CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(01): 121-126
DOI: 10.1055/s-0041-1735950
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Efeito da COVID-19 na artroplastia de ombro em um centro médico terciário na cidade de Nova York

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, New York, Estados Unidos
› Author Affiliations
Suporte Financeiro A presente pesquisa não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento nos setores públicos, comerciais ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo A pandemia de COVID-19 causou uma pausa sem precedentes em cirurgias eletivas, inclusive artroplastia de ombro. Procuramos determinar as possíveis diferenças clínicas e/ou demográficas entre os pacientes que realizaram artroplastia de ombro durante a pandemia em comparação com o ano anterior (2019).

Métodos Os registros institucionais foram consultados para obtenção de informações sobre pacientes submetidos a artroplastia de ombro entre 1° de março a 1° de julho de 2019 e 2020. Dados demográficos, amplitude de movimento, duração da cirurgia, tempo de hospitalização, condições à alta e manejo pós-operatório foram analisados.

Resultados O tempo médio de cirurgia foi de 160 ± 50 minutos em 2020 e de 179 ± 54 minutos em 2019 (p = 0,13). O tempo médio de internação foi de 36 ± 13 horas em 2020 e de 51 ± 40 horas em 2019 (p = 0,04). Em 2019, 96% dos pacientes fizeram fisioterapia, enquanto 71% o fizeram em 2020 (p = 0,003). Todos os pacientes de 2019 e 86% dos pacientes de 2020 participaram do acompanhamento pós-operatório presencial (p = 0,006). Os pacientes de 2019 retornaram para a consulta médica em média 14 ± 11 dias após a cirurgia; os pacientes de 2020 retornaram para o acompanhamento em 25 ± 25 dias (p = 0,10). A amplitude de movimento, a idade, a pontuação da American Society of Anesthesiologists (ASA, na sigla em inglês) e as taxas de complicações não diferiram entre as coortes.

Conclusão Os pacientes submetidos a cirurgia na fase inicial da pandemia eram demográfica e clinicamente semelhantes aos pacientes de 2019. No entanto, o tempo de internação diminuiu de forma significativa durante a pandemia de COVID-19. O acompanhamento pós-operatório e a fisioterapia foram adiados em 2020, mas isso não levou a diferenças nas taxas de complicações ou de reinternações em comparação às da coorte de 2019.

Nível de Evidência III.


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Introdução

O primeiro caso de COVID-19 foi relatado em Nova York em 1° de março de 2020, e a região rapidamente se tornou o epicentro global da doença. Em 2 semanas, o Surgeon General dos Estados Unidos aconselhou os hospitais a interromper temporiamente as cirurgias eletivas para minimizar a propagação do vírus e maximizar os suprimentos de saúde existentes. Isto levou ao advento de novos protocolos de tratamento e diretrizes de distanciamento social que reduziram significativamente a hospitalização, a disseminação e a mortalidade da doença.

O impacto econômico da interrupção de cirurgias ortopédicas eletivas foi significativo. Os procedimentos eletivos, inclusive as principais cirurgias ortopédicas, como as artroplastias, são historicamente responsáveis por boa parte da renda dos sistemas de saúde.[1] [2] Enquanto o mundo se recupera do impacto generalizado da pandemia de COVID-19, a cirurgia eletiva desempenha um papel fundamental na restauração da estabilidade econômica dos sistemas de saúde. No entanto, mudanças importantes devem ocorrer para assegurar a segurança de pacientes e profissionais e a boa administração dos recursos de saúde. A American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS, na sigla em inglês) identificou quatro níveis de procedimentos ortopédicos durante a pandemia – A (emergenciais), B (urgentes), C (urgentes/eletivos) e D (eletivos).[3] Cada nível pode ser retomado com as precauções adequadas aos diferentes estágios de recuperação da pandemia.

