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CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(03): 217712352024rbcp0888pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0888-PT
Artigo Original

Tendência temporal, distribuição regional e perfil da morbimortalidade por queimadura na infância em Santa Catarina: Um estudo ecológico

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Authors

 

▪ RESUMO

Introdução:

As queimaduras são um desafio da saúde pública devido à alta morbimortalidade e prejuízo na qualidade de vida da vítima. Elas afetam desproporcionalmente as populações de menor nível socioeconômico, resultando em elevados custos para saúde.

Método:

Estudo ecológico, retrospectivo, observacional, com abordagem quantitativa e análise de tendência temporal da morbimortalidade por queimadura em Santa Catarina, com dados obtidos dos Sistemas de Informações Hospitalar e de mortalidade disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Análise temporal pelo Teste de Correlação de Spearman.

Resultados:

Verificada tendência de crescimento na taxa geral de internação (Spearman=0,806; p<0,005) por queimaduras no estado no período analisado. Maior prevalência no sexo masculino (RP 1,68), na população de 0 a 4 anos (RP 3,08) e na região da Grande Florianópolis (taxa média 23,22%). Predominou o grupo classificado como médio queimado (taxa média 25,67%) e as internações de 0 a 3 dias (taxa média 50,25%). Queimaduras em cabeça, pescoço e tronco (taxa média 32,25%) foram as mais prevalentes.

Conclusão:

Identificada tendência de crescimento na taxa de internação por queimaduras em crianças no estado. Maior prevalência de internação no sexo masculino, em crianças de 0 a 4 anos e na região da Grande Florianópolis. Predomínio de médio queimados e de queimaduras em cabeça, pescoço e tronco, com maior taxa de internações de curta duração.


INTRODUÇÃO

As queimaduras são um importante problema de saúde pública mundial, devido à sua alta morbimortalidade e do comprometimento frequente da saúde mental e da qualidade de vida das vítimas[1] [2] [3] [4]. No Brasil, anualmente, aproximadamente um milhão de pessoas sofrem algum tipo de queimadura, tornando este agravo uma das causas externas de mortalidade mais frequentes[2]. Cerca de 50% dos casos ocorrem em ambientes domésticos, e a faixa etária mais acometida é a dos menores de 5 anos[2].

Os traumas que causam lesões teciduais por calor podem ser de origem radioativa, elétrica, química ou térmica, sendo que esta última, que inclui a exposição a chamas e líquidos superaquecidos, é a forma mais envolvida nos acidentes com crianças menores[5] [6]. Essas lesões podem ocorrer em diferentes profundidades na camada epitelial, dividindo-se em primeiro grau (superficial), segundo grau (espessura parcial) e terceiro grau (espessura total)[5]. Dentre as principais causas de internação por queimadura, a mais comum é o escaldamento, seguida pelos acidentes com fogo e explosão, sendo o fogo a principal causa de mortalidade entre esses pacientes[7] [8] [9].

É importante ressaltar os fatores relacionados com maior taxa de mortalidade nos pacientes com queimaduras, como maior área de superfície corporal queimada, idade avançada e sexo feminino[10]. Estudo realizado por Barcellos et al.[7] mostrou que 80% dos pacientes com mais de 50% de superfície corporal queimada foram a óbito. Outro aspecto associado a um maior risco de morte é a presença de lesão inalatória, que quando existente, deve ser prontamente diagnosticada e tratada.

Outra complicação frequente é a sepse, que também está associada a maior mortalidade[10]. Pacientes pediátricos que apresentam mais de 15% da superfície corporal queimada podem evoluir para Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica. Nesses casos, para prevenir choque e morte, é fundamental a ressuscitação volêmica intravenosa adequada. Vale destacar que as crianças apresentam menor volume de sangue circulante em relação à superfície corporal, logo, a reposição volêmica imediata é muito importante[11].

A alta prevalência de casos de queimaduras se reflete em custos elevados para o setor de saúde tanto no Brasil quanto em outros países[12]. Por isso, conhecer as peculiaridades regionais associadas aos casos de queimadura na infância é importante para compreender a distribuição, evolução e desfechos desta importante causa de morbimortalidade em nosso meio.


OBJETIVO

O estudo tem como objetivo analisar a tendência temporal e o perfil epidemiológico da morbimortalidade hospitalar por queimadura em crianças de 0 a 9 anos em Santa Catarina no período de 2012 a 2021, considerando as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, macrorregião de residência) e aspectos clínicos das queimaduras em crianças (área do corpo atingida, grau da queimadura, mortalidade).


