RSS-Feed abonnieren

DOI: 10.26790/BJO20171346A177
Uso de regorafenibe em pacientes com câncer colorretal metastático previamente tratados com bevacizumabe ou aflibercepte: experiência clínica uni-institucional
Use of regorafenibe in patients with metastastic colorretal cancer previously treated with bevacizumab or aflibercept: uni-institutional clinical experienceRESUMO
Introdução: A adição de terapias alvo antiangiogênicas, como o bevacizumabe e aflibercepte, promoveu ganho em sobrevida global (SG) para pacientes com câncer colorretal metastático (CCRm) em segunda linha, quando combinado a quimioterapia padrão. Mais recentemente, o estudo CORRECT demonstrou que regorafenibe, uma droga oral e inibidora de várias tirosino-quinases,, proporcionou ganho em SG em pacientes com CCRm refratário. Porém, a eficácia e a tolerabilidade de regorafenibe no nosso meio não foi reportada, bem como os desfechos pós uso de aflibercepte.
Objetivo: Avaliar os desfechos clínicos globais de pacientes brasileiros tratados com regorafenibe e também os desfechos de acordo com o tipo de antiangiogênico prévio, (A) aflibercepte ou (B) bevacizumabe. Métodos: Estudo retrospectivo unicêntrico de pacientes com CCRm tratados com regorafenibe em programa de acesso expandido.
Resultados: Foram incluídos 24 pacientes: 14 receberam bevacizumabe (Grupo B) e 10, aflibercepte (Grupo A). A maioria dos pacientes apresentava adenocarcinoma de cólon e todos com ECOG 0 ou 1. A proporção de pacientes com tumores RAS selvagem foi 30% no Grupo A e 42,8% no Grupo B. A melhor resposta foi doença estável por RECIST 1.1. A sobrevida global mediana foi 8,15 meses no Grupo A, 5,8 meses no Grupo B e de 6,16 meses na análise global. A presença de escavação de metástases pulmonares (45% no Grupo B e 66%% no Grupo A) não influenciou a sobrevida global. Cerca de 80% dos pacientes do Grupo A recebeu terapia a ntitumoral após progressão ao regorafenibe versus 35,7% no Grupo B. Fadiga, reação mão-pé-pele, elevação de enzimas hepáticas e hipertensão arterial foram os eventos adversos mais comuns relacionados a regorafenibe, sendo que no Grupo A, as toxicidades graus 2 ou 3 ocorreram em 90% em dos casos, e no Grupo B, ocorreram em 78,50%. Não houve toxicidades graus 4 ou 5.
Conclusão: Nesta série retros pectiva, a sobrevida mediana do grupo bevacizumabe foi semelhante aos estudos clínicos. No grupo aflibercepte, a sobrevida mediana foi numericamente maior. Porém, este achado pode ser atribuído a viés de seleção. O perfil de toxicidade foi semelhante ao da literatura, exceto por menos diarréia, um efeito adverso comum no estudo CORRECT, com população norte-americana.
#
ABSTRACT
Background: The addition of antiangiogenic therapies, such as bevacizumab and aflibercept, resulted in overall survival (OS) gain for patients with metastatic colorectal (mCRC). Recently the CORRECT trial demonstrated that regorafenib, an oral multi-kinase inhibitor, also led to improved OS in patients with refractory mCRC. However, the efficacy and safety of regorafenib has not been described in our region, as neither the outcomes following treatment with aflibercept. Objective: To evaluate the overall treatment outcomes of Brazilian patients treated with regorafenib as well as according to type of prior antiangiogenic agent, aflibercept (Group A) or bevacizumab (Group B).
Methods: Retrospective unicenter study of mCRC patients treated with regorafenibe within an Expanded Access Program.
