Descritores:
Imunossupressão - Interleucina-10 - Polimorfismo - Carcinoma epithelial
Keywords:
Immunosuppression - Interleukin-10 - Polymorphism - Epithelial carcinoma
INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, em especial no Brasil a incidência de neoplasias epiteliais é alarmante,
sendo o tipo não melanoma o mais comum representando 25% de todos os tumores malignos.([1]) Em Santa Catarina, no ano de 2014, foram mais de 25 mil novos casos, destacando-se
o carcinoma basocelular (70%) e o carcinoma epidermoide (25%).([2])
A elevada incidência de casos remete à investigação de fatores de risco que podem
ser determinantes para a gênese das lesões de pele. História familiar e a radiação
ultravioleta (UV) facilitam mutações gênicas e exercem efeito supressor no sistema
imune cutâneo, sendo evidentes na etiologia, assim como fatores genéticos e a resposta
imune do hospedeiro que são fatores determinantes no processo de desenvolvimento neoplásico.([3],[4])
As citocinas são moléculas importantes na defesa do organismo e são parte constituinte
do sistema imunológico. Evidências clínicas sugerem uma regulação cruzada entre os
diferentes padrões de citocinas na resposta imune do hospedeiro. Se por um lado, as
citocinas pró-inflamatórias, como o Interferon-gama (IFN-γ), induzem uma resposta
imune efetiva contra neoplasias, por outro lado, citocinas imunoinibitórias, como
a Interleucina 10 (IL-10), induzem uma resposta imune adaptativa, que é eficaz contra
antígenos extracelulares, entretanto, permissiva ao desenvolvimento de tumores.([5])
A IL-10 está implicada na imunidade, inflamação e organização celular, sendo proposta
como importante na biologia do câncer. Como resultado da sua capacidade de inibir
vários fenômenos fundamentais a uma resposta imune adaptativa, vários autores sustentam
a hipótese de que a IL-10 é uma molécula imunossupressora secretada por tumores para
permitir que as células malignas escapem da vigilância da imunidade.([6],[7])
A inibição ou promoção de tumor pela IL-10 pode ser explicado pelo fato de que, em
geral, a IL-10 protege o hospedeiro contra a inflamação induzida por toxinas, após
algumas lesões, mas respostas fisiologicamente inadequadas da IL-10, em lesões sistêmicas,
podem tornar o hospedeiro suscetível à geração de células malignas.([8])
Segundo Giannini et al.,([9]) níveis aumentados de IL-10 em pacientes com câncer indicam a ocorrência de imunossupressão,
tendo em vista que a IL-10 estaria inibindo a apresentação de antígenos, diminuindo
a função das células T citotóxicas, a proliferação das células T e a secreção de citocinas
pró-inflamatórias. O efeito inibidor da IL-10 é um importante fator limitante da duração
e do dano patológico das respostas inflamatórias e parece favorecer a fuga de células
tumorais, auxiliando na progressão neoplásica.([10])
A IL-10 favorece o crescimento de tumor in vitro, estimulando a proliferação das células
tumorais e inibindo a apoptose.([11]) Níveis sistêmicos elevados de IL-10 foram confirmados em pacientes que sobreviveram
ao câncer. No entanto, um grande conjunto de evidências em tumores de diferentes modelos
animais se opõe a esta teoria, que mostra que a IL -10 pode favorecer uma rejeição
do câncer imuno-mediada.([12])
Turner et al.([13]) sugerem que cerca de 75% da variação na produção da IL-10 é geneticamente determinada
e demonstraram que os Polimorfismos de Nucleotídeo Único (SNP) da IL-10 estão situados
na região promotora do gene, descritos como funcionais (-1082G/A, -819T/C e - 592A/C).
Também foi observado que pacientes que apresentam o genotipo GG tem aumento significativo
nos níveis de IL-10 quando comparado ao genotipo AA.
Frente a estas considerações este estudo teve como finalidade verificar a distribuição
alélica e genotípica e a associação do polimorfismo presente na região promotora (-1082)
do gene da IL-10 com carcinomas epiteliais.
MÉTODOS
Delineamento do estudo
Tratou-se de um estudo de caso-controle, onde o grupo controle foi composto por 41
amostras de raspados de mucosa oral de voluntários sem diagnóstico de lesão oral.
O grupo teste foi constituído de 49 amostras provenientes de fração de tecido cirúrgico
oriundas de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico em decorrência de carcinoma
de pele independente de serem basocelular ou espinocelular. Essas amostras foram coletadas
por médicos especializados e analisadas por histopatologia. O protocolo de intervenção
deste estudo foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética e Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade do Oeste de Santa Catarina, protocolo N° 66616.
