CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(02): 210-213
DOI: 10.1016/j.rboe.2017.11.001
Case Report | Relato de Caso
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Discrepância de membros em menino de 11 meses de idade associada a osteoma osteoide[*]

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
Ana Cotta
1   Departamento de Patologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Renato Cesar Rezende de Castro
2   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Julia Filardi Paim
1   Departamento de Patologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Leonardo Sardenberg Fiuza
2   Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
Maria Henriqueta Freire Lyra
3   Departamento de Radiologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil
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Address for correspondence

Ana Cotta
Departamento de Patologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação
Belo Horizonte, MG
Brasil   

Publikationsverlauf

21. Juli 2017

27. Juli 2017

Publikationsdatum:
22. April 2019 (online)

 

Resumo

Osteoma osteoide é um tumor ósseo benigno, mais frequente dos 10 aos 25 anos de idade e, em cerca de 80% dos pacientes, está associado a dor forte. O presente artigo descreve um paciente masculino apresentando claudicação, encurtamento do membro inferior direito e aumento de volume indolor da perna direita desde os 11 meses de idade. Os exames de imagem demonstraram lesão osteolítica contendo pequenas ossificações de permeio, envolvidas por espessamento cortical da diáfise da tíbia direita. As hipóteses diagnósticas de osteoma osteoide, de osteomielite crônica (abscesso de Brodie), de sarcoma de Ewing e de histiocitose de células de Langerhans foram levantadas. As culturas para microrganismos foram negativas e o exame histopatológico demonstrou osteoma osteoide. O presente relato expande o conhecimento sobre osteoma osteoide como causa de claudicação e discrepância de membros inferiores indolor em lactente. O diagnóstico diferencial precoce é importante, pois a exérese da lesão é curativa e previne sequelas futuras.


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Introdução

O osteoma osteoide é um tumor ósseo benigno, com menos de 2 cm de diâmetro, composto por microtrabéculas de osso osteoide e circunscrito por tecido ósseo esclerótico.[1] [2] [3] Estudos de imagem mostram um nicho radiotransparente circunscrito pela esclerose cortical, que pode ter centro ossificado com aspecto em alvo. A tomografia computadorizada (TC) é considerada o melhor método para o diagnóstico e deve ser realizada em cortes de 1 mm de espessura.[2]

Clinicamente, o osteoma osteoide causa dor desproporcional, a princípio intermitente, à noite, e que responde a anti-inflamatórios não esteroidais em 80% dos pacientes.[2]

O osteoma osteoide é mais predominante entre 10 e 25 anos de idade, mas raramente ocorre entre 7 meses e 70 anos de idade.[4] [5] Os locais mais comuns são a diáfise e a metáfise de ossos longos, em especial do fêmur e da tíbia.[4]


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Relato de Caso

Um menino de 14 meses de idade foi admitido em nosso serviço. Ele começou a andar aos 11 meses de idade, com claudicação à direita desde a aquisição da marcha e aumento de volume da perna direita. Não houve histórico de febre, de trauma local, de quedas, de sinais inflamatórios, de restrição de movimentos articulares ou de acometimento contralateral.

O paciente foi submetido a radiografias da perna direita em outro serviço, com visualização de uma lesão no terço proximal da tíbia direita. O diagnóstico foi de fratura. A fisioterapia foi prescrita e realizada por 2 meses (dos 12 aos 13 meses), sem qualquer melhora.

Após a admissão neste serviço, aos 14 meses de idade, o paciente foi submetido a uma escanometria e a uma TC. A escanometria mostrou o encurtamento do membro inferior direito de 6 mm: 14,2 cm na tíbia direita, 14,8 cm na tíbia esquerda, 16,4 cm no fêmur direito, 16,4 cm no fêmur esquerdo, 30,6 cm no membro inferior direito, e 31,2 cm no membro inferior esquerdo ([Fig. 1]). A TC da perna direita demonstrou um extenso espessamento cortical no terço distal medial e proximal da tíbia direita, com uma pequena área radiotransparente de 1,6 × 0,7 cm no terço medial da tíbia com pequenas ossificações em seu interior ([Fig. 2]).

