Palavras-chave
maus-tratos infantis - fraturas ósseas - violência - negligência
Introdução
A violência contra a criança está presente na humanidade desde os tempos primitivos
sendo frequentemente vinculada ao processo educativo no domicílio, caracterizada por
quaisquer atos, omissões ou negligências aos cuidados prestados à criança e que podem
resultar em óbito, dano emocional, físico, abuso ou exploração sexual.[1]
[2]
Nos Estados Unidos (EUA), de 680 mil casos de violência contra crianças, 75,0% relacionaram-se
à negligência, 18,0% à violência física e 8,0% à violência sexual[3]
[4]
[5]
[6] - a cada 1000 crianças, 9,1 sofrem agressão,[4]
[5] somente 8 em 100 casos de violência física nos EUA são notificados.[7] Há reincidência em até 50,0% e, nessas, o risco de morte chega a 10,0%.[7]
No Brasil a agressão física em menores varia entre 20,0%[8] e 35,1%.[1] Em 2019 houve 159.063 denúncias de maus-tratos pelo Disque Direitos Humanos (Disque
100), com aumento de 15,0% em relação a 2018.[9] Dessas 86.837 (55,0%) referiam-se à violência doméstica contra crianças e adolescentes:
negligência (38,0%), violências psicológicas (23,0%), física (21,0%), sexual (11,0%),
exploração do trabalho infantil (3,0%) e outras (3,0%).[9]
Muitas dessas violências não deixam marcas físicas e quando presentes, associam-se
a lesões dos tecidos moles (mais prevalentes), sendo às que acometem as regiões da
cabeça e do abdômen as principais causas de morte nesse grupo.[6]
[10] Fraturas ósseas são o segundo achado mais comum em vítimas de violência.[1]
[3]
[6]
[7] Até cerca de 50,0% das ocorrências de fraturas no primeiro ano de vida - e um terço
desses tipos de lesões nos menores de 3 anos.[3]
[6]
[11] são decorrentes de violência infantil. A suspeita deve ser aventada com cautela
quando as lesões não correspondem ao mecanismo de trauma ou à história declarada.[2]
[3]
[6]
[7]
[12]
[13]
Danos térmicos, lesões inexplicáveis de tecidos moles ou no crânio, fraturas nas costelas
e/ou múltiplas, atraso na busca de atendimento médico ou qualquer lesão em uma criança
que ainda não anda, devem chamar a atenção do profissional de saúde.[2]
[3]
[4]
[7] Lesões na coluna são raras em crianças, mas que podem acontecer em vítimas de violência.[3]
[14] Crianças com deficiências requerem atenção redobrada, pois são grupo de risco para
violência,[6]
[7]
[10]
[15] estão em maior risco de sofrerem osteopenia do que às sem deficiências, o que pode
predispor a fraturas patológicas,[4] sendo um diagnóstico diferencial de maus-tratos.[6]
[7]
Radiografias ortogonais do crânio, coluna vertebral, ossos longos, mãos e pés são
relevantes em casos de suspeita de violência,[3]
[6]
[7]
[12]
[16]
[17]
[18] porém não substituem a anamnese, uma vez ser necessário confirmar a compatibilidade
do relato do mecanismo de trauma com o evidenciado na imagem.[2]
[3]
[6]
[7]
[13]
[14]
A idade é uma das características mais importantes na distinção entre trauma acidental
e violência. Um exemplo são fraturas de tíbia, altamente suspeitas em crianças que
estão na idade pré deambulatória, podendo ser acidentais em crianças pequenas que
já andam.[3]
[6]
[7]
[19]
O diagnóstico da violência no setor saúde[1]
[2]
[6]
[7]
[19] e a notificação aos órgãos responsáveis evitam piores desfechos, como sequelas emocionais,
físicas e até óbito, principalmente em casos nos quais a vítima sofre diversas agressões
ao longo do tempo de forma crônica.[1]
[6]
[7]
[10]
[11]
[19]
[20]
[21]
[22]
[23] Considerando que a negligência é o tipo mais frequente de maus-tratos infantis,[2]
[3]
[7]
[11]
[23]
[24] observa-se que a incidência de lesões nesses casos pode ser reduzida por meio da
abordagem preventiva junto aos pais, orientando evitar cenários propensos a acidentes,
incluindo os típicos de cada idade.[2]
[6]
[7]
[19]
Visando monitorar, identificar e até prevenir os casos de maus-tratos contra crianças
e adolescentes, o Brasil adota desde 2001 - de forma compulsória - a notificação de
casos suspeitos ou confirmados que tenham sido atendidas nos estabelecimentos do Sistema
Único de Saúde (SUS), devendo essa notificação ser encaminhada à vigilância epidemiológica
municipal e a um órgão de proteção.[25] A partir desses registros, autoridades e gestores da saúde podem montar o perfil
dos envolvidos e seu impacto,[21]
[25] de forma a desenvolver políticas públicas pertinentes na prevenção e condução deste
triste agravo.
