Palavras-chave hallux rigidus - artroplastia - artrodese - estudo comparativo - artroplastia de substituição
Introdução
Hallux rigidus é uma doença degenerativa da primeira articulação metatarsofalângica (1MTP); sua
prevalência é de 2,5% em pessoas com > 50 anos de idade e afeta principalmente mulheres
(2:1).[1 ]
[2 ] A causa é considerada idiopática, embora quase dois terços dos pacientes tenham
histórico familiar positivo e 79% apresentem acometimento bilateral. O hallux rigidus também é frequentemente associado a outras doenças, como hálux valgo interfalângico
e metatarso aduto.[1 ]
[3 ] Clinicamente, é caracterizado por dor, rigidez e limitação funcional, principalmente
com dorsiflexão da 1MTP. Os achados físicos são a presença de uma proeminência dorsal
acima da 1MTP correlacionada ao esporão ósseo dorsal à cabeça do metatarso, acompanhado
por inflamação, aumento de volume, sensibilidade à palpação e diminuição da amplitude
de movimento (ROM) da 1MTP.[4 ]
A classificação mais comum do hallux rigidus foi descrita pela primeira vez por Coughlin et al e é baseada em achados clínicos
e radiográficos.[5 ] O tratamento não cirúrgico de casos brandos (estágios I e II) leva à melhora clínica
e é composto por medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais orais ou tópicos,
injeção intra-articular de corticosteroides ou hialuronato de sódio, órteses de suporte,
fisioterapia e modificações no estilo de vida. O tratamento cirúrgico é indicado quando
o tratamento conservador é ineficaz e em estágios posteriores da doença. Consiste
em debridamento articular e sinovectomia, queilectomia e osteotomia de descompressão
nos estágios iniciais e hemiartroplastia, artroplastia total, artroplastia do tipo
resurfacing e artrodese nos estágios avançados.[3 ]
[6 ]
A artrodese da articulação 1MTP foi descrita pela primeira vez por Broca em 1852 e
ainda é considerado o tratamento padrão-ouro do hallux rigidus em estágio III e IV. Essa técnica diminui a dor e resultados de estudos em longo
prazo mostraram trazer resultados favoráveis ao paciente.[5 ]
[7 ]
[8 ] A artroplastia de 1MTP foi desenvolvida pela primeira vez na década de 1950 como
uma alternativa à artrodese para preservação do movimento articular e da biomecânica
normal do pé. Vários implantes diferentes foram desenvolvidos, mas os primeiros resultados
foram decepcionantes.[9 ]
[10 ] No entanto, novas melhorias no entendimento da biomecânica normal do pé, dos materiais
e projetos de implante geraram melhores resultados e hoje formam uma alternativa razoável
à fusão de 1MTP.[11 ]
[12 ]
[13 ]
O objetivo do presente estudo foi comparar os resultados clínicos da artrodese e artroplastia
de 1MTP no tratamento do hallux rigidus e justificar a seleção de pacientes para artroplastia.
Material e Métodos
Delineamento Experimental e Participantes
Entre 2007 e 2015, 38 pés de 36 pacientes com hallux rigidus em estágio III e IV foram submetidos a tratamento cirúrgico. Um total de 12 pacientes
foi submetido a artrodese e 24 pacientes (26 pés) foram submetidos a artroplastia
total de 1MTP. Os critérios de exclusão foram infecção/inflamação ativa, perda óssea
grave ou destruição articular rápida, necrose avascular, instabilidade da articulação
1MTP, neuroartropatia de Charcot e intolerância/alergias a metais. Pacientes com desvio
do eixo metatarsofalângico (hálux varo ou valgo), anomalias do arco do pé (pé plano
ou cavo) ou retração do sistema calcâneo-plantar não foram selecionados para artroplastia
e foram submetidos à artrodese. Apenas pacientes com período mínimo de acompanhamento
de 2 anos foram incluídos no estudo.
O trabalho aqui apresentado foi aprovado pelo comitê de ética local e realizado de
acordo com os padrões éticos estabelecidos pela Declaração de Helsinque de 1964 e
suas alterações posteriores.
Procedimentos Cirúrgicos e Cuidado Pós-operatório
Todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião na mesma instituição. A cirurgia
foi realizada sob anestesia geral ou peridural, com o paciente em decúbito dorsal
na mesa cirúrgica. Um apoio foi colocado sob o quadril ipsilateral para girar internamente
o membro inferior em um ângulo neutro; além disso, um torniquete foi colocado na coxa
para exsanguinação. Todos os pacientes foram submetidos à antibioticoterapia profilática
pré-operatória, que foi mantida nas primeiras 24 horas após a cirurgia.
