Open Access
CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2020; 55(05): 523-531
DOI: 10.1055/s-0040-1702954
Artigo de Atualização
Quadril

Impacto femoroacetabular e lesão do lábio acetabular – Parte 2: Diagnóstico clínico, exame físico e imagiologia

Article in several languages: português | English
1   Grupo de Quadril, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil
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2   Grupo de Quadril, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil
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1   Grupo de Quadril, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil
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2   Grupo de Quadril, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil
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1   Grupo de Quadril, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil
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1   Grupo de Quadril, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil
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Resumo

O diagnóstico clínico do impacto femoroacetabular continua a evoluir conforme o entendimento dos quadris normal e patológico progride. Impacto femoroacetabular é atualmente definido como uma síndrome na qual o diagnóstico se baseia no somatório de uma história clínica abrangente obtida previamente, seguida de um exame físico coerente e padronizado com manobras ortopédicas específicas. Além disso, exames radiográficos e tomográficos são usados para a avaliação morfológica do quadril, e para verificar a existência de sequelas de doenças do quadril da infância e a presença de osteoartrose. O entendimento da morfologia e versão femoral e acetabular associado às imagens de lesões labrais e osteocondrais obtidas com a ressonância magnética contribuem para a confirmação da síndrome nos pacientes sintomáticos, além de auxiliar na exclusão de diagnósticos diferenciais, como ressalto do tendão do músculo iliopsoas, impacto subespinhal, impacto isquiofemoral, e outras patologias da articulação do quadril.


Introdução

Características Clínicas

O diagnóstico clínico do impacto femoroacetabular (IFA) continua a evoluir conforme o entendimento do quadril normal e patológico progride. Pacientes assintomáticos frequentemente apresentam achados radiográficos anormais no quadril, e sua significância é determinada pela história clínica e pelo exame físico. O exame clínico organizado e competente levará ao diagnóstico acurado do IFA, considerando os aspectos biomecânicos da doença e os diagnósticos diferenciais. O exame estruturado e completo é fundamental na investigação do quadril sintomático.[1]

História

A história clínica não é importante somente para definir o diagnóstico sindrômico do IFA, como também para escolher a opção mais apropriada para cada paciente entre as alternativas de tratamento.[2] Uma história abrangente deve ser obtida previamente ao exame físico do quadril.

Dor é o principal motivo para a consulta em pacientes com IFA. Reiman et al. (2014; 2015)[3] [4] observaram que dor na região anterior da virilha que piora com ortostatismo prolongado, ou ao se sentar ou caminhar, pode ser indicativa de alteração articular (IFA ou lesão labial), com sensibilidade variando de 96% a 100%. Os autores observaram também que dor aguda associada a estalidos e falseios está relacionada a lesões osteocondrais, IFA e lesão labral, com especificidade de 85% e sensibilidade de 100%

Dor relacionada a posições específicas, especialmente à rotação medial ou às atividades esportivas que demandem de rotação associada ao pivotamento ou flexão, também é indicativa de afecção intra-articular.[5]

Outras queixas frequentes incluem: mobilidade reduzida no quadril, sintomas mecânicos, falseios e travamentos, os três últimos relacionados às lesões na transição condrolabial.

A queixa principal é documentada incluindo a data de início e a presença ou não de trauma. A dor deve ser caracterizada de acordo com a localização, a intensidade, e os fatores que a aumentam ou aliviam.

O sinal em “C”, característico de pacientes com problemas intra-articulares, está frequentemente presente: o paciente coloca a mão em formato de “C” acima do trocânter maior, com o polegar posicionado posteriormente ao trocânter e os dedos na região inguinal.[6]

Dor na região lateral do quadril e da nádega também podem acompanhar os sintomas prévios, inclusive exacerbando os sintomas mecânicos.[7]

Dor referida no joelho é queixa frequente em doenças do quadril. Dor lombar, sacroilíaca e púbica podem ocorrer como consequência de sobrecarga mecânica.