Em vista disso, esse estudo objetiva descrever o perfil das crianças com notificação
de maus-tratos, que apresentam fraturas e seus fatores relacionados, em um centro
de referência de ortopedia pediátrica no Sul do país.
Método
Estudo transversal, com análise de dados de prontuários de crianças (0 a 15 anos incompletos),
notificados por maus-tratos na emergência de um hospital pediátrico em Santa Catarina,
de janeiro de 2016 a junho de 2020.
As notificações foram selecionadas conforme Classificação Internacional de Doenças
(CID-10), com possibilidade de desfecho em fraturas e/ou deformidades de manejo ortopédico[7]
[11]
[26]; e disponibilidade de informação nos prontuários; uniformizando-se termos: “acidente
de moto,” “atropelamento” e “acidente de carro/automobilístico” para “acidente automobilístico.”
As fichas que continham mais de um item selecionado no campo “tipo de violência” foram
desmembradas em duas ou mais, possibilitando análise mais fiel.
Variáveis relacionadas à vítima categorizadas em: idade (faixas etárias), sexo (masculino
ou feminino); raça (branca e não branca), presença ou não de deficiência/transtorno,
e município de residência (capital ou outro). Às relacionadas ao autor: número de
envolvidos, sexo (masculino ou feminino); suspeita do uso de álcool; vínculo/grau
de parentesco com a vítima (pai, mãe, padrasto, madrasta, namorado, ex-namorado, irmão,
amigos, cuidador, amigo, desconhecido, pessoa em relação institucional ou outros,
especificando-os) - foram agrupadas, gerando a variável “conhecido” e “desconhecido.”
Em relação à violência averiguou-se tipologia (negligência, física, psicológica, tentativa
de suicídio e outros), sendo categorizadas em “negligência,” “física” e “outras” (junção
das demais listadas anteriormente), e óbito em decorrência da agressão. Acidentes
automobilísticos onde houve o registro no prontuário da vítima do não uso de dispositivos
de segurança legalmente previstos, foram considerados negligência.
Adicionalmente à checagem manual das fichas de notificação, foi realizada análise
dos registros nos prontuários dos pacientes, objetivando investigar o desfecho: “presença
de fraturas.” Elas foram categorizadas quanto à presença (sim ou não) a partir do
diagnóstico clínico do ortopedista e radiológico; à topografia (se nos membros superiores,
nos inferiores, no esqueleto axial ou em dois ou mais segmentos corporais) e à necessidade
de intervenção cirúrgica.
Os dados foram analisados utilizando o Statistical Package for the Social Sciences; versão 22.0, por estatística descritiva em frequência simples e proporção. Regressão
logística binária foi empregada, utilizando os testes de qui-quadrado ou Exato de
Fisher no modelo bruto (variáveis com p < 0,20). Para a análise ajustada, utilizou-se o método de seleção backward, com resultados expressos em razão de chances (RC) e respectivos Intervalos de Confiança
(IC) de 95%. p < 0,05 foi considerado significativo.
Busca sistematizada na base de dados do PubMed (US National Library of Medicine National Institutes of Health) sobre maus-tratos infantis foi realizada em abril/2020 - 182 artigos ([Quadro 1 e]
[Fig. 1]).