Results: We included 24 patients: 14 received B and 10, received A. Most patients had colon cancer and all had ECOG 0 or 1. Wild type RAS mCRC was present in 30% of Group A and in 42.8% of Group B. The best response by RECIST 1.1 was stable disease. Median OS times were 8.15 months in Group A, 5.8 months in Group B and 6.16 months for the whole group. Cavitation of pulmonary metastases (45% in Group B and 66%% in Group A) did not influence OS. Nearly 80% of Group A patients received post-progression treatments versus 35.7% in Group B. Fatigue, hand-foot skin reactions, elevated liver enzymes and arterial hypertension were the most common adverse events related to regorafenib, with grade 2/3 occurring in 90% of Group A and in 78.50% of Group B. There were no grade 4 toxicities.
Conclusion: In this retrospective series, the median OS of patients treated with regorafenib after bevacizumab was similar to that reported by phase III trials. For those previously treated with aflibercept, the median OS was numerically longer in comparison with the bevacizumab group, although this could be explained by selection bias. The toxicity profile of regorafenibe was also similar to that described in the literature except for less diarrhea, which was rare among Brazilian patients.
#
INTRODUÇÃO
O câncer colorretal metastático (CCRm) é um dos mais comuns em homens e mulheres no nosso meio. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Brasil foram estimados 50.880 novos casos em 2016. [1] Aproximadamente 20% dos casos são metastáticos ao diagnóstico[2] e, caso não sejam passíveis de metastasectomia com intenção curativa, a quimioterapia sistêmica paliativa associada a anticorpos monoclonais é o tratamento padrão com objetivo de aumentar sobrevida e/ou a qualidade de vida dos pacientes. A associação de bevacizumabe ao esquema com fluorouracil bolus e irinotecano, em primeira linha, apresentou ganho em sobrevida global, sobrevida livre de progressão e taxa de resposta.[3] Já a adição da mesma terapia anti-VEGF (fator de crescimento vascular endotelial) ao esquema contendo fluoropirimidina e oxaliplatina em primeira linha demonstrou ganho em sobrevida livre de progressão, mas sem ganho em sobrevida global ou taxa de res-posta[4] Para pacientes com tumores RAS selvagem, a adição de anticorpos monoclonais anti-EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico), panitumumabe ou cetuximabe, à quimioterapia de primeira linha FOLFOX ou FOLFIRI, também proporcionou ganhos no cenário metastático. O estudo Crystal, que avaliou a associação de FOLFIRI ao cetuximabe em primeira linha, demonstrou benefício da associação em pacientes com status RAS selvagem em sobrevida global (23,5 meses versus 20 meses, HR 0,796, p=0,0093), sobrevida livre de progressão (9,9 meses versus 8,4 meses, HR 0,696, p=0,0012) e taxa de resposta (57,3% versus 39,7%, OR 2,069 p<0,001). [5] Além disso, a atualização do estudo PRIME, que avaliou a associação do panitumumabe a FOLFOX4 em primeira linha, também demonstrou ganho em sobrevida livre de progressão a favor da associação para paciente com status RAS selvagem (10 meses versus 8,6 meses HR 0,80, p=0,01) e em sobrevida global para os paciente com status RAS selvagem (HR 0,83, p=0,03).[6] Uma análise retrospectiva de ensaios de fase III que avaliou a utilização do anti-EGFR em primeira linha demonstrou que nos pacientes com tumores RAS selvagem, a localização do tumor do lado esquerdo teve associação com maior sobrevida livre de progressão, resposta objetiva e sobrevida global.[7] Para os pacientes que progrediram à primeira linha com esquema com oxaliplatina, tendo recebido ou não terapia anti-VEGF, a associação de aflibercepte com FOLFIRI em segunda linha demonstrou ganho modesto, mas estatisticamente significativo, em sobrevida global (HR: 0,817, 13,5 meses vs 12,06 meses), sobrevida livre de progressão e taxa de resposta.[8] Uma outra estratégia é a manutenção do bevacizumabe além da progressão à primeira linha com FOLFOX ou FOLFIRI e bevacizumabe, com prolongamento discreto da sobrevida global mediana de 9,8 meses para 11,2 meses (HR 0,81, p=0,0062).[9] Recentemente, o anticorpo monoclonal ramucirumabe, quando utilizado em segunda linha em combinação a FOLFIRI, também levou a ganho modesto, mas significativo estatisticamente, na sobrevida global mediana (HR 0,844, p=0,0219).[10]
