Palavras-chave
algoritmos - atenção primária à saúde - diagnóstico - encaminhamento e consulta -
neoplasias cutâneas
Introdução
O câncer representa importante agravo à saúde da população em todo o mundo. Neoplasias
malignas figuram entre as principais causas de mortalidade. Além disso, tanto a doença
em si quanto o seu tratamento se associam com diferentes graus de morbidade.[1]
O câncer de pele é o mais comum de todos os tipos de câncer, no Brasil e no mundo.[1]
[2]
[3] O termo “câncer de pele” abrange uma gama de neoplasmas cutâneos, geralmente distribuídos
em dois grupos. Os tumores do tipo não melanoma compreendem os carcinomas basocelulares
(CBC), mais comuns (70% dos casos), e os carcinomas espinocelulares (CEC), 25% dos
casos,[4] ambos oriundos dos queratinócitos da epiderme.
O outro grupo de tumores de pele são os melanomas, que surgem da proliferação descontrolada
de melanócitos e podem ocorrer em qualquer órgão que contenha estas células, incluindo
mucosas, retina e meninges, apesar de serem mais frequentes na pele.[5] Embora os tumores do tipo não melanoma representem 97% dos cânceres de pele, os
melanomas se destacam devido às suas altas taxas de letalidade,[5] sendo responsáveis por até 75% das mortes por câncer de pele.[6] Para o Brasil foram estimados, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, 220.490
casos novos de tumores de pele não melanoma, com risco estimado 101,95 casos por 100
mil habitantes, e 8.980 novos casos de melanoma, o que corresponde a um risco de 4,13
casos por 100 mil habitantes.[1]
Os tumores de pele, com sua grande prevalência, constituem uma questão de saúde pública,
que geram custos que sobrecarregam os sistemas saúde,[2]
[3] além de impactarem negativamente a qualidade de vida dos pacientes.[7]
[8] Portanto, sua detecção precoce é relevante, por permitir tratamentos menos agressivos
e mutilantes.
Médicos que atuam na atenção básica à saúde, incluindo médicos de família, regularmente
atendem pacientes com lesões de pele que não estão sendo seguidos ou não têm acesso
a especialistas (dermatologistas ou cirurgiões plásticos). Cada um desses encontros
com pacientes, independentemente de sua finalidade principal, é uma oportunidade para
detectar o câncer de pele.[9]
O uso de aplicativos revolucionou o acesso à informação, e aplicativos relacionados
à avaliação clínica ajudam a reduzir o tempo para uma abordagem terapêutica, possibilitando
uma triagem mais eficaz e a detecção precoce do câncer de pele.[10]
[11] Este estudo descreve o desenvolvimento do SkinScan, um aplicativo para auxiliar
médicos que atuam na atenção primária a identificar lesões suspeitas de malignidade,
com potencial de possibilitar uma triagem mais eficaz das lesões que devem ser avaliadas
por especialistas, permitindo diagnóstico e tratamento precoce.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo descritivo, aplicado na modalidade de desenvolvimento tecnológico,
realizado em um serviço universitário. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
institucional (CAAE:04751118.2.0000.5102, parecer n° 3.661.228).
Inicialmente, para embasar a criação de um algoritmo, foi realizada uma revisão da
literatura junto às principais bases de dados das Ciências da Saúde, incluindo Scientific
Eletronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE).
Foram utilizados e combinados os descritores aplicativos para dispositivos móveis, câncer de pele, prevenção, diagnóstico clínico, prática profissional. Foram selecionados artigos relacionados ao tema publicados em português ou inglês,
nos últimos 10 anos. Também foram consultadas outras referências de interesse, como
sítios eletrônicos, livros, teses e dissertações, e relatórios técnicos.
A partir desse levantamento da literatura, foi criado o algoritmo para identificação
e encaminhamento de lesões de pele suspeitas de malignidade. Para ilustrar os diferentes
tipos de lesão foram utilizadas imagens do arquivo do Serviço de Cirurgia Plástica
do hospital universitário, de forma a não possibilitar a identificação de nenhum paciente.
Para validação do algoritmo utilizou-se a técnica Delphi. Esta técnica é um método
sistematizado para obtenção de um consenso de um grupo de especialistas sobre determinado
tema, por meio da aplicação de questionários estruturados.[12] Foram convidados a compor o painel de especialistas 20 médicos, segundo critérios
de elegibilidade. Foram incluídos médicos com título de especialista em cirurgia plástica
ou dermatologia, devidamente registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM) do
estado onde atuam, com pelo menos cinco anos de experiência na área de formação. Foram
excluídos os que não responderam no prazo ou nos limites de prorrogação deste. A amostragem
foi por conveniência.
Os especialistas selecionados foram contactados por e-mail. Os que concordaram em
participar, assinando eletronicamente o termo de consentimento livre e esclarecido,
receberam o arquivo com o algoritmo e um questionário estruturado para avaliá-lo em
relação à adequação da linguagem, sequência de informações, facilidade de compreensão
e relevância do conteúdo. As opções de respostas foram graduadas em uma escala Likert
com cinco pontos, de acordo com o nível de concordância envolvendo a questão, e também
havia espaços para sugestões de ajustes.