Quadro 1
PubMed
|
Abuso infantil x criança x fraturas x notificação
|
|
(“child abuse”[Mesh] OR “child abuse” OR “abused children” OR “abused child” OR “childhood
abuse” OR “childhood violence” OR “violence against children” OR “violence toward
children” OR “Nonaccidental Trauma in Children” OR “Infantile Apparent Life-Threatening
Event”[Mesh] OR
“Infantile Apparent Life-Threatening Event”) AND (“fractures, bone”[MeSH Terms] OR
“fractures” OR “fracture”) AND (“2015/01/01”[PDAT]: “2020/12/31”[PDAT]) AND “last
5 years”[PDat] AND Humans[Mesh] AND (English[lang] OR French[lang] OR Portuguese[lang]
OR Spanish[lang]) AND ((infant[MeSH] OR child[MeSH] OR adolescent[MeSH]) OR infant[MeSH:noexp]
OR child, preschool[MeSH] OR infant, newborn[MeSH] OR infant[MeSH] OR adolescent[MeSH]
OR child[MeSH:noexp])
|
Fig. 1 Estratégia de busca sobre maus-tratos infantis com fraturas ósseas, Pubmed: 2015–2020.
Fonte: www.prisma.statement.gov, com dados da autora.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional (Parecer Consubstanciado
4.203.338/2020).
Resultados
No período de janeiro de 2016 a dezembro de 2020 foram feitas 276 notificações de
casos suspeitos ou confirmados de violência interpessoal ou autoprovocada, correspondendo
a totalidade de 253 de crianças e adolescentes. Em 6 dos 276 casos não havia registros
que confirmassem ou excluíssem o diagnóstico de fraturas, ficando 270 notificações
para análise.
Em relação às características das crianças e adolescentes notificados como vítimas
de maus-tratos descritas na [Tabela 1], houve predomínio do sexo masculino (54,7%), maiores de 10 anos de idade (30,1%),
de etnia branca (89,4%), sem deficiências (94,0%) e que habitavam cidades que não
eram Florianópolis (65,2%). A idade da vítima apresentou diferença significativa de
acordo com o sexo, a maioria das vítimas foram meninos com idade entre 10–15 anos
(p < 0.05).
Tabela 1
Variáveis
|
Total
|
Feminino
|
Masculino
|
p-valor
|
n (%)
|
n (%)
|
IC95%
|
n (%)
|
IC95%
|
|
n
|
276 (100)
|
125 (45,3)
|
–
|
151(54,7)
|
–
|
|
Idade† (n = 276)
|
|
|
|
|
|
0,031[b]
|
0–29 dias
|
9 (3,2)
|
6 (4,8)
|
2,1–10,3
|
3 (2,0)
|
0,6 - 6,1
|
|
30d – 1 ano
|
73 (26,4)
|
38 (30,4)
|
22,9 - 39,1
|
35 (23,2)
|
17,1 - 30,7
|
|
2 |–6 anos
|
62 (22,5)
|
34 (27,2)
|
20,0 - 35,8
|
28 (18,5)
|
13,1 - 25,6
|
|
6 |–10 anos
|
49 (17,8)
|
19 (15,2)
|
9,8 - 22,7
|
30 (19,9)
|
14,2 - 27,1
|
|
10 |–15 anos
|
83 (30,1)
|
28 (22,4)
|
15,9 - 30,7
|
55 (36,4)
|
29,1 - 44,5
|
|
Etnia* (n = 274)
|
|
|
|
|
|
0,994[a]
|
Branca
|
245 (89,4)
|
110 (89,4)
|
82,5 - 93,8
|
135 (89,4)
|
83,3 - 93.4
|
Não Branca
|
29 (10,6)
|
13 (10,5)
|
6,2 - 17,5
|
16 (10,6)
|
6,6 - 16,7
|
Deficiência* (n = 275)
|
|
|
|
|
|
0,232[b]
|
Não
|
187 (94,0)
|
86 (96,6)
|
89,9 - 98,9
|
101 (91,8)
|
89,9 - 95,7
|
|
Sim
|
12 (6,0)
|
3 (3,4)
|
1,1–10,1
|
9 (8,2)
|
4,2 - 15,1
|
Município de Residência* (n = 273)
|
|
|
|
|
|
0,189[a]
|
Florianópolis
|
95 (34,8)
|
38 (30,7)
|
23,1–39,4
|
57 (38,3)
|
30,7–46,4
|
|
Outros‡
|
178 (65,2)
|
86 (69,4)
|
60,6 - 76,9
|
92 (61,7)
|
53,6–69,3
|
|
A distribuição por sexo dos autores da agressão em relação ao sexo da vítima foi estatisticamente
significante (p < 0,05). A autoria dessas violências em 57,4% vinculou-se com ao menos 2 suspeitos
que agiram conjuntamente, majoritariamente genitores (50,2%), sem suspeita do uso
de álcool em 91,3% das notificações. Predominaram conhecidos (96,0%) ([Tabela 2]).
