Descritores:
Fissura palatina - Fenda labial - Anormalidades craniofaciais - Fístula - Complicações
pós-operatórias
INTRODUÇÃO
A fissura labiopalatina é a má-formação congênita craniofacial mais comum, com
prevalência estimada em 1 caso a cada 700 nascidos vivos. Dificuldades de
alimentação, alterações na fala e distúrbios auditivos são comuns nestes pacientes,
tornando o tratamento adequado multidisciplinar geralmente envolvendo cirurgia
plástica, otorrinolaringologia, fonoaudiologia, fisioterapia, ortodontia, enfermagem
e psicologia. A necessidade de diferentes especialidades dificulta a criação e
manutenção de serviços especializados nesta condição[1]
[2].
A diversidade de classificações e o grande número de técnicas cirúrgicas utilizadas
nas cirurgias primárias (queiloplastia e palatoplastia) dificultam a comparação dos
dados epidemiológicos entre os serviços especializados e a avaliação de incidência
de complicações associadas a estas cirurgias.
Apesar de existirem muitos estudos que avaliaram a incidência de complicações em
pacientes submetidos a queiloplastia e palatoplastia, são escassos os trabalhos
realizados em centros especializados com menor tempo de criação[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[8]
[9].
OBJETIVO
O objetivo desse trabalho foi avaliar o perfil epidemiológico e a incidência de
complicações dos pacientes com fissuras labiopalatinas submetidos a correção
cirúrgica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU),
em
Uberlândia-MG, durante os anos iniciais de estruturação do serviço de tratamento aos
pacientes com fissuras labiopalatinas (composto por um cirurgião plástico e
craniomaxilofacial, equipe de otorrinolaringologia, fonoaudióloga, odontólogo e
residentes em cirurgia craniomaxilofacial e otorrinolaringologia).
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo tipo coorte prospectiva com os pacientes com diagnóstico de
fissuras labiopalatinas submetidos a procedimentos cirúrgicos primários, pelo mesmo
cirurgião, acompanhado de residentes em cirurgia crâniomaxilo-facial, no HC-UFU, no
período de julho de 2017 a fevereiro de 2023.
Foram incluídos pacientes com idade inferior a 18 anos, submetidos aos procedimentos
cirúrgicos primários (queiloplastia e/ou palatoplastia) e que apresentavam
acompanhamento pós-operatório de pelo menos 3 meses no período analisado.
Pacientes com idade igual ou superior a 18 anos e submetidos a outros procedimentos
cirúrgicos foram excluídos do estudo.
Foi realizada a coleta dos seguintes dados: data de nascimento, data da realização
da
cirurgia, classificação do tipo de fissura labiopalatina (através da classificação
de Veau), tipo(s) de cirurgia(s) realizada(s) e complicações associadas aos
procedimentos. Os pais ou responsáveis assinaram termo de consentimento informado
previamente à cirurgia concordando com os procedimentos cirúrgicos e autorizando a
utilização dos dados. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
instituição, sob o número 57032022.5.0000.5152.
Foi utilizada exclusivamente estatística descritiva para caracterização
epidemiológica e determinação da incidência de complicações.
RESULTADOS
Durante o período analisado, foram acompanhados 79 pacientes com diagnóstico de
fissura labiopalatina que foram submetidos a 115 cirurgias primárias (54
queiloplastias e 61 palatoplastias).
Dentre os pacientes acompanhados, 15 pacientes (18,98%) apresentavam classificação
de
Veau tipo I , 12 pacientes (15,18%) tipo II, 31 pacientes (39,24%) tipo III e 21
pacientes (26,58%) tipo IV ([Tabela 1]).
Tabela 1.
Classificação
(Veau)
|
Número de
casos
|
Percentual
|
Tipo 1
|
15
|
18,98%
|
Tipo 2
|
12
|
15,18%
|
Tipo 3
|
31
|
39,24%
|
Tipo 4
|
21
|
26,58%
|
Total
|
79
|
|
As técnicas utilizadas nas queiloplastias foram Fisher em 35 casos (64,81%), Mulliken
(bilateral) em 2 casos (3,70%) e adesão labial em 15 casos (27,78%) ([Tabela 2]).
Tabela 2.
