CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(01): 217712352024rbcp0876pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0876-PT
Relato de Caso

Carcinoma basocelular de vulva: relato de caso

Article in several languages: português | English
1   Universidade Estadual do Piauí, Centro de Ciências da Saúde, Teresina, Piauí, Brasil.
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1   Universidade Estadual do Piauí, Centro de Ciências da Saúde, Teresina, Piauí, Brasil.
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1   Universidade Estadual do Piauí, Centro de Ciências da Saúde, Teresina, Piauí, Brasil.
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2   Centro Universitário Uninovafapi, Teresina, Piauí, Brasil.
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3   Medimagem, Teresina, Piauí, Brasil.
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4   Oncocenter, Teresina, Piauí, Brasil.
› Author Affiliations
 

▪ RESUMO

Introdução:

O carcinoma basocelular (CBC) de vulva é uma condição rara que corresponde a menos de 0,4% dos casos de CBC e de 2% a 4% das neoplasias de vulva. O CBC de vulva é mais comum entre mulheres brancas, multíparas e na pósmenopausa, especialmente na sétima década de vida. O objetivo é relatar um caso de CBC de vulva no qual discutiram-se os aspectos do diagnóstico e tratamento.

Relato de Caso:

Mulher de 63 anos de idade, G1P1A0, chega ao consultório em janeiro de 2022 para tratamento de lesão persistente em vulva. Realizou-se biópsia incisional que mostrou tratar-se de provável carcinoma basocelular nodular com invasão da derme. A paciente submeteu-se a uma ressecção do tumor com margens macroscópicas livres e sutura primária. A cirurgia não teve complicações no pré-operatório e no pós-operatório. O histopatológico da peça cirúrgica mostrou tratar-se de carcinoma basocelular nodular com área irregular, plana, branco, medindo 0,7x0,4cm, com as margens laterais distando 7,0 e 5,0mm e profundas, 5,9mm; todas livres.

Conclusão:

O caso relatado é raro, tendo sido o tratamento de ressecção cirúrgica do CBC de vulva com margens bem-sucedido. Catorze meses após a cirurgia, a paciente encontra-se sem evidências de recidiva local ou regional.


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INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) de vulva é uma condição rara, pois representa menos de 0,4% de todos os casos de CBC e de 2% a 4% das neoplasias de vulva. Estima-se que, anualmente, ocorram cerca de 6.190 casos no mundo e prevê-se um crescimento de 4,6% no número de casos a cada 5 anos. A maior prevalência ocorre em mulheres brancas, multíparas e na pós-menopausa, especialmente na sétima década de vida, sendo, portanto, a idade avançada um fator de risco, mas pode ocorrer também em pacientes jovens[1] [2].

Em relação à apresentação clínica, as lesões podem variar desde pápulas ou placas solitárias de coloração rósea-avermelhada nos grandes lábios até lesões bilaterais, múltiplas, e nas fases avançadas ocorre ulceração. Quanto à etiologia, uma vez que a região acometida está localizada em uma área protegida da radiação solar, possivelmente há associação com os seguintes fatores: inflamação crônica, exposição à radiação ionizante e ao arsênico, imunossupressão, radiação pélvica ou trauma; ou seja, danos que não se relacionam com radiação ultravioleta, mas que também podem gerar mutações. Logo, é importante fazer a pesquisa de condições secundárias como líquen escleroso, síndrome nevoide e doença de Paget, uma vez que existem casos documentados na literatura de CBC nestas doenças[2].

Os sintomas são inespecíficos e incluem prurido, dor, ulcerações e sangramentos. Estes fazem parte de um quadro com apresentação clínica tardia e variável, sendo, pois, fatores que podem atrasar o diagnóstico e o tratamento. O tipo mais comum é o nodular, em detrimento de outras variantes mais raras como o superficial, o infiltrativo e o misto[3].

A dermatoscopia apresenta características semelhantes às de outros sítios: ninhos ovais de coloração cinza-azulada, telangiectasias arborizantes, e estruturas em formato de folha com áreas claras brilhantes e ulceração[4]. O tratamento é cirúrgico, mas a recidiva pode ocorrer devido ao fato de as bordas do tumor não serem facilmente bem delineadas, dificultando a obtenção de margens cirúrgicas livres e aumentando as chances de realizar excisões incompletas[5] [6].


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OBJETIVO

O objetivo do estudo foi relatar um caso de CBC de vulva no qual discutiu-se os aspectos do diagnóstico e tratamento.


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RELATO DE CASO

Uma mulher de 63 anos de idade, G1P1A0, apresentou-se ao consultório, em Teresina, PI, em janeiro de 2022 para tratamento de uma lesão persistente na vulva. Ela percebeu a presença do nódulo após um pelo encravado persistir em vigência de depilação no local. Sua história pregressa incluía hipertensão arterial sistêmica e uma histerectomia total abdominal, com preservação dos ovários, feita no ano de 2006 devido mioma sintomático e tabagismo há cerca de 30 anos.

