Palavras-chave
ligamentos - menisco - tíbia - joelho - anatomia
Introdução
Os ligamentos meniscotibiais (LMTs) foram examinados por dissecção anatômica em 1914[1] e reavaliados artrograficamente em 1984.[2] Os LMTs ([Fig. 1]), bandas fibrosas que se originam na tíbia e se inserem na porção inferior dos meniscos,
estabilizam e mantêm a posição do menisco no platô tibial.[3]
[4]
Fig. 1 Ligamento meniscotibial medial. Abreviaturas: CFM, côndilo femoral medial: LMT, ligamento
meniscotibial; PTM, platô tibial medial; MM, menisco medial; IT, inserção tibial do
LMT medial.MFC = CFMMTL = LMTMM = MMMTP = PTMTI = IT
Os LMTs mediais apresentam maior resistência à avulsão em comparação com suas contrapartes
laterais, e sua porção anterior é ainda mais resistente do que a posterior.[5] Os LMTs anteromediais apresentam resistência à tração de 396,6 N, e suportam no
máximo 7,7 mm de alongamento.[6]
Em 2015, Peltier et al.[3] descreveram a importância dos LMTs na estabilidade do joelho, em especial na estabilidade
à rotação posteromedial. A lesão do LMT é uma causa comum de dor no joelho em atletas
de meia-idade.[7] Além disso, os LMTs apresentam ação sinérgica com o ligamento cruzado anterior (LCA),
principalmente na estabilidade à rotação, translação anterior e rotações interna e
externa, evidenciada clinicamente pelo teste rotacional durante o exame físico.[3]
Assim, tivemos como objetivo revisar sistematicamente a literatura sobre a anatomia
dos LMTs para apresentar os achados mais aceitos e a evolução das informações anatômicas
sobre essa estrutura.
Materiais e Métodos
Em agosto de 2021, 2 autores (APS e JBAN) realizaram, de forma independente, uma busca
eletrônica nas bases de dados MEDLINE/PubMed, Google Scholar, EMBASE e Cochrane, sem
restrições de data. Os seguintes termos de indexação foram utilizados: anatomy AND meniscotibial AND ligament AND medial.
A revisão seguiu recomendações declaração de Principais Itens para Relatar Revisões
Sistemáticas e Metanálises (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses,
PRISMA, em inglês). Os artigos que atendiam ao objetivo da pesquisa foram escolhidos
com base em títulos e resumos. Selecionamos somente artigos originais que descrevessem
aspectos anatômicos do LMT medial nos títulos ou resumos.
Os artigos selecionados foram lidos na íntegra, e suas referências foram pesquisadas
manualmente para encontrar outros estudos relevantes. Discrepâncias na extração de
dados foram resolvidas por meio de discussão entre os autores.
Os critérios de inclusão foram estudos anatômicos de todo o joelho, como dissecções
de cadáveres, investigações histológicas e/ou biológicas, e/ou imagens anatômicas.
Estudos que continham apenas dados bioquímicos e/ou intraoperatórios, bem como artigos
de revisão sem dados originais, foram excluídos. Também foram excluídos os artigos
encontrados mais de uma vez em diferentes plataformas.
Os seguintes dados foram coletados: autores, data da publicação, tipo de estudo, tamanho
da amostra, presença do ligamento, e medidas de comprimento, largura e espessura.
Os achados anatômicos foram submetidos à análise descritiva.
Resultados
A princípio, 350 artigos foram selecionados. Após aplicação dos critérios de inclusão
e exclusão, escolhemos oito artigos que descreviam os aspectos anatômicos dos LMTs
([Tabela 1])[2]
[3]
[4]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12] para leitura na íntegra ([Fig. 2]).