Visando melhor uniformizar a amostra, foram estabelecidos critérios de inclusão e
exclusão. Os de Inclusão foram: material biológico proveniente de peças cirúrgicas
com carcinoma de pele de qualquer forma e localização, confirmados por histopatologia;
conservada em formol 10%, material de boa qualidade e em bom estado de preservação
com tamanho maior que 3 cm. Os de exclusão foram: material biológico proveniente de
peças cirúrgicas diagnóstico não confirmado ou de pacientes com tratamentos prévios
(quimioterapia e/ou radioterapia) e prontuários de pacientes não qualificados, com
dados incompletos e peças com tamanho inferior a 3 cm.
Foi extraído dos prontuários dados clínicos dos pacientes como idade, sexo, localização
da lesão e tamanho tumoral.
Análises laboratoriais
Processamento das amostras e genotipagem do SNP IL10 (-1082)
Células descamadas da mucosa oral foram coletadas com auxílio de swab estéril, e colocadas
em tampão TE (10mM TrisHCl pH8,5; 1mM EDTA), permanecendo à temperatura de 4ºC, enquanto
que os fragmentos de tecidos foram conservados em formol 10% até o momento da extração
do material genético.
O material de raspado de mucosa oral foi concentrado por meio de centrifugação e o
sedimento utilizado para a extração de DNA. Esta, baseou-se no uso de proteinase K,
SDS 20% e β-Mercaptoetanol para lise celular, NaCl (4M) para separação entre material
genético e proteínas e a precipitação do DNA com álcool absoluto gelado. Por fim,
o DNA foi ressuspendido em 30µL de água MilliQ®.([14])
A partir dos cortes de tecido de epiderme com carcinoma, foi utilizado cerca de 2-4
cm2 para a extração de DNA. Seguindo o protocolo por diluição (diluition protocol) do
kit de purificação de DNA F-150BID -ThermoScientific®, o tecido foi fracionado, posto
em um tubo com 50µL de Buffer Diluition, l,5µL de DNAReleaseAdditive e 50µL de TE,
pH 8.
Sendo incubado a 60ºC por 1 hora seguido de 98ºC por 10 minutos, centrifugado e o
sobrenadante transferido para outro tubo. Em seguida foi realizada a amplificação
gênica.
Para a análise do alelo e genótipo do gene da IL-10, foi utilizada a técnica ARMS
- PCR (Amplification Refractory Mutation System - Polymerase Chain Reaction) adaptada
de Perrey et al.([15]) A sequência dos primers utilizados na reação de PCR foram:
Genérico (reverse)5′-CAGTGCCAACTGAGAATTTGG-3′
|
Alelo G (forward) 5′-CIACIAAGGCIICIIIGGGAG-3′
|
Alelo A (forward) 5′-ACIACIAAGGCIICIIIGGGAA-3′
|
O tamanho do produto amplificado corresponde a 258 pb.
Duas reações para cada amostra foram produzidas, uma para o alelo A e outra para o
alelo G, sendo constituídas de: 10µl Phusion Human Specimen PCR Buffer O.4µl de cada
primer (reverse e forward A para amplificação do alelo selvagem, reverse e forward
G para alelo mutante), O.4µl de Taq Polimerase Phusion, água MilliQ® até completar
I9,2µl de solução e por fim 0,8 µl de amostra. Seguido do programa de termociclagem
de 38 ciclos subsequentes de 98ºC por 5seg, seguido de 58ºC por I5seg e 72ºC por 2Oseg.
Após aplicar o DNA no gel de agarose 2%, corado com brometo de etídio, a separação
eletroforética foi realizada a 140 v por 23 minutos. Em seguida, a visualização de
bandas de DNA foi possível expondo o gel de agarose à luz UV, no transluminador.
Todas as amostras, tanto teste quanto controle, foram submetidas à detecção do gene
da β- Actina([16]) por PCR, a fim de validar a extração de DNA.
Análise estatística
Os resultados foram expressos em percentuais. A associação entre a presença do alelo
G (mutante) do SNP (-1082) no gene da IL-10 e o risco de desenvolver lesões carcinogênicas
na epiderme e para analisar possíveis variações alélicas foram testados usando Qui-Quadrado
(χ2). Foram considerados significativos os valores de p<0.05. A análise dos dados
foi realizada utilizando o software SPSS (versão 19.0).