MÉTODO

Estudo observacional de tipo ecológico, com abordagem quantitativa e análise de tendência temporal. A população estudada foi de crianças de 0 a 9 anos de idade, residentes em Santa Catarina, que foram internadas ou morreram em decorrência de queimaduras, com registro nas bases de dados dos sistemas de informação do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

Com base nos dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), foi obtida a população associada às 3.900 internações e 10 óbitos ocorridos no estado de Santa Catarina durante o período estudado, compreendendo as internações entre janeiro de 2012 e dezembro de 2021 que tiveram como causa básica de internação o capítulo XIX (Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas) da Classificação Internacional de Doenças - CID-10ª Revisão, códigos T20 a T32, que correspondem ao agrupamento das lesões por queimaduras e corrosões. O estado de Santa Catarina foi dividido em sete macrorregiões de saúde, sendo elas: Sul, Planalto Norte e Nordeste, Meio Oeste e Serra Catarinense, Grande Oeste, Grande Florianópolis, Foz do Rio Itajaí e Alto Vale do Itajaí.

Os dados foram extraídos e tabulados com a ajuda da ferramenta Tabwin, disponibilizada pelo DATASUS, e transformados em coeficientes ou taxas de incidência calculadas tendo como numerador o total de internações por queimadura segundo as variáveis dependentes (sexo, faixa etária e macrorregião de residência, extensão da queimadura, região do corpo atingida e óbito), e como denominador a população de crianças de 0 a 9 anos residente em Santa Catarina em cada ano estudado.

O resultado desta divisão foi multiplicado pela constante 100.000. A taxa de mortalidade foi calculada tendo como numerador o número total de óbitos hospitalares, e denominador a população de crianças de 0 a 9 anos residente em Santa Catarina em cada ano estudado. O resultado desta divisão foi multiplicado pela constante 100.000. A taxa de letalidade considerou como numerador o número total de óbitos hospitalares, e como denominador o total de internações por queimadura em crianças de 0 a 9 anos residentes em Santa Catarina no período estudado. O resultado desta divisão foi multiplicado por 100.

A frequência absoluta das variáveis tempo de internação e necessidade de internação em UTI foram transformadas em proporções (%), considerando no numerador o total de internações segundo as variáveis dependentes (duração da internação em dias e necessidade de internações em Unidade de Terapia Intensiva), e como denominador o total de internações de crianças de 0 a 9 anos em Santa Catarina no período estudado.

As séries de taxas de risco e as proporções obtidas foram submetidas a modelo de análise de correlação tempo-evento pelo software SPSS versão 20.0 a partir do cálculo do coeficiente de correlação de Spearman, da variação média anual (Beta) calculada por regressão linear simples, e a significância estatística a partir do cálculo do p-valor pelo método de análise de variância (ANOVA). Foram considerados estatisticamente significativos os valores de p<0,05. As taxas de mortalidade imediata (hospitalar) consideraram os desfechos por óbito das internações por queimadura, e as taxas de letalidade consideraram como denominador o total das internações por queimadura estudadas.

O estudo obedeceu aos preceitos éticos do Conselho Nacional de Saúde, em suas Resoluções n° 466/2012 e nº 510/2016, e, por tratar-se de dados secundários, de domínio público, não foi necessária a avaliação do comitê de ética em pesquisa.


RESULTADOS

Entre os anos de 2012 e 2021, foram registrados pelo Sistema Único de Saúde, em Santa Catarina, 3.900 internações por queimaduras. A [Tabela 1] apresenta as tendências das taxas de internação segundo sexo (masculino e feminino) e idade (0 a 4 anos e 5 a 9 anos). Em relação ao sexo, as internações por queimaduras em Santa Catarina indicaram uma tendência temporal de crescimento, tanto no sexo masculino como no feminino (Spearman=0,758; p-valor=0,010, e Spearman=0,685; p-valor=0,029, respectivamente). A razão de prevalência (RP) média do sexo masculino foi de 1,68 internações para cada uma internação do sexo feminino no período estudado.

Tabela 1.

Ano

Masc

Fem

0-4 anos

5-9 anos

SC

Tx. Mort.

Tx. Letal.