A utilização de escores para estratificação da dor e da função do quadril é importante, não somente no âmbito da pesquisa, como também no manejo de cada paciente. Estes escores fornecem uma medida da dor e das limitações provocadas pela doença do quadril, guiando a conduta terapêutica e servindo de base para avaliar a evolução.[8] [9] [10] Além disso, fornecem ao cirurgião uma fonte para a autoavaliação, visando a melhorar as indicações e os resultados cirúrgicos.

Diagnósticos diferenciais incluem ressalto do tendão do músculo iliopsoas, do trato iliotibial, impacto subespinhal e impacto isquiofemoral.


Exame Físico

A padronização aumenta a confiabilidade do exame físico.[11] A ordem mais eficiente de exame físico do quadril inicia com o paciente em pé, sentado e, depois, em decúbito dorsal, decúbito lateral e decúbito ventral.[1]

A avaliação em pé pode demonstrar alterações pélvicas e lombares associadas. O aumento da inclinação pélvica no plano sagital e a lordose lombar podem ser concomitantes à retroversão acetabular ([Fig. 1]).

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Fig. 1 (A) versão pélvica em pé. (B) Versão pélvica sentado. A variação da versão pélvica foi de 29° (de -7° a 22°).

Ross et al. (2014),[12] por meio de exames tomográficos, observaram que inclinação anterior da pelve resultou em diminuição de 5,9° de rotação interna para 8,5° (com quadril fletido a 90° e 15° de adução), e em 5,8° de retroversão acetabular; já a inclinação pélvica posterior acarretou aumento da rotação interna de 5,1° (com quadril fletido a 90° e 15° de adução) para 7,4°.

Testes de frouxidão ligamentar são importantes para identificar pacientes com instabilidade associada.[13] A marcha é examinada com atenção: pacientes com dor na região anterior do quadril tendem a manter uma inclinação posterior da pelve durante a marcha, deixando o quadril mais em extensão, o que acarreta em aumento de forças na região anterior do quadril.[14] [15]

Observou-se também em estudos de imagem que baixa incidência pélvica (definida como o ângulo entre uma linha perpendicular ao ponto central do platô sacral e uma linha a partir deste ponto até o centro axial das cabeças femorais[16]) ([Fig. 1]), ou seja, maior inclinação anterior da pelve pode estar associada ao IFA de tipo misto,[17] à rotação pélvica, à fase de apoio, ao movimento dos membros superiores, e ao ângulo de progressão do pé (APP), o qual é normalmente cerca de 7° em direção lateral.[18] Retroversão femoral proximal e limitação da rotação medial são vistos frequentemente em pacientes com IFA, podendo levar a um APP em rotação lateral excessiva. Em oposição, pacientes com anteversão femoral excessiva geralmente têm um APP em rotação medial. Entretanto, a análise do APP deve se basear na inspeção de todo o membro, com atenção para a posição da patela, visto que este ângulo é influenciado pelo perfil rotacional do quadril, do fêmur, ds tíbia e do tálus,[19] associado aos efeitos musculares e capsulares. É frequente encontrar pacientes com anteversão femoral aumentada com APP normal em consequência de torsão tibial lateral compensatória.[20] Completa-se o exame em pé com o teste de apoio em uma perna (teste de Trendelemburg) para se avaliar a função abdutora.

