Palavras-chave cartilagem - biomarcadores - artrose - atletas
Introdução
A cartilagem articular é um tecido aneural e avascular especializado, que cobre as
partes ósseas das articulações diartrodiais. Sua função é facilitar o movimento suave
por meio de seu coeficiente de baixa fricção, além de absorver choques e aguentar
cargas de apoio em vários planos.[1 ]
[2 ]
A preservação da cartilagem articular depende da manutenção da integridade de sua
estrutura molecular.[1 ] As principais macromoléculas que compõem a cartilagem são colágeno e proteoglicanos;
durante o curso da vida, a atividade das células condrais é determinada por vários
fatores autócrinos e não autócrinos, que resultam na manutenção ou destruição da homeostase
articular. A osteoartrose é uma condição comum em idosos, mas também pode afetar pessoas
jovens que estão sujeitas a cargas articulares excessivas.[1 ]
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Em adultos, a ativação da função articular dentro dos limites fisiológicos de carga
e frequência de trabalho é crucial para manter a saúde das articulações;[3 ]
[4 ]
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[13 ] portanto, articulações trabalhando abaixo dos níveis exigidos também correm o risco
de degenerar.[10 ]
Frequência de trabalho e sobrecarga articular são fatores importantes na destruição
articular, que é caracterizada por danos ao tecido cartilaginoso.[2 ] De fato, a exposição excessiva à sobrecarga leva ao desgaste articular precoce,[2 ]
[3 ]
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[5 ]
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[10 ]
[13 ] que é então perpetuado por uma cascata inflamatória que afeta todo o tecido articular.[16 ] Portanto, atletas de alto desempenho submetidos a cargas de treinamento excessivas
durante um curto período de tempo correm maior risco de desenvolver dano articular;
os joelhos, em particular, tendem a ser superexpostos na maioria dos esportes. Em
função da demanda constante por desempenho máximo, o desgaste articular precoce e
as deficiências funcionais podem resultar no fim de uma carreira atlética.
A maioria dos pacientes é diagnosticada nos estágios avançados da artrose, quando
uma série de eventos metabólicos já ocorreu, e o processo provavelmente já passou
do ponto em que as intervenções farmacológicas e cirúrgicas são realmente eficazes.[18 ]
Os produtos da degradação da matriz de colágeno podem servir como marcadores úteis
da gravidade e progressão da artrose. Tais produtos podem ser medidos no fluido sinovial,
no sangue ou na urina, e, assim, fornecer informações importantes para o diagnóstico
precoce da artrose.
Quanto ao Colágeno Articular
O colágeno representa 50 a 60% do peso seco da cartilagem. Suas fibras formam uma
rede densa que dá forma a esse tecido. As propriedades mecânicas mais importantes
do colágeno são a resistência e a resiliência, que são transmitidas para a cartilagem.[1 ]
O colágeno tipo II é específico da cartilagem, e representa quase 98% do conteúdo
total de colágeno nesse tecido.[1 ]
O colágeno tipo II é a maior macromolécula da qual a cartilagem é composta, e consiste
em três cadeias polipeptídicas idênticas dispostas em uma hélice tripla. Cada uma
dessas cadeias é sintetizada como uma pró-cadeia que contém grandes pró-peptídeos
nas suas extremidades, que são separados da parte central por telopeptídeos. Durante
a maturação das moléculas de colágeno tipo II, as proteases clivam os pró-peptídeos;
assim, a estrutura madura consiste na parte central da tripla hélice e telopeptídeos.
Quando os componentes articulares se degradam, são expelidos do tecido de origem e
medidos com maior precisão no fluido articular. No entanto, ao estudar a osteoartrite,
a medição de biomarcadores no sangue e na urina é feita por métodos menos agressivos
e que ainda são eficazes e precisos.[1 ]
O telopeptídeo carboxiterminal de colágeno do tipo II (CTX-II) é um biomarcador de
degradação articular. O uso de CTX-II como biomarcador, além ser feito por conta de
sua relação direta com o grau radiológico da doença, escores clínicos e gravidade
das lesões cartilaginosas, também está bem estabelecido na literatura.[2 ]
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[21 ]
[22 ]
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[24 ]
[25 ]
[26 ]
[27 ]
[28 ] Assim, a medida do CTX-II parece ser um método eficaz para investigar a renovação
do colágeno tipo II.