Em 2012, regorafenibe, um inibidor oral que bloqueia quinases envolvidas na angiogênese tumoral (VEGFR1, VEGFR2 [KDR], VEGFR3 [FLT4], TIE2 [TEK]), oncogenes (KIT, RET, RAF1, BRAF), além de atuar no microambiente tumoral (PDGFR e FGFR), foi testado em estudo fase III placebo-controlado e duplo cego com desfecho primário de sobrevida global em pacientes previamente expostos a todas as linhas padrão de tratamento. Neste estudo, batizado de CORRECT, a sobrevida global mediana foi 6,4 meses nos pacientes do grupo regorafenibe versus 5 meses no grupo placebo (HR 0,77, p=0,0052).[11]
Apesar de haver dados publicados de programas de acesso expandidos em vários países,[12] não há dados de pacientes tratados com regorafenibe fora de estudos clínicos no nosso meio. Além disso, a eficácia e tolerabilidade de regorafenibe foram avaliadas na população previamente tratada com bevacizumabe, mas não com aflibercepte, já que esta droga não estava disponível na época do recrutamento do estudo CORRECT. Com isso, nosso estudo tem como objetivos avaliar a eficácia e segurança de regorafenibe em pacientes brasileiros com CCRm e também de acordo com tipo de terapia antiangiogência prévia (bevacizumabe ou aflibercepte).
#
MÉTODOS
Esta é uma análise retrospectiva de dados coletados prospectivamente de pacientes tratados com regorafenibe no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) em de um programa de acesso expandido. Neste programa, eram elegíveis pacientes adultos com CCRm com progressão após quimioterapia citotóxica (fluoropirimidinas, irinotecano, oxaliplatina), antiangiogênicos, sendo estes aflibercepte (A) ou bevacizumabe (B), e anticorpos monoclonais anti-EGFR para pacientes com tumores RAS selvagem, ECOG 0 ou 1, boas funções orgânicas e ausência de metástases cerebrais. Eram excluídos pacientes que faziam uso de anticoagulação plena, infecção ativa, doença cardiovascular clinicamente relevante e hipertensão arterial não controlada. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e todos os pacientes assinaram Termo de Adesão antes de iniciar tratamento, conforme legislação vigente.
Coleta de dados
Os dados de eficácia e toxicidade foram inseridos pelos investigadores de forma prospectiva e padronizada para estudo clínico. Assim, todos os pacientes passavam em consulta com enfermagem de pesquisa e médico investigador para avaliação de toxicidades de acordo com National Cancer Institute Common Toxicity Criteria for Adverse Events (CTC AE) versão 4.0. A avaliação de eficácia ocorreu por meio de exames de imagem (tomografias de tórax, abdome e pelve) realizados a cada 8 semanas (+/-3 dias), com resposta mensurada pelos critérios de RECIST 1.1. Foram coletados os prospectivamente os seguintes dados: idade no início do tratamento com regorafenibe, sexo, origem do tumor primário, status RAS, performance status/ECOG no inicio da terapia com regorafenibe, linhas de quimioterapia. Foram coletados de forma retrospectiva dos prontuários eletrônicos, os seguintes dados: realização de cirurgia prévia do tumor primário, tipo de antiangiogênico usado e seu tempo (data do D1 da primeira dose até ultima dose), se metastasectomia prévia com intuito curativo, se realização de radioterapia prévia, sítios de metástase, intervalo entre primeira linha paliativa e inicio do uso do regorafenibe, se houve surgimento de lesões pulmonares escavadas (cavitações) nas tomografias digitais de tórax e linhas subsequentes de tratamento após regorafenibe.