O exame na posição sentada inicia com a avaliação da função neurológica e vascular dos membros inferiores. As rotações medial e lateral são medidas em ambos os quadris. Pacientes com IFA caracteristicamente apresentam restrição da rotação medial, com rotação lateral normal.[21] A associação de rotação medial diminuída com rotação lateral aumentada indica retroversão femoral proximal ou anteversão fisiológica diminuída. Em contraste, rotação medial aumentada com rotação lateral diminuída indica anteversão femoral aumentada. É importante ressaltar que as rotações do quadril não são influenciadas exclusivamente pela versão femoral. Fatores como hiperfrouxidão ligamentar e displasia do quadril, por exemplo, podem influenciar as rotações do quadril. A aferição das rotações do quadril também pode ser realizada em decúbito dorsal e ventral. Entretanto, a função ligamentar, a posição pélvica e a metodologia de medida podem causar diferenças de até 10 graus nos valores de rotação do quadril medidos em diferentes posições (sentado, decúbito dorsal e ventral).[22] [23] [24]

O exame em decúbito dorsal inicia-se com a palpação da região púbica e pesquisa de hérnias ocultas,[25] as quais têm sido associadas ao IFA devido à sobrecarga na musculatura abdominal consequente à falta de mobilidade do quadril.[26] A avaliação prossegue com o teste de contratura em flexão do quadril (teste de Thomas) e a avaliação da adução e abdução. O decúbito dorsal inclui a maior parte dos testes para avaliação da congruência femoroacetabular que podem ser positivos em situações de IFA, de instabilidade, ou de doença intra-articular.[1] Ganz et al. (2003)[27] descreveram teste de impacto realizando flexão, adução e rotação medial. McCarthy et al. (2003)[28] relataram a avaliação dinâmica do IFA e a relação com o lábio acetabular.

Foi demonstrado durante as manobras de flexão, adução e rotação interna (Fadir) e flexão, abdução e rotação externa (Fabere), realizadas em pacientes com IFA e grupo controle, que pacientes com IFA apresentam menor rotação interna e adução durante a FADIR e menor abdução e rotação externa com a Fabere; além disso, observou-se também maior movimentação da pelve ao exame.[29]

Martin et al.[1] têm sugerido uma avaliação mais dinâmica, pelo teste dinâmico de impacto com rotação interna (Diri) e o teste dinâmico de impacto com rotação externa (Dire). Para realizar o Diri, o paciente, em decúbito dorsal, é orientado a segurar o quadril contralateral em flexão maior do que 90°, assim estabelecendo um ponto zero pélvico e eliminando a lordose lombar ([Fig. 2A]). O quadril examinado é então fletido a 90 graus ou mais, e levado passivamente ao longo de um arco amplo de adução e rotação interna (medial) ([Fig. 2B]). O grau de flexão necessária para ocorrer o impacto depende da versão femoral e do tipo e localização do impacto anterior. Um teste positivo é notado com a reprodução da dor. O Diri pode também ser positivo em casos de instabilidade posterior. O teste Dire é realizado com o paciente posicionado da mesma forma do que no Diri, mas o quadril é levado dinamicamente em um arco amplo de abdução e rotação externa ([Fig. 2C]). O Dire testa o impacto superolateral e posterior, mas pode ser positivo em casos de instabilidade anteroinferior com ruptura do ligamento redondo e/ou lassidão ligamentar.[30] O teste é positivo quando a dor é reproduzida ou ocorre um sentimento de instabilidade. Outro teste realizado na posição supina para avaliar a congruência femoroacetabular é o teste do impacto posterior. Com o paciente na borda ou extremidade da maca, o quadril é passivamente estendido, abduzido e rodado externamente. Este teste avalia a congruência entre a parede acetabular posterior e o colo femoral, sendo positivo em casos de impacto posterior ou instabilidade anterior. Testes complementares importantes no exame supino durante a investigação do quadril sintomático incluem: teste supino da rotação passiva (log roll); teste da discagem (dial test)[31]; teste da flexão ativa do quadril contra resistência com o joelho estendido (Stinchfield); e teste de Fabere (ou teste de Patrick).

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Fig. 2 (A) posicionamento com flexão do quadril para se conseguir a retificação da lordose lombar. (B) manobra de Diri, na qual se realiza a flexão do quadril examinado, neste caso, o quadril esquerdo, seguido de rotação interna e adução. (C) Manobra de Dire: neste caso, com a coluna lombar já retificada, realiza-se a abdução do quadril esquerdo e a rotação interna concomitante, a fim de se avaliar lesões ou impacto nas regiões superior e posterior.

