Palavras-chave
hérnia de disco - discectomia percutânea - endoscopia - procedimentos cirúrgicos minimamente
invasivos
Introdução
Cerca de 60% a 80% dos adultos podem experimentar dor lombar em algum momento da vida.[1] Com a idade de 30 anos, quase metade dos adultos experimentam um episódio substantivo
de dor lombar.[2] Hérnia de disco lombar é uma causa comum de dor lombar e ciatalgia, com uma incidência
anual de 5 casos por mil pessoas.[3] Atualmente, a hérnia discal lombar é a condição que mais leva à cirurgia de coluna,
principalmente em homens por volta dos 40 anos de idade.[4]
Em 1934, Mixter e Barr[5] foram os primeiros a descrever a técnica de discectomia convencional aberta, que
poderia aliviar a dor e melhorar a função do nervo. Em 1989, Hijikata[6] realizou uma nucleotomia por meio de uma cânula inserida no centro do disco intervertebral
por um acesso posterolateral. Ele relatou um achado satisfatório pós-operatório em
64% dos pacientes. Kambin e Schaffer,[7] em 1989, utilizaram um artroscópio para visualização e excisão do disco. Foley e
Smith,[8] em 1997, e Jhala e Mistry,[9] em 2010, introduziram a técnica de discectomia endoscópica, e relataram achados
clínicos satisfatórios em 100 pacientes. Yeung[10] desenvolveu um canal de trabalho endoscópico rígido para discectomia endoscópica
lombar percutânea.
A discectomia endoscópica lombar é uma técnica minimamente invasiva para hérnias de
disco que tem diversas vantagens, como menor dano tecidual, com preservação da musculatura
paravertebral, menor tempo de hospitalização, menor morbidade, e retorno precoce às
atividades.[11]
O presente estudo avaliou os resultados clínicos e funcionais da discectomia endoscópica
transforaminal em pacientes portadores de hérnia de disco lombar.
Materiais e Métodos
Entre agosto de 2015 e janeiro de 2017, 101 pacientes foram submetidos a discectomia
endoscópica transforaminal lombar devido a hérnia de disco lombar refratária a tratamento
clínico. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de
Medicina do ABC (CAAE 85551418.0.000.0082). Todos os pacientes assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido.
Foram incluídos pacientes com hérnia de disco determinada por meio das imagens de
ressonância magnética associadas a teste positivo de tensão da raiz nervosa no exame
físico, e dor ciática persistente por mais de seis semanas de tratamento conservador
adequado (fisioterapia, analgesia, repouso).
Estenose lombar grave, instabilidade (escorregamento maior do que 3 mm em relação
à vértebra adjacente durante radiografias de flexão e extensão), tumor, trauma, e
infecção foram os critérios de exclusão.
Os pacientes foram avaliados quanto aos dados clínicos para dor por meio da Escala
Visual Analógica (EVA) e quanto aos achados funcionais pelo Oswestry Disability Index
(ODI). Esses dados foram obtidos no período pré-operatório, no pós-operatório imediato,
com um mês, três meses, seis meses, e um anos após a cirurgia. Durante o seguimento
pós-operatório, os pacientes que evoluíram com persistência ou novos sintomas de dor
radicular foram submetidos a nova ressonância magnética.
Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050) para a aplicação dos testes estatísticos,
ou seja, quando o valor da significância calculada (p) foi menor do que 5%, observou-se uma diferença ou relação estatisticamente significativa;
em contrapartida, quando o valor p foi maior do que 5%, identificou-se uma diferença ou relação dita estatisticamente
não significativa. Foi utilizada a planilha eletrônica Excel do pacote Office 2013
(Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA) para a organização dos dados, e o programa Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS, IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 24.0, para
a obtenção dos resultados. O Teste de Mann-Whitney foi aplicado com o intuito de verificar
possíveis diferenças entre as primeiras linhas (casos operados) e as últimas 30 linhas
para as variáveis de interesse. O teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon foi usado
para identificar quais momentos de observação diferiam dos demais.
Em relação à técnica cirúrgica, o paciente é posicionado em decúbito ventral numa
mesa radiotransparente, com o quadril e joelhos fletidos, sob sedação consciente.