RESULTADOS
As características clínico-patológicas do Grupo Controle são apresentadas na [tabela 1]. A frequência alélica e genotípica do polimorfismo da posição -1082 da região promotora
da IL-10, são apresentados nas [figuras 1], 2 e 3. Como mostra a [figura 2], a frequência alélica para o grupo controle foi de 70% do alelo A e 30% do alelo
G, nos pacientes com carcinoma (Grupo Teste) a frequência foi de 44% para o alelo
A e 56% para o alelo G. A frequência genotípica nas amostras controle foi de AA 42%,
AG 56 % e GG 2%, enquanto que no grupo teste foi de AA 24%, AG 39% e GG 37% ([Figura 3]). Houve diferença significativa entre os grupos estudados, tanto para a frequência
alélica quanto para a genotípica (p<0,001). Não foram observadas diferenças nas frequências
alélicas e genotípicas quando comparado os carcinomas basocelular e espinocelular
(p=0,30) e nem em relação ao sexo (p=0,56).
Tabela1
Características clínicas e patológicas do grupo teste
Dados
|
|
N (49)
|
%
|
Idade (anos)
|
|
63,6±13,0
|
|
Sexo
|
Masculino
|
24
|
48,9
|
|
Feminino
|
25
|
51,1
|
Tamanho tumoral
|
> 3 cm
|
29
|
59,1
|
|
< 3 cm
|
20
|
40,9
|
Localização
|
Membros superiores
|
12
|
24,5
|
|
Membros inferiores
|
16
|
32,6
|
|
Cabeça e pescoço
|
14
|
28,5
|
|
Tronco
|
7
|
14,4
|
Tipo de carcinoma
|
Basocelular
|
29
|
59,1
|
|
Espinocelular
|
20
|
40,9
|
Os dados são expressos em média±DP ou %.
Figura 1 Genotipagem da região (-1082) da IL-10por ARMS-PCR em gel de agarose 2% que distingue
os genótipos AA, AG, GG.
Figura 2 Distribuição alélica do polimorfismo (-1082) da IL-10 na população estudada. Qui-Quadrado
teste p=0,001
Figura 3 Distribuição genotípica do polimorfismo (-1082) da IL-10 na população estudada. Qui-Quadrado
teste p=0,00l
DISCUSSÃO
Vários estudos têm avaliado a influência de fatores genéticos e a produção de citocinas
no desenvolvimento de lesões malignas,([17]-[19]) visto que, as citocinas desempenham um papel fundamental na resposta no sistema
imune.([20]) Desse modo, com o intuito de verificar a possibilidade da inibição da resposta
imune do hospedeiro contra agentes neoplásicos, decorrente da expressão diferenciada
do gene da IL-10 (-1082), este estudo se propôs avaliar as frequências alélicas e
genotípicas do gene desta citocina em carcinomas basocelular e espinocelular.
Estudos encontraram uma correlação entre o SNP IL-10 (-1082) e carcinomas cutâneos
em pós-transplantados, e que danos no DNA de células da epiderme, induzidos por raios
UV, desencadeiam um aumento na produção de IL-10. Estes fatores contribuiriam para
uma transformação nos queratinócitos, possivelmente diminuindo sua capacidade de síntese
protéica, que está fortemente relacionada ao desenvolvimento de uma camada epitelial
protetora.([21],[22]) Os fatores genéticos do indivíduo também apresentam uma importância vital na patogênese
de certas doenças, dentre ela os carcinomas, por afetarem a expressão dos níveis de
citocinas e quimiocinas.([23])
No presente estudo foi observada uma diferença significativa em relação à frequência
do SNP IL-10 (-1082) entre as amostras controle e com carcinomas epitelial. Houve
uma maior prevalência do alelo G e genótipos AG, GG nas amostras neoplásicas tanto
basocelular, quanto espinocelular, enquanto que nas amostras controle houve um maior
predomínio do genótipo AA. Estes resultados sugerem que tecidos com carcinomas basocelular
e espinocelular de epiderme portadores de pelo menos um alelo G poderiam ter um aumento
produção de IL-10, o que poderia contribuir para o processo de malignidade, uma vez
que esta citocina que é crucial na regulação imune, equilibrando respostas inflamatórias
e humoral.([13])
Alamartine et al.,([21]) encontraram grande secreção de IL-10 em pacientes com carcinoma cutâneo escamoso.