Este estudo teve como objetivo detectar a degradação precoce do colágeno tipo II articular,
medindo CTX-II no sangue de atletas do sexo feminino que praticam esportes diferentes,
e que foram comparadas com um grupo de controle. Procuramos estabelecer se a participação
esportiva é um fator de risco para a degradação articular precoce em nosso país, e
qual esporte foi o mais prejudicial ao colágeno tipo II articular na população investigada.
Materiais e Métodos
Este estudo foi realizado no Grupo de Trauma Esportivo do departamento de ortopedia
da nossa instituição. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional (número
244/11), sendo que todos os participantes assinaram termos de consentimento livre
e esclarecido.
A população do estudo consistia apenas de mulheres entre 18 e 25 anos, integrantes
de equipes esportivas competitivas, incluindo futebol, futsal, handebol, voleibol
e natação, no Clube Atlético São José, parceiro do Grupo de Trauma Esportivo da nossa
instituição. Todqs as participantes tinham que ter de 5 a 8 anos de treinamento no
esporte, e nenhuma das atletas praticava outros esportes.
Pacientes com dor articular em tratamento, histórico de cirurgia ortopédica articular
ou de dor articular não tratada devido a qualquer causa foram excluídas do estudo.
Um total de indivíduos sedentários, que preencheram os critérios de inclusão, formaram
o grupo de controle. Nenhum deles havia praticado de esportes de maneira competitiva.
Um total de 70 mulheres com idade entre 18 e 25 anos foram incluídas, e separadas
pelo tipo de esporte que praticavam: futebol (n = 15), futsal (n = 10), handebol (n = 10), voleibol (n = 18) e natação (n = 7); 9 indivíduos sedentários foram incluídos no grupo de controle.
Um total de 3 ml de sangue foi coletado de cada participante por punção venosa simples
do membro superior não dominante, utilizando um kit de coleta a vácuo, no qual há contato da amostra com ácido etilenodiamino tetra-acético
(AEDT), o que não afeta o resultado, e o índice de massa corporal (IMC) foi calculado
pelo peso dividido pelo quadrado da altura de cada pessoa.
O sangue foi centrifugado, e o plasma foi armazenado a - 80∘C até que todas as amostras
de sangue estivessem prontas para análise, por um total de até 23 dias, porque o teste
foi realizado em um único dia. As amostras foram analisadas para detectar CTX-II humano
utilizando ensaio imunossorvente ligado a enzima (teste do tipo ELISA, do inglês enzyme-linked immunosorbent assay ; kit Hu CTX-II, Cusabio Biotech, Houston, TX, EUA). Este teste tem 100% de especificidade
para o CTX-II humano, sem qualquer reação cruzada, com um nível mínimo de detecção
de 0,2 ng/ml, o que é informado pelo fabricante do kit .
Os resultados foram comparados pelo teste t de Student com intervalo de confiança de 95% (IC95%), no qual valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Resultados
Um total de 69 mulheres com idade entre 18 e 25 anos foram incluídas e divididas conforme
o esporte que praticavam: futebol (n = 15), futsal (n = 10), handebol (n = 10), voleibol
(n = 18) e natação (n = 7); 9 indivíduos sedentários foram incluídos no grupo de controle.
A idade média para o grupo de controle foi de 22,6 anos, a média do IMC foi de 22,3,
e a média da concentração do CTX-II foi de 0,453 ng/mL ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Participante
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
1
22
1,7
48
16,6
0,486
2
21
1,7
65
22,49
0,427
3
22
1,5
63
28
0,443
4
24
1,64
50
18,59
0,461
5
22
1,71
64
21,88
0,474
6
23
1,57
53
21,5
0,45
7
25
1,7
72
24,91
0,442
8
22
1,68
53
18,77
0,432
9
22
1,59
67
26,5
0,459
Entre as 18 jogadoras de voleibol, a idade média foi de 18,3 anos, a média do IMC
foi de 22,33, e a média do CTX-II foi de 0,429 ng/ml; essa equipe treinava 36 horas
por semana ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
Atleta
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
10
18
1,85
80
23,37
0,421
11
18
1,71
74
25,3
0,418
12
18
1,79
66,6
20,78
0,426
13
19
1,8
70
21,6
0,424
14
19
1,83
75
22,39
0,637
15
20
1,86
66
19,07
0,449
16
20
1,82
67,5
20,37
0,443
17
18
1,66
54
19,59
0,407
18
18
1,77
66
21,06
0,615
19
19
1,86
75
21,67
0,451
20
23
1,73
83
27,73
0,509
21
18
1,79
86
26,84
0,506
22
18
1,62
52
19,81
0,577
23
18
1,79
70
21,84
0,591
24
18
1,82
71
21,43
0,434
25
18
1,86
80
23,12
0,418
26
18
1,75
68
22,2
0,429
27
18
1,62
61
23,24
0,429
Entre as 15 jogadoras de futebol, a idade média foi de 22,36 anos, a média do IMC
foi de 22,06, e a média do CTX-II foi de 0,456 ng/ml; essa equipe treinava 15 horas
por semana ([Tabela 3 ]).