2012

33,40

22,38

37,81

18,84

28,01

0,78

7,81

2013

37,66

23,40

49,94

12,59

30,69

1,08

10,75

2014

52,51

28,24

60,04

22,34

40,65

0,00

0,00

2015

45,11

34,02

65,36

15,34

39,69

0,00

0,00

2016

61,99

30,71

64,30

29,95

46,70

0,48

4,76

2017

52,98

39,45

75,79

18,29

46,36

0,24

2,40

2018

70,34

45,02

88,01

29,26

57,97

0,00

0,00

2019

65,87

31,14

72,12

26,70

48,90

0,23

2,29

2020

56,99

29,59

72,02

16,44

43,60

0,26

2,57

2021

58,85

43,66

88,49

16,03

51,43

0,00

0,00

Tx Média

47,69

28,39

58,54

18,97

38,26

0,31

2,56

Spearman

0,758

0,685

0,879

0,091

0,806

-0,188

-0,420

Beta

0,767

0,684

0,875

0,160

0,800

-0,587

-0,582

p-valor

0,010

0,029

0,001

0,660

0,005

0,074

0,077

Conforme observado na [Tabela 1] e na [Figura 1], as taxas de internação por queimaduras na faixa etária de 0 a 4 anos também apresentaram importante tendência de crescimento (Spearman=0,879; p-valor=0,001), enquanto as taxas de 5 a 9 anos apresentaram tendência de estabilidade (Spearman=0,091; p-valor=0,660). A prevalência foi maior na população de 0 a 4 anos (RP=3,08).

Zoom
Figura 1. Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e idade. Santa Catarina, 2012-2021.

As taxas de internação por queimaduras em todo o estado indicaram crescimento no período (Spearman=0,806; p-valor=0,005). A taxa de mortalidade hospitalar por queimadura foi de 0,3/100.000, com tendência de estabilidade. A taxa anual de letalidade (x1.000) das internações por queimadura em SC variou de 0 a 10,75 óbitos/1.000 internações. Vale ressaltar que em quatro dos dez anos estudados não foram registrados óbitos. A taxa média de letalidade no período foi de 2,56 óbitos/1.000 internações.

A [Tabela 2] apresenta as taxas de internação por queimaduras de acordo com as macrorregiões do estado de Santa Catarina. Os resultados obtidos indicaram tendência geral de crescimento nas taxas de internação por queimaduras em crianças no estado (Spearman=0,806; p-valor=0,005), apesar da tendência temporal de estabilidade observada em todas as macrorregiões (p-valor>0,05). A maior taxa média de internação por queimadura entre os anos estudados foi encontrada na Grande Florianópolis (média 23,22 internações/100.000 habitantes), enquanto a menor foi obtida na macrorregião Grande Oeste (média 8,12 internações/100.000habitantes).

Tabela 2.

Ano

Sul

Plan. Norte e Nordeste

Meio Oeste e Serra Cat

Grande Oeste

Grande Florianópolis

Foz do Rio Itajaí

Vale do Itajaí

SC

2012

13,28

23,05

14,45

8,59

16,80

8,20

15,63

28,01

2013

12,90

25,09

13,62

6,09

21,51

10,04

10,75

30,69

2014

5,43

17,39

8,15

14,67

33,42

10,05

10,87

40,65

2015

9,78

19,55

8,10

13,97

26,82

8,38

13,41

39,69

2016

10,00

25,48

6,43

9,05

23,10

10,95

15,00

46,70

2017

9,38

11,54

8,17

6,73

35,58

12,26

16,35

46,36

2018

11,37

23,12

10,40

5,78

24,86

11,18

13,29

57,97

2019

18,76

23,80

7,32

7,09

27,00

5,95

10,07

48,90

2020

6,94

22,88

10,28

9,25

23,14

17,48

10,03

43,60

2021

13,76

18,34

8,73

7,64

25,55

12,45

13,54

51,43

Tx Média

9,78

19,19

8,69

8,12

23,22

9,45

11,54

38,26

Spearman

0,139

-0,152

-0,248

-0,152

0,333

0,600

-0,261

0,806

Beta

0,161

-0,123

-0,487

-0,303

0,216

0,470

-0,210

0,800

p-valor

0,656

0,735

0,153

0,394

0,549

0,171

0,560

0,005

A [Tabela 3] apresenta as taxas de internação segundo a extensão corporal queimada, o período médio de internação, a proporção de internações que necessitaram suporte de tratamento intensivo (UTI) e a taxa de mortalidade hospitalar no período estudado. Em relação à extensão da queimadura, houve tendência significativa de redução nas taxas de internação de grandes queimados (Spearman= -0,879; p-valor=0,002), e de pequenos queimados (Spearman = -0,855; p-valor=0,021). A tendência temporal das taxas de internação dos médio queimados indicou tendência de estabilidade (Spearman= -0,636; p-valor=0,060).

