Palavras-chave artroplastia do joelho - feminino - avaliação de resultados
Introdução
Diversos fatores podem influenciar no resultado das artroplastias totais de joelho (ATJs), como a amplitude de movimento (ADM) pré-operatória, a técnica cirúrgica adotada, o desenho dos implantes, e a reabilitação pós-operatória.
Historicamente, a ATJ tem obtido sucesso comprovado em diversos estudos de curto e longo prazo na recuperação funcional e no alívio da dor dos pacientes. Atualmente, cerca de 60% dos pacientes submetidos à ATJ são mulheres,[1 ]
[2 ]
[3 ] e muitas discussões têm sido realizadas nas últimas décadas a respeito da influência do gênero nos resultados de curto ou longo prazo.[4 ]
[5 ]
[6 ]
[7 ]
Muitos estudos anatômicos e antropométricos têm demonstrado diferenças morfológicas no fêmur distal das mulheres quando comparado ao dos homens, sendo que o fêmur feminino tem um formato mais trapezoidal, com “offset ” ântero-posterior menor e a dimensão dos côndilos mais estreita no eixo médio-lateral.[8 ]
[9 ]
[10 ]
Nos últimos anos, foi introduzido o modelo gênero-específico no mercado de próteses com o intuito de respeitar essas diferenças anatômicas entre os joelhos do homem e da mulher. A diferença desses implantes em relação aos convencionais consiste em um componente femoral com dimensão médio-lateral menor para evitar a proeminência e o contato da prótese com partes moles, o que poderia gerar dor. A espessura do flange femoral anterior também é reduzida para acomodar melhor nos côndilos femininos, objetivando evitar o “overstuffing ” do compartimento anterior, e o ângulo da garganta troclear é aumentado em 3 graus, respeitando o ângulo Q aumentado das mulheres.[11 ]
No entanto, as potenciais vantagens das próteses gênero-específicas ainda não foram demonstradas na maioria dos estudos, portanto não há consenso na literatura sobre a necessidade de desenhos de implantes gênero-específicos.[12 ]
[13 ]
[14 ]
Dessa forma, o presente trabalho visa realizar uma avaliação comparativa, pós-operatória de médio prazo (5 anos), da satisfação e reabilitação funcional de pacientes do sexo feminino submetidas à ATJ com implantes convencionais e com implantes gênero-específicos.
Métodos
O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC (sob o CAAE 51201915.1.0000.5484). O estudo foi realizado de maneira retrospectiva, de abril de 2017 a dezembro de 2017, com 30 pacientes do sexo feminino submetidas à ATJ por gonartrose primária em hospital universitário público.
As pacientes foram divididas em dois grupos com o mesmo número de indivíduos, sendo que no grupo A foi utilizado o implante gênero-específico Zimmer Gender Solutions Natural-Knee System (Zimmer Biomet, Warsaw, IN, EUA), com modelo desenvolvido para o sexo feminino, e as pacientes do grupo B foram submetidas à ATJ com implante convencional Exactech Optetrak Logic Primary System (Exactech, Gainesville, FL,EUA).
Todas as cirurgias foram realizadas no período entre janeiro e dezembro de 2012. Os pacientes foram avaliados com 5 anos de pós-operatório.
As cirurgias foram realizadas por cirurgiões diferentes, sendo que em todos os casos, foi adotada a mesma técnica cirúrgica. Todas as próteses foram realizadas com sacrifício do ligamento cruzado posterior (LCP), balanceamento dos espaços flexo-extensão, preservação da patela e da base tibial fixa. Todas as próteses foram fixadas através de cimentação, com utilização de torniquete removido apenas após o fechamento da pele e realização de curativo compressivo. Um dreno aspirativo foi utilizado em todos os joelhos e removido no segundo dia de pós-operatório. Todas as pacientes receberam acompanhamento fisioterápico em que no primeiro dia eram estimuladas a movimentar o joelho e tornozelos, e no segundo dia iniciavam treino de marcha com carga total auxiliada por andador.As pacientes receberam alta no terceiro dia nos casos em que não houve nenhum impedimento de ordem médica.
Todas as 30 pacientes foram avaliadas usando como instrumentos para avaliação dos resultados funcionais os scores: Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score (KOOS), The Knee Society Clinical Rating System (KSS) e Western Ontario and McMaster Universities arthritis index (WOMAC). As pacientes também foram avaliadas quanto ao arco de movimento, além de serem pesadas e medidas na ocasião da avaliação.
Resultados
A [Tabela 1 ] contém os dados coletados dos pacientes submetidos à artroplastia com prótese do tipo Exactech. Foram anotados e tabulados os seguintes dados: idade, índice de massa corporal (IMC), KSS, WOMAC, KOOS.