Após assepsia adequada, a marcação da pele é realizada com auxílio da visualização
da fluoroscopia. Em seguida, aplica-se uma anestesia local com xilocaína sem vasoconstritor
a 1% no local estabelecido da punção. É introduzida uma agulha de 18 gauge até a porção lateral da faceta e, depois, na face posterior do ânulo fibroso, locais
onde é aplicado mais anestésico. Neste momento, observa-se por meio do intensificador
de imagem a ponta da agulha localizada na linha pedicular medial na projeção anteroposterior
e na borda posterior vertebral, na projeção em perfil ([Figura 1]).
Fig. 1 Inserção da agulha na projeção anteroposterior e em perfil.
Realiza-se uma discografia com uma solução de contraste não iodado e azul de metileno.
Em seguida, fio guia, dilatador e cânula de trabalho são introduzidos, para, então,
um endoscópio com 30 graus de angulação e irrigação de fluxo contínuo ser instalado.
Em caso de sangramento, hemostasia é feita com um coagulador bipolar. O fragmento
de disco herniado é identificado com coloração azul, e delicadamente retirado com
pinças específicas ([Figuras 2] e [3]). Geralmente, é possível observar a liberação da raiz nervosa com oscilação da pressão
da irrigação. Os pacientes são liberados para deambular assim que há total recuperação
da sedação.
Fig. 2 Imagem da pinça de disco no espaço discal.
Fig. 3 Remoção do fragmento discal extruso.
Resultados
De 107 pacientes operados, um total de 101 (94,4%) pacientes foram incluídos no estudo,
sendo 6 pacientes excluídos por perda de seguimento pós-operatório. A média de idade
dos participantes foi de 48.1 anos (variando de 20 a 78 anos). A amostra foi composta
de 55 homens e 46 mulheres. A [Tabela 1] mostra os dados demográficos dos pacientes. Os níveis discais mais acometidos foram
L4-L5, seguidos de L5-S1. Um total de 29 pacientes foram abordados em 2 níveis discais.
Tabela 1
Variáveis
|
Valores
|
Número de pacientes
|
101
|
Idade (média)
|
48,1
|
Masculino/Feminino
|
55/46
|
Média do índice de massa corporal (kg/m2)
|
28,2
|
Nível discal cirúrgico
|
|
L3-L4
|
2
|
L4-L5
|
19
|
L5-S1
|
11
|
A duração do procedimento cirúrgico variou 36 a 126 minutos (média de 54 minutos).
Ao todo, 82 pacientes tiveram alta hospitalar no mesmo dia; entretanto, 19 pacientes
foram operados no período da noite, e, portanto, receberam alta hospitalar na manhã
seguinte. Nenhum paciente teve mais de um dia de internação hospitalar, e 91% dos
procedimentos foram realizados sob anestesia local e sedação. Um total de 5% dos pacientes
relataram medo de procedimentos com manutenção da consciência, optando por anestesia
geral. Nestes pacientes, a cirurgia não foi realizada sob monitoração neurofisiológica;
entretanto, optamos por incluí-los no estudo, haja vista que os casos envolviam hérnias
discais em níveis com espaços foraminais amplos (L3-L4 e L4-L5), com menor risco de
lesão da raiz nervosa emergente.
Os achados clínicos e funcionais do pré-operatório e do seguimento pós-operatório
podem ser observados na [Tabela 2]. Após 1 mês de seguimento pós-operatório, a média das pontuações nos questionários
(EVA e ODI) diminuiu significativamente (p < 0.001). Essa diminuição permaneceu na avaliação 12 meses após a cirurgia em relação
à pontuação inicial (p < 0.001), mas sem diferença estatística na comparação com as pontuações com um mês
de seguimento.
Tabela 2
Período
|
Avaliação
|
|
EVA
|
p***
|
ODI
|
p***
|
Pré-operatório
|
16,37
|
|
15,51
|
|
1 semana
|
6,15
|
< 0,001
|
7,62
|
< 0,001
|
1 mês
|
5,42
|
< 0,001
|
5,77
|
< 0,001
|
3 meses
|
4,00
|
< 0,001
|
3,82
|
< 0,001
|
6 meses
|
3,81
|
< 0,001
|
3,74
|
< 0,001
|
12 meses
|
3,76
|
< 0,001
|
3,46
|
< 0,001
|
A [Tabela 3] retrata a comparação dos achados clínicos e funcionais doze meses após o procedimento
dos trinta pacientes inicialmente operados em relação aos últimos trinta pacientes.