#
Tratamento e avaliações de segurança e eficácia
Os pacientes receberam 4 comprimidos de regora-fenibe orais de 40mg cada, em única tomada, diariamente por 21 dias, seguido de pausa de 7 dias, até progressão, intolerância/toxicidade ou desejo do paciente. Um ciclo de tratamento foi definido como 28 dias, conforme publicado.[12] Os pacientes eram avaliados para aderência à medicação e clinicamente através de exame físico e história médica quinzenalmente por 8 semanas e mensalmente após, até progressão de doença. Exames laboratoriais gerais (hemograma, função hepática e renal, eletrólitos, lipase, amilase, fósforo) eram realizados a cada 15 dias. Para este estudo, coletamos tipos e frequências de eventos adversos de grau 2 ou maior, por impactarem na qualidade de vida dos pacientes, excluindo aquelas de graus 1, por dificuldade de estabelecer causalidade com regorafenibe. Exames de imagem eram realizados dentro de 4 semanas do início do regorafenibe, como imagem da linha de base, e depois a cada 8 semanas (+/- 3 dias) até progressão.
Redução de dose de regorafenibe para 120mg/dia (3 comprimidos) era permitida em casos de eventos adversos de grau 3 ou 4 ou em casos de toxicidades grau 2 persistente, a critério clínico. Para pacientes que apresentavam reação mão-pé-pele (RMPP) grau 2, redução de dose era recomendada. Interrupções de tratamento de uma semana, ou mais se necessário (máximo de 3 semanas), eram instituídas para que os eventos adversos se resolvessem ou se tornassem de grau 1. Pacientes que apresentassem hipertensão arterial de grau 2 foram manejados com anti-hipertensivos; se grau 3, o regorafenibe era interrompido e anti-hipertensivos eram adicionados ou tinham suas doses ajustadas, até grau 1. Caso houvesse reincidência do evento adverso, isto é, novo evento de grau 2 para RMPP ou de grau 3 para demais toxicidades, novo ajuste de dose para 80mg/dia (2 comprimidos) foi permitida. Se nova reincidência, o tratamento era descontinuado permanentemente.
#
Análise estatística
Estatística descritiva foi utilizada para reportar os resultados. As análises foram por intenção de tratamento, considerando pacientes que receberam ao menos uma dose de regorafenibe. Sobrevida global foi calculada a partir da primeira dose de tratamento até morte por qualquer causa.
#
#
RESULTADOS
No período de 20 de março de 2014 a 22 de julho de 2015, um total de 24 pacientes foram incluídos. Destes, 14 pacientes fizeram uso de bevacizumabe e 10 receberam aflibercepte como agente antian-giogênico prévio. Um paciente, que recebeu as duas terapias (A e B) previamente, sendo aflibercepte por 224 dias e bevacizumabe por 210 dias, foi incluído no grupo aflibercepte, por ter sido o antiangiogênico utilizado por mais tempo.
As características da população estão resumidas na [tabela 1]. A mediana de idade foi de 56,17 anos no Grupo A e 53,33 anos no Grupo B. A maioria dos pacientes era do sexo masculino, com tumor primário em cólon, ECOG 0 ou 1, e haviam sido submetidos previamente a alguma cirurgia com intenção curativa. Seis pacientes (42,8%) no Grupo B e três (30%) pacientes no Grupo A tinham tumores KRAS selvagem. No Grupo B, quatro pacientes receberam regorafenibe em 3a linha, cinco pacientes receberam em 4a linha, quatro pacientes receberam em 5a linha e um paciente recebeu em 7a linha. No Grupo A, um paciente recebeu regorafenibe em 2a linha (houve progressão de doença durante adjuvância com fluorouracil e oxaliplatina, sendo administrado FOLFIRI como primeira linha), cinco receberam em 3a linha e quatro receberam em 4a linha.
A mediana de intervalo de tempo entre a primeira linha e o início do uso do regorafenibe foi de 710 dias (317 - 1845 dias) ou 23,6 meses no Grupo A e 767,5 dias (343 - 1531 dias) ou 25,6 meses no Grupo B. A mediana de tempo de tratamento com regorafenibe foi de 48 dias (21 - 194) ou 1,6 meses versus 47 dias (12 - 195) ou 1,5 meses para os grupos A e B, respectivamente.