Tabela 3
Atleta
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
28
25
1,61
52
20,06
0,526
29
24
1,67
74
26,53
0,498
30
18
1,75
60
19,59
0,466
31
21
1,62
59
22,48
0,499
32
19
1,68
56
17,84
0,527
33
20
1,56
52
21,37
0,495
34
25
1,68
70
24,8
0,476
35
24
1,57
57
23,12
0,475
36
22
1,63
62
23,33
0,496
37
22
1,6
57
22,26
0,46
38
24
1,54
50
21,08
0,441
39
25
1,7
67
23,18
0,431
40
19
1,65
65
23,87
0,136
41
19
1,76
60
19,36
0,136
42
21
1,62
62
23,33
0,507
Entre as jogadoras de futsal, a idade média foi de 18,5 anos, a média do IMC foi de
22,21, e a média do CTX-II foi de 0,542 ng/ml; essa equipe treinava 15 horas por semana
([Tabela 4 ]).
Tabela 4
Atleta
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
43
18
1,65
59
21,67
0,512
44
18
1,73
59
19,71
0,475
45
18
1,55
45
18,73
0,552
46
18
1,6
60
23,44
0,643
47
19
1,7
68
23,53
0,473
48
18
1,59
60
23,73
0,591
49
20
1,67
65
23,31
0,771
50
19
1,58
52
20,83
0,522
51
19
1,62
64
24,39
0,445
52
18
1,49
50
22,71
0,431
Entre as jogadoras de handebol, a idade média foi de 18,9 anos, a média do IMC foi
de 22,88, e a média do CTX-II foi de 0,416 ng/ml; essa equipe treinava 25 horas por
semana ([Tabela 5 ]).
Tabela 5
Atleta
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
53
19
1,61
56
21,6
0,419
54
18
1,71
71
24,28
0,439
55
18
1,75
69
22,53
0,451
56
18
1,67
48
17,21
0,41
57
21
1,69
83
29,06
0,522
58
19
1,68
69
24,44
0,297
59
18
1,6
55
21,48
0,471
60
19
1,82
72
21,73
0,332
61
21
1,7
65
22,49
0,358
62
18
1,71
70
23,93
0,458
Entre as nadadoras, a média de idade foi de 18,9 anos, a média do IMC foi de 20,71,
e a média do CTX-II foi de 0,373 ng/ml; essa equipe treinava 12 horas por semana ([Tabela 6 ]).
Tabela 6
Atleta
Idade (anos)
Altura (metros)
Peso (quilos)
IMC
CTX-II (ng/ml)
63
18
1,73
63
21,04
0,345
64
18
1,64
54
20,07
0,365
65
19
1,63
55
20,70
0,45
66
19
1,68
57
20,19
0,323
67
18
1,71
61
20,86
0,356
68
19
1,69
60
21
0,371
69
21
1,74
64
21,13
0,402
Os seguintes valores de p foram obtidos comparando as atletas dos diferentes esportes ao grupo de controle
usando o teste t de Student: voleibol, p = 0,21 ([Fig. 1 ]); futebol, p = 0,91 ([Fig. 2 ]); handebol, p = 0,13 ([Fig. 3 ]); futsal, p = 0,02 ([Fig. 4 ]); e natação, p = 0,0015 ([Fig. 5 ]).
Fig. 1 Comparação dos resultados dos níveis de telopeptídeo carboxiterminal do colágeno
tipo II (CTX-II) entre o grupo de controle e as jogadoras de futebol.
Fig. 2 Comparação dos resultados dos níveis de CTX-II entre o grupo de controle e as jogadoras
de handebol.