Os algoritmos atuais recomendam a consideração cuidadosa da urgência do procedimento, dos fatores de risco do paciente (ou seja, idade, comorbidades médicas e outros fatores) e dos recursos necessários (ou seja, necessidades de internação ou alta) com a aplicação adequada da triagem pré-operatória e teste de COVID.[3] [4] Além disso, a vontade do paciente em se submeter à cirurgia é um fator essencial para a retomada dos procedimentos eletivos. Em um estudo recentemente publicado, 27% dos pacientes que responderam a um questionário online durante o início da pandemia, em maio de 2020, afirmaram que estariam dispostos a se submeter a procedimentos eletivos no primeiro mês de reabertura; no entanto, 61% dos entrevistados relatarem medo de se expor ou contrair o vírus.[5] Isto sugere que, apesar dos temores em relação à COVID-19, a demanda por cirurgias eletivas começa a se recuperar.

A artroplastia total de ombro (ATO) é um procedimento eletivo que, embora menos realizado do que a artroplastia de joelho e quadril, cresce em prevalência. Este procedimento pode dar alívio significativo da dor da artrite debilitante do ombro, em especial nos primeiros 6 meses após a cirurgia.[6] Antes da pandemia, o tempo médio de internação para ATO já caía de forma contínua (com uma redução > 50% entre 1993 e 2007) e houve maior interesse na realização do procedimento em ambulatório em uma tentativa de diminuição de custos para o paciente e o sistema de saúde.[7] Assim, a incidência de ATO ambulatorial tem aumentado constantemente, quase dobrando entre 2010 e 2014, sem nenhuma evidência de aumento das taxas de reinternação ou de complicações em pacientes escolhidos de forma adequada. Esta transição para procedimentos ambulatoriais gerou uma economia de quase 4.000 dólares por cirurgia.[8] No entanto, parte significativa destes procedimentos continua sendo realizada em regime de internação, o que pode dificultar o retorno à capacidade anterior. Uma pesquisa anterior observou um aumento do tempo de internação e probabilidade de alta para unidade de saúde em pacientes > 65 anos, do sexo feminino, com obesidade ou diabetes e submetidos à artroplastia total reversa do ombro (ATOr).[9] Algumas destas características demográficas, especificamente idade avançada e comorbidades médicas, são observadas em pacientes com maior risco de desenvolvimento de COVID-19 grave.

O objetivo do presente estudo é investigar a diferença demográfica entre pacientes submetidos à ATO em 2020, durante a pandemia de COVID-19, em comparação com pacientes submetidos ao mesmo procedimento em 2019, um ano antes da pandemia. Devido à tendência atual de realização de ATO em regime ambulatorial, as atitudes do paciente em relação à cirurgia e a ênfase na alocação eficiente de recursos e redução de risco para os pacientes durante a pandemia de COVID-19, acreditamos que os indivíduos submetidos à artroplastia de ombro durante a pandemia serão mais jovens, mais saudáveis, ficarão internados por menos tempo e apresentarão maior probabilidade de receber alta domiciliar do que para um centro de cuidados em curto prazo em comparação com o ano anterior à pandemia.


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Materiais e Métodos

Delineamento Experimental e Amostra

O presente estudo foi aprovado por nosso conselho de revisão institucional. Este é um estudo retrospectivo de pacientes submetidos à ATO ou ATOr no início da pandemia de COVID-19, definido como o período de 1° de março a 1° de julho de 2020. O primeiro caso de COVID-19 foi confirmado na cidade de Nova York em 1° de março de 2020, e 1° de julho de 2020 foi o primeiro dia em que < 1.000 novos casos foram relatados. A realização de cirurgias eletivas foi interrompida em 14 de março de 2020 de acordo com a recomendação do Surgeon General dos Estados Unidos e retomada em 8 de junho de 2020. Uma coorte de pacientes que se submeteram a ATO ou ATOr entre 1° de março e 1° de julho de 2019 foi usada como grupo comparativo. Os registros institucionais foram consultados usando os códigos de Current Procedural Terminology (CPT, na sigla em inglês) 23470, 23472, 23473 e 23474.