A posição em decúbito lateral também pode ser utilizada para avaliar a congruência femoroacetabular utilizando manobras que associam flexão, adução e rotação interna, ou que associam extensão, abdução e rotação externa. A avaliação das estruturas peritrocantéricas é realizada em decúbito lateral sobre o lado oposto, incluindo palpação, testes de força da musculatura abdutora, e testes de contratura.[1] Estes testes são importantes desde que anormalidades nas estruturas peritrocantéricas podem coexistir com o IFA e ter influência na recuperação em casos de tratamento cirúrgico.

O exame é concluído com o paciente em decúbito ventral, com o teste de anteversão femoral (teste de Craig) e o teste de contratura do músculo reto da coxa (teste de Ely).[1]

Cheatham et al.[32] publicaram as principais características e atualizações quanto ao IFA e à lesão labral e em relação à sensibilidade e à especificidade das principais manobras de exame físico para diagnóstico do IFA.

A articulação do quadril é suprida posteriormente por ramos articulares do nervo para o músculo quadrado da coxa, ramos do nervo glúteo superior e/ou ramo direto do nervo ciático.[33] Deste modo, patologias intra-articulares podem causar dor posterior. Da mesma forma, patologias no espaço glúteo profundo ou na coluna lombar podem causar sintomas difíceis de diferenciar das patologias intra-articulares. Portanto, em casos de dor posterior, o exame clínico deve contemplar o espaço glúteo profundo, e uma injeção anestésica intra-articular como teste deve ser considerada na abordagem diagnóstica.[34]



Estudos de Imagem

A análise adequada dos exames de imagem é fundamental no processo diagnóstico, e deve considerar os achados da história e do exame físico. A definição do diagnóstico e tratamento por meio de exames de má qualidade aumentará as chances de insucesso. Deste modo, deve-se avaliar a qualidade do exame antes de interpretá-lo, ponderando especialmente o posicionamento do paciente ao realizar o exame. Padronização na análise dos exames de imagem aumenta a precisão e a velocidade com que se realiza essa análise.[35] Outro componente importante ao avaliar as imagens é considerar-se o todo, ou seja, os achados devem ser entendidos em associação. Por exemplo, uma deformidade tipo came pequena associada a retroversão femoral pode ser mais grave do que uma deformidade tipo came maior com anteversão femoral normal. É importante lembrar o conceito de síndrome do impacto femoroacetabular (Warwick), no qual a interpretação radiológica é parte de um contexto de análise de sinais, sintomas e imagens. O diagnóstico de impacto femoroacetabular não deve ser realizado somente por exames de imagem.[36]

Radiografia

A radiografia é fundamental para a definição do diagnóstico e tratamento dos pacientes com IFA. É um método simples, barato, rápido e amplamente disponível. As radiografias permitem uma avaliação morfológica do quadril, existência de sequelas de doenças do quadril da infância, e a presença de osteoartrose. Diferentes séries radiográficas são indicadas na literatura para avaliação inicial do quadril doloroso em adultos jovens.[35] [37] [38] Nepple et al.[39] avaliaram a acurácia de diferentes incidências radiográficas na detecção de deformidades tipo came, comparando-as com a tomografia computadorizada (TC). Estes autores demonstraram que a incidência de Dunn com 45° de flexão foi a mais sensível (71% a 80%) e a de Lauenstein (frog leg lateral) foi a mais específica (91% a 100%). A exclusão da incidência lateral cross-table não alterou a sensibilidade. Adicionalmente, foi observada correlação significativa entre a área avaliada nas diferentes incidências radiográficas e a TC: radiografia anteroposterior (AP)/12:00 (superior), Dunn/1:00 (anterolateral), Lauenstein/3:00(anterior), e cross-table/3:00 (anterior).[39]

