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DOI: 10.1055/s-0042-1743271
O ângulo de Baumann: Uma análise da teoria à prática
Article in several languages: português | English- Resumo
- Introdução
- Métodos
- Critérios de Inclusão
- Critérios de Exclusão
- Análise dos Dados
- Resultados
- Discussão
- Conclusão
- Referências
Resumo
Objetivo Analisar como o ângulo de Baumann (AB) é afetado por inclinações radiográficas inadequadas.
Métodos Estudo realizado a partir de radiografias do úmero distal de crianças de 3 a 10 anos. Foram comparadas as aferições do AB realizadas por cinco observadores, e cada radiografia foi avaliada quanto à sua qualidade em “adequada” ou “inadequada”. A correlação entre a qualidade radiográfica e a normalidade dos ângulos foi avaliada.
Resultados Amostra composta por 141 pacientes, 44% entre 3 e 6 anos e 56% entre 7 e 10. Observamos AB entre 52,01 e 89,82 graus, tendo cerca de 16% das medidas fora dos limites de normalidade da literatura. Um total de 33,3% das radiografias avaliadas foram classificadas como “inadequadas”. Sobre as medidas do AB fora do parâmetro da normalidade, observamos que sua proporção foi maior entre as imagens com qualidade radiográfica inadequada (31,1% vs. 6,2%), tendo essa diferença se mostrado significativa (p < 0,001).
Conclusões O AB é uma medida muito variável e, isoladamente, pouco confiável para a avaliação de deformidades angulares do cotovelo pediátrico, tendo a qualidade radiográfica se mostrado um fator causal importante dessa variabilidade.
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Introdução
As fraturas supracondilianas do úmero (FSCU) são responsáveis por cerca de 3% das fraturas em crianças, correspondendo a quase 60% das fraturas do cotovelo na faixa etária pediátrica. São fraturas muito frequentes em crianças entre 3 e 10 anos de idade, tendo seu pico de incidência na faixa de 5 a 6 anos. As complicações mais frequentes associadas às FSCU são as lesões nervosas, sendo a mais comum a lesão do nervo interósseo anterior, as lesões arteriais, especificamente da artéria braquial, e a deformidade em cúbito varo.[1]
A deformidade angular do cotovelo no plano coronal foi descrita como uma das complicações mais comuns das fraturas supracondilianas em crianças, havendo relatos de incidência de cúbito varo de até 26% em fraturas em extensão tipo Gartland-II inadequadamente tratadas.[2] Há consenso na literatura de que a redução anatômica da fratura e sua manutenção radiograficamente documentadas são fundamentais para evitar essa deformidade.[3] [4] Köberle[5] descreveu a importância da adequada posição do antebraço na imobilização para evitar a ocorrência de deformidades angulares, enquanto Patriota et al.[6] e Carvalho et al.[7] investigaram a eficácia das técnicas de fixação das fraturas para a manutenção da redução, com resultados positivos.
Na prática clínica, o ângulo de carregamento do membro superior é muito utilizado para avaliar possíveis deformidades angulares. Radiograficamente, o ângulo de Baumann (AB) é a medida mais utilizada para aferir a qualidade da redução dessas fraturas. O AB corresponde ao ângulo formado entre o eixo longo da diáfise do úmero, traçado pelo centro do canal medular, e a linha traçada pela fise do capítulo na incidência radiográfica anteroposterior, sendo muito utilizado comparativamente com o lado contralateral e tendo valores entre 64 e 81 graus considerados como normais.[8] [9] A visibilidade de pelo menos 7 cm do úmero distal na radiografia aumenta a acurácia desta medida.[10] Percebe-se, porém, que a ampla faixa de 17 graus considerada como variabilidade normal para o AB levanta questões quanto a sua confiabilidade e, apesar de validada para conferir o alinhamento da fratura pós-redução, inconsistências nessa medida, tanto intra- quanto interobservadores, são relatadas.[10]
Nossa hipótese é de que um dos fatores causadores desse problema é a dificuldade de obter incidências radiográficas coronais verdadeiras do cotovelo na prática diária.