No Grupo A, dos dez pacientes, oito (80%) receberam terapia após progressão ao regorafenibe, e dois receberam melhor terapia de suporte exclusivamente. No Grupo B, cinco (35,7%) pacientes foram submetidos a terapia adicional após progressão de doença, cinco receberam tratamento paliativo exclusivo e quatro perderam seguimento, sem dados adicionais sobre desfecho clinico. ([Tabela 2])
A tabela 2 mostra quais pacientes receberam terapia adicional após a progressão ao uso do regorafenibe e quais os tratamentos realizados.
Desfechos de eficácia
Em ambos os grupos, a melhor resposta ao uso do regorafenibe foi doença estável por RECIST 1.1. Considerando todos os pacientes, a sobrevida global mediana de 185 dias (16-864) ou 6,16 meses. No momento do levantamento dos dados, todos os pacientes avaliados haviam falecido. A sobrevida global mediana do Grupo B foi de 174 dias (16-621) ou 5,8 meses e de 244,5 dias (113-864) ou 8,15 meses para o Grupo A. Analisando globalmente os pacientes com metástases pulmonar (N=19; 79%, sendo 60% no Grupo A e 45% no Grupo B), a sobrevida mediana sem cavitação foi de 254,5 dias (113-864) ou 8,48 meses e a com cavitação, de 222 dias (132 - 475) ou 7,4 meses.
#
Toxicidades
As toxicidades encontradas estão descritas na [tabela 3] abaixo. No Grupo B, 11 pacientes dos 14 apresentaram toxicidade grau 2 e 3 de grau 3. As principais toxicidades encontradas foram: fadiga em 9 pacientes, 3 relatos de toxicidade cutânea (reação mão-pé-pele), sendo que um destes apresentou grau 3 de toxicidade, rash cutâneo, náusea, hepatotoxicidade (elevação de transaminases séricas), hiperglicemia, elevação assintomática de lipase sérica (1 paciente grau 3), inapetência e hipertensão arterial sistêmica em 2 pacientes, sendo um deles grau 3. Já no Grupo A, 9 pacientes dos 10 apresentaram toxicidade grau 2 e 2 de grau 3, sendo estas: hipertensão arterial sistêmica (1 paciente) e toxicidade hepática (aumento de transaminases em 1 paciente). Dentre as toxicidades grau 2, 3 pacientes apresentaram hepatotoxicidade, com elevação de transaminases sérica, 3 apresentaram reação mão-pé-pele, 2 apresentaram elevação da pressão arterial, 2 apresentaram fadiga, 1 hipofosfatemia assintomática, 1 anemia, 1 apresentou rash cutâneo, 1 hematúria, 1 proteinúria e 1 paciente apresentou dor à mastigação. Ocorreu um caso de descontinuação do tratamento devido a reação mão-pé-pele. Não houve toxicidades graus 4 ou 5.
A [tabela 3] apresenta as toxicidades relacionadas ao tratamento com regorafenibe em cada paciente do estudo.
#
#
DISCUSSÃO
Este é o primeiro estudo brasileiro que reporta os desfechos clínicos de pacientes que receberam regorafenibe para câncer colorretal metastático refratário a outras terapias padrão. Reportamos também dados originais sobre os resultados de eficácia e toxicidades de acordo com o tipo de droga antiangiogênica previamente utilizada. Nesta série retrospectiva de dados coletados prospectivamente, demonstramos que a eficácia e tolerabilidade de regorafenibe em pacientes brasileiros são semelhantes àquelas descritas no estudo fase III CORRECT,[11] que recrutou pacientes norte-americanos. No entanto, encontramos menor frequência de diarreia associada ao regorafenibe e uma sobrevida global mediana maior no grupo de pacientes que recebeu aflibercepte como terapia antiangiogênica prévia, em comparação a uso prévio de bevacizumabe.