Tabela 1
Autores
|
Ano
|
N
|
Tipo de estudo
|
Achado
|
El-khoury et al.[2]
|
1984
|
10
|
Dissecção anatômica de cadáveres e estudo histológico
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial
|
De Maeseneer et al.[9]
|
2000
|
6
|
Estudo comparativo de imagens de ressonância magnética e dissecção de cadáveres
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial
|
La Prade et al.[4]
|
2007
|
8
|
Dissecção de cadáver para avaliação da anatomia da porção medial do joelho
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial
|
Griffith et al.[10]
|
2009
|
24
|
Dissecção anatômica em cadáveres para avaliação da correlação biomecânica das estruturas
mediais do joelho
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial
|
Liu et al.[8]
|
2010
|
10
|
Dissecção de cadáver para avaliação da anatomia da porção medial do joelho
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial e características morfológicas
|
Peltier et al.[3]
|
2015
|
10
|
Dissecção de cadáver para avaliação da ação do ligamento meniscotibial medial na instabilidade
rotacional posteromedial do joelho
|
Descrição biomecânica antes e depois de lesão do ligamento meniscotibial
|
DePhillipo et al.[11]
|
2019
|
14
|
Dissecção de cadáver para avaliação dos aspectos anatômicos e histológicos entre a
porção posterior do menisco medial e o ligamento meniscotibial medial
|
Descrição morfológica do ligamento meniscotibial, da inserção meniscocapsular da porção
posterior do menisco medial, e suas peculiaridades histológicas
|
Cavaignac et al.[12]
|
2021
|
14
|
Dissecção de cadáver para avaliação da relação entre o tendão semimembranoso distal
e o menisco medial
|
Descrição qualitativa do ligamento meniscotibial medial e das características morfológicas
e histológicas de sua inserção no menisco medial e no tendão semimembranoso distal
|
Fig. 2 Fluxograma da seleção de artigos.
Ano de Publicação
Devido à escassez de artigos, há uma grande defasagem entre a publicação do primeiro
trabalho, em 1984,[2] e do seguinte, em 2000.[6] Depois disso, os LMTs começaram a ser descritos, principalmente como parte de estudos
maiores sobre a região medial do joelho. Apenas dois artigos[11]
[12] sobre a anatomia dos LMTs mediais foram publicados nos últimos cinco anos.
Tipo de Estudo
Quanto à avaliação da anatomia do LMT, os estudos analisados apresentaram objetivos
significativamente diferentes; alguns se centraram apenas na anatomia;[2]
[4]
[8]
[11] outros compararam os achados de exames de imagem (ressonância magnética [RM]) a
dissecções anatômicas;[9] e outros fizeram correlações com a biomecânica do joelho.[3]
[10]
Ainda assim, todos descreveram os achados, mas sem explicar a presença ou ausência
de variações anatômicas na amostra ou realizar análise estatística para correlação
dos dados obtidos.
Amostras dos Estudos
A amostra total foi de 96 ligamentos nos 8 estudos analisados: 1 avaliou 24 ligamentos[10]; 2 analisaram 14,[11]
[12]
[3]
[10]
[2]
[3]
[8]
[1]
[6]
[9] e 1 avaliou 8 ligamentos.[4]
Achados dos Estudos
Dois estudos descrevem somente os achados anatômicos macroscópicos (descrição qualitativa
do LMT medial e das características morfológicas).[4]
[8] Além da anatomia macroscópica, três estudos[2]
[11]
[12] realizaram uma análise histológica das amostras. Um estudo[9] comparou os achados de RM à dissecção anatômica pós-exame nas mesmas amostras. Por
fim, dois estudos[3]
[10] avaliaram aspectos biomecânicos relacionados às estruturas mediais dos joelhos,
e descreveram a anatomia das estruturas envolvidas.
Discussão
Há poucos artigos sobre os aspectos anatômicos dos LMTs nas plataformas de pesquisa
– encontramos apenas oito publicados nos últimos 40 anos, a maioria com descrições
superficiais de suas características.
El-khoury et al.[2] realizaram a dissecção anatômica de dez joelhos de cadáveres, e observaram que o
LMT é quase sempre identificável como uma estrutura separada; no entanto, quanto à
histologia, suas fibras se misturam às do ligamento colateral medial.