O objetivo primário deste estudo é analisar como os ângulos traçados entre o eixo longo da diáfise do úmero e o eixo da linha fisária do capítulo em cotovelos normais são afetados por inclinações inadequadas das radiografias e analisar as variações intra- e interobservador das medidas do AB, e os objetivos secundários são: 1) descrever as medidas dos ângulos obtidos em nossa amostra, comparando-os por faixa etária; 2) avaliar o percentual de medidas do AB em nossa amostra que se encontram fora do padrão de normalidade descrito na literatura.
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Métodos
Este é um estudo retrospectivo autorizado e aprovado pelo Sistema Gerenciador de Projetos de Pesquisas e pela Comissão de Ética em Pesquisas de um hospital terciário brasileiro, realizado a partir de radiografias do úmero distal de crianças, já obtidas e arquivadas no setor de diagnóstico por imagens do hospital. Foi solicitada e autorizada a isenção da obtenção de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
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Critérios de Inclusão
Foram incluídas no estudo 141 radiografias consecutivas de crianças atendidas no serviço no período de setembro de 2006 a março de 2020 que atendiam aos seguintes critérios:
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Crianças com idade entre 3 e 10 anos;
-
Radiografias realizadas no sentido anteroposterior do cotovelo, com pelo menos 7 cm do úmero distal visíveis na imagem.
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Critérios de Exclusão
Foram excluídas deste estudo radiografias que apresentaram alguma das seguintes alterações:
-
Fraturas do úmero, do rádio ou da ulna ipsilaterais agudas ou prévias;
-
Alterações ósseas ou articulares.
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Análise dos Dados
As 141 radiografias de cotovelos normais foram anonimizadas e numeradas de 1 a 141, e submetidas à aferição do AB pelos observadores, conforme indicado na [Figura 1]. As medidas dos ângulos foram realizadas digitalmente no sistema Carestream Viewer em imagens de formato Digital Imaging and Communications in Medicine (DICOM), através das ferramentas disponíveis no próprio sistema. Participaram do estudo cinco observadores, sendo dois deles residentes do segundo e terceiro ano em Ortopedia e Traumatologia, um ortopedista especializando em Ortopedia Pediátrica, e dois Ortopedistas Pediátricos seniores. Cada observador realizou três aferições das radiografias sequenciadas, em datas distintas, com pelo menos uma semana de intervalo entre as aferições. Após as aferições, as radiografias foram divididas considerando a metade da faixa etária da amostra (3–10 anos), sendo o grupo mais jovem composto por radiografias de crianças de 3 a 6 anos, e o grupo mais velho composto por radiografias de crianças de 7 a 10 anos. Os ângulos aferidos foram comparados quanto ao padrão de normalidade estabelecido na literatura e as variações intra- e interobservador das medidas do AB foram analisadas. Cada radiografia foi avaliada por um consenso de dois especialistas quanto à sua qualidade em “adequada” ou “inadequada”, de acordo com parâmetros propostos por Pace et al.[11] Desse modo, foram consideradas “adequadas” as radiografias com sobreposição radioulnar (porcentagem da largura da ulna ao nível da tuberosidade do rádio que é sobreposta pela borda medial do rádio) variando entre 0,1 e 0,5, e “inadequadas” as que se encontravam fora desse parâmetro. Com esses dados, foi avaliada a correlação entre a qualidade radiográfica e a normalidade ou não dos ângulos aferidos.


O tamanho amostral foi calculado de forma a estimar as médias dos ângulos traçados e de acordo com o estudo de Shank et al.,[12] no qual foi observado desvio padrão (DP) de 6° nas medidas do AB. Utilizando essa estimativa de variabilidade, um tamanho amostral de 141 radiografias seria suficiente para construir um intervalo de confiança bilateral de 95% com tamanho de 1°.