Tabela 3
Variável
|
Categoria
|
n
|
Média
|
p***
|
Escala Visual Analógica
|
Primeiros 30 pacientes
|
30
|
6,00
|
0,444
|
|
Últimos 30 pacientes
|
30
|
2,90
|
|
|
Total
|
60
|
|
|
Oswestry Disability Index
|
Primeiros 30 pacientes
|
30
|
5,4
|
0,830
|
|
Últimos 30 pacientes
|
30
|
2,83
|
|
|
Total
|
60
|
|
|
A análise dos achados clínicos e funcionais 12 meses após os procedimentos que envolviam
os níveis discais L3-L4 e L4-L5 em relação aos procedimentos envolvendo o nível discal
L5-S1 foi descrita na [Tabela 4].
Tabela 4
Variável
|
Categoria
|
n
|
Média
|
p***
|
Escala Visual Analógica
|
Sem L5-S1
|
40
|
3,93
|
0,997
|
|
Com L5-S1
|
61
|
3,66
|
|
|
Total
|
101
|
3,76
|
|
Oswestry Disability Index
|
Sem L5-S1
|
40
|
3,63
|
0,950
|
|
Com L5-S1
|
61
|
3,34
|
|
|
Total
|
101
|
3,46
|
|
Discussão
Durante muitos anos, a cirurgia aberta convencional foi considerada o “padrão-ouro”
para o tratamento da hérnia de disco intervertebral. Com o advento da microdiscectomia,
houve uma redução significativa da morbidade da cirurgia aberta, do tempo de internação
hospitalar e da perda sanguínea.[12] Mesmo assim, a microdiscectomia apresenta algumas desvantagens em comum com a cirurgia
aberta, como retração da musculatura paravertebral, dor pós-operatória, ressecção
óssea, além dos risco de complicações em longo prazo (recorrência, fibrose epidural,
instabilidade vertebral), as quais são desafios para um cirurgião experiente.[13] Os resultados da microdiscectomia lombar nos prolapsos discais recorrentes não são
bons quando comparados com os dos casos primários.[14]
Diante dessas limitações, a discectomia endoscópica percutânea por via transforaminal
é uma alternativa usada para tratar herniações de disco lombares. Os avanços nos instrumentos
permitiram uma visualização endoscópica direta para uma remoção segura do material
discal.[15]
Em 2002, Yeung e Tsou[16] descreveram resultados da excisão discal em 307 pacientes, e observaram 89.7% de
resultados satisfatórios após 1 ano de seguimento. As complicações foram infecção
profunda em dois pacientes, tromboflebite em dois pacientes, disestesia em seis pacientes,
e lesão dural em um paciente.
Em 2008, Ruetten et al[17] realizaram um estudo prospectivo randomizado controlado comparando microdiscectomia
e endoscopia em 178 pacientes. Observaram resultados similares, que foram satisfatórios
em 96% dos casos. Entretanto, o procedimento endoscópico apresentou vantagens significativas
com relação à microdiscectomia em termos de tempo cirúrgico, custo, reabilitação,
dor lombar, cicatriz, revisão precoce e complicações.
Chae et al[18] relataram 94,77% de resultados satisfatórios com discectomia endoscópica percutânea
em 153 pacientes com hérnia discal lombar extrusa. Obtiveram 96% de resultados bons
e excelentes, e uma taxa de complicações extremamente baixa, sem nenhum caso de infecção
de ferida operatória.
Em 2010, Jhala e Mistry[9] relataram resultados de discectomia endoscópica em 100 pacientes, com 91% de resultados
bons e excelentes. Os autores observaram sete lesões durais, uma lesão nervosa e quatro
pacientes com recorrência, quatro discites, e cinco remoções da faceta. Quatro pacientes
tiveram que reoperar.
Em 2012, Kaushal e Sen[19] relataram resultados satisfatórios em 90% dos pacientes após discectomia endoscópica
em 300 casos. Entre as complicações, observaram cinco lesões da dura-máter, cinco
discites, e duas lesões de raízes nervosas. Em 2014, Kulkarni et al[15] observaram resultados da discectomia endoscópica em 188 pacientes, e verificaram
5% de lesão dural, 2.1% de hérnia de disco residual, 1.5% de recorrência, 0.5% de
nível errado, e 0.5% de infecção.