Técnicas
cirúrgicas
|
Número de
casos
|
Percentual
|
Queiloplastia
|
|
|
Fisher
|
35
|
64,81%
|
Adesão labial
|
17
|
27,78%
|
Mulliken (bilateral)
|
2
|
3,70%
|
Total
|
54
|
|
Palatoplastia
|
|
|
Bardach (dois
retalhos)
|
38
|
62,29%
|
Von Langenbeck
|
20
|
32,78%
|
Furlow
|
3
|
4,92%
|
Total
|
61
|
|
As técnicas utilizadas nas palatoplastias foram: Bardach (dois retalhos) em 38
pacientes (62,29%), Von Langenbeck em 20 pacientes (32,78%) e Furlow em 3 pacientes
(4,92%). Em 5 pacientes (8,19%) foi associado o retalho de vômer ([Tabela 2]).
Onze complicações foram relatadas neste período: 2 deiscências em queiloplastias
(3,70%), 1 cicatriz hipertrófica em queiloplastia (1,85%), 6 fístula em
palatoplastias (9,83%) e 2 deiscências em palatoplastias (3,28%) ([Tabela 3]).
Tabela 3.
Complicações
|
Número de
casos
|
Percentual
|
Queiloplastia
|
|
|
Deiscência
|
2
|
3,70%
|
Cicatriz
hipertrófica
|
1
|
1,85%
|
Total
|
3
|
5,55%
|
Palatoplastia
|
|
|
Fístula
|
6
|
9,83%
|
Deiscência
|
2
|
3,28%
|
Total
|
8
|
13,11%
|
A incidência de complicações foi de 9,56% quando analisado o total de cirurgias,
5,55% em pacientes submetidos a queiloplastia e 13,11% em pacientes submetidos a
palatoplastia.
DISCUSSÃO
Este trabalho avaliou o perfil epidemiológico e a incidência de complicações em
pacientes com FLP submetidos a cirurgias primárias nos anos iniciais de estruturação
do serviço de fissuras labiopalatinas do HC-UFU.
A comparação de incidência de complicações totais encontra limitação na literatura
devido ao fato de trabalhos considerarem diferentes ocorrências como complicações
(alguns trabalhos consideram, por exemplo, a presença de febre no período
pós-operatório como complicação). Apesar da diferença de critérios, nossa incidência
de 9,56% apresenta-se inferior ao trabalho realizado por Gatti et al.[10], que apresentou incidência de
14,16%.
Em relação à queiloplastia, trabalhos recentes mostram presença de complicações
variando entre 4,4% e 40%, enquanto apresentamos 5,55%[3]
[6]
[7]
[11]. A presença de deiscência em queiloplastias apresenta variação
entre 3,2% e 15,4% dos pacientes, enquanto nós observamos em 3,70%[3]
[11]. E a cicatrização hipertrófica em 14,9%, enquanto em nossos
pacientes foi de 1,85%[11].
Nas palatoplastias a incidência total de complicações apresenta grande variabilidade
na literatura recente (15,8% a 70%); nossa incidência foi de 13,11%[5]
[6]
[7]. A evolução com fístulas apresenta-se em 2,4% a 28% dos
pacientes e, em nosso serviço a incidência foi de 9,83%[4]
[5]
[11]
[12]
[13]
[14]
[15]
[16]
[17]. Já a presença de deiscência em palatoplastia varia entre
0,7% e 4%, enquanto apresentamos 3,28%[5]
[12]
[18].
Trabalhos recentes mostram que o volume cirúrgico (acima de 25 cirurgias/ano) bem
como a experiência do cirurgião influenciam na redução de complicações em pacientes
com fissuras labiopalatinas[18]
[19].
Nosso trabalho apresenta limitações importantes (quantidade de pacientes devido à
estruturação recente do serviço, somente um cirurgião com experiência em fissuras
labiopalatinas, dificuldade de comparação com outros estudos devido à variação de
critérios de diagnóstico e complicações e variabilidade de técnicas cirúrgicas
utilizadas em cada serviço) e, apesar destas limitações, a incidência de
complicações foi semelhante a estudos em centros já consolidados.
CONCLUSÃO
Nosso estudo evidenciou incidência de complicações similar à de outros centros já
consolidados e é necessário acompanhamento de longo prazo para avaliarmos a
possibilidade de redução de complicações com o aumento do volume cirúrgico e maior
experiência.
Bibliographical Record
JOSE MAURO DE OLIVEIRA SQUARISI, VICTORIA FRANCO GONÇALVES, FILIPE BISSOLI, JULIA
CARVALHO KOZELINSKI, LEONARDO ASSIS SILVESTRINI, LUCIANA AGUIAR CARNEIRO ARAÚJO, LARISSA
GOMES ESPINOSA, FERNANDA COELHO ATAYDES SEABRA. Incidência de complicações durante
os anos iniciais de formação de um serviço de fissuras labiopalatinas. Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0873pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0873-PT