Tabela 2
Variáveis
|
Total
|
Feminino
|
Masculino
|
p-valor[a]
|
n (%)
|
n (%)
|
IC95%
|
n (%)
|
IC95%
|
|
Sexo* (n = 248)
|
|
|
|
|
|
0,001
[a]
|
Masculino
|
55(22,2)
|
18 (15,5)
|
9,9–23,4
|
37 (28,0)
|
21,0– 36,4
|
|
Feminino
|
55(22,2)
|
37 (31,9)
|
24,0–41,0
|
18 (13,6)
|
8,7–20,7
|
Autores de ambos os sexos envolvidos na agressão
|
138 (55,7)
|
61 (52,6)
|
43,3–61,6
|
77 (58,3)
|
49,6– 66,5
|
|
Vínculo com a vítima*(n = 251)
|
|
|
|
|
|
0,865[b]
|
Mãe
|
39 (15,5)
|
22 (18,5)
|
12,4–26,6
|
17 (12,8)
|
8,1 - 19,8
|
|
Pai
|
25 (10,0)
|
12 (10,1)
|
5,7 - 17,0
|
13 (9,9)
|
5,8 - 16,3
|
|
Ambos[†]
|
126 (50,2)
|
56 (47,1)
|
38,2–56,2
|
70 (53,0)
|
44,3 - 61,5
|
|
Mãe + outros‡
|
13 (5,18)
|
7 (5,8)
|
2,8 - 11,9
|
6 (4,6)
|
2,0 - 9,8
|
|
Pai + outros‡
|
1 (0,40)
|
0 (0)
|
0 -0
|
1 (0,8)
|
0,1 - 5,3
|
|
Própria pessoa
|
14 (5,58)
|
8 (6,7)
|
3,4–13,0
|
6 (4,6)
|
2,0 - 9,8
|
|
Desconhecido
|
10 (3,98)
|
4 (3,4)
|
1,2 - 8,7
|
6 (4,6)
|
2,0 - 9,8
|
|
Conhecido ou Familiar
|
22 (8,76)
|
10 (8,4)
|
4,5 - 15,0
|
12 (9,1)
|
5,2 - 15,4
|
|
Pai + Mãe + Outros
|
1 (0,40)
|
0 (0)
|
0 -0
|
1 (0,8)
|
0,1–5,3
|
|
Vínculo com a vítima
dicotomizado* (
n = 251)
|
|
|
|
|
|
0,752[b]
|
Conhecido
|
241 (96,0)
|
115(96,4)
|
91,3–98,8
|
126 (95,5)
|
90,2– 98,0
|
|
Desconhecido
|
10 (4,0)
|
4 (3,4)
|
1,2–8,7
|
6 (4,6)
|
2,0–9,8
|
|
Número de Autores* (n = 251)
|
|
|
|
|
|
0,403[a]
|
1
|
107 (42,6)
|
54 (45,4)
|
36,6–54,5
|
53 (40,2)
|
32,0– 48,8
|
|
2 ou mais
|
144 (57,4)
|
65 (54,6)
|
45,5–63,4
|
79 (59,8)
|
51,2– 68,0
|
|
Uso de álcool* (n = 161)
|
|
|
|
|
|
0,263[b]
|
Não
|
147 (91,3)
|
67 (88,2)
|
78,5–93,8
|
80 (94,1)
|
86,4–97,6
|
|
Sim
|
14 (8,7)
|
9 (11,8)
|
6,1–21,5
|
5 (5,9)
|
2,4–13,6
|
|
A negligência foi a tipologia mais descrita (53,9%), o espancamento foi o meio mais
presente (33,9%), resultando em fraturas em 31,5% dos casos, o eixo axial foi o segmento
anatômico mais acometido (40,0%). Em relação entre local de fratura e sexo da vítima,
as fraturas somente no esqueleto axial foram frequentes no sexo masculino e, fraturas
em 2 ou mais segmentos predominaram no feminino (p < 0,05). Quinze delas (17,6%) necessitaram intervenção cirúrgica. Houve cinco óbitos:
2 por ferimento por arma de fogo, 1 por espancamento, 1 por acidente automobilístico,
1 por queda de nível ([Tabela 3]).