Sugere-se a realização de 5 incidências radiográficas para avaliação inicial do IFA: 1) AP de pelve; 2) Dunn com 45° de flexão do quadril e 20° de abdução em rotação neutra; 3) Lauenstein com o quadril entre 30° e 40° de flexão e 45° de abdução (planta do pé em contato com o joelho contralateral); 4) perfil de Ducroquet com flexão de 90° e abdução de 45°; e 5) falso perfil de Lequesne[35] ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Incidências radiográficas do quadril na pesquisa de IFA. (A) incidência anteroposterior. (B) incidência de Ducroquet. (C) Incidência de Dunn para visualização do came. Observe a retificação e a proeminência da região transição colo-cabeça. (D) imagem radiográfica da posição de Lequesne.

Erros na execução da radiografia AP de pelve são frequentes e podem comprometer o diagnóstico. A radiografia AP da pelve é realizada com o paciente em decúbito dorsal, com os membros inferiores em 15° de rotação medial.[37] A distância entre o filme e a ampola de raios X deve ser de 120, cm e a marca de cruzamento deste deve ser centrada em um ponto a meio caminho entre o bordo superior da sínfise púbica e uma linha conectando ambas as espinhas ilíacas anterossuperiores.[37] A morfologia acetabular nas radiografias APs de pelve é influenciada pela rotação e inclinação pélvicas, que podem variar consideravelmente com a posição do paciente durante a aquisição do exame.[40]

As hemipelves devem estar simétricas na radiografia, com o cóccix alinhado com a sínfise púbica e as asas do ilíaco, os forames obturados, e as imagens em lágrima simétricas. Siebenrock et al.[41] sugeriram que a distância ideal à radiografia entre a sínfise púbica e o meio da junção sacrococcígea é 2,5 cm a 4 cm em mulheres, e de 4 cm a 5,5 cm em homens. Porém, a identificação da articulação sacrococcígea pode ser difícil. Por esse motivo, Clohisy et al.[37] sugeriram que a distância entre o bordo superior da sínfise púbica e a extremidade do cóccix deve ser de 1 cm a 3 cm. Variações no grau de rotação do quadril também podem prejudicar a avaliação da morfologia do fêmur proximal,[42] enfatizando a importância de radiografias padronizadas.

Um estudo recente avaliou que não houve diferença entre uma radiografia AP de bacia e uma radioscopia posteroanterior (PA) centrada no quadril em relação aos ângulos centro-borda (CB), e vertical-central-anterior (VCA), ângulo de Sharp e índice acetabular, mas, na radioscopia, a cobertura anterior é menor, o sinal do cruzamento, 30% menor, e a retroversão, subestimada.[43]

A interpretação das radiografias deve ser realizada de maneira organizada. Todos os aspectos da morfologia óssea acetabular e femoral devem ser analisados em conjunto, identificando alterações estruturais relacionadas ao IFA e à instabilidade. A procura direta por sinais de impacto sem uma análise sequencial levará a erros diagnósticos e de tratamento. A [Tabela 1] descreve os parâmetros a serem avaliados nas diferentes incidências radiográficas.

Tabela 1

Radiografia anteroposterior da pelve

 1. Qualidade do exame: inclinação e rotação pélvicas adequadas

 2. Ângulo centro-borda lateral

 3. Ângulo de Inclinação do teto acetabular

 4. Extrusão da cabeça femoral

 5. Lateralização da cabeça femoral

 6. Ângulo colo-diáfise femoral

 7. Espaços articulares medial e lateral no teto acetabular

 8. Orientação das paredes acetabulares

 9. Orientação das espinhas isquiáticas

 10. Esfericidade da cabeça femoral

 11. Achados positivos: cistos, osteófitos, implantes, fratura de estresse, reação periostal, alterações no osso medular, proximidade dos trocanteres ao ísquio/acetábulo, espinha ilíaca anterosuperior proeminente