No estudo CORRECT, a sobrevida global foi de 6,4 meses e 100% dos pacientes haviam recebido bevacizumabe em linhas anteriores.[11] Esses dados de sobrevida são próximos daqueles reportados por uma metanálise com 12 estudos que avaliou 702 pacientes que receberam regorafenibe, reportando sobrevida global mediana de 7,27 meses (95% CI=6,23 meses - 8,3 meses).[13] Na nossa avaliação global dos pacientes, a mediana da sobrevida foi de 6,16 meses. Realizando uma análise dos dois diferentes grupos, os dados de sobrevida global no grupo bevacizumabe são semelhantes aos da literatura.[13] Entretanto, no grupo que recebeu aflibercepte previamente, a mediana da sobrevida global foi de 8,5 meses. Devido ao pequeno número de pacientes em ambos os grupos, não realizamos análise estatística comparativa entre os dois grupos. O aflibercepte é um antiangiogênico de amplo espectro, que bloqueia os fatores pró-angiogênicos VEGF-A, VEGF-B e placental growth factor (PlGF), enquanto que o bevacizumabe bloqueia apenas o VEGFA.[8] Dessa forma, podemos pressupor que um possível bloqueio angiogênico mais potente com o aflibercepte possa induzir maior produção rebote de outros fatores pró-angiogênicos e assim, tornar o tumor mais sensível ao regorafenibe, que é um inibidor de múltiplas tirosino quinases com propriedades angiogênicas. Em contrapartida, existe a possibilidade de algum viés de seleção a favor dos pacientes do grupo aflibercepte, mesmo que ambos os grupos tenham sido compostos por pacientes com performance status 0 ou 1 e idades medianas semelhantes; por exemplo, houve maior proporção de pacientes que recebeu linhas adicionais após progredirem ao regorafenibe no Grupo A versus Grupo B (80% versus 42%). Portanto, novos estudos com maior número de pacientes são necessários para avaliar se a diferença encontrada em sobrevida de acordo com antiangiogênico é real. Neste contexto, seria interessante também avaliar desfechos clínicos em pacientes tratados com regorafenibe e que receberam ramucirumabe previamente.
Com o objetivo de identificar marcadores de imagem que se correlacionariam com melhor desfecho clínico, em 2017 foi publicada uma análise exploratória do estudo CORRECT (RadioCORRECT study)[14] que avaliou a associação entre cavitação de metástases pulmonares e sobrevida global. O estudo demonstrou que os pacientes que apresentaram lesões escavadas tiveram maior redução relativa do risco de morte precoce de 77% ao longo do tratamento (HR 0,23, 95% CI 0,08 a 0,66).[14] No nosso estudo, a analise global dos pacientes não demonstrou maior sobrevida entre aqueles que apresentaram lesões escavadas; contudo, houve maior proporção de lesões pulmonares escavadas nos pacientes que receberam aflibercepte previamente (60% dos pacientes com metástases pulmonares) em comparação com aqueles que receberam bevacizumabe (45% dos pacientes com metástases pulmonares). Devido pequeno número de paciente, não realizamos análises comparativas de sobrevida quanto a cavitação de metástases pulmonares.