La Prade et al.[4] estudaram a anatomia medial do joelho por meio da dissecção anatômica de oito espécimes
de cadáveres, e, entre outros achados, descreveram os LMTs como estruturas mais curtas
e espessas do que os ligamentos meniscofemorais, fixadas apenas distalmente à borda
da cartilagem articular do platô tibial medial. Liu et al.[8] analisaram dez amostras, com enfoque no ligamento colateral medial, e observaram
outras estruturas durante a dissecção anatômica. Esses autores descreveram o LMT medial
como sendo três vezes mais curto do que o ligamento meniscofemoral medial.
Alguns estudos tentaram correlacionar a anatomia observada nas dissecções a achados
em técnicas de diagnóstico por imagem. De Maeseneer et al.[9] correlacionaram imagens de RM à dissecção anatômica de seis joelhos de cadáveres.
Em relação aos LMTs, os autores[9] relataram que a extensão meniscotibial mais curta era originária da margem externa
inferior do menisco e se fixava no córtex tibial, inferiormente ao espaço articular;
na RM, porém, os LMTs foram descritos apenas como estruturas de baixo sinal, similares
a bandas, em localização profunda na porção superficial do ligamento colateral medial.
Griffith et al.[10] estudaram 24 joelhos, e avaliaram as estruturas mediais primárias e secundárias
que participam da estabilidade biomecânica articular em diferentes graus de flexão.
Esses autores[10] identificaram a presença de LMTs mediais relacionados à estabilidade nas rotações
externa e interna em todos os espécimes, mas não fizeram descrições detalhadas da
morfologia ligamentar.
Corroborando esses achados, Peltier et al.[3] demonstraram a presença de LMTs e seu papel na estabilidade do joelho em rotação
em seu estudo com 10 amostras, no qual observaram um aumento nas rotações interna
e externa na presença de lesão do LMT e LCA em comparação à lesão isolada do LCA.
Recentemente, DePhilipo et al.[11] estudaram 14 joelhos e observaram que os LMTs de todos os espécimes percorriam um
ângulo oblíquo da tíbia posterior até sua inserção proximal à borda posteroinferior
do menisco medial; o comprimento médio desses ligamentos foi de 14,0 mm. A análise
histológica revelou que os LMTs eram formados por fibras de colágeno de tipo I em
disposição linear. Os autores[11] também mencionam que a inserção do LMT no corno posterior do menisco e a inserção
meniscocapsular são comuns, e que não foram encontradas diferenças histológicas entre
essas duas estruturas.
No entanto, em uma análise de 14 joelhos, Cavaignac et al.[12] descreveram os LMTs como o tecido que liga a borda posteroinferior do corno posterior
do menisco medial ao platô tibial. Além disso, observaram inserções totalmente separadas
das duas estruturas, uma na borda posteroinferior do menisco (para o LMT), e outra
na borda posterossuperior (meniscocapsular).
Por fim, nota-se que há informações limitadas sobre os LMTs mediais, principalmente
no que diz respeito à anatomia (em especial à vascularização e à inervação), com poucos
estudos referentes a essa estrutura e outros compostos somente por descrições breves.
Assim, mais pesquisas são necessárias, com ênfase na qualidade metodológica e no maior
refinamento na descrição dos achados, para aumentar o conhecimento da anatomia do
LMT. Isso contribuirá para o entendimento das patologias do joelho e seu tratamento.
As limitações deste trabalho foram o pequeno número de artigos, a ausência de achados
anatômicos padronizados, e a grande variedade de metodologias utilizadas, o que impossibilitou
a comparação entre os estudos.
Conclusão
O LMT medial se origina na tíbia e se insere na porção inferior do menisco. Sua principal
função é estabilizar e manter o menisco em sua posição no platô tibial. No entanto,
há uma quantidade limitada de informações sobre os LMTs mediais, principalmente no
que diz respeito à anatomia, vascularização e inervação.