Tabela 1
EXACTECH
Pcts
IDADE
IMC
KSS
WOMAC
KOOS
1
73
29,9
74
93,9
91,1
2
71
33,5
70
93,2
88,7
3
39
24,4
75
93,9
91,1
4
68
31,1
74
93,2
88,7
5
74
38
52
92,4
87,5
6
69
37,89
77
81,8
78,5
7
79
25,3
77
86,4
83,9
8
75
32,6
72
87,9
85,7
9
73
33,7
77
84,1
81,5
10
80
36,97
62
81,9
78,6
11
80
34,6
64
83,3
80,4
12
73
28,7
74
88,6
85,1
13
80
25
75
80,3
76,2
14
86
33,3
75
90,9
85,7
15
78
35
79
88,6
85,1
MÉDIA
73,2
31,99733333
71,8
88,02666667
84,52
A [Tabela 2 ] contém os dados coletados dos pacientes submetidos à artroplastia com prótese do tipo gênero-específico (Gender [Zimmer Biomet]). Foram anotados e tabulados dados: Idade, IMC, KSS, WOMAC, KOOS.
Tabela 2
GENDER
Pcts
IDADE
IMC
KSS
WOMAC
KOOS
1
83
32,6
70
83,3
81,5
2
79
30,4
74
93,2
78,6
3
78
30
75
87,9
85,7
4
73
34,13
77
81,8
80,4
5
64
34,8
74
92,4
88,7
6
69
29
74
84,1
81,5
7
74
39,1
72
92,4
85,1
8
81
33,6
79
93,2
91,1
9
68
34
75
93,9
91,1
10
75
33,2
72
93,2
87,5
11
77
28,6
72
88,6
85,7
12
71
31,2
64
83,3
81,5
13
74
29,5
60
86,4
83,6
14
76
33,3
72
93,2
88,7
15
ÓBITO (dia 04/04/2014) por AVC
MÉDIA
74,42857143
32,38785714
72,1428571
89,06428571
85,05
A [Tabela 3 ] contém descrição estatística e comparação entre ambos os grupos estudados para as variáveis de interesse consideradas.
Tabela 3
Variável
Grupo
n
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Percentil 25
Percentil 50 (mediana)
Percentil 75
Valor de p
IDADE
Exactech
15
73,20
10,63
39,00
86,00
71,00
74,00
80,00
0,948
Gender
14
74,43
5,21
64,00
83,00
70,50
74,50
78,25
Total
29
73,79
8,34
39,00
86,00
71,00
74,00
79,00
IMC
Exactech
15
32,00
4,52
24,40
38,00
28,70
33,30
35,00
0,930
Gender
14
32,39
2,84
28,60
39,10
29,88
32,90
34,03
Total
29
32,19
3,74
24,40
39,10
29,70
33,20
34,37
KSS
Exactech
15
71,80
7,22
52,00
79,00
70,00
74,00
77,00
0,522
Gender
14
72,14
4,93
60,00
79,00
71,50
73,00
75,00
Total
29
71,97
6,12
52,00
79,00
71,00
74,00
75,00
WOMAC
Exactech
15
88,03
4,83
80,30
93,90
83,30
88,60
93,20
0,629
Gender
14
89,06
4,53
81,80
93,90
83,90
90,50
93,20
Total
29
88,53
4,63
80,30
93,90
83,70
88,60
93,20
KOOS
Exactech
15
84,52
4,64
76,20
91,10
80,40
85,10
88,70
0,759
Gender
14
85,05
4,02
78,60
91,10
81,50
85,40
88,70
Total
29
84,78
4,28
76,20
91,10
81,50
85,10
88,70
ADM (graus)
Exactech
15
103,33
9,00
90,00
120,00
100,00
100,00
110,00
0,982
Gender
14
103,57
8,42
90,00
120,00
100,00
100,00
110,00
Total
29
103,45
8,57
90,00
120,00
100,00
100,00
110,00
Estes grupos apresentam diferenças ditas estatisticamente não-significantes para todas as variáveis de interesse, ou seja, ambos os grupos são estatisticamente semelhantes ([Figuras 1 ], [2 ], [3 ], [4 ]).
Fig. 1 Representação gráfica segundo a variável idade .
Fig. 2 Representação gráfica segundo a variável índice de massa corporal.
Fig. 3 Representação gráfica segundo a variável amplitude de movimento (graus).
Fig. 4 Representação gráfica segundo as variáveis KSS, WOMAC, KOOS. Abreviaturas: KOOS, Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score ; KSS, The Knee Society Clinical Rating System ; WOMAC, Western Ontario and McMaster Universities arthritis index .