Tabela 3
Variáveis
|
Total
|
Feminino
|
Masculino
|
p-valor
|
n (%)
|
n (%)
|
IC95%
|
n (%)
|
IC95%
|
|
Tipo (n = 271)
|
|
|
|
|
|
0,352[
a
]
|
Negligência
|
146 (53,9)
|
61 (50,0)
|
41,1 - 58,9
|
85 (57,0)
|
48,9 - 64,8
|
|
Física
|
106 (39,1)
|
50 (41,0)
|
32,5–50,0
|
56 (37,6)
|
30,1 - 45,7
|
|
Outros **
|
19 (7,0)
|
11 (9,0)
|
5,0–15,7
|
8 (5,4)
|
2,7–10,4
|
|
Meio/Instrumento* (n = 248)
|
|
|
|
|
|
0,297[
b
]
|
Espancamento
|
84 (33,9)
|
39 (34,8)
|
26,5 - 44,2
|
45 (33,1)
|
25,6 - 41,5
|
|
Acidente de Trânsito
|
52 (21,0)
|
21 (18,8)
|
12,5 - 27,2
|
31 (22,8)
|
16,4 - 30,7
|
|
Choque Elétrico
|
33 (13,3)
|
14 (12,5)
|
7,5 - 20,1
|
19 (14,0)
|
9,0 - 21,0
|
|
Quedas
|
32 (12,9)
|
20 (17,9)
|
11,7 - 26,2
|
12 (8,8)
|
5,0 - 15,0
|
|
Arma de Fogo
|
17 (6,9)
|
5 (4,5)
|
1,8 - 10,4
|
12 (8,8)
|
5,0 - 15,0
|
|
Outros***
|
30 (12,1)
|
13 (11,6)
|
6,8 - 19,1
|
17 (12,5)
|
7,9 - 19,3
|
|
Presença de Fraturas* (n = 270)
|
|
|
|
|
|
0,537[
a
]
|
Não
|
185 (68,5)
|
88 (70,4)
|
61,7 - 77,8
|
97 (66,9)
|
58,7 - 74,1
|
|
Sim
|
85 (31,5)
|
37 (29,6)
|
22,2 - 38,3
|
48 (33,1)
|
25,8 - 41,2
|
|
Tipo de Fratura* (n = 85)
|
|
|
|
|
|
0,017[a]
|
Somente Membro(s) Superior(es)
|
15 (17,7)
|
8 (21,6)
|
10,8–38,5
|
7 (14,6)
|
6,9–28,2
|
|
Somente Membro(s) Inferior(es)
|
16 (18,8)
|
7 (18,9)
|
8,9–35,6
|
9 (18,8)
|
9,8–32,9
|
|
Somente Esqueleto Axial
|
34 (40,0)
|
8 (21,6)
|
10,8–38,5
|
26 (54,17)
|
39,6–68,0
|
|
Em 2 ou mais segmentos
|
20 (23,5)
|
14 (37,8)
|
23,3–54,99
|
6 (12,5)
|
5,5–25,8
|
|
Consulta ortopédica
(n = 276)
|
|
|
|
|
|
0,024[a]
|
Não
|
185 (67,0)
|
75 (60,0)
|
51,1–68,3
|
110 (72,9)
|
65.1–79,4
|
|
Sim
|
91 (33,0)
|
50 (40,0)
|
31,7–48,9
|
41 (27,2)
|
21,0–34,9
|
|
Cirurgia*(n = 276)
|
|
|
|
|
|
0,912[
a
]
|
Não
|
261 (94,6)
|
118 (94,4)
|
88,6 - 97,3
|
143 (94,7)
|
89,7 - 97,3
|
|
Sim
|
15 (5,4)
|
7 (5,6)
|
2,7 - 11,4
|
8 (5,3)
|
2,7 - 10,3
|
|
Morte*(n = 270)
|
|
|
|
|
|
0,380[
b
]
|
Não
|
265 (98,1)
|
122 (99,2)
|
94,3 - 99,9
|
143 (97,3)
|
92,9 - 99,0
|
|
Sim
|
5 (1,9)
|
1 (0,8)
|
0,1–6,0
|
4 (2,7)
|
1,0 - 7,1
|
|
Na análise ajustada para sexo e idade, idade da vítima (menor de dois anos) (RC 2,48;
IC 95%: 1,45 - 4,25), envolvimento de dois ou mais agressores (RC 2,09; IC 95%: 1,16
- 3,75), o meio ser trânsito/acidente automobilístico, (RC 2,65; IC 95%: 1,04–6,75),
presença de consulta com ortopedista (RC 6,77; IC 95%: 3,66–12,51), e necessidade
de intervenção cirúrgica (RC 36,72; IC 95%: 8,22–164,03) apresentaram associação estatisticamente
significante com maior risco de fraturas ([Tabela 4]).