Acima de 80% dos pacientes avaliados apresentaram toxicidades, sendo a maioria de grau 2, e somente um paciente abandonou o tratamento devido à toxicidade limitante reação mão-pé-pele. Globalmente, as principais toxicidades encontradas foram fadiga, síndrome mão-pé-pele e hepatotoxicidade, com elevação assintomática de transaminases séricas, semelhante ao estudo CORRECT. Porém, 7% dos pacientes do CORRECT apresentaram diarreia grau 3, enquanto não houve diarreia de grau 2 ou mais nos nossos pacientes. Além disso, a principal toxicidade hematológica encontrada no CORRECT foi plaquetopenia, sendo que no nosso estudo, a principal foi anemia, e não tivemos casos de plaquetopenia de grau 2 ou mais. Em um estudo fase III semelhante, mas em população asiática, o ensaio CONCUR, 17% dos pacientes apresentou diarreia grau 2 e apenas 1%, grau 3.[15] Essas diferenças podem dever-se à diferença de número de pacientes entre os estudos, ou à diferença étnico-populacional, alimentar, etc. Não encontramos diferenças significativas no perfil de toxicidade de acordo com tipo de antiangiogênico prévio utilizado. Esses dados sugerem que independente da terapia anti-angiogênica utilizada previamente, o regorafenibe é uma droga com perfil de toxicidade alto, o que demanda um seguimento próximo do paciente, com manejo de dose ou interrupção do tratamento, caso o paciente apresente toxicidades limitantes.
Na nossa série, observamos que a maioria dos pacientes foi exposta a linhas adicionais de tratamento após progressão tumoral ao regorafenibe. Este achado remete a questão de qual o melhor momento de administrar regorafenibe em pacientes com mCRC refratário e ECOG 0 ou 1: se como ultima linha, antes de rechallenge com quimioterápicos anteriores, ou se em 3a ou 4a linha, antes do rechallenge.
Numa série retrospectiva de 128 pacientes, quimioterapia citotóxica após uso de regorafenibe resultou em sobrevida livre de progressão mediana de apenas 1,6 meses e sobrevida global de 2 meses, sugerindo que, em caso de utilização de regorafenibe, provavelmente seu beneficio é mais relevante num cenário menos refratário, onde os pacientes ainda apresentam condições clínicas favoráveis.[16] Apesar das limitações do nosso estudo devido ao baixo número de pacientes avaliados e ao fato de o estudo ser retrospectivo, sujeito a vieses inerentes a este tipo de desenho, conseguimos demonstrar que a sobrevida e perfil de toxicidade geral dos nossos pacientes foi semelhante aos dados da literatura. A padronização na coleta prospectiva de boa parte dos dados, e a avaliação da resposta por RECIST 1.1 traduziu-se em uma maior confiabilidade dos dados obtidos.
#
CONCLUSÃO
Nesta série de pacientes brasileiros com mCRC refratário tratados com regorafenibe dentro de um programa de acesso expandido, a segurança e eficácia foram semelhantes ao reportado na literatura, exceto por menor incidência de diarreia. A maior sobrevida observada nos pacientes do grupo aflibercepte necessita de comprovação com estudos futuros. Conseguimos demonstrar que, apesar do regorafenibe ser uma droga com perfil de toxicidade alto, a maioria dos eventos adversos foram de grau 2 e manejáveis, desde que haja monitoramento próximo dos pacientes.
#
AGRADECIMENTOS
Agradecemos respeitosamente a equipe de enfermagem de pesquisa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e à Bayer Oncologia Brasil, pela oportunidade de participarmos do Programa de Acesso Expandido de Regorafenibe.
#
#
Conflitos de interesse
Dra Rachel Riechelmann recebeu financiamento de pesquisa e honorários para participação em advisory boards da empresa Bayer Oncologia.