Discussão
Existem diferenças anatômicas bem documentadas entre homens e mulheres em relação ao alinhamento dos membros inferiores e a anatomia do fêmur distal. As mulheres têm um valgo e uma dimensão ântero-posterior do fêmur distal discretamente aumentados, enquanto o diâmetro médio-lateral é mais estreito.[4 ]
[8 ] Esses achados têm levado alguns autores a concluírem que existe a necessidade de desenvolver implantes que se adaptem melhor a essas variações anatômicas.[9 ] A premissa fundamental dessa abordagem assume que os resultados das artroplastias totais de joelho realizadas em mulheres são inferiores, e algumas das causas desses resultados piores estão relacionadas a essas diferenças anatômicas e à necessidade de implantes gênero-específicos.[15 ]
Modelos de implantes com desenho gênero-específico foram desenvolvidos baseados nas diferenças anatômicas existentes na extremidade distal do fêmur, quando se comparam homens e mulheres.[5 ]
[16 ]
[17 ]
[18 ]
[19 ]
[20 ]
[21 ] Alguns estudos têm sido realizados tentando estabelecer a superioridade dos implantes gênero-específicos em relação aos convencionais unisex quando utilizados nos joelhos de mulheres,[22 ] mas ainda permanece não esclarecido o quanto as diferenças anatômicas entre o homem e a mulher podem influenciar nos resultados da ATJ.[23 ]
[24 ]
Em nosso estudo não encontramos diferença estatística significante em relação à ADM pós-operatória com a utilização de implantes gênero-específicos.[12 ] Song et al.[12 ] realizaram um estudo prospectivo com 40 pacientes do sexo feminino submetidos à ATJ bilateral simultaneamente em que em um joelho foi utilizado implante convencional e no outro o implante gênero-específico, sendo que, na avaliação da ADM após 24–36 meses de pós-operatório, encontraram resultados semelhantes e estatisticamente não significantes entre os grupos. Esses dados contrastam com a hipótese de que os implantes convencionais causam um preenchimento exagerado no compartimento patelo-femoral, uma vez que a dimensão ântero-posterior do côndilo feminino é menor, podendo levar a uma diminuição do arco de movimento pós-operatório.[16 ]
[25 ] Apesar da altura reduzida da flange no implante Gender Solutions Natural-Knee (Zimmer Biomet), a ADM pós-operatória foi semelhante quando comparamos os dois grupos.
Dois estudos nível I foram conduzidos na Coreia por Kim et al.[20 ]
[26 ] com 223 pacientes do sexo feminino submetidas à ATJ bilateral, totalizando 446 ATJs. As pacientes foram randomizadas para determinar qual joelho iria receber um implante gênero-específico ou um implante unisex. Os autores não encontraram diferença em nenhum dos estudos em relação à ADM, satisfação, e nos escores KSS e WOMAC. Johnson et al.,[11 ] após estudo de metanálise envolvendo 253 estudos, afirmam não haver diferença no pós-operatório entre as ATJs e as artroplastias totais de quadril (ATQs) quando se usam implantes gênero-específicos com relação ao uso de implantes convencionais.
Song et al.,[12 ] em um estudo prospectivo em que 50 pacientes foram submetidos à ATJ bilateral simultâneas, um joelho com implante convencional unisex e outro com implante gênero-específico, afirmam que não observaram diferenças significativas quando comparados em relação à ADM, escore hospital for special surgery (HSS) e WOMAC. Clarke e Hentz,[27 ] em estudo prospectivo semelhante com 46 pacientes submetidos à ATJ bilateral simultaneamente, também concluíram não haver diferença funcional pelo escore HSS entre os dois tipos de implantes no pós-operatório com 2 anos de seguimento.
No entanto, sabemos que nosso estudo apresenta uma série de limitações. A primeira delas é o fato de não termos avaliado as condições pré-operatórias como ADM e escores funcionais, sendo que isso é um conhecido fator de influência nos resultados após ATJ; porém, isso foi minimizado pelo fato de excluirmos pacientes com ADM menor que 90° e com deformidades graves, em que houve necessidade de enxertia óssea ou utilização de implantes de revisão. A segunda é em relação ao médio prazo de seguimento, apenas 5 anos, o que nos impossibilita de obter conclusões de longo prazo a respeito da satisfação; porém, estudos recentes demonstram que esse índices atingem um platô após 1 ano da cirurgia e não sofrem muita alteração após esse período.[26 ]
[28 ]
Resumindo, podemos dizer que existem poucos trabalhos na literatura que se referem à análise da eficácia pós-operatória dos implantes gênero-específicos e, em nosso estudo retrospectivo com 30 pacientes do sexo feminino, a aparente superioridade do desenho dos implantes gênero-específicos em relação à melhor adaptação às diferenças anatômicas do joelho feminino não demonstrou resultados clínicos e funcionais superiores quando comparados aos implantes convencionais.
Conclusão
O presente estudo não demonstrou benefícios clínicos da prótese gênero-específica em pacientes do sexo feminino em um acompanhamento de médio prazo em relação aos implantes convencionais sem distinção de gênero.