Uma metanálise[20] comparou discectomia endoscópica e microdiscectomia aberta, e nela observou-se uma
maior taxa de satisfação entre os pacientes submetidos ao procedimento endoscópico.
Além disso, a abordagem percutânea estava associada a menor perda sanguínea e curto
período de hospitalização, mas não houve diferença estatística em relação ao tempo
cirúrgico, recorrência ou taxas de complicações.[20]
Em uma revisão retrospectiva de 10,228 casos em um único centro, Choi et al[21] estudaram a causa da falha da discectomia endoscópica transforaminal no tratamento
da hérnia de disco lombar. Observaram uma taxa de insucesso de 4.3%, sendo a remoção
incompleta do material discal o principal motivo (2.8%), seguida de recorrência da
hérnia discal em 0.8%, e persistência da dor após completa remoção do fragmento (0.4%).[21]
A maior desvantagem da discectomia endoscópica é a longa curva de aprendizado. Em
2013, Wang et al[22] recomendaram a prática de infiltração epidural transforaminal antes de realizar
o procedimento endoscópico.[22] Em 2016, Wu et al[23] compararam os primeiros 60 casos de discectomia endoscópica transforaminal no nível
L4-L5 (grupo I) com os primeiros 60 casos no nível L5-S1 (grupo II). Perceberam que
a curva de aprendizado no nível L5-S1 foi mais difícil, haja vista as particularidades
anatômicas, como a altura da crista ilíaca, articulação facetaria larga, processo
transverso de L5 largo, espaço discal estreito, e menor dimensão do espaço foraminal.
Além disso, observaram uma diferença estatística quando comparado o tempo cirúrgico
dos primeiros 20 casos com os últimos 20 casos em ambos os grupos. Hsu et al[24] demonstraram que a curva de aprendizado na abordagem transforaminal era mais fácil
do que o acesso interlaminar. Apesar de os cirurgiões de coluna estarem mais familiarizados
com a anatomia posterior, o procedimento transforaminal requer em média menos tempo
cirúrgico do que o procedimento interlaminar.
No presente estudo, não foram observadas lesão dural incidental, lesão neurológica
permanente, ou infecção discal ou do sítio cirúrgico. A baixa taxa de infecção pode
ser explicada por danos mínimos ao tecido normal, menos sangramento, tempo operatório
curto, irrigação salina contínua, e técnica cirúrgica. Houve três casos de recidiva
da hérnia discal no mesmo nível após um período de melhora expressiva dos sintomas.
Desses casos, apenas um paciente necessitou de uma nova discectomia endoscópica. Conversão
para microdiscectomia aberta não foi necessária em nenhum caso, nem na recorrência
da hérnia de disco. Dor ciática tolerável foi observada em cinco pacientes, com boa
melhora após uma média de quatro semanas de tratamento conservador. Tais complicações
apresentaram taxas semelhantes às apresentadas na literatura. Observamos que as complicações
ocorreram nos primeiros trinta casos iniciais, mas sem diferença estatística quando
comparados com os últimos trinta casos. E tampouco identificamos diferença estatística
nos achados em relação ao nível discal operado.
Os resultados clínicos e funcionais foram considerados os mais importantes no seguimento
após a discectomia, e, portanto, não foi estudada a diminuição da hérnia de disco
no pós-operatório por meio de exames de imagem, pois a ressonância magnética foi realizada
apenas para os casos de persistência ou de novos sintomas de ciatalgia. Estudos randomizados
controlados com maior número de pacientes e maiores intervalos de acompanhamento são
necessários para avaliar objetivamente o impacto da discectomia endoscópica.
Conclusão
A discectomia endoscópica transforaminal lombar mostrou ser uma alternativa segura,
eficaz e minimamente invasiva para o tratamento de hérnia de disco lombar. Embora
necessite de uma longa curva de aprendizado, a técnica apresenta vantagens, como mínimo
dano das partes moles, curto tempo cirúrgico e de internação hospitalar, baixa taxa
de complicações, e retorno precoce ao trabalho.