Palavras-chave
bíceps - técnica de anticorpos fluorescentes - labrum - mecanorreceptores - terminações
nervosas - ombro
Introdução
O labrum superior da glenoide serve como local de fixação da inserção do tendão da
cabeça longa dos bíceps, sendo assim suscetível à lesão produzida pelo seu descolamento
da glenoide, de anterior a posterior, conhecida como lesão labral superior de anterior
a posterior (SLAP, na sigla em inglês).[1] Andrews et al.[2] foi o primeiro a descrever lesões no labrum superior. Estas podem ser observadas
com frequência em jovens atletas de “esportes de arremesso”, sendo secundárias a microlesões
repetitivas.[3] Também pode ocorrer em associação com outras situações traumáticas, como deslocamento
glenoumeral primário ou recorrente.[4] Clinicamente, observou-se que, após reparos anatômicos da SLAP, os pacientes apresentaram
um período prolongado de dor, quando comparados aos submetidos aos procedimentos de
liberação de bíceps.[5]
[6]
[7] O mecanismo fisiopatológico da dor, presente tanto na lesão quanto no reparo cirúrgico
e na eventual falha do tratamento, tem sido envolvido na presença de nociceptores.
Estudos histológicos do complexo labral demonstraram a presença de terminações nervosas
livres e mecanorreceptores.[8]
[9] Sintomas como dor, instabilidade e sensação de “travamento articular podem ser atribuídos
ao enfraquecimento do reflexo proprioceptivo.[10] Embora os relatos de lesões por SLAP sejam frequentes na literatura, estudos recentes
têm relatado um aumento considerável no número de reparos cirúrgicos dessas lesões
na última década. [11] Atualmente, os avanços em marcadores de anticorpos específicos para terminações
nervosas, associados à microscopia a laser confocal, permitem a visualização e detalhamento
de estruturas nervosas com imagens tridimensionais.[12]
[13]
[14] O objetivo desta investigação foi avaliar histologicamente a porção média do complexo
bíceps-labral superior. Nós imaginamos que a zona de transição entre o labrum e a
cabeça longa do tendão do bíceps conteria terminações nervosas e vasos. Esperamos
estabelecer um paralelo entre nossos achados e a fisiopatologia da SLAP e a tendinopatia
da cabeça longa da do bíceps.
Métodos
Foram utilizados 6 complexos bíceps-labrais superiores (SLBCs, na sigla em inglês)
de cadáveres humanos congelados (3 homens, 3 mulheres) com idades entre 20 e 70 anos.
A aprovação deste projeto foi concedida e acompanhada por meio de nossa institucional
pelo comitê de ética (n° 443.172). Utilizamos um marcador pan-neuronal seletivo, o
protein gene product 9.5 (PGP 9.5) pan-axonal (Thermo Fisher Scientific Inc., Rockford, IL, EUA), para
destacar a inervação sensorial. Os trechos foram lavados com solução tampão de fosfato
frio de 0,1 M (PBS, Laborclin, Pinhais, PR, Brasil) contendo 3% Triton X-100 (TX-100,
Inlab, Diadema, SP, Brasil). Os tecidos foram lavados e incubados em anticorpos primários
por 2 horas; depois, o anticorpo secundário foi conjugado a uma tag fluorescente (Alexa Fluor 488 goat anti-rabbit IgG, Thermo Fisher Scientific Inc.).
As seções foram lavadas, seladas e os slides foram armazenados a -70 °C. Todas as 36 seções dos espécimes foram examinadas com
um sistema de microscópio de varredura a laser confocal (LSM710, Carl Zeiss Microscopy,
Jena, Alemanha). Usamos hematoxilina & eosina e a mancha tricromática de Masson nos
espécimes de SLBC de porção média, e o nervo mediano serviu como controle de qualidade
para imunofluorescência. Os resultados são expressos como meios e desvio padrão (DP).
Os dados foram analisados usando o software GraphPad Prism (versão 6.0 para Windows,
GraphPad Software, San Diego, Califórnia, EUA).
Resultados
A análise leve da microscopia das seções mostrou facilmente o tendão do bíceps com
vasos sanguíneos escassos, espaçados, finos e ligeiramente ondulados ([Fig. 1, A] e [B]). Na parte de transição entre o bíceps e o labrum, pudemos observar estruturas complexas,
com células também alongadas sugerindo células nervosas ([Fig. 2 A, B] e [C]).
Fig. 1 (A e B) Seção longitudinal e histológica (10 μm) manchada com hematoxilina e eosina.
Observe os vasos sanguíneos (círculos) no tendão do bíceps.
Fig. 2 Terminações nervosas de tecido conjuntivo fusiformes e cônicas na zona de transição
entre o labrum e o bíceps. Aumento de 50x (A), 100x (B) e 200x (C). Seção histológica
longitudinal (10 μm) manchada com hematoxilina e eosina.
O microscópio confocal revelou terminações nervosas livres através da cabeça longa
do tendão do bíceps, de 1 a 6 µm de comprimento, em paralelo aos feixes de colágeno
dispostos, também dissociados da presença de vasos sanguíneos ([Fig. 3]). Na porção média do SLBC, identificamos fibras nervosas medindo entre 60 e 70 µm
de diâmetro e ramificando-se em feixes nervosos menores ([Fig. 4]).
Fig. 3 Seção do tendão do bíceps (50 μm de espessura). Observe as terminações nervosas livres
(setas) no tecido conjuntivo, analisadas pelo microscópio laser confocal (imunofluorescência,
escala 50 μm).