Tabela 3.

Ano

Extensão da Queimadura (Tx)

Tempo de Internação (%)

Pequeno queimado

Médio queimado

Grande queimado

0-3 dias

4-7 dias

8-14 dias

15 ou mais

% UTI

2012

7,81

40,23

17,58

32,422

32,031

25,391

10,156

8,59

2013

3,23

34,77

13,98

50,538

21,864

21,147

6,452

6,81

2014

3,80

29,35

16,85

57,337

22,011

14,402

6,250

3,26

2015

6,15

18,99

23,18

54,469

22,626

17,039

5,866

0,56

2016

3,10

26,67

12,38

62,143

19,524

13,810

4,524

4,76

2017

2,64

31,97

6,25

61,538

18,750

14,423

5,288

0,72

2018

1,73

24,47

4,43

65,896

16,763

13,680

3,661

5,59

2019

2,75

26,09

4,12

56,979

26,545

10,984

5,492

6,41

2020

2,57

24,16

4,63

61,183

22,108

13,625

3,085

5,91

2021

2,18

25,33

2,62

62,009

20,087

13,974

3,930

3,71

Média

3,38

25,67

10,34

50,250

20,222

14,450

5,077

4,26

Spearman

-0,855

-0,636

-0,879

0,636

-0,285

-0,794

-0,867

-0,248

Beta

-0,713

-0,612

-0,838

0,717

-0,430

-0,778

-0,819

-0,166

p-valor

0,021

0,060

0,002

0,020

0,215

0,008

0,004

0,648

Em relação ao tempo de internação, ocorreu tendência significativa de crescimento nas internações de curta permanência (0-3 dias) (Spearman= -0,794; p-valor=0,008), de estabilidade nas de média permanência (Spearman= -0,285; p-valor 0,215), e de redução nas de longa permanência (8 dias ou mais) (Spearman entre -0,794 e -0,867; p-valor<0,008). A proporção média das internações que necessitaram UTI foi de apenas 4,26%, com tendência de estabilidade no período.

A [Tabela 4] apresenta as taxas de internação por queimadura segundo a região do corpo acometida. As regiões afetadas foram agrupadas de acordo com o Capítulo XIX – CID 10, sendo T20-T21 (cabeça, pescoço e tronco), T22-T23 (ombro, membros superiores, punho e mão), T24-T25 (quadril, membros inferiores, tornozelo e pé), T26-T28 (olho, trato respiratório e órgãos internos) e T29 (múltiplas regiões). Houve tendência temporal de estabilidade das taxas de internação em todas as localizações pesquisadas (p-valor > 0,05).

Tabela 4.

Ano

Cabeça, Pescoço e Tronco

Ombro, MMSS, Punho e Mão

Quadril, MMII, Torn. e Pé

Olho, Trato Resp. e Órgãos internos

Múltiplas regiões

2012

32,81

13,67

9,77

3,91

16,41

2013

35,84

17,56

7,89

3,23

20,07

2014

46,47

17,12

7,07

3,53

13,86

2015

49,72

15,36

7,26

1,96

9,22

2016

32,62

12,14

11,90

4,29

29,29

2017

37,74

20,91

7,69

2,64

17,07

2018

24,28

13,49

4,62

2,50

37,76

2019

32,72

12,81

4,81

2,52

24,71

2020

30,33

17,74

10,28

4,88

11,57

2021

29,48

15,72

10,04

4,15

20,52

Tx Média

32,25

14,08

7,13

2,95

18,00

Spearman

-0,648

0,018

0,067

0,164

0,285

Beta

-0,494

0,009

-0,032

0,169

0,224

p-valor

0,146

0,981

0,930

0,641

0,535


DISCUSSÃO

O estudo analisou a tendência temporal, distribuição regional e perfil da morbimortalidade por queimaduras em crianças de 0 a 9 anos, em Santa Catarina, no período de 2012 a 2021, com base em dados disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares.

Os resultados obtidos demonstraram tendência de crescimento das taxas de internação por queimadura em crianças no Estado no período analisado. Este achado se alinha aos resultados do estudo de Pereima et al.[13], que indicou aumento no número de internações por queimadura em crianças de 0 a 14 anos, em ambos os sexos, em Santa Catarina, no período de 2008 a 2015. Entretanto, o Brasil apresentou diminuição no número de internações no mesmo período.