O exame ginecológico revelou uma tumoração elevada no terço superior do grande lábio à esquerda, medindo cerca de 1,0x0,8cm, sem ulceração e bordas levemente irregulares, além de ausência de linfadenopatia inguinal suspeita ao exame clínico e ultrassonográfico ([Figura 1]).

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Figura 1. Lesão em vulva apresentada pela paciente.

Uma ultrassonografia transvaginal e uma vulvoscopia foram indicadas. Identificouse, respectivamente, pequeno cisto simples no ovário esquerdo e lesão hipercrômica de superfície lisa no grande lábio esquerdo, suspeita de neoplasia. O histopatológico do material da biópsia incisional da lesão ([Figura 2]) mostrou tratar-se de provável carcinoma basocelular nodular, com invasão da derme e sem invasão perineural.

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Figura 2. Histopatológico da biópsia incisional (aumento: 100x).

A paciente submeteu-se a uma ressecção do tumor da vulva com margens macroscópicas livres e sutura primária. Na cirurgia, não houve complicações e a alta foi obtida após uma noite após o procedimento. No pós-operatório imediato e tardio, também não ocorreram intercorrências, como deiscência e/ou inflamação. O histopatológico da peça cirúrgica ([Figura 3]) mostrou um carcinoma basocelular nodular com área irregular, plana, branco, medindo 0,7x0,4cm, com as margens laterais distando 7,0 e 5,0mm e as profundas, 5,9 mm; todas livres. A paciente, 14 meses após a cirurgia, encontra-se sem evidência de recorrência local ou regional.

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Figura 3. Histopatológico da peça cirúrgica (aumento: 400x).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí (CEPUESPI), Parecer No 4.311.835/2020. A paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a publicação do caso.


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DISCUSSÃO

Atualmente, algumas técnicas como a utilização do dermatoscópio e da microscopia refletiva confocal estão sendo apontadas como vantagens diagnósticas no contexto do CBC. Isso porque proporcionam a visualização de características inerentes ao CBC, como telangiectasias lineares, veias arborizantes e ninhos de células cinza azuladas ovais, além de estruturas peroladas[7] [8]. No presente caso, como a principal suspeita se tratava de neoplasia pela vulvoscopia, optou-se pela realização da biópsia através de punch. Ressalta-se que, quanto mais tardio o diagnóstico, maiores as chances de cirurgias mutiladoras que comprometem a qualidade de vida da paciente.

Ainda segundo validação em série de casos recentes, o local mais afetado pelo CBC de vulva são os lábios maiores, em cerca de 90% dos casos, e a média de idade das mulheres acometidas é de 71,9 anos, sendo a etnia mais afetada a caucasiana. Assim como o exposto, nossa paciente se encontra dentro do intervalo de idade mais frequentemente acometido pelo CBC de vulva, e o local afetado foi considerado o mais frequente na literatura (grandes lábios), apesar de existirem casos em que a lesão se localiza no clitóris, no lábio menor, no períneo e no introito vaginal[1].

Os sintomas iniciais podem ser somente pruridos ou lesões superficiais inespecíficas, no entanto, se não for diagnosticada e tratada adequadamente podem evoluir para ulceração, sangramento e dor, uma vez que o câncer na vulva pode ter um comportamento mais agressivo do que o de áreas fotoexpostas, com mais invasão perineural e infiltração local. É válido ressaltar que pacientes com a síndrome do nevo basocelular, ou seja, mutação no gene PTCH têm mais propensão a desenvolver a doença e necessitam de exames de pele regulares como seguimento.

Quanto aos tipos, os CBC mais comuns são os tipos nodulares, seguido pelos superficiais. Geralmente, não há necessidade de abordagem linfonodal, pois o acometimento metastático é raro. A linfadenectomia inguinal só é indicada na presença de metástase linfonodal clinicamente evidente. O CBC é uma entidade de crescimento indolente e de baixa propensão a metástases. Estudos de imagem são reservados para casos avançados para avaliar o envolvimento de estruturas adjacentes e ajudar na programação cirúrgica[8].

O diagnóstico é feito por biópsia com auxílio da análise histopatológica por meio dos corantes hematoxilina e eosina ou a detecção de marcadores típicos por imuno-histoquímica, com o CK20 sendo o mais indicado, que não foi realizada em nosso caso pelo caráter mais morfológico dos achados, podendo gerar questionamento, e sendo mais utilizada com finalidade acadêmica. A apresentação pode confundir com outras doenças, como psoríase, dermatite, líquen escleroso, neoplasias intraepiteliais vulvares e doença de Paget[1] [3].

Com relação ao desenvolvimento do câncer, os genes p53 e BCL2 estão envolvidos, participando da regulação do ciclo celular. Já os marcadores ki- 67 e PCNA estão ligados à predisposição ao câncer. Mutações no P53 podem levar à malignização de lesões preexistentes e no BCL2 à imortalização da célula. Quanto ao marcador PCNA, não foi utilizado no nosso caso porque é resguardado para identificar lesões relacionadas a luz UV, sendo o presente caso localizado em uma área não fotoexposta. Já o ki-67 confere informação prognóstica sobre o tumor, não sendo utilizado no nosso caso por se tratar de uma lesão não ulcerada e sem sinais de gravidade[9].