Fig. 4 Zona de transição entre o labrum e o bíceps. Observe a fibra nervosa na camada profunda
medindo entre 60 e 70 μm de diâmetro, bifurcando em feixes nervosos menores (imunofluorescência,
escala de 50 μm).
Ademais, na porção média do SLBC, também se observou fibras nervosas de menor calibre,
de 7 a 10 µm de diâmetro, próximas ao vaso, exibindo imunorreatividade periférica
e intraluminal para PGP 9.5. Nos slides submetidos à técnica de recuperação antigênica,
a presença de terminações nervosas complexas com dimensões variáveis, variando de
150 a 350 µm de comprimento e 80 a 100 µm de largura. Observou-se na face articular
das amostras, ao lado da região labral e da transição labrum-bíceps, axônios entre
10 e 20 µm de espessura, e diferentes formatos espaciais, com predominância de formas
de fuso, cônico e oval ([Fig. 5 A, B] e [C]).
Fig. 5 Terminações nervosas com formas diferentes, variando de 150 a 350 μm de comprimento
por 80 a 100 μm de largura (técnica de recuperação antigênica, escala 50 μm).
Discussão
O conhecimento da neuroanatomia das estruturas estabilizadoras passivas do ombro ajuda
a compreender os mecanismos proprioceptivos de proteção e estabilização articular.
O tendão da cabeça longa do bíceps tem sido estudado como uma causa de dor na articulação
glenoumeral, seja em tendinopatias.[15] Alpantaki et al.[16] foram os primeiros a estudar esses elementos neurais no tendão longo do bíceps,
que descreveram como contendo uma grande rede de fibras e sensores nervosos simpáticos,
não associados aos vasos sanguíneos, e com distribuição neural predominantemente próxima
à sua inserção. Nossos achados foram parcialmente compatíveis com os relatados por
Alpantaki et al. [16] Encontramos algumas fibras nervosas finas, seguindo seus próprios caminhos, isoladas
dos vasos e dispersas ao longo da estrutura de fibra de colágeno. Observou-se também,
proximalmente, fibras maiores na transição labrum-bíceps em torno de estruturas vasculares,
como relatado por Boesmueller et al.,[17] que também demonstraram uma densidade de nervos no segmento proximal do tendão do
bíceps longo, semelhante à porção anterior do labrum superior. De acordo com esses
autores, observou-se a presença de estruturas neurais ocorrendo predominantemente
na porção mais proximal do tendão do bíceps. Nas amostras submetidas à técnica de
recuperação antigênica, observamos terminações nervosas complexas próximas à porção
labral e à transição labrum-bicipital, que são predominantemente distribuídas nas
camadas mais próximas da articulação glenoide, tornando-se possivelmente a primeira
região a ser estimulada pelo contato com a cabeça umeral durante o movimento do ombro.
Existem informações sobre a localização de estruturas neurais no labrum superior e
âncora bicipital. Entre as descrições, Hashimoto et al.[18] apresentaram a presença isolada de terminações nervosas livres no labrum e transição
capsular; segundo Vangsness et al.,[8] temos apenas terminações nervosas livres; Witherspoon et al.[9] descrevem apenas fascículos nervosos na periferia do labrum anteroinferior e posteroinferior.
Em relação ao aspecto fisiopatológico da SLAP no ombro, parece evidente que o tendão
bicipital atua como um potencial gerador de dor, tendo maior densidade de estruturas
neurais (neurofilamentos) nas partes proximais, como observado em outros estudos.[17]
[19]
[20] Identificamos terminações nervosas nas três regiões (tendão do bíceps, transição
labrum e bíceps, labrum superior) do complexo formado pelo labrum superior e pela
inserção bicipital, com aspectos bem diferenciados. No segmento proximal do tendão
do bíceps, encontramos terminações nervosas livres finas, sem associação com estruturas
vasculares, e não foram identificadas terminações nervosas complexas. Na zona de transição
entre o labrum e os bíceps, encontramos feixes nervosos espessos, acompanhando os
vasos sanguíneos arteriais presentes nesta área. Na região labral e na transição labrum-bicipital,
encontramos terminações nervosas complexas estruturas ovais, cônicas e fusiformes.[21] Há necessidade de novos estudos para confirmar nossos achados, bem como para identificar
com precisão os mecanorreceptores, incluindo o teste de outros anticorpos e marcadores
celulares, aumentando assim o número de indivíduos na amostra, buscando compreender
todos os fatores relacionados à interação da biomecânica e ao sistema proprioceptivo
do ombro. O presente estudo preliminar mostra a morfologia das terminações nervosas,
assim como identifica com precisão os mecanorreceptores por imunofluorescência. No
entanto, o número de espécimes e incluindo outros anticorpos e marcadores celulares,
seria interessante comparar as condições anatômicas e patológicas.
Conclusão
Foram identificadas terminações nervosas nas três regiões (tendão do bíceps, transição
labrum e bíceps, labrum superior) do complexo formado pelo labrum superior e pela
inserção bicipital, com aspectos bem diferenciados. No segmento proximal do tendão
do bíceps, encontramos terminações nervosas livres finas, sem associação com estruturas
vasculares, e não foram identificadas terminações nervosas complexas. Na zona de transição
entre o labrum e o bíceps, encontramos feixes nervosos espessos, acompanhando os vasos
sanguíneos arteriais presentes nesta área. Na região labral e na transição labrum-bicipital,
encontramos terminações nervosas complexas, sendo possível identificá-las em relação
ao formato espacial, que consistiu em estruturas ovais, cônicas e fusiformes.