Vale destacar que a divergência entre o aumento do número de internações em Santa Catarina e a diminuição das internações no país pode estar relacionada ao clima mais frio, característico da Região Sul do Brasil. No inverno o preparo de alimentos quentes é mais frequente, e há maior utilização das cozinhas pelas famílias em razão da temperatura neste ambiente, gerando maior risco de escaldaduras[14].

Em relação ao perfil epidemiológico das crianças acometidas por queimadura, estudo de Rigon et al.[15], que analisou o perfil de crianças vítimas de queimaduras em hospital infantil localizado na região do Planalto Serrano em Santa Catarina, encontrou resultados semelhantes ao presente estudo, com maior prevalência no sexo masculino (60,3%) e em crianças menores de 5 anos (72%).

Esses dados são semelhantes a estudos realizados em outros estados do Brasil, como o de Barros et al.[16], que analisou dados de crianças vítimas de queimaduras atendidas em hospital terciário em Campo Grande/MS, no ano de 2015, e demonstrou maior prevalência no sexo masculino (59%) e na faixa etária de 1 a 4 anos (42%).

O predomínio de casos envolvendo o sexo masculino pode estar relacionado a fatores culturais e comportamentais. Os meninos costumam ter mais liberdade e praticam atividades que os deixam mais expostos ao risco, enquanto as meninas estão sob maior vigilância e habitualmente são mais cautelosas[17] [18].

Quanto à faixa etária, a maior prevalência de casos de queimaduras em crianças nos primeiros anos de vida tem relação com as características da fase de desenvolvimento em que elas se encontram. Como consequência da imaturidade, curiosidade e falta de coordenação motora, estão frequentemente expostas a situações de perigo. Outros fatores que aumentam o risco de acidentes são o fácil acesso à cozinha e a supervisão inadequada por parte dos responsáveis[7] [17].

O período avaliado no presente estudo permitiu uma comparação das taxas de internação por queimadura antes e durante a Pandemia da Covid-19, demonstrando uma tendência de crescimento na taxa de internação no estado. Estudos realizados em diversos países, como França, Indonésia, Estados Unidos, Polônia e Israel, encontraram aumento no número de atendimentos pediátricos por queimaduras durante o lockdown, em comparação com o período anterior à pandemia[19] [20] [21] [22] [23].

O aumento no número de internações por queimaduras na infância, no ano de 2020, pode estar relacionado às mudanças no estilo de vida durante a pandemia, visto que, com a implementação de medidas de isolamento social, as aulas presenciais foram suspensas e as crianças passaram maior número de horas em casa. Ao mesmo tempo, muitos pais passaram a desenvolver trabalho de forma remoto. Por precisar dividir a atenção entre os filhos e o trabalho, muitos adultos podem não ter conseguido supervisionar adequadamente as crianças, o que aumentou o risco de acidentes[20] [21] [22].

Em relação às taxas de internação nas macrorregiões do estado, percebemos que a região com a maior taxa média foi a Grande Florianópolis. Essa região alternou, com a macrorregião do Planalto Norte e Nordeste, a condição de detentora das maiores taxas de internação do estado.

O que pode ter contribuído para essas regiões terem grande número de internações é que em ambas estão localizados os dois maiores centros de referência para queimados no estado: na Grande Florianópolis, na capital, situa-se o Hospital Infantil Joana de Gusmão, e na macrorregião do Planalto Norte e Nordeste, em Joinville, estão instalados o Hospital Municipal de São José e o Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria. Sendo assim, muitos casos de regiões vizinhas são encaminhados para os centros de referência mais próximos sem o registro do local de residência. O artigo de Fé[24], realizado em Santa Catarina, encontrou resultados semelhantes, mesmo estudando faixas etárias e períodos diferentes.

De acordo com o grau e a extensão da superfície corporal queimada, o Ministério da Saúde classifica as lesões como pequeno, médio e grande queimado[25]. Os casos classificados como médio queimados foram o grupo mais prevalente no período estudado em Santa Catarina, o que vai de encontro do achado de Barros et al.[16], que encontraram, em hospital de Campo Grande/MS, maior proporção de pequenos queimados.

Em relação aos dias de internação dos pacientes estudados, houve prevalência (50,2%) das internações de curta duração (0 a 3 dias), enquanto Fernandes et al.[26] registraram uma média de 5,87 dias. Outros estudos, como o de Rigon et al.[15], encontraram tempo de internação ainda maior (11 dias). Esta diferença pode estar relacionada ao perfil de gravidade das lesões dos pacientes pesquisados em cada estudo, que determina fortemente o tempo de internação, pois depende da complexidade e taxa de Superfície Corporal Queimada.