A artrodese de 1MTP foi realizada com placa dorsal e parafusos (em sete pacientes)
ou apenas com parafusos cruzados (em cinco pacientes), como já descrito.[14 ]
[15 ]
[16 ]
A mesma prótese (Metis, Newdeal SA; Integra Lifesciences ILS, Plainsboro Township,
NJ, EUA) foi utilizada na artroplastia de 1MTP. Trata-se de uma prótese modular de
titânio, não restritiva, com três componentes, não cimentada e revestida por hidroxapatita.
Uma incisão medial do meio da falange ao meio do metatarso foi realizada para expor
a primeira articulação metatarsofalângica. No preparo das superfícies articulares,
osteófitos e cartilagens foram removidos e uma bunionectomia (quando necessária) foi
realizada. Após a determinação do tamanho do componente metatársico, o metatarso foi
seccionado com a guia de corte e o implante foi testado. É importante destacar que
a secção do metatarso foi realizada em todos os pacientes com index plus (primeiro metatarso mais longo do que o segundo metatarso) para que os dois ossos
apresentassem o mesmo comprimento (index plus minus ). A falange foi, então, preparada com mandril e o implante de tamanho apropriado
foi escolhido e testado. A amplitude de movimento e a frouxidão dos implantes testados
foram verificadas para escolha da espessura do revestimento. A fluoroscopia foi utilizada
para avaliar o alinhamento correto dos diferentes componentes. Os implantes finais
de falange, metatarso e revestimento foram inseridos sob pressão ([Fig. 1 ]). Um relatório preliminar desses resultados já foi publicado.[17 ]
Fig. 1 Fotografia intraoperatória da artroplastia de 1MTP mostrando o encaixe correto dos
implantes.
Após a cirurgia, todos os pacientes foram submetidos à tromboprofilaxia. O material
de sutura foi removido 15 dias após a cirurgia. No grupo submetido à artrodese, a
sustentação parcial de peso começou em 2 semanas, e a sustentação total de peso foi
iniciada em 6 semanas. No grupo submetido a artroplastia, a sustentação parcial de
peso com sandália de Barouk começou em 2 semanas, e a sustentação total de peso em
6 semanas.
Variáveis de Desfecho
O tempo de acompanhamento, o tempo até a revisão, a idade do paciente à cirurgia e
as complicações foram registradas. Os pacientes foram atendidos em 2 e 6 semanas,
3 e 6 meses e 1 vez ao ano. Os pacientes submetidos à artrodese receberam alta após
o término do tratamento sem complicações, enquanto os pacientes submetidos a artroplastia
foram atendidos uma vez ao ano para verificação de sinais clínicos ou radiográficos
de complicações.
A avaliação funcional foi realizada com a pontuação American Orthopedic Foot and Ankle
Society Hallux Metatarsophalangeal-Interphalangeal (AOFAS-HMI) no pré-operatório e
na última consulta de acompanhamento. A escala AOFAS-HMI mede dor, função e alinhamento
em uma escala de 1 a 100 pontos. A avaliação da dor foi realizada com a escala visual
analógica (VAS) antes da cirurgia e na última consulta de acompanhamento. A pontuação
VAS mede a dor em uma escala de 1 a 10, em que 0 indica a ausência de dor e 10 se
refere à pior dor que se possa imaginar.
Radiografias simples em incidência anteroposterior (AP) e em perfil foram obtidas
para avaliação do alinhamento do implante e evidências de linhas radiotransparentes
na última consulta de acompanhamento. A presença de uma linha radiotransparente com > 1 mm
em qualquer uma das interfaces da prótese foi considerada indicativa do afrouxamento
do implante.
Análise Estatística
O programa IBM SPSS Statistics for Windows, versão 23 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA)
foi utilizado para análise estatística. A estatística descritiva foi calculada. As
médias de dados de distribuição normal foram determinadas. Os testes de qui-quadrado,
t e U de Mann-Whitney, dependendo da variável analisada, foram utilizados para comparação
dos dois grupos. As curvas de sobrevida dos dois grupos de pacientes foram calculadas
segundo o método de Kaplan-Meier com intervalo de confiança (IC) de 95% e tiveram
a cirurgia de revisão como desfecho. O critério para determinação do significado estatístico
foi estabelecido em p < 0,05 para todas as comparações.