Foi demonstrado, in vitro, que o tratamento com IL-10 em células de melanoma e linfoma
pode conferir uma resistência ao tumor, por meio da diminuição da expressão de moléculas
de HLA classe I e que a produção basal de IL-10 impede que linfócitos infiltrantes
do tumor façam a lise de células malignas.([9])
A IL-10 foi detectada em células do sobrenadante da cultura de carcinoma basocelular
e escamoso em comparação com tumores benignos. Esses dados reforçam a idéia de que
a produção da IL-10, em ambiente tumoral, pode proporcionar um mecanismo de evasão
à resposta imune local mediada por células T.([24])
Outros dados corroboram com estes resultados, pois demonstram a associação do SNP
IL-10 (-1082) com diversos tipos de câncer, como o câncer gástrico,([25]) progressão do câncer de mama em diferentes populações étnicas,([26]) desenvolvimento do câncer de colo([8]) e linfoma([27]), evidenciando que a frequência do alelo G na posição -1082 do gene da IL-10 pode
ser um fator de risco para o desenvolvimento de carcinomas e que esta avaliação poderia
servir como um marcador genético de susceptibilidade ao câncer.([8])
No entanto, esta questão ainda carece de esclarecimentos, pois o genótipo homozigoto
AA do gene da IL-10 na região promotora -1082, relacionado à baixa expressão da citocina,
foi associado com vários tipos tumorais, incluindo avançados melanomas cutâneos,([28]) câncer de mama([29]) e câncer de próstata,([30]) enquanto que a expressão elevada da IL-10 proporcionada pelo genótipo GG também
apresentou correlação com alguns tipos de câncer.([31])
As associações deste polimorfismo com doenças infecciosas ou inflamatórias indicam
que as variações genéticas no locus da IL-10 pode ser funcionalmente relevante in
vivo, este fato levanta a hipótese de que a susceptibilidade e curso clínico de desordens
nas quais a ativação imune desempenha um papel patogênico importante pode estar relacionado
com o controle genético de IL-10.([27])
A ausência de dosagens de IL-10 tanto no soro, quanto nos tecidos analisados é uma
limitação a ser considerada neste estudo, uma vez que esta dosagem teria um grande
significado clínico e permitiria fazer a comparação entre os níveis séricos e teciduais
entre as amostras de controles e dos tecidos carcinogênicos epiteliais. No entanto,
destacamos a importância destes dados, que é a possibilidade de avaliação do SNP IL10
(-1082) em amostras conservadas por longos períodos em formol 10%. É importante salientar
que estudos enfatizando, específica e diretamente, o polimorfismo abordado correlacionado
com fragmentos de carcinomas de pele conservados em formol não são encontrados na
literatura até o presente momento.
A pesquisa de polimorfismos envolvendo genes de citocinas podem servir como marcadores
para a identificação de lesões com maior predisposição ao desenvolvimento de malignidade.
A observação do predomínio do alelo G, em pacientes com carcinoma basocelular e espinocelular
de epiderme, auxilia na elucidação do desenvolvimento e evolução da doença e poderá
incentivar e direcionar novas abordagens terapêuticas diferenciadas.
Ressalta-se que as análises alélicas e genotípicas determinam a expressão do gene,
contudo diversos fatores podem alterar os processos de transdução e tradução, diante
disso, este estudo permite formular uma hipótese relativa à ação imunossupressora
da IL-10 e, sugerir que o polimorfismo da IL-10 (-1082) e possivelmente o aumento
da expressão tecidual desta citocina poderia estar interligado ao desenvolvimento
de câncer de pele não-melanoma, no entanto, é de fundamental importância que mais
investigações a cerca do polimorfismo da IL-10 (-1082) sejam realizadas para elucidar
os mecanismos exatos em carcinomas basocelular e espinocelular.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer à Universidade de Oeste de Santa Catarina (UNOESC),
SC, Brasil, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
ao Laboratório de Patologia Provida aos colaboradores Jeferson Casarin, Paola Carra
Fortuna e Cinthia Bertolini pelo o apoio a este estudo. Além disso, agradecemos a
todos os voluntários que participaram deste estudo.
Bibliographical Record
Daniela Rigo, Giovana Weber, Luciane Franz, Gustavo Borba de Miranda, Everton Boff,
Flávia Hoffmann Palu, Eduardo Ottobelli Chielle. Correlação entre o polimorfismo (-1082)
da interleucina-10 e o desenvolvimento de carcinomas de pele. Brazilian Journal of
Oncology 2017; 13: e-BJO20171345A44.
DOI: 10.26790/BJO20171345A44