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Análise Estatística

Todas as análises de dados e testes estatísticos foram realizados no software R, versão 4.0.5 (R Foundation, Viena, Áustria). As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências (n/N) e porcentagens, enquanto as variáveis contínuas foram apresentadas como média (±desvio padrão [DP]). A normalidade foi determinada pelo teste de Shapiro-Wilk. As análises univariadas foram realizadas com o teste de χ2 no caso de variáveis categóricas e com o teste t de Student ou o teste U de Mann-Whitney (soma dos postos de Wilcoxon) para variáveis contínuas. Todos os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.


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Resultados

População do Estudo

O estudo identificou 21 pacientes em 2020 e 50 pacientes em 2019 que foram submetidos à ATO. Destes pacientes, 50 e 62% eram do sexo masculino nas coortes de 2019 e 2020, respectivamente (p = 0,36). A média de idade em 2019 era de 69 ± 9 anos, e de 68 ± 7 anos em 2020 (p = 0,71). Em 2020, 10 ATOs e 11 ATOrs foram realizadas, contra 16 ATOs, 30 ATOrs, 1 hemiartroplastia e 3 cirurgias de revisão em 2019 (p = 0,16) ([Tabela 1]).

Tabela 1

Característica

2019 (DP)

2020 (DP)

valor-p

Idade à cirurgia (anos)

69,3 ± 8,7

68,3 ± 7,4

0,71

Gênero

 Masculino

25 (50,0%)

13 (61,9%)

0,36

 Feminino

25 (50,0%)

8 (38,1%)

Pontuação ASA

 1

3 (6,0%)

1 (4,8%)

0,74

 2

26 (52,0%)

10 (47,6%)

 3

19 (38,0%)

10 (47,6%)

 4

2 (4,0%)

0 (0,0%)

Plano de saúde

 Medicaid

4 (8,0%)

5 (23,8%)

0,12

 Medicare

25 (50,0%)

10 (47,6%)

 Medicare/Privado

7 (14,0%)

0 (0,0%)

 Privado

14 (28,0%)

6 (28,6%)

Diabetes

 Sim

10 (20,0%)

3 (14,3%)

0,57

 Não

40 (80,0%)

18 (85,7%)

Hipertensão

 Sim

32 (64,0%)

14 (66,7%)

0,83

 Não

18 (36,0%)

7 (33,3%)

Cirurgia prévia no ombro

 Sim

14 (28,0%)

7 (33,3%)

0,65

 Não

36 (72,0%)

14 (66,7%)

Tipo de ATO

 Anatômica

30 (60,0%)

10 (47,6%)

0,16

 Reversa

16 (32,0%)

11 (52,4%)

 Hemiartroplastia

4 (8,0%)

0 (0,0%)

Eletiva ou Emergencial

 Eletiva

43 (86,0%)

18 (85,7%)

0,98

 Emergência médica

7 (14,0%)

3 (14,3%)

Elevação anterior pré-operatória

100,7o (41,3)

114,5o (35,6)

0,19

Rotação externa pré-operatória

25,8o (19,1)

26,3o (15,2)

0,74

Não houve diferença significativa nos dados demográficos dos pacientes entre as coortes de 2019 e 2020. A elevação anterior média pré-operatória era de 101° ± 41° em 2019 e de 115° ± 36° em 2020 (p = 0,19). A rotação externa média pré-operatória era de 26° ± 19° em 2019 e de 26° ± 15° em 2020 (p = 0,92). A pontuação média da American Society of Anesthesiologists (ASA, na sigla em inglês) dos pacientes de 2019 era 2,4 ± 0,70, e 2,5 ± 0,59 em 2020 (p = 0,74). No total, 58% dos pacientes de 2019 e 52% dos pacientes de 2020 apresentaram pontuação ASA ≤ 2. Em 2020, 24% da coorte usava o Medicaid como seguro principal, enquanto apenas 8% da coorte de 2019 o usava (p = 0,12). Em 2020, havia 3 casos urgentes e 18 eletivos; em 2019, foram 43 casos eletivos e 7 casos urgentes (p = 0,98). Um total de 28% dos pacientes em 2019 e 33% dos pacientes de 2020 já haviam sido submetidos a uma cirurgia no ombro acometido (p = 0,65) ([Tabela 1]).