Tabela 4
|
Não ajustada
|
Ajustada p/ idade e sexo
|
Variáveis
|
RC (IC95%)
|
p-valor
|
RC (IC95%)
|
p-valor
|
Sexo da Vítima
(n = 270)
|
|
|
|
|
Feminino (125)
|
1
|
0,537
|
1
|
|
Masculino (145)
|
1,18 (0,70–1,97)
|
1,34 (0,79–2,29)
|
0,283
|
Idade da vítima
(n = 270)
|
|
|
|
|
≥ 2 anos (82)
|
1
|
|
1
|
|
< 2 anos (188)
|
2,37 (1,39–4,03)
|
0,001
|
2,48 (1,45–4,25)
|
0,001
|
Etnia
(n = 270)
|
|
|
|
|
Não branco (41)
|
1
|
|
1
|
|
Branco (239)
|
1,52 (0,62–3,71)
|
0,356
|
1,33 (0,53–3,31)
|
0,542
|
Deficiência
(n = 195)
|
|
|
|
|
Não (186)
|
1
|
|
1
|
|
Sim (9)
|
0,66 (0,13–3,29)
|
0,616
|
0,74 (0,14–3,81)
|
0,718
|
Município (n = 267)
|
|
|
|
|
Florianópolis (94)
|
1
|
|
1
|
|
Outros** (173)
|
0,33 (0,44–1,32)
|
0,325
|
0,78 (0,44–1,38)
|
0,395
|
Sexo do(s) autor(es)* (n = 242)
|
|
|
|
|
Feminino (120)
|
1
|
|
1
|
|
Masculino (122)
|
1,17 (0,67–2,03)
|
0,589
|
1,20 (0,66–2,17)
|
0,554
|
Sexo do(s) autor(es)* (n = 242)
|
|
|
|
|
Feminino (53)
|
1
|
|
1
|
|
Ambos (135)
|
1,64 (0,80–3,37)
|
0,176
|
1,68 (0,80–3,52)
|
0,169
|
Masculino (54)
|
0,79 (0,32–1,96)
|
0,607
|
0,87 (0,34–2,25)
|
0,775
|
Número de Autores
(n = 251)
|
|
|
|
|
1 agressor (107)
|
1
|
|
1
|
|
Mais 2 agressores (144)
|
2,14 (1,19–3,83)
|
0,011
|
2,09 (1,16–3,75)
|
0,014
|
Uso de álcool pelo autor (n= 161)
|
|
|
|
|
Não (147)
|
1
|
|
1
|
|
Sim (14)
|
0,99 (0,29–3,33)
|
0,988
|
1,26 (0,36–4,40)
|
0,714
|
Vínculo com a vítima
(n = 246)
|
|
|
|
|
Desconhecido (10)
|
1
|
|
1
|
|
Conhecido (236)
|
1,72 (0,36–8,31)
|
0,499
|
1,61 (0,33–7,83)
|
0,554
|
Tipologia
(n = 265)
|
|
|
|
|
Outras (18)
|
1
|
|
1
|
|
Negligência (145)
|
3, 26 (0,72–14,81)
|
0,126
|
2,60 (0,56–12,02)
|
0,221
|
Física (102)
|
4,95 (1,08–22,72)
|
0,040
|
3,67 (0,78–17,16)
|
0,099
|
Meio (n = 248)
|
|
|
|
|
*** Outros (53)
|
1
|
|
1
|
|
Espancamento (79)
|
2,07 (0,87–4,92)
|
0,099
|
1,90 (0,78–4,60)
|
0,157
|
Trânsito (51)
|
2,51 (0,99–6,30)
|
0,051
|
2,65 (1,04–6,75)
|
0,042
|
Choque (33)
|
0,13 (0,16–1,10)
|
0,061
|
0,13 (0,15–1,07)
|
0,057
|
Queda nível (32)
|
2,21 (0,79–6,19)
|
0,131
|
2,28 (0,78–6,57)
|
0,129
|
Consulta ortopédica
(n = 270)
|
|
|
|
|
Não (179)
|
1
|
|
1
|
|
Sim (91)
|
5,02 (2,88–8,73)
|
<0,001
|
6,77 (3,66–12,51)
|
<0,001
|
Intervenção cirúrgica
(n = 270)
|
|
|
|
|
Não (255)
|
1
|
|
1
|
|
Sim (15)
|
16.52 (3.63–75,05)
|
<0,001
|
36,72 (8,22–164,03)
|
<0,001
|
Evolução: morte (n= 266)
|
|
|
|
|
Não (261)
|
1
|
|
1
|
|
Sim (5)
|