Os cálculos de estimativa de tamanho amostral foram realizados com auxílio do programa Power Analysis and Sample Size (PASS, NCSS, LLC. Kaysville, UT, US) software versão 14.0, utilizando nível de significância de 5%.
A relação entre a qualidade radiográfica e AB foi calculada a partir do teste de qui-quadrado. Além disso, a concordância das medidas intra- e interobservadores foi verificada, estratificando-se pela qualidade radiográfica. As concordâncias foram verificadas pelo Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC) e os resultados foram apresentados a partir da média e desvio padrão, ICC e seus respectivos intervalos de confiança e valores de p. Os coeficientes de concordância foram comparados à classificação presente em Altman,[13] que considera como ruins os coeficientes menores que 0,2, razoáveis aqueles entre 0,2 e 0,4, moderados aqueles entre 0,4 e 0,6, bons entre 0,6 e 0,8 e excelentes aqueles acima de 0,8.
As análises foram realizadas no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, IBM Corp. Armonk, NY, EUA), versão 26.0, e foi adotado um nível de significância de 5%.
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Resultados
A amostra foi composta por 141 radiografias, sendo 65 (46,1%) de pacientes do gênero feminino e 76 (53,9%) do gênero masculino. Além disso, 62 (44%) pacientes tinham idade entre 3 e 6 anos e 79 (56%) entre 7 e 10 anos. As 141 radiografias foram analisadas pelos cinco observadores, que realizaram cada aferição angular três vezes, totalizando 2.115 medidas do AB. Verificamos a concordância das aferições intra- e interobservadores, estratificando por nível de experiência dos observadores. Todos os ângulos aferidos apresentaram níveis de concordância intra- e interobservadores bons ou excelentes. Os resultados estão listados nas [Tabelas 1] e [2]. Não foi observada diferença nos valores dos ângulos entre os gêneros feminino e masculino, e a experiência dos observadores não afetou significativamente os resultados.
Medidas |
Média |
DP |
ICC |
---|---|---|---|
Observador 1 |
|||
Med. 1 |
71,61 |
5,85 |
|
Med. 2 |
71,38 |
5,98 |
|
Med. 3 |
70,63 |
5,96 |
|
Baumann |
0,863 |
||
Observador 2 |
|||
Med. 1 |
70,11 |
6,07 |
|
Med. 2 |
69,81 |
5,70 |
|
Med. 3 |
69,67 |
5,69 |
|
Baumann |
0,909 |
||
Observador 3 |
|||
Med. 1 |
71,15 |
6,69 |
|
Med. 2 |
70,48 |
6,34 |
|
Med. 3 |
69,95 |
6,42 |
|
Baumann |
0,876 |
||
Observador 4 |
|||
Med. 1 |
70,27 |
5,44 |
|
Med. 2 |
70,51 |
4,84 |
|
Med. 3 |
69,78 |
5,20 |
|
Baumann |
0,764 |
||
Observador 5 |
|||
Med. 1 |
70,90 |
6,43 |
|
Med. 2 |
71,78 |
6,22 |
|
Med. 3 |
72,01 |
6,72 |
|
Baumann |
0,911 |
Observadores |
Média |
DP |
ICC |
IC (ICC, 95%) |
|
---|---|---|---|---|---|
Inf. |
Sup. |
||||
Baumann |
0,843 |
0,800 |
0,879 |
||
Observador 1 |
71,20 |
5,66 |
|||
Observador 2 |
69,86 |
5,65 |
|||
Observador 3 |
70,52 |
6,22 |
|||
Observador 4 |
70,19 |
4,75 |
|||
Observador 5 |
71,56 |
6,28 |
Foram realizadas três medidas do AB por cada observador para cada radiografia. Nas medidas 1, obtivemos ângulos com média de 70,81°, DP de 6,12°, com valor mínimo de 52,01° e máximo de 89,82°. Nas medidas 2, a média foi de 70,79°, DP de 5,86°, mínimo de 53,04° e máximo de 85,78°. Por fim, nas medidas 3, a média foi de 70,41°, DP de 6,07°, mínimo de 62,38° e máximo de 88,03°.