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Variáveis de Desfechos

Houve uma diferença na duração da cirurgia, mas sem significância estatística. Em 2019, o tempo médio de cirurgia foi de 179 ± 54 minutos e, em 2020, de 160 ± 50 minutos (p = 0,13). A diferença no tempo de internação entre os dois anos foi estatisticamente significativa. Em 2019, os pacientes ficam em média 51 ± 40 horas no hospital; contudo, em 2020, a estadia média foi de 36 ± 13 horas (p = 0,04). Em 2019, 12% dos pacientes receberam alta para uma unidade de tratamento subagudo e 88% tiveram alta domiciliar; em 2020, 9,5% dos pacientes receberam alta para uma unidade de tratamento subagudo e 90,5% receberam alta domiciliar (p = 0,76) ([Tabela 2]).

Tabela 2

Característica

2019 (DP)

2020 (DP)

valor-p

Duração da cirurgia (minutos)

178,7 (54,3)

159,5 (50,1)

0,13

Tempo de internação (horas)

51,3 (40,0)

36,3 (12,6)

0,04

Transfusão de sangue

 Sim

1 (2,0%)

0 (0,0%)

0,51

 Não

49 (98,0%)

21 (100%)

Complicações cirúrgicas

 Sim

4 (8,0%)

2 (9,5%)

0,83

 Não

46 (92,0%)

19 (90,5%)

O tratamento pós-operatório após ATO ou ATOr também variou de forma significativa entre os 2 anos. Em 2019, 96% dos pacientes participaram de fisioterapia presencial, enquanto 71% o fizeram em 2020 (p = 0,003). Em 2019, 100% dos pacientes (n = 50) compareceram a uma consulta pós-operatória com seu cirurgião, enquanto 86% dos pacientes (n = 21) fizeram o mesmo em 2020 (p = 0,006). Dentre os 3 pacientes que não retornaram para a consulta em 2020, 1 foi atendido pelo cirurgião por telefone (n = 1), outro pelo serviço de telemedicina (n = 1), e o terceiro não compareceu a nenhum acompanhamento. Em 2019, os pacientes compareceram ao consultório em média 14 ± 11 dias após a data da cirurgia; em 2020, os pacientes retornaram para consulta 25 ± 25 dias após a cirurgia (p = 0,10). Os pacientes de 2020 também utilizaram mais os serviços de telemedicina ([Tabela 3]).

Tabela 3

Característica

2019 (DP)

2020 (DP)

valor-p

Destino pós-operatório

 Domicílio

44 (88,0%)

19 (90,5%)

0,76

 Tratamento subagudo

6 (12,0%)

2 (9,5%)

Cirurgia de revisão

 Sim

3 (6,0%)

2 (9,5%)

0,60

 Não

47 (94,0%)

19 (90,5%)

Reinternação

 Sim

6 (12,0%)

2 (9,5%)

0,76

 Não

44 (88,0%)

19 (90,5%)

Método de consulta pós-operatória

 Consulta de telemedicina

0 (0,0%)

3 (14,3%)

0,006

 Consulta presencial

50 (100%)

18 (85,7%)

Tempo entre a cirurgia e a consulta pós-operatória (dias)

14,1 (11,4)

25,4 (24,7)

0,10

Fisioterapia

 Sim

48 (96,0%)

15 (71,4%)

0,003

 Não

2 (4,0%)

6 (28,6%)


