcoma é
uma boa opção, sendo usada inclusive no pré-operatório em casos específicos.[7]
[8] Da mesma forma, o uso de matriz dérmica associado à terapia por pressão negativa
tem sido uma boa opção no manejo de defeitos complexos do couro cabeludo após excisão
de tumores malignos.[9]
A forma fibrossarcomatosa do DFSP é a de pior prognóstico. Ele difere do tipo “clássico”
devido à presença de mais células fusiformes, ao maior número de núcleos, às mitoses
mais frequentes e À expressão diminuída de CD34, o que explica a natureza mais agressiva
do tumor. Este subtipo de DFSP tem alta taxa de recidiva e maior chance de metástases
à distância.[10]
Os fatores predisponentes para a recorrência mais relatados são idade maior do que
50 anos, ressecção próxima à margem microscópica positiva, variante fibrossarcomatosa
do DFSP, alta taxa de mitoses, celularidade aumentada e margem cirúrgica livre de
doença menor do que 2 cm.[10]
Finalmente, a única forma de reduzir a incidência de recorrência é a excisão inicial
ampla do tumor. Entretanto, nos casos de tumores que estão na região da cabeça e pescoço,
as margens tendem a ser mais econômicas para preservar estruturas nobres. Nesses casos,
o tratamento de escolha sem dúvida é a microcirurgia de Mohs.[11] Alternativamente, muitos autores[12] sugerem a radioterapia pós-operatória de 50 cGy a 60 cGy, se a margem de ressecção
foi inadequada ou se o exame histológico revelar a variante fibrosarcomatosa do DFSP.
Em conclusão, o DFSP é um tumor maligno localmente infiltrativo com alta taxa de recorrência,
mas com um baixo potencial para metástase. O principal diagnóstico diferencial é com
dermatofibroma. O DFSP deve sempre ser pensado nos casos de recorrência de lesão com
o diagnóstico histopatológico de “fibroma”. O diagnóstico histopatológico do DFSP
pode ser difícil devido à ausência de atipia nuclear e ao índice mitótico baixo, o
que requer a análise imuno-histoquímica para que se estabeleça o diagnóstico, com
grande atenção às margens periféricas e profundas livres do tumor. O tratamento de
escolha é a excisão ampla, e o seguimento pós-operatório, regular e longo.[13]
Bibliographical Record
Jefferson Lessa Soares de Macedo, Jovita Maria Rafael Batista de Albuquerque Espíndola,
Thamara de Oliveira Vasconcelos, Luna D'Angelis Barbosa de Albuquerque, Sarah Pereira
Lima Xavier da Silva, Luis Felipe Rosa de Macedo, Cecilia Rosa de Macedo, Simone Correa
Rosa. Dermatofibrossarcoma protuberante no couro cabeludo: Relato de caso. Revista
Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025;
40: s00451807279.
DOI: 10.1055/s-0045-1807279