Dunn 45° e frog leg lateral

 1. Formato do acetábulo

 2. Esfericidade da cabeça femoral

 3. Ângulo alfa

 4. Achados positivos

Falso perfil de Lequesne

 1. Formato do acetábulo

 2. Esfericidade da cabeça femoral

 3. Variação da espessura da cartilagem articular de posterior para anterior

 4. Ângulo centro-borda anterior

 5. Achados positivos, especialmente artrose anterosuperior ou posteroinferior

Os achados radiográficos acetabulares mais frequentes relacionados ao IFA incluem: sobrecobertura acetabular, retroversão acetabular, e espinha ilíaca anteroinferior proeminente. Em 1962, Ruelle e Dubois[44] denominaram de coxa profunda o achado radiográfico de medialização do fundo acetabular em relação à linha ilioisquiática. Até recentemente, este sinal foi interpretado como indicativo de sobrecobertura acetabular.[27] Entretanto, os trabalhos de Anderson et al.[45] e de Nepple et al.[46] concluíram que o achado radiográfico de coxa profunda (migração do fundo acetabular além da linha ilioisquiática) não foi associado à sobrecobertura da cabeça femoral, ou seja, não foi associado a ângulos CB maiores ou índices acetabulares menores. Adicionalmente, quadris displásicos com anteversão excessiva podem ser interpretados falsamente como acetábulos com sobrecobertura ao se considerar a definição clássica de coxa profunda de Ruellee Dubois.[44] [47] Deste modo, a avaliação da cobertura acetabular da cabeça femoral deve ser baseada no ângulo CB descrito por Wiberg,[48] em que ângulos acima de 39° indicam cobertura acetabular excessiva. Tönnis e Heinecke[49] definiram valores entre 39° e 44° em quadris com protusão acetabular, e valores acima de 44° em quadris com protusão acetabular.

Em radiografias de pelve padronizadas de quadris normais, a parede acetabular anterior deve cobrir menos a cabeça femoral do que a parede posterior, e os bordos da parede anterior e posterior normalmente se encontram superior e lateralmente, indicando anteversão acetabular. Quando os contornos das paredes anterior e posterior encontram-se mais distalmente, a radiografia apresentará o sinal do cruzamento. Esta retroversão cranial predispõe ao impacto tipo pinçamento.[50] A extensão da projeção da espinha isquiática medialmente à linha ilioisquiática é correlacionada à altura do sinal do cruzamento na radiografia.[51] O sinal da parede posterior ocorre quando esta se localiza medialmente ao centro da cabeça femoral e indica retroversão mais acentuada, denominada retroversão verdadeira. A inclinação e rotação pélvicas são determinantes na versão acetabular observada na radiografia e, portanto, radiografia de pelve adequada com posicionamento correto do paciente é fundamental para que se evite um diagnóstico falso.[40] Apesar de o sinal do cruzamento estar amplamente associado à retroversão acetabular na literatura, Zaltz et al.[52] relataram valor preditivo positivo (VPP) baixo deste sinal para retroversão acetabular ao comparar radiografias pélvicas adequadas com TC. De 38 pacientes com sinal do cruzamento à radiografia, somente 19 tinham (VPP 50%) retroversão acetabular focal ou global na tomografia. A espinha ilíaca anteroinferior (EIAI) foi responsável pela aparência do sinal do cruzamento à radiografia em todos os 19 pacientes com acetábulos antevertidos. No mesmo estudo, os autores classificaram o formato da EIAI em três tipos baseados na TC tridimensional.[39] Adicionalmente, outros estudos têm relatado que o formato da EIAI é um fator contribuinte para o impacto entre o fêmur e a pelve.[53] [54]