Verificamos o percentual de aferições do AB diferentes dos valores considerados normais pela literatura (64–81°). Considerando o percentual nas três medidas realizadas para cada radiografia e também o percentual por observador, ficaram fora dos limites de normalidade 17,4% das medidas 1, 15,2% das medidas 2 e 16,3% das medidas 3. Os resultados são apresentados na [Tabela 3].
Medida versus Observador |
Ângulo de Baumann dentro dos limites de normalidade |
|||
---|---|---|---|---|
Não |
Sim |
|||
n |
% |
n |
% |
|
Medida 1 |
||||
Observador 1 |
22 |
15,6% |
119 |
84,4% |
Observador 2 |
25 |
17,7% |
116 |
82,3% |
Observador 3 |
30 |
21,3% |
111 |
78,7% |
Observador 4 |
18 |
12,8% |
123 |
87,2% |
Observador 5 |
28 |
19,9% |
113 |
80,1% |
Total (n = 705) |
123 |
17,4% |
582 |
82,6% |
Medida 2 |
||||
Observador 1 |
24 |
17,0% |
117 |
83,0% |
Observador 2 |
23 |
16,3% |
118 |
83,7% |
Observador 3 |
22 |
15,6% |
119 |
84,4% |
Observador 4 |
16 |
11,3% |
125 |
88,7% |
Observador 5 |
22 |
15,6% |
119 |
84,4% |
Total (n = 705) |
107 |
15,2% |
598 |
84,8% |
Medida 3 |
||||
Observador 1 |
19 |
13,5% |
122 |
86,5% |
Observador 2 |
23 |
16,3% |
118 |
83,7% |
Observador 3 |
26 |
18,4% |
115 |
81,6% |
Observador 4 |
20 |
14,2% |
121 |
85,8% |
Observador 5 |
27 |
19,1% |
114 |
80,9% |
Total (n = 705) |
115 |
16,3% |
590 |
83,7% |
Dentre as 141 imagens avaliadas, 47 delas (33,3%) foram classificadas como “inadequadas”, e 94 (66,7%) como “adequadas”. No total, foram realizadas 705 aferições do AB nas radiografias consideradas inadequadas e 1.410 nas radiografias adequadas. As imagens com qualidade radiográfica adequada apresentaram valores médios mais elevados das medidas do AB. Na [Tabela 4], são apresentados os resumos das medidas 1, 2 e 3 dos AB de todos os observadores em toda a amostra, de acordo com a qualidade radiográfica.
Qualidade radiográfica |
||||
---|---|---|---|---|
Adequada |
Inadequada |
|||
Baumann: medida 1 |
||||
Média e DP |
71,64 |
5,02 |
69,15 |
7,61 |
Mínimo e máximo |
56,74 |
89,82 |
52,01 |
87,17 |
Mediana e quartis |
71,67 |
68,8–74,81 |
69,62 |
63,39–74,18 |
Baumann: medida 2 |
||||
Média e DP |
71,55 |
4,73 |
69,28 |
7,43 |
Mínimo e máximo |
55,00 |
84,56 |
53,04 |
85,78 |
Mediana e quartis |
71,90 |
68,66–74,67 |
69,35 |
63,5–73,94 |
Baumann: medida 3 |
||||
Média e DP |
71,21 |
4,91 |
68,80 |
7,66 |
Mínimo e máximo |
57,02 |
85,87 |
52,38 |
88,03 |
Mediana e quartis |
71,21 |
68–74,41 |
68,71 |
63,28–73,96 |
Também observamos que, para as radiografias adequadas, 93,8% dos ângulos aferidos estavam dentro dos valores de normalidade da literatura e 6,2% encontravam-se fora dos valores de referência; enquanto, para as radiografias inadequadas, 68,9% dos ângulos estavam dentro dos valores de normalidade e 31,1% encontravam-se fora do limite desses parâmetros. Essa diferença se mostrou significativa (p < 0,001), como apresentado na [Tabela 5].