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Discussão

A pandemia de COVID-19 causou uma interrupção sem precedentes na realização de cirurgias eletivas em março de 2020. Com sede em Nova York, nossa instituição foi significativamente afetada como epicentro anterior da pandemia global. As cirurgias eletivas foram interrompidas no início de março e, a princípio, apenas os casos emergenciais foram operados. Após este período de interrupção, os procedimentos eletivos foram retomados de forma lenta, em fases, com testes específicos de COVID-19 e protocolos de controle de infecção. O presente estudo busca compreender as possíveis diferenças significativas nos dados demográficos ou nas características pós-operatórias iniciais dos pacientes submetidos à ATO durante a primeira fase da pandemia em relação ao ano anterior. Nossa hipótese é que os pacientes de coortes de baixo risco de COVID-19 e com doença mais avançada no ombro seriam submetidos à cirurgia durante a pandemia.

A percepção do público sobre a retomada das cirurgias eletivas foi um fator significativo na determinação de quais pacientes seriam submetidos a estes procedimentos durante a pandemia. Em um estudo recente, Moverman et al.[5] observaram que homens e falantes de inglês se sentiam significativamente mais confortáveis ao optarem pela cirurgia eletiva após o fim das restrições. No entanto, na nossa pesquisa, não houve diferença significativa no número de homens e mulheres que optaram pela realização de ATO entre 2019 e 2020 (50% em 2019 e 62% em 2020; p = 0,36). Não houve diferença significativa no número de falantes de inglês em qualquer coorte (98% em 2019 e 92% em 2020; p = 0,97).

Nossa hipótese inicial era que os pacientes que optassem pela artroplastia eletiva do ombro em 2020 apresentariam pontuações ASA menores e seriam mais jovens. Outra hipótese era que os pacientes que optassem pela artroplastia do ombro em 2020 apresentariam pior amplitude de movimento pré-operatória. Essas hipóteses refletiram nossas suposições de que os pacientes em grupos de menor risco de desenvolvimento de complicações da COVID-19 e piores doenças ou limitações do ombro optariam pela cirurgia durante a pandemia. No entanto, estas variáveis pré-operatórias não foram significativamente diferentes entre as duas coortes. Na verdade, não encontramos diferenças significativas em nenhuma das variáveis demográficas pré-operatórias entre as coortes de 2019 e 2020. Além disso, houve uma redução significativa de volume entre as coortes de 2019 e 2020 (52% menos procedimentos de artroplastia de ombro), o que é atribuível à pausa de 3 meses em cirurgias eletivas. Isso é semelhante às reduções de volume de casos ortopédicos eletivos relatadas por outras instituições.[10] Também observamos um declínio nos procedimentos de artroplastia relacionados a traumatismos (5 em 2019 e 1 em 2020). Isto refletiu um declínio nos casos de traumatismo ortopédico durante a interrupção.[10] [11]

É importante ressaltar que a nossa pesquisa observou uma tendência de significado estatístico na duração da cirurgia (178,7 ± 54,3 em 2019 e 159,5 ± 50,1 em 2020; p = 0,13). Embora parte desta diferença possa ser devida ao menor número de procedimentos de revisão realizados durante a pandemia, o menor volume cirúrgico e a maior eficiência da alocação de recursos também podem ter contribuído. Observamos uma diminuição significativa no tempo de permanência pós-operatória entre as 2 coortes (51,3 ± 40,0 horas em 2019 e 36,3 ± 12,6 horas em 2020; p = 0,04). Em 2020, nenhum paciente permaneceu no hospital > 72 horas. Em 2019, 12 pacientes permaneceram > 72 horas (72 a 100 horas, n = 7; 100 a 200 horas, n = 3; 200 a 300 horas, n = 1; e > 300 horas, n = 1). O destino pós-operatório dos pacientes não foi significativamente diferente, com 88 e 91% indo para casa após a cirurgia em 2019 e 2020, respectivamente (p = 0,76). Durante a pandemia de COVID-19, uma combinação de recursos hospitalares tributados e o desejo do paciente de logo deixar o hospital pode ter contribuído para o menor tempo até a alta, alinhando seus incentivos. Pesquisas anteriores observaram uma melhora no manejo pré-operatório que levou à redução do tempo de internação durante a pandemia de COVID-19, mas o presente estudo é o primeiro de que temos conhecimento a demonstrar a diminuição do tempo de internação pós-operatória na literatura ortopédica.[12]