1,46 (0,24–8,88)
|
0,684
|
1,09 (0,17–6,95)
|
0,928
|
Discussão
Vítimas do sexo masculino, como observado na literatura,[12] foram as mais acometidas (54,7%), com risco de 1,2 vezes de apresentar fraturas
associadas, quando comparados ao sexo feminino.
Os extremos de idade (< 2 anos e > 10 anos) foram os grupos mais propensos a sofrer
agressões. Os lactentes (< 2 anos), apresentaram um risco 2,4 vezes maior de presença
de fraturas, quando comparados aos maiores de dois anos, independente do sexo, corroborando
com a literatura internacional[6]
[7]
[19] e diferindo do computado pelo Disque 100, onde vítimas escolares foram as mais listadas.[9] Ressalta-se que quanto menor, mais dependente de cuidados a criança é, inclusive
para chegar a um serviço de saúde, com subnotificação por omissão de cuidados.[2]
Na região Sul do país predomina etnia branca,[8]
[26] explicando a disparidade entre notificações de violência em pessoas dessa etnia
(89,4%) em relação às demais, diferente dos dados do Disque 100, que apontam a população
de cor parda como a mais acometida por maus-tratos, seguida da branca e da negra.[9] Nesse estudo, possuir cor da pele branca relacionou-se a um risco 1,5 vezes maior
para fraturas relacionadas aos maus-tratos, quando comparado às demais cores da pele.
A presença de vítimas portadoras de deficiência não foi expressiva (6,0%), divergindo
da literatura,[1]
[2]
[7]
[9]
[15]
[19] levando a inferir que a não procura por atendimentos emergenciais para esses pacientes
poderia relacionar-se a possíveis erros de notificação, à falta de diagnóstico da
agressão e/ou de notificação e à incapacidade de verbalização de vítimas com deficiência.[2]
[26] Nesse grupo não houve associação com risco de fraturas.
O maior número de notificações de outros municípios (65,2%) que não a capital, pode
justificar-se pelo hospital ser de grande porte e referência em ortopedia do estado.
Em relação à autoria dos maus-tratos, a maioria teve ao menos 2 agressores, principalmente
pai e mãe simultaneamente, corroborando à literatura, onde mantém-se o padrão dos
genitores como principais suspeitos dos maus-tratos infantis.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[9]
[15]
[17]
[19] Em 91,0% dos casos os autores das agressões não estavam sob suspeita de uso de álcool,
em consonância com a literatura,[2]
[9]
[15] não havendo relação entre o uso de álcool pelos agressores com o desfecho fraturas.