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Fig. 1 Lesão osteolítica com esclerose e calcificações na tíbia direita; a, radiografia anteroposterior; b, perfil, c, ampliação; d, escanometria; e, reformatação oblíqua coronal.
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Fig. 2 Lesão osteolítica da tíbia direita (a) com calcificações (b) e leve heterogeneidade de partes moles (c). Determinação do local de biópsia com fio cirúrgico (d) (a, b, c, d: tomografia computadorizada axial).

Os exames laboratoriais demonstraram velocidade de hemossedimentação eritrocitária de 10 mm na primeira hora (referência: < 2), concentração de proteína C-reativa < 3,1 mg/L (referência: < 3,5), resultado negativo na detecção de células falciformes negativas, microcitose discreta e leucocitose.

As hipóteses diagnósticas eram osteoma osteoide do córtex da tíbia, osteomielite crônica (abscesso de Brodie), sarcoma de Ewing e histiocitose de células de Langerhans (granuloma eosinofílico).

Devido ao diagnóstico diferencial de osteomielite crônica, o paciente foi submetido a uma biópsia óssea aberta guiada por endoscopia após a determinação do sítio de incisão por TC ([Fig. 2]). As amostras foram coletadas para culturas de microrganismos e exame histopatológico. As culturas foram negativas para microrganismos. O exame histopatológico demonstrou uma lesão óssea benigna, caracterizada por um nicho central formado por trabéculas de tecido imaturo osteoide, parcialmente mineralizado, misturado a tecido conjuntivo mole ricamente vascularizado e externamente envolto por osso esclerótico ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Microtrabéculas de tecido osteoide e tecido mole vascularizado. a, 100×; b, hematoxilina-eosina, 200×.

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Discussão

Em um estudo recente de 31 pacientes, o encurtamento do membro inferior foi causado por sequela de fratura, displasia de desenvolvimento do quadril, paralisia infantil, sequela de infecção, e fêmur curto congênito.[6] Entre essas causas, as fraturas patológicas em pacientes com idade < 5 anos podem estar associadas à osteomielite, à histiocitose de células de Langerhans, à pseudoartrose congênita da tíbia, a imobilização prolongada, a radioterapia, a metástase, e ao sarcoma de Ewing.[7]

As infecções osteoarticulares são frequentes em crianças, com incidência estimada de 10 a 25 por 100 mil indivíduos e possibilidade de deformidades.[8] Há relatos de osteomielite que simula o osteoma osteoide.[9] O paciente não apresentou sinais sistêmicos de infecção e as culturas de microrganismos foram negativas.

Cerca de 80% dos casos de histiocitose de células de Langerhans ocorre em pacientes com < 30 anos. Há dor, aumento do volume local e lesões osteolíticas bem demarcadas, com neoformação óssea perióstea espessa. Em idades < 2 anos, a doença visceral pode ser disseminada, com alto risco de morte.[2] O exame histopatológico deste paciente não demonstrou células de Langerhans nem proliferação eosinofílica.

O sarcoma de Ewing é um tumor ósseo formado por células azuis arredondadas e fusões do gene EWSR1 no cromossomo 22. Ocorre em pacientes com < 20 anos de idade em > 80% dos casos, com maior incidência na 2ª década de vida. Acomete preferencialmente as regiões diafisárias e metadiafisárias dos ossos longos. A dor é geralmente intensa em 96% dos pacientes. Febre intermitente e anemia podem ser observadas em 21% dos pacientes. Estudos de imagem demonstram uma lesão osteolítica mal definida, em padrão “roído por traça”, associada a uma reação perióstea em casca de cebola. Em alguns casos, as lesões diafisárias de ossos longos podem apresentar esclerose.[2] O exame histopatológico deste paciente não demonstrou proliferação de células azuis arredondadas.

O exame histopatológico da biópsia deste paciente revelou as anomalias típicas do osteoma osteoide, as quais geralmente não são observadas em bebês e são acompanhadas por dor. Uma busca no banco de dados Pubmed/Medline de artigos indexados com as palavras-chave osteoma osteoide e encurtamento de membro não encontrou quaisquer publicações de osteoma osteoide como causa de encurtamento de membros. Isto sugere que apenas raramente este tumor pode ser a causa etiológica do encurtamento de membro.