Uma revisão sistemática anterior observou que o tempo de internação e o tipo de alta após a ATO foram influenciados por uma série de fatores: sexo feminino, obesidade, idade > 65 anos e ATOr foram associados à internação mais longa ou à necessidade de alta para outra instituição.[9] No nosso estudo, o tempo de internação melhorou de 2,1 ± 1,5 dias em 2019 para 1,5 ± 0,5 dias em 2020. Estes intervalos de 2019 são comparáveis aos citados na literatura.[13] [14] Notavelmente, nenhum aumento nas taxas de readmissão ou de complicações em 30 ou 90 dias foi observado em nossas coortes.

No período pós-operatório, um número significativamente menor de pacientes participou de fisioterapia formal em 2020 (71%) em comparação com 2019 (96%) (p = 0,003). Além disso, menos pacientes retornaram para a consulta pós-operatória presencial e o tempo entre a cirurgia até a primeira consulta pós-operatória foi ligeiramente maior durante a pandemia. A literatura sugere que a fisioterapia pós-operatória imediata proporciona redução da dor e aumento da função em curto prazo, mas estes benefícios se dissipam em um acompanhamento de longo prazo.[15] Não houve aumento da taxa de complicações precoces, apesar da diferença no acompanhamento pós-operatório imediato; no entanto, nossa pesquisa é insuficiente para tirar quaisquer conclusões robustas sobre as complicações pós-operatórias. Juntos, estes resultados sugerem que, apesar da semelhança dos dados demográficos de pacientes de 2019 e 2020, os indivíduos submetidos a ATO puderam ter alta hospitalar de forma consistente no início do período pós-operatório durante a pandemia. Isto pode ser devido a diversos fatores, inclusive a motivação do paciente, o alinhamento dos incentivos para a alta entre pacientes e profissionais e o aumento de recursos hospitalares disponíveis, como assistentes sociais, para auxiliar o processo de alta.

A presente pesquisa tem várias limitações, como o pequeno tamanho da amostra e a natureza retrospectiva do estudo. Além disso, todos os pacientes da nossa coorte eram de uma única região urbana que foi duramente atingida pela pandemia de COVID-19 e os resultados podem não ser passíveis de generalização para outras populações. Além disso, não havia desfechos relatados pelo paciente.


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Conclusão

A pandemia de COVID-19 provocou uma pausa sem precedentes na realização de cirurgias eletivas a partir de março de 2020. Apesar da percepção pública sobre a segurança das cirurgias eletivas durante a pandemia, não notamos diferenças nas características clínicas ou demográficas dos pacientes que se submeteram a ATO no início da pandemia em comparação com o ano anterior. No entanto, observamos reduções no tempo de cirurgia, embora sem significado estatístico, e no tempo de internação, sugerindo um movimento coordenado em direção à redução da hospitalização durante a pandemia. Além disso, apesar da maior espera para o retorno ao acompanhamento pós-operatório e menor participação na fisioterapia em 2020, os pacientes não apresentaram diferenças nas taxas de readmissão, de revisão ou de complicações em seus respectivos anos.


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Conflitos de Interesses

Paul J. Cagle, MD

Stryker: Consultor

Johnson & Johnson: Consultor

Bradford O. Parsons, MD

Arthrex: Consultor

Os seguintes profissionais não têm conflitos de interesse ou fontes de financiamento que precisem ser mencionados: Kevin C. Wang, Akshar V. Patel, Christopher A. White e Benjamin D. Gross

Trabalho desenvolvido no Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, New York City, NY.


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Endereço para correspondência

Paul J. Cagle, MD
425 West 59th Street, New York, NY 10019
United States   

Publication History

Received: 19 May 2021

Accepted: 13 August 2021

Article published online:
25 October 2021

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