Corroborando pesquisas nacionais e internacionais,[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[12] a negligência (53,9%), seguida por agressões físicas (39,1%), foram as tipologias
mais prevalentes, com distribuição semelhante entre os sexos. A alta prevalência desta
última pode relacionar-se ao uso da força física, como forma de “educação,” prática
disciplinadora,[1]
[2]
[12] onde pais que foram educados por meio do castigo e da punição física perpetram esse
hábito culturalmente aceito,[1]
[2] independentemente da existência de políticas públicas, como a Lei n° 13.010 - “Lei
do Menino Bernardo”[27] ou o Estatuto da Criança e do Adolescente.[28]
Alerta-se para o risco aumentado dessas duas formas de maus-tratos na ocorrência de
fraturas, que foi de 3,3 e 5,0 vezes maior, respectivamente, quando comparadas a todos
os outros estudados. Depreendendo a importância da vigilância dos pais aos seus filhos
e principalmente da educação continuada sobre os acidentes e lesões não intencionais.[2]
[3]
[7]
Quando avaliados os meios da agressão, “acidentes de trânsito” e “espancamento” responderam
a mais da metade das notificações (54,9%), seguidas menos expressivamente por choque
elétrico (13,3%) quedas de nível (12,9%) e “outras,” semelhante à literatura,[2]
[6]
[7]
[9]
[19] sinalizando para a prática da força física como medida disciplinadora educativa[1]
[2]
[12] e a ausência da observância do transporte seguro.[2]
[29] “Espancamento” e “acidentes de trânsito,” relacionaram-se respectivamente a um risco
de 2,1 e 2,5 vezes de ocasionar fraturas.
O desfecho “fraturas” foi 2,2 vezes mais frequentemente observado nas “quedas de nível,”
atentando à necessidade da vigilância e supervisão, especialmente dos menores, que
estão iniciando a deambulação.[2]
[3]
[7] Sua prevalência (31,5%) foi 4,5 vezes maior do encontrado em outro estudo nacional.[15]
Quanto à localização anatômica das fraturas, 40,0% estavam presentes somente no esqueleto
axial - incluindo crânio, região relacionada a desfecho de maior gravidade.[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[12]
[15]
[18]
[19] 23,5% das vítimas apresentaram lesões em mais de um segmento, sendo fator de risco
de maus-tratos[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[11]
[18]
[19], ou seja, uma criança com múltiplas fraturas, principalmente em mais de um local
anatômico, deve ser avaliada mais atentamente para esta suspeição diagnóstica.
Dos pacientes estudados, independente do sexo, os menores de 2 anos tiveram um risco
2,5 vezes maior de sofrerem fraturas do que os outros grupos de idade, além de 1,7
vezes mais risco para o mesmo desfecho se a violência fosse perpetrada por conhecidos,
quando comparados aos que foram agredidos por desconhecidos. Outros fatores associados
ao maior risco de fraturas foram: a agressão ser cometida por 2 autores ou mais, vítimas
de acidentes automobilísticos e o atendimento realizado por ortopedista - riscos respectivamente
2,1; 2,7 e 6,8 vezes maiores. Considerando que acidentes automobilísticos se relacionam
por vezes à negligência, depreende-se um grande desafio: transporte seguro de crianças
estabelecido nas regras de segurança do transporte de crianças nos veículos.[29]
Quinze pacientes (17,7%) foram submetidos a cirurgias ortopédicas como parte do tratamento
e a presença de fratura óssea relacionou-se a 16,5 vezes mais necessidade de intervenção
cirúrgica e a 1,5 vezes o risco de morte, quando comparada a ausência da mesma no
estudo.
Esses dados reforçam a importância da prevenção,[2]
[29] da atenção aos sinais que podem levantar suspeitas de maus-tratos e da investigação
adequada por parte do profissional da “linha de frente” e do encaminhamento ao especialista
quando pertinente.[6]
[7]
[19]
Cita-se como provável limitação a fonte secundária dos dados, dirimida por meio da
checagem manual uma a uma das fichas de notificação e da conferência no prontuário
hospitalar das vítimas.
Conclusão
Pela dependência e vulnerabilidade inerentes ao ciclo de vida, as crianças são um
grupo de risco para as diversas violências quer sejam acidentais ou intencionais,
necessitando tanto a educação da família para a prevenção, como a atenção do profissional
da assistência na identificação e correta notificação deste agravo, com condução adequada
dos casos, evitando-se desfechos graves.