O fêmur proximal pode apresentar os seguintes achados radiográficos relacionados ao IFA: deformidade em cabo de pistola, aumento no ângulo alfa, redução no desnível cabeça/colo femorais, e imagem cística na zona de impacto na transição cabeça/colo femorais (herniation pit). A deformidade em cabo de pistola é reconhecida na radiografia AP da pelve, e acredita-se ser secundária ao escorregamento femoral proximal subclínico.[55] Entretanto, argumenta-se que a principal deformidade no escorregamento epifisário subclínico é no plano sagital, e que normalmente não seria evidente nas incidências APs.[56] [57] Além disso, o termo cabo de pistola representa uma definição qualitativa de deformidade tipo came, não permitindo comparação entre as deformidades, nem sendo um critério diagnóstico objetivo.[57] Deste modo, Nötzli et al.[57] relataram a medida do ângulo alfa em imagens axiais oblíquas de ressonância magnética, permitindo avaliação quantitativa, baseada na transição anterior entre colo e cabeça femorais, da localização mais frequente das deformidades tipo came. A utilização do ângulo alfa para avaliar a morfologia da transição cabeça/colo femorais foi então extrapolada para TC e diferentes incidências radiográficas. O estudo de Nötzli et al.[57] encontrou ângulo alfa médio de 42° (variação de 33° a 48°) em indivíduos assintomáticos, comparado à média de 74° (variação de 55° a 95°) em pacientes com IFA tipo came. Deste modo, ângulo alfa menor do que 55° vem sendo considerado normal. Estudo mais recente descreveu baixa especificidade de 56% para deformidade tipo came sintomática utilizando ângulo alfa de 55° como limite de normalidade.[58] Os autores sugeriram a elevação do limiar do ângulo alfa de 55° para 60°, aumentando a especificidade para 74%.[58] Embora o ângulo alfa tenha sido validado somente na incidência radiográfica de cross-table,[57] é frequentemente mensurada em outras incidências. Redução no desnível anterior cabeça /colo femorais também pode ser utilizada na detecção das deformidades tipo came. Uma relação entre o desnível e o diâmetro da cabeça femoral menor do que 0,17 é indicativa de came.[59] Formação cística na área de impacto da transição cabeça/colo femorais também pode ser observada em alguns pacientes. É importante ressaltar que a morfologia do IFA não deve ser baseada somente na análise da transição cabeça/colo femorais. A morfologia do acetábulo, outros aspectos da morfologia femoral, e as versões femorais e acetabulares influenciam na ocorrência ou não de sintomas no IFA. Além disso, a coexistência de instabilidade e outras anormalidades não é incomum. Este fato reforça a importância de um exame físico apropriado no diagnóstico do IFA.


Ressonância Nuclear Magnética e Tomografia Computadorizada

O diagnóstico e tratamento de pacientes com impacto femoroacetabular geralmente demandam exames de imagem adicionais À radiografia. A TC e especialmente a ressonância nuclear magnética (RNM) auxiliam na exclusão de diagnósticos diferenciais que podem causar sintomas similares aos do IFA, incluindo osteonecrose da cabeça femoral, osteoporose transitória, doenças sinoviais e inflamatórias, fraturas por estresse, e doenças infecciosas e tumorais. A TC e a RNM também proporcionam o melhor entendimento da morfologia femoral e acetabular, ressaltando-se o estudo da versão do fêmur proximal e do acetábulo proporcionada por estes exames.

Adicionalmente, o dano condrolabial causado pelo IFA pode ser mais bem estimado por meio da TC e principalmente da RNM com contraste intra-articular. A injeção de contraste intra-articular (gadolínio) e sequências específicas aumentam a precisão da RNM para lesões condrolabiais, e auxiliam na exclusão de doenças sinoviais. As sequências geralmente são realizadas em três planos: coronal, sagital e axial oblíquo (no plano do colo femoral). A caracterização labial é importante na RNM, pois as lesões podem incluir alterações no tamanho (hipo/hiperplásico), na substância, e avulsões periféricas. A TC e a RNM também são importantes para a definição da melhor conduta cirúrgica.