Qualidade radiográfica |
Valor de p |
||||
---|---|---|---|---|---|
Adequado |
Inadequado |
||||
Baumann |
< 0,001 |
||||
Fora dos parâmetros de referência |
29 |
6,2% |
73 |
31,1% |
|
Normal |
441 |
93,8% |
162 |
68,9% |
Além disso, pudemos observar a variação do AB por faixa etária, conforme mostrado na [Tabela 6]. Os coeficientes de concordância interobservadores verificados nos ângulos de pacientes de 3 a 6 anos de idade foram excelentes (coeficientes maiores que 0,8), enquanto foram observados coeficientes menores em pacientes mais velhos (7–10 anos, coeficientes maiores que 0,7).
Comparação |
Média |
IC 95% |
Valor de p |
|
---|---|---|---|---|
Inferior |
Superior |
|||
Baumann |
< 0,001 |
|||
3 a 6 anos |
71,13 |
70,44 |
71,82 |
|
7 a 10 anos |
70,31 |
69,80 |
70,83 |
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Discussão
A deformidade em cúbito varo é uma das complicações mais comuns das FSCU em crianças e, até o presente momento, a medida radiográfica mais utilizada para aferir o alinhamento do úmero distal pós-redução da fratura é o AB. Porém, sua ampla faixa de normalidade e inconsistências encontradas na literatura nos levaram a questionar a sua confiabilidade, motivando a análise de ângulos traçados em cotovelos normais de nossa amostra e a avaliação de como esses ângulos são alterados por inclinações inadequadas das radiografias.
O estudo de Silva et al.,[14] por exemplo, mostrou que, dentre cinco observadores, um apresentou aferições do AB com diferença de mais de 7 graus em relação às aferições dos outros quatro observadores para a mesma radiografia. Além disso, os resultados do estudo de Shank et al sugeriram que 95% das aferições do AB pelo mesmo observador para a mesma radiografia teriam uma variabilidade de até 5°.[12]
Na prática diária, é comum observar que as radiografias do cotovelo realizadas em pacientes infantis com fraturas do úmero distal não são realizadas em planos perfeitos. Devido a fatores decorrentes do trauma, como dor, edema, limitação de movimento ou presença de imobilizadores, aliados à baixa cooperação das crianças, pode ocorrer, muitas vezes, algum grau de rotação em relação à projeção do úmero no plano coronal verdadeiro. Camp et al. mostraram que o AB apresenta 6° de variação para cada 10° de rotação da radiografia anteroposterior do cotovelo.[15] Em contrapartida, Segal et al.,[16] em um estudo baseado na análise de imagens tomográficas de cotovelos, relataram que os AB aferidos foram consistentes em projeções com angulações que variaram de 70° de rotação interna a 40° de rotação externa. Contudo, essa consistência foi estabelecida considerando como dentro da normalidade do AB a ampla margem de erro de aferição, que varia em torno de 7°.