Após 15 dias, foi enviado novo e-mail com um lembrete para aqueles que ainda não haviam
respondido. Passados mais 15 dias, os que não responderam foram excluídos. Trinta
dias após o envio do algoritmo, as respostas foram analisadas, foram realizados ajustes
e, se necessário, realizadas novas rodadas com os especialistas. Uma vez obtido consenso,
e feitas as alterações necessárias, o algoritmo foi transformado em aplicativo por
um profissional de Tecnologia em Informação.
Para a análise estatística foram utilizados os programas Minitab, versão 18.1, e IBM
SPSS Statistics for Windows, versão 22.0. Calculou-se o coeficiente alfa de Cronbach
(α) para avaliar a consistência interna do instrumento de avaliação, estimando sua
confiabilidade.
Resultados
Dos 20 especialistas convidados para o estudo, 13 (65%) consentiram em participar,
incluindo 8 cirurgiões plásticos e 5 dermatologistas. O tempo de certificação e prática
na especialidade variou de 5 a 29 anos, com média de 13 anos. Em relação à titulação,
cinco eram especialistas, três mestres e cinco doutores.
A [Tabela 1] apresenta o coeficiente alfa de Cronbach calculado para os itens avaliados pelos
13 panelistas.
Tabela 1
Item avaliado
|
Coeficiente alfa de Chronbach
|
Sequência de informações
|
0,9
|
Facilidade de entendimento
|
0,8
|
Linguagem
|
0,7
|
Pertinência do conteúdo
|
0,7
|
Coeficiente global
|
0,8
|
O SkinScan foi desenvolvido por um profissional de Tecnologia da Informação e registrado
no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI (BR512020001285–0). A versão
web do aplicativo pode ser acessada no link: http://skinscan.progm.net.br/
Discussão
O câncer de pele é a neoplasia mais comum nos seres humanos, particularmente na população
branca.[13] O principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pele (melanoma e
não melanoma) é a radiação ultravioleta, que induz danos cumulativos ao DNA. Especificamente
para os melanomas, destacam-se também as radiações ultravioletas não naturais, como
as lâmpadas.[13]
O Brasil é um país tropical que tem um dos maiores índices de radiação ultravioleta
do planeta. Além disso, é culturalmente estabelecida a valorização da pele bronzeada.[14] Na Austrália e Nova Zelândia, países com a maior taxa de câncer de pele no mundo,
estudos evidenciaram a importância dos médicos da atenção primária para fornecer informações
sobre o câncer de pele, incentivando os pacientes a praticar segurança solar e a utilizar
aplicativos educacionais que indicam os níveis de radiação ultravioleta.[15]
[16]
O diagnóstico precoce e a prevenção primária são as melhores opções para diminuir
a morbidade e mortalidade dos tumores de pele.[17]
[18] Os CEC são biologicamente mais agressivos, e lesões negligenciadas podem ser fatais
devido à extensão local ou metástase. Por outro lado, o CBC raramente apresenta risco
de vida. Ambos são localmente invasivos, mas com melhores resultados se tratados precocemente.[19]
O melanoma, originado da transformação maligna dos melanócitos, é o tumor de pele
mais agressivo, notório por sua alta resistência a múltiplas drogas, altas taxas de
recidiva e baixa taxa de sobrevida, sendo responsável pela maioria das mortes relacionadas
ao câncer de pele.[6]
A detecção precoce é essencial para diminuir a morbidade e a mortalidade de pacientes
com melanoma. Dada a incidência crescente desse tipo de câncer agressivo, os médicos
da atenção primária executam um papel primordial no diagnóstico precoce do melanoma,
visto que na maioria dos países esses profissionais representam o primeiro ponto de
contato para qualquer paciente com um problema de saúde.[20]
Várias tecnologias de diagnóstico estão disponíveis para ajudar os médicos generalistas
e também especialistas a identificar os cânceres de pele (melanomas e não melanomas),
minimizando os atrasos no diagnóstico.[19] De grande aplicabilidade na prática clínica são os aplicativos de saúde para smartphones, os quais são facilmente acessíveis e ajudam a identificar lesões suspeitas, facilitando
a triagem de pacientes para avaliação especializada.[6] Aplicativos de triagem de lesões suspeitas de malignidade desempenham papel significativo
para abordar lacunas em regiões carentes, além de contribuírem para aumentar a acessibilidade
aos serviços médicos, reduzindo as disparidades na atenção à saúde.[21]
O número de cirurgiões plásticos e dermatologistas que atuam no Sistema Único de Saúde
(SUS), e também nas redes corporativas e privadas de saúde, é insuficiente para atender
a todos os pacientes que apresentem alguma lesão de pele. Além disso, é perceptível
o número de encaminhamentos desnecessários para esses especialistas, devido à falta
de informação e capacitação de médicos da atenção básica, o que sobrecarrega o sistema.
O SkinScan, voltado aos profissionais que atuam na linha de frente do atendimento
à população, tem o potencial de facilitar uma triagem mais eficiente, permitindo diagnóstico
e tratamento mais precoces.
Conclusão
O SkinScan foi desenvolvido com sucesso e está disponível para uso gratuito dos médicos.
Bibliographical Record
José Wilson Moreira-Filho, Marcelo Prado Carvalho, Carolina Alves Martins Guerra,
Daniela Vieira Silveira Santos, Joel Veiga-Filho, Daniela Francescato Veiga. Desenvolvimento
do aplicativo SkinScan: Um aplicativo para auxiliar médicos da atenção primária a
identificar lesões de pele com suspeita de malignidade. Revista Brasileira de Cirurgia
Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451807277.
DOI: 10.1055/s-0045-1807277