Fig. 3 Comparação dos resultados dos níveis de CTX-II entre o grupo de controle e as jogadoras
de voleibol.
Fig. 4 Comparação dos resultados dos níveis de CTX-II entre o grupo de controle e as jogadoras
de futsal.
Fig. 5 Comparação dos resultados dos níveis de CTX-II entre o grupo de controle e as nadadoras.
Assim, o futsal representou o maior risco para a degradação do colágeno tipo II, e,
consequentemente, para a degradação da cartilagem articular, enquanto a natação foi
um fator de proteção para a cartilagem articular na população investigada.
Discussão
Atualmente, a prevenção é enfatizada ao longo do tratamento; assim, o diagnóstico
precoce da osteoartrose é de suma importância. No caso dos atletas, o diagnóstico
precoce é ainda mais importante, porque sua ocupação depende diretamente da saúde
de suas articulações.
Como a primeira clivagem do colágeno tipo II articular catalisada pelas colagenases
libera o epítopo CTX-II e este pode ser medido no sangue, na urina e no líquido sinovial,
temos uma ferramenta poderosa para o diagnóstico precoce do desgaste articular.
O colágeno tipo II está presente em todas as articulações sinoviais; no entanto, a
concentração de CTX-II é maior em pacientes com artrose do joelho e do quadril em
comparação com a população geral.[27 ] O CTX-II é um biomarcador para a destruição da cartilagem, e um nível aumentado
é um preditivo positivo para a redução do espaço articular.[27 ]
[28 ]
Quando medimos o CTX-II em atletas de diferentes modalidades esportivas, procuramos
detectar se o risco de sobrecarga e destruição articular precoce seria maior em qualquer
esporte em particular. Embora o tamanho da amostra para cada modalidade possa parecer
pequeno, trata-se de equipes fechadas, submetidas à mesma carga de treinamento e,
em tese, à mesma sobrecarga articular.
Em nossa população de estudo, as jogadoras de voleibol, handebol e futebol não apresentaram
maior degradação do colágeno tipo II, apesar de terem participado intensamente de
atividades de alto impacto. Talvez esse resultado seja explicado pelo fato de a população
do estudo ser muito jovem, e de, nessas três modalidades, o terreno ou os calçados
conseguirem absorver o choque.
A degradação do colágeno tipo II foi maior entre as jogadoras de futsal, e foi significativamente
diferente do grupo de controle (fig. 4) usando um IC95%. Essa discrepância era provável
porque esse esporte é praticado em um piso rígido, usa sapatos que não absorvem o
choque, e tem frequentes mudanças na sobrecarga de direção nas articulações, especialmente
nos joelhos (movimentos de pivô repetidos).
Outro resultado notável é que a equipe de natação apresentou valores de CTX-II significativamente
menores em comparação ao grupo de controle ([Fig. 5 ]). Em outras palavras, a natação foi um fator de proteção para o colágeno articular
na população investigada. Este resultado é provavelmente devido a uma combinação de
fatores conhecidos por proteger as articulações, incluindo exercícios aeróbicos, atividade
de baixo impacto e fortalecimento dos músculos periarticulares.[17 ]
Conclusão
Portanto, concluímos que, na população investigada, o treinamento de futsal profissional
é um fator de risco para a degradação do colágeno tipo II, e, portanto, de degradação
da cartilagem articular. Em contraste, a natação é um fator de proteção para as articulações
nessa mesma população, resultando em menor degradação articular do colágeno.
Tais dados sugerem que alguns esportes podem de fato levar à degradação articular
precoce. Os médicos traumatologistas do esporte devem considerar este fato, e os protocolos
clínicos voltados para a proteção articular devem ser estudados e aplicados.
No entanto, os resultados deste estudo apontam que alguns esportes podem fornecer
proteção articular, sugerindo uma ferramenta importante para prevenir a erosão articular,
e o treinamento misto pode ser altamente benéfico para equipes profissionais.
Mais estudos sobre este assunto devem ser realizados com amostras maiores, e devem
ter como objetivo o controle da destruição articular utilizando meios farmacológicos
e não farmacológicos.
Além disso, o uso de biomarcadores de destruição articular é uma ferramenta importante
para a detecção precoce da sobrecarga articular. Aqueles que trabalham em traumas
esportivos precisam diagnosticar as lesões articulares precocemente para melhorar
a vida dos atletas.