Quanto à necessidade de internação em UTI, a taxa média encontrada em Santa Catarina foi de 4,2%, semelhante aos 5% observados por Rigon et al.[15]. No mesmo contexto, a taxa média de óbitos da presente pesquisa foi de 0,3/100.000 habitantes, enquanto a do estudo recém citado foi de 1,2%. Estas pequenas taxas de óbitos corroboram a percepção de que houve tendência de redução geral da mortalidade dos queimados nos estudos mais recentes, quando comparados a períodos anteriores, explicados tanto pela redução da prevalência das queimaduras mais graves, quanto pela redução das queimaduras associadas a outras complicações, como a inalação de fumaça.

A maior mortalidade está fortemente associada a queimaduras com superfície corporal queimada mais extensa (>60%)[27]. Ao avaliar as áreas mais acometidas pelas queimaduras em crianças, estudos recentes descrevem maior acometimento de tronco, cabeça e membros superiores, o que corrobora com os achados dessa pesquisa[28]. Apesar da tendência temporal de diminuição de acometimento das áreas do corpo previamente citadas, essas permanecem sendo as principais regiões acometidas, provavelmente explicadas pela diferença de nível entre o agente causador da queimadura e a posição da criança, quase sempre em plano inferior[15] [29].

As crianças, principalmente em idade préescolar, tendem a puxar para perto de si objetos com conteúdo aquecido, como panelas em cima do fogão, além de possuírem maior curiosidade em relação ao ambiente externo, podendo involuntariamente causar episódios de queimaduras, que predominam nas regiões superiores do corpo[29] [30].

Vale destacar que o presente estudo possui algumas limitações. Por ser baseado em dados disponíveis no SIH-SUS do DATASUS, as taxas encontradas são dependentes do correto preenchimento das informações dos pacientes, logo, estão sujeitas a viés de informação. Além disso, o delineamento deste estudo não permite determinar relação causal entre os fatores de risco e a morbimortalidade por queimaduras.

Entretanto, os achados identificaram a população que merece mais atenção, indicaram regiões com possível carência de equipamentos médico-hospitalares para atenção adequada aos acidentes envolvendo queimaduras na infância e reforçaram a necessidade de ações mais efetivas de prevenção, como campanhas virtuais e nas escolas, para orientação das crianças e seus cuidadores. A análise das informações apresentadas pode contribuir também para preparar os profissionais da saúde para as condições mais frequentes e orientar os investimentos públicos para qualificar o Sistema Único de Saúde para essa ocorrência tão relevante.


CONCLUSÃO

Em Santa Catarina, houve tendência de crescimento nas taxas de internação por queimaduras em crianças de 0 a 9 anos, em ambos os sexos, no período de 2012 a 2021. Foi encontrada maior prevalência das internações por queimadura no sexo masculino, na faixa etária de 0 a 4 anos e na região da Grande Florianópolis. O grupo classificado como médio queimado foi o mais prevalente, enquanto as internações de curta duração (0 a 3 dias) foram as mais frequentes. Em relação à região corporal acometida, as queimaduras em cabeça, pescoço e tronco predominaram em relação às outras localizações. A taxa de letalidade por queimadura foi de 2,56 óbitos/1.000 internações.



Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Palhoça, SC, Brasil.



*Autor correspondente:

Beatriz Rodrigues de Oliveira Carreirão
Rua Duarte Schutel, 135, Centro, Florianópolis, Brasil. CEP 88015-640

Publikationsverlauf

Eingereicht: 20. Oktober 2023

Angenommen: 30. April 2024

Artikel online veröffentlicht:
22. Mai 2025

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Bibliographical Record
BEATRIZ RODRIGUES DE OLIVEIRA CARREIRÃO, BÁRBARA CRISTINA AMARO ROCHA, ISADORA CUNHA DAMASCENO, MARIA JÚLIA KUHNEN DUTRA, FLÁVIO RICARDO LIBERALI MAGAJEWSKI. Tendência temporal, distribuição regional e perfil da morbimortalidade por queimadura na infância em Santa Catarina: Um estudo ecológico. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0888pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0888-PT

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Figura 1. Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e idade. Santa Catarina, 2012-2021.
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Figure 1. Burn hospitalization rates (x100,000) according to year of occurrence and age. Santa Catarina, 2012-2021.