Em metanálise realizada em 2011, Smith, et al.[60] observaram a acurácia da RNM comparada com a artrorressônancia na avaliação de lesão labral, demonstrando vantagem para o último método; porém, esse estudo incluía diversas causas além do IFA na gênese do problema.

Mais recentemente, em 2017, outra revisão sistemática[61] da literatura e metanálise comparando, a artrorressonância e a RNM com contraste por injeção intravascular (RNMC) na avaliação de lesões labral e condral em casos exclusivos de IFA evidenciou maior acurácia com artrorressonância em relação às demais na detecção das lesões.

Em relação aos protocolos específicos à RNMC com realce tardio por gadolínio (delayed gadolinium-enhanced magnetic resonance imaging of cartilage, dGEMRIC, em inglês) na avaliação da viabilidade da cartilagem e dos protocolos com exames 3-Tesla, ainda são necessários mais estudos.[5]

Neste contexto, o recurso de reconstrução tridimensional disponível nos exames de TC pode facilitar o entendimento da morfologia do IFA e determinação da estratégia cirúrgica.




Considerações Finais

Um histórico detalhado associado a um exame físico minucioso e avaliação padronizada dos exames de imagem são essenciais para o diagnóstico adequado do IFA. É primordial que o ortopedista que trata pacientes jovens com dor no quadril compreenda bem o fluxograma de investigação do IFA. Assim, ele poderá determinar o tratamento adequado para cada paciente.



Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.


Endereço para correspondência

Giancarlo Cavalli Polesello, MD, PhD
Grupo de Quadril, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP)
Rua Dr. Cesário Motta Junior, 112, Vila Buarque, São Paulo, SP, 01221-020
Brasil   

Publication History

Received: 16 October 2019

Accepted: 05 December 2019

Article published online:
17 July 2020

© 2020. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial-License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).

Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revinter Publicações Ltda
Rio de Janeiro, Brazil


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Fig. 1 (A) versão pélvica em pé. (B) Versão pélvica sentado. A variação da versão pélvica foi de 29° (de -7° a 22°).
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Fig. 2 (A) posicionamento com flexão do quadril para se conseguir a retificação da lordose lombar. (B) manobra de Diri, na qual se realiza a flexão do quadril examinado, neste caso, o quadril esquerdo, seguido de rotação interna e adução. (C) Manobra de Dire: neste caso, com a coluna lombar já retificada, realiza-se a abdução do quadril esquerdo e a rotação interna concomitante, a fim de se avaliar lesões ou impacto nas regiões superior e posterior.
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Fig. 3 Incidências radiográficas do quadril na pesquisa de IFA. (A) incidência anteroposterior. (B) incidência de Ducroquet. (C) Incidência de Dunn para visualização do came. Observe a retificação e a proeminência da região transição colo-cabeça. (D) imagem radiográfica da posição de Lequesne.
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Fig. 1 (A) Pelvic version with the patient standing up and (B) sitting down. Pelvic version ranged 29° (from -7° to 22°). 1. T12/S1 lordosis: 21°, 2. SVA: 81 mm, 3. Sacral slope: 35°, 4. Pelvic view: 28°, 5. Pelvic version: -7°, 6. Cam gravitational line: 50 mm, 7. Sacral slope: 7°, 8. Pelvic view: 28°, 9. Pelvic version: 22°
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Fig. 2 (A) Positioning with hip flexion to achieve straightening of the lumbar lordosis. (B) DIRI maneuver, in which the examined hip is flexed (in this case the left hip), followed by internal rotation and adduction. (C) DIRE maneuver: in this case, with the lumbar spine already straightened, left hip abduction and concomitant internal rotation are performed to evaluate injuries or impingement at the upper and posterior regions.
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Fig. 3 Radiographic hip views in FAI research. (A) Anteroposterior view. (B) Ducroquet view. (C) Dunn view for the visualization of cam-type deformity. Note the rectification and prominence of the neck-head transition region. (D) X-ray image in Lequesne position.