O presente relato expande consideravelmente o conhecimento sobre o osteoma osteoide, já que demonstra que ele pode ocorrer na infância e causar claudicação e discrepância indolor dos membros inferiores. O diagnóstico correto é fundamental, pois o tratamento cirúrgico é curativo e previne outras complicações.


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Conflitos de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Cleides Campos de Oliveira e a Simone Ferreira do Nascimento por sua assistência com a técnica histológica.

* Estudo conduzido na Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil.


  • References

  • 1 Dahlin DC, Unni KK. Bone tumors: general aspects and data on 8 542 cases. 4th ed. Springfield, IL: Thomas; 1987
  • 2 Fletcher CD, Bridge JA, Hogendoorn PCW, Mertens F. , eds. World Health Organization (WHO) classification of tumours of soft tissue and bone. 4th ed. Lyon, France: IARC Press; 2013
  • 3 Endo RR, Gama NF, Nakagawa SA, Tyng CJ, Chung WT, Pinto FFE. Osteoid osteoma - radiofrequency ablation treatment guided by computed tomography: a case series. Rev Bras Ortop 2017; 52 (03) 337-343
  • 4 Cotta AC, Melo RT, Castro RC, Souza FS, Najjar YSJ, Paim JFO. , et al. Diagnostic difficulties in osteoid osteoma of the elbow: clinical, radiological and histopathological study. Radiol Bras 2012; 45 (01) 13-19
  • 5 Virayavanich W, Singh R, O'Donnell RJ, Horvai AE, Goldsby RE, Link TM. Osteoid osteoma of the femur in a 7-month-old infant treated with radiofrequency ablation. Skeletal Radiol 2010; 39 (11) 1145-1149
  • 6 Fernandes HP, Barronovo DG, Rodrigues FL, Hono M. Femur lengthening with monoplanar external fixator associated with locked intramedullary nail. Rev Bras Ortop 2016; 52 (01) 82-86
  • 7 Canavese F, Samba A, Rousset M. Pathological fractures in children: Diagnosis and treatment options. Orthop Traumatol Surg Res 2016; 102 (1, Suppl): S149-S159
  • 8 Ilharreborde B. Sequelae of pediatric osteoarticular infection. Orthop Traumatol Surg Res 2015; 101 (1, Suppl): S129-S137
  • 9 Agrawal P, Sobti A. A Brodie's abscess of femoral neck mimicking osteoid osteoma: diagnostic approach and management strategy. Ethiop J Health Sci 2016; 26 (01) 81-84

Address for correspondence

Ana Cotta
Departamento de Patologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação
Belo Horizonte, MG
Brasil   

  • References

  • 1 Dahlin DC, Unni KK. Bone tumors: general aspects and data on 8 542 cases. 4th ed. Springfield, IL: Thomas; 1987
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  • 9 Agrawal P, Sobti A. A Brodie's abscess of femoral neck mimicking osteoid osteoma: diagnostic approach and management strategy. Ethiop J Health Sci 2016; 26 (01) 81-84

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Fig. 1 Lesão osteolítica com esclerose e calcificações na tíbia direita; a, radiografia anteroposterior; b, perfil, c, ampliação; d, escanometria; e, reformatação oblíqua coronal.
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Fig. 2 Lesão osteolítica da tíbia direita (a) com calcificações (b) e leve heterogeneidade de partes moles (c). Determinação do local de biópsia com fio cirúrgico (d) (a, b, c, d: tomografia computadorizada axial).
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Fig. 3 Microtrabéculas de tecido osteoide e tecido mole vascularizado. a, 100×; b, hematoxilina-eosina, 200×.
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Fig. 1 Osteolytic lesion with sclerosis and calcifications in the right tibia; a, roentgenogram AP; b, profile, c, magnification; d, scanometry; e, coronal oblique reformation.
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Fig. 2 Right tibia osteolytic lesion (a) with calcifications (b) and slight soft tissue heterogeneity (c). Biopsy site determination with surgical wire (d) (a, b, c, d: axial computed tomography).
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Fig. 3 Osteoid tissue microtrabeculae and vascularized soft tissue. a, HE 100×; b, HE 200×.