Resultados
Houve predomínio de mulheres nos dois grupos (83,3% no grupo submetido à artrodese
e 61,15% no grupo submetido à artroplastia, p < 0,05). A idade média dos pacientes foi de 57,6 anos (de 50 a 70 anos) no grupo
submetido à artrodese e de 64,3 anos (de 56 a 83 anos) no grupo da artroplastia (p = 0,005). O tempo médio de acompanhamento foi de 40,1 meses (de 31 a 70 meses) e
de 80,7 meses (de 26 a 110 meses), respectivamente ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Artrodese (n = 12)
Artroplastia (n = 26)
valor-p
Sexo
10 mulheres (83,3%)
2 homens (16,7%)
16 mulheres (61,15%)
10 homens (38,46%)
0,179
Idade (anos)
57,6 (50–70)
63,5 (59–83)
0,005
Acompanhamento (meses)
40,1 (31–70)
80,7 (26–110)
< 0,001
Os pacientes dos dois grupos apresentaram melhora nas pontuações clínicas. A pontuação
AOFAS-HMI melhorou de uma média de 40,2 para 65,7 pontos no grupo submetido à artrodese
(p < 0,001) e de uma média de 43,2 para 89,7 pontos (p < 0,001) no grupo da artroplastia. As pontuações AOFAS-HMI na última consulta de
acompanhamento foram, porém, maiores no grupo submetido à artroplastia do que no grupo
da artrodese (p < 0,001). As pontuações da VAS também melhoraram significativamente nos grupos de
artrodese (de 7,8 a 3,9 pontos, p <0,001) e artroplastia (de 8,0 a 1,6 pontos, p < 0,001). Os valores de VAS na última consulta de acompanhamento foram significativamente
menores nos pacientes submetidos à artroplastia em comparação àqueles submetidos à
artrodese (1,6 versus 3,9 pontos; p = 0,002) ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
PONTUAÇÕES
Artrodese (n = 12)
Artroplastia (n = 26)
valor-p *
Pré-operatório
Pós-operatório
valor-p
Pré-operatório
Pós-operatório
valor-p
AOFAS-HMI
40,2 (37–50)
65,7 (55–77)
< 0,001
43,2 (34,1–53,1)
89,7 (67–100)
< 0,001
< 0,001
VAS
7,8 (5–10)
3,9 (0–6)
< 0,001
8,0 (5–10)
1,6 (0–3)
< 0,001
0,002
Houve 3 complicações no grupo da artrodese: 1 (5,5%) caso de metatarsalgia de transferência
e 2 (16,6%) casos de não consolidação, que foram submetidos a uma revisão de fusão
com autoenxerto. Um caso de não consolidação ocorreu em uma fusão com parafusos cruzados,
enquanto o outro foi observado em uma fusão com placa dorsal. No grupo submetido à
artroplastia, houve um caso de infecção da ferida no período pós-operatório imediato,
que foi tratado com antibióticos e cuidados específicos. Nenhuma outra complicação,
como lesão neurovascular ou afrouxamento da prótese, foi registrada.
Tendo a cirurgia de revisão como desfecho, a taxa de sobrevida da prótese foi de 100%,
e a sobrevida da artrodese foi de 83% ([Fig. 2 ]).
Fig. 2 Curvas de sobrevida da artroplastia e da artrodese.
As[Figs. 3 ] e [4 ] ilustram os casos pré e pós-operatórios de artrodese e artroplastia. O [Vídeo 1 ] mostra um paciente submetido à artroplastia bilateral.
Fig. 3 Imagens radiográficas pré- e pós-operatórias de um homem de 62 anos de idade com
hallux rigidus submetido à artrodese com parafusos cruzados. (A ) Radiografia pré-operatória em incidência anteroposterior com o paciente em pé; (B ) Radiografia pré-operatória em incidência em perfil com o paciente em pé; (C ) Radiografia pós-operatória em incidência anteroposterior com o paciente em pé, 2
anos após a cirurgia; (D ) Radiografia pós-operatória em incidência em perfil com o paciente em pé, 2 anos
após a cirurgia.
Fig. 4 Imagens radiográficas pré- e pós-operatórias de uma mulher de 58 anos de idade com
hallux rigidus submetida à artroplastia de 1MTP. (A ) Radiografia pré-operatória em incidência anteroposterior com a paciente em pé; (B ) Radiografia pré-operatória em incidência em perfil com a paciente em pé; (C ) Radiografia pós-operatória em incidência anteroposterior com a paciente em pé, 3
anos após a cirurgia; (D ) Radiografia pós-operatória em incidência em perfil com a paciente em pé, 3 anos
após a cirurgia.
Vídeo 1
Vídeo de um homem de 54 anos submetido à artroplastia bilateral da primeira articulação
metatarsofalângica.