Como tratamento pode ser realizado aplicação tópica de imiquimode a 5%, crioterapia, curetagem ou excisão local ampla, incluindo também mais recentemente a técnica de Mohs, com menores índices de recorrência local associados, um problema mais bem relacionado com localização, e não com o tamanho da lesão.

É válido ressaltar que não existem guidelines que corroborem a superioridade de qualquer técnica no tratamento desses tumores e as taxas de recorrência podem chegar a 20%, apesar de alguns autores sugerirem a abordagem cirúrgica por excisão com margens livres como efetiva. A terapia sistêmica pode ser recomendada em casos de margens positivas, metástases e casos avançados, sendo o vismodegib uma excelente opção (inibidor da sinalização HH)[6] [10].


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CONCLUSÃO

O caso relatado de CBC de vulva em mulher na pós-menopausa de 63 anos de idade com história de lesão vulvar após inflamação crônica do local não fotoexposto é raro, tendo sido o tratamento realizado por meio de ressecção cirúrgica do tumor com margens. Em 14 meses de seguimento pós-cirurgia, a paciente encontra-se sem evidências de recidiva local ou regional.


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Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Universidade Estadual do Piauí, Centro de Ciências da Saúde, Teresina, PI, Brasil.


  • REFERÊNCIAS

  • 1 Asilian A, Moeine R, Hafezi H, Shahriarirad R. Treatment of vulvar basal cell carcinoma with Slow-Mohs micrographic surgery A case report. Clin Case Rep 2022; 10 (10) e6442
  • 2 Tan A, Bieber AK, Stein JA, Pomeranz MK. Diagnosis and management of vulvar cancer: A review. J Am Acad Dermatol 2019; 81 (06) 1387-1396
  • 3 Rudd JC, Li C, Hajiannasab R, Khandalavala J, Sharma P. Diagnosing Basal Cell Carcinoma of the Vulva: A Case Report and Review of the Literature. Cureus 2021; 13 (12) e20791
  • 4 Renati S, Henderson C, Aluko A, Burgin S. Basal cell carcinoma of the vulva: a case report and systematic review of the literature. Int J Dermatol 2019; 58 (08) 892-902
  • 5 Kumar N, Ray MD, Sharma DN, Pandey R, Lata K, Mishra A. et al. Vulvar cancer: surgical management and survival trends in a low resource setting. J Egypt Natl Canc Inst 2020; 32 (01) 4
  • 6 Sinha K, Abdul-Wahab A, Calonje E, Craythorne E, Lewis FM. Basal cell carcinoma of the vulva: treatment with Mohs micrographic surgery. Clin Exp Dermatol 2019; 44 (06) 651-653
  • 7 Dalton AK, Wan KM, Gomes D, Wyatt JM, Oehler MK. Inguinal Metastasis from Basal Cell Carcinoma of the Vulva. Case Rep Oncol 2019; 12 (02) 573-580
  • 8 Wohlmuth C, Wohlmuth-Wieser I. Vulvar malignancies: an interdisciplinary perspective. J Dtsch Dermatol Ges 2019; 17 (12) 1257-1276
  • 9 Flipo R, Bani MA, Rejaibi S, Talhi N, Sastre-Garau X. Vulvar Basal Cell Carcinoma: Clinical and Histopathologic Features. Int J Gynecol Pathol 2022; 41 (01) 86-92
  • 10 Choi HY, Roh MS, Park JW. Vulvar Basal Cell Carcinoma in Postmenopausal Women: Two Case Reports. J Menopausal Med 2023; 29 (01) 40-43

*Autor correspondente:

Rafael Everton Assunção Ribeiro da Costa
Rua Olavo Bilac 2335, Centro (Sul), Teresina, PI, Brasil. CEP: 64001-280

Publication History

Received: 18 September 2023

Accepted: 05 December 2023

Article published online:
20 May 2025

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

Bibliographical Record
MARIA CLARA AMORIM-SILVA, RAFAEL EVERTON ASSUNÇÃO-RIBEIRO-DA COSTA, ERLAN CLAYTON XAVIER-CAVALCANTE, ESTER SOARES- BATISTA-DA COSTA, ANA MARIA LIMA- FURTADO-VELOSO, SABAS CARLOS VIEIRA. Carcinoma basocelular de vulva: relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0876pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0876-PT
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Figura 1. Lesão em vulva apresentada pela paciente.
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Figura 2. Histopatológico da biópsia incisional (aumento: 100x).
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Figura 3. Histopatológico da peça cirúrgica (aumento: 400x).
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Figure 1. Injury to the vulva presented by the patient.
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Figure 2. Histopathology of incisional biopsy (magnification: 100x).
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Figure 3. Histopathology of the surgical specimen (magnification: 400x).