Os valores normais para o AB, descritos na literatura médica, variam entre 64-81°.[8] [9] Entretanto, em nossa amostra de cotovelos normais, observamos valores variando entre 52,01-89,82°. Sendo assim, cerca de 16% dos cotovelos normais estudados apresentaram ângulos fora da faixa de normalidade. Constatamos também que, em nossa amostra, 33,3% das radiografias se mostraram inadequadas quanto à rotação em relação à projeção do úmero no plano coronal verdadeiro, demonstrando a dificuldade da obtenção de radiografias adequadas no contexto prático. Foi possível observar que as radiografias inadequadas resultaram em um número expressivo de medidas do AB fora da normalidade (31,1%). Entretanto, vale ressaltar que, mesmo nas radiografias adequadas de cotovelos normais, obtivemos 6,2% dos AB fora da normalidade da literatura, com valores absolutos de ângulos em cotovelos normais e em radiografias adequadas atingindo extremos como 55° e 89,82°, o que suporta a hipótese da baixa confiabilidade desse ângulo. Constatamos também que, do total de 1.410 medidas do AB em radiografias adequadas, 86 apresentaram valor superior a 81° (varo, a principal deformidade angular das FSCU), o que poderia indicar que, mesmo em radiografias de cotovelos normais, 6% dessa amostra seriam classificados como desviados, o que poderia levar a condutas inadequadas.
Um dado interessante foi que os coeficientes de concordância interobservadores verificados nos ângulos de pacientes de 3 a 6 anos de idade foram melhores do que os coeficientes do grupo etário mais velho (7–10 anos), o que pode indicar que a acurácia do ângulo diminui à medida em que a ossificação do úmero distal progride.
Com esses dados em vista, acreditamos que a rotação das projeções radiográficas seja um dos principais fatores que geram a variabilidade observada nas medidas angulares aqui apresentadas, juntamente com a própria variação natural do ângulo e as variações existentes entre os observadores.
Este estudo teve como limitações o número reduzido da amostra para as diferentes faixas etárias, o fato de que as medidas foram realizadas em computadores pessoais com diferentes tamanhos de telas e resoluções, e o fato de que foi realizada apenas a análise rotacional das radiografias, não sendo avaliadas possíveis inclinações cefálicas ou caudais das mesmas.
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Conclusão
Foi possível concluir que, se analisado isoladamente, o AC é uma medida muito variável e pouco confiável para a avaliação de deformidades angulares do cotovelo em pacientes pediátricos, tendo a qualidade radiográfica se mostrado um fator causal importante dessa variabilidade.
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Conflito de Interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Suporte Financeiro
Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.
Trabalho desenvolvido no Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
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Referências
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- 2 Moraleda L, Valencia M, Barco R, González-Moran G. Natural history of unreduced Gartland type-II supracondylar fractures of the humerus in children: a two to thirteen-year follow-up study. J Bone Joint Surg Am 2013; 95 (01) 28-34
- 3 Acton JD, McNally MA. Baumann's confusing legacy. Injury 2001; 32 (01) 41-43
- 4 Vaquero-Picado A, González-Morán G, Moraleda L. Management of supracondylar fractures of the humerus in children. EFORT Open Rev 2018; 3 (10) 526-540
- 5 Köberle G. Prevention of cubitus varus and cubitus valgus from humerus supracondylar fractures. Rev Bras Ortop 2003; 38 (10) 568-580
- 6 Patriota GSQA, Assunção Filho CA, Assunção CA. What is the best fixation technique for the treatment of supracondylar humerus fractures in children?. Rev Bras Ortop 2017; 52 (04) 428-434
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- 10 Krengel 3rd WF, Wiater BP, Pace JL. et al. Does using the medial or lateral humeral line improve reliability of Baumann angle measurement on plain x-ray? The effect of humeral length visualized on the x-ray. J Pediatr Orthop 2012; 32 (04) 373-377
- 11 Pace JL, Wiater B, Schmale G, Jinguji T, Bompadre V, Krengel 3rd. W. Baumann angle and radial-ulnar overlap: a radiographic study to control for the angle of the x-ray beam. J Pediatr Orthop 2012; 32 (05) 467-472
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- 13 Altman DG. Practical statistics for medical research. London: CRC press; 1991
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Endereço para correspondência
Publication History
Received: 27 August 2021
Accepted: 03 January 2022
Article published online:
25 April 2022
© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)
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Referências
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