Discussão
O hallux rigidus afeta cerca de 10% da população e é mais prevalente em mulheres entre 60 e 70 anos
de idade.[6 ]
[18 ] A artrodese de 1MTP impede a movimentação da articulação, diminuindo a dor e estabilizando
a coluna medial do pé, e ainda é o tratamento padrão-ouro para pacientes com artrite
avançada.[19 ]
[20 ]
[21 ] Esse procedimento, porém, não é isento de complicações. Aproximadamente 10% dos
pacientes com fusão apresentam ausência de consolidação e requerem a realização de
novas cirurgias;[22 ]
[23 ] além disso, alguns pacientes se queixam continuamente da rigidez do pé e da alteração
dos padrões de marcha, com redução do comprimento do passo e perda da flexão plantar
do tornozelo na ponta do pé fundido.[18 ] Isso é muito importante em pacientes com hallux rigidus bilateral, em que uma fusão bilateral altera a biomecânica normal da passada e da
marcha.
A artroplastia de 1MTP pode manter a marcha e a biomecânica mais próximas da fisiologia.
Embora os resultados com os primeiros implantes de MTP tenham sido decepcionantes,
a melhor compreensão da biomecânica do pé permitiu o desenvolvimento de novos implantes
com melhores resultados clínicos e taxas de sobrevida. Em uma meta-análise com 3.049
artroplastias de 1MTP e período médio de acompanhamento de 61 meses, a taxa de satisfação
após esses procedimentos foi de 94,5%.[12 ]
No presente estudo, os dois grupos apresentaram uma melhora significativa da dor e
das pontuações funcionais e clínicas, inclusive nos pacientes submetidos a artroplastia.
Esses achados estão de acordo com parte da literatura mais recente sobre a artroplastia
de 1MTP.[6 ]
[18 ]
[19 ]
[24 ] Enquanto alguns estudos compararam os resultados da artrodese e da artroplastia
de 1MTP, a maioria analisou próteses de gerações anteriores, associadas a piores resultados.[12 ]
[24 ]
[25 ]
[26 ]
[27 ]
[28 ] Neste estudo, no entanto, os pacientes do grupo da artroplastia apresentaram melhores
resultados clínicos e funcionais do que aqueles submetidos à fusão.
A taxa de complicações também foi menor no grupo de artroplastia em comparação com
o grupo de artrodese (5,5% versus 22,1%). A ausência de consolidação foi observada em 16,6% dos pacientes submetidos
à fusão, com necessidade de nova cirurgia de revisão. Essa taxa de ausência de consolidação
é equivalente àquelas já relatadas em técnicas semelhantes de fusão com placas ou
parafusos.[12 ]
[19 ]
[22 ] Embora outros autores tenham relatado taxas relevantes de não consolidação após
a fusão,[29 ] nenhum caso foi observado no presente estudo. A infecção também é uma grande preocupação
nos pacientes submetidos à artroplastia. Neste estudo, a única complicação no grupo
da artroplastia foi uma infecção, o que está de acordo com relatos anteriores.[24 ]
Os resultados clínicos superiores aqui encontrados talvez reflitam a seleção cuidadosa
de pacientes para a artroplastia. O autor acredita que os pacientes selecionados para
a artroplastia não devem apresentar elevação (elevatus ) do primeiro metatarso, retração do sistema calcâneo-plantar e qualquer desalinhamento
do primeiro raio do pé. Atenção especial também deve ser dada ao comprimento do primeiro
raio; em pacientes com index plus e para evitar sobrecarregar a artroplastia, o comprimento do primeiro metatarso deve
ser reduzido e se igualar ao segundo metatarso para preservação da biomecânica normal
do pé. Somente esses casos, em que havia possibilidade de adaptação estrutural e anatômica
da prótese, foram submetidos às artroplastias; os demais casos foram submetidos à
fusão.
Os principais pontos fortes do presente artigo são o fato de ser um estudo comparativo
em que todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião que, além de utilizar
uma técnica padronizada, não participou da coleta de dados e, portanto, não influenciou
a análise dos dados. Além disso, o período de acompanhamento dos pacientes submetidos
à artroplastia foi relativamente longo (média de 6,75 anos, máximo de 9,17 anos),
sem identificação de nenhuma outra complicação apesar da avaliação clínica e radiográfica.
O presente estudo também apresenta algumas limitações, pois é de natureza retrospectiva
e a amostra é relativamente pequena. Além disso, os pacientes não foram designados
aleatoriamente para cada grupo e foram selecionados para serem submetidos à artrodese
ou artroplastia dependendo do alinhamento do primeiro raio e das características pessoais.
Como já mencionado, o autor acredita que essa seleção de pacientes é essencial para
o sucesso dessa técnica.
Conclusões
Em conclusão, os dois métodos cirúrgicos utilizados tiveram resultados satisfatórios.
A artroplastia de 1MTP demonstrou resultados clínicos e funcionais superiores, sendo
uma boa alternativa para os candidatos adequados. No entanto, uma amostra maior e
um acompanhamento mais longo são necessários à obtenção de resultados conclusivos.