-
REFERÊNCIAS
- 1 Brasil, Instituto Nacional de Cancer. INCA [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; c1996-2017.[citado em: 2017 Dez 12]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tipos-decancer/site/home/colorretal
- 2 Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer Statistics, 2017. CA Cancer J Clin 2017; 67 (01) 7-30
- 3 Hurwitz H, Fehrenbacher L, Novotny W, Cartwright T, Hainsworth J, Heim W. et al Bevacizumab plus irinotecan, fluorouracil, and leucovorin for metastatic colorectal cancer. N Engl J Med 2004; 350 (23) 2335-42
- 4 Saltz LB, Clarke S, Diaz Rubio E, Scheithauer W, Figer A, Wong R. et al. Bevacizumab in combination with oxaliplatin-based chemotherapy as first-line therapy in metastatic colorectal cancer: a randomized phase III study. J Clin Oncol 2008; 26 (12) 2013-9
- 5 Van Cutsem E, Kohne CH, Hitre E, Zaluski J, Chien AC, Makhson A. et al. Cetuximab and chemotherapy as initial treatment for metastatic colorectal cancer. N Engl J Med 2009; 360 (14) 1408-17
- 6 Douillard JY, Siena S, Cassidy J, Tabernero J, Burkes R, Barugel M. et al. Final results from PRIME: randomized phase III study of panitumumab with FOLFOX4 for first-line treatment of metastatic colorectal cancer. Ann Oncol 2014; 25 (07) 1346-55
- 7 Tejpar S, Stintzing S, Ciardello F, Tabernero J, Van Cutsem E, Beier F. et al. Prognostic and predictive relevance of primary tumor location in patients with RAS wild-type metas-tatic colorectal cancer: retrospective analyses of the CRYSTAL and FIRE-3 trials. Jama Oncol 2017; 3 (02) 194-201
- 8 Van Cutsen J, Tabernero J, Lakomy R, Prenen H, Prausová J, Macarulla T. et al. Addition of aflibercept to fluorouracil, leucovorin, and irinotecan improves survival in a phase III randomized trial in patients with metastatic colorectal cancer previously treated with an oxaliplatin-based regime. J Clin Oncol 2012; 30 (28) 3499-506
- 9 Bennouna J, Sastre J, Arnold D, Osterlund P, Greil R, Van Cutsem E. et al Continuation of bevacizumab after first progression in metastatic colorectal cancer (ML18147): a randomised phase 3 trial. Lancet Oncol 2013; 14 (01) 29-37
- 10 Tabernero J, Yoshino T, Cohn AL, Obermannova R, Bodoky G, Garcia-Carbonero R. et al. Ramucirumab versus placebo in combination with second-line FOLFIRI in patients with metastatic colorectal carcinoma that progressed during or after first-line therapy with bevacizumab, oxaliplatin, and a fluoropyrimidine (RAISE): a randomised, double-blind, multicentre, phase 3 study. Lancet Oncol 2015; 16 (05) 499-508
- 11 Grothey A, Van Cutsem E, Sobrero A, Siena S, Falconi A, Ychou M. et al. Regorafenib monotherapy for previously treated metastatic colorectal cancer (CORRECT): an international, multicentre, randomised, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet 2013; 381 (9863) 303-12
- 12 Adenis A, Andre T, de la Fouchardiere C, Paule B, Burtin P, Tougeron D. et al Survival, safety, and prognostic factors for outcome with Regorafenib in patients with metastatic colorectal cancer refractory to standard therapies: results from a multicenter study (REBECCA) nested within a compassionate use program. BMC Cancer 2016; 16: 412
- 13 Mercier J, Voutsadakis IA. A systematic review and meta-analysis of retrospective series of regorafenib for treatment of metastatic colorectal cancer. Anticancer Res 2017; 37 (11) 5925-34
- 14 Ricotta R, Verrioli A, Ghezzi S, Porcu L, Grothey A, Falconi A. et al. Radiological imaging markers predicting clinical outcome in patients with metastatic colorectal carcinoma treated with regorafenib: post hoc analysis of the CORRECT phase III trial (RadioCORRECT study). ESM Open 2017; 1 (06) e000111
- 15 Li J, Qin S, Xu R, Yau TC, Ma B, Pan H. et al. Regorafenib plus best supportive care versus placebo plus best supportive care in Asian patients with previously treated metastatic colorectal cancer (CONCUR): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol 2015; 16 (06) 619-29
- 16 Bertochi P, Aroldi F, Prochilo T, Meriggi F, Beretta GD, Zaniboni A. Chemotherapy rechallenge after regorafenib treatment in metastatic colorectal cancer: still hope after the last hope?. J Chemother 2017; 29 (02) 102-5
Correspondence author:
Publikationsverlauf
Eingereicht: 20. Dezember 2017
Angenommen: 30. Dezember 2017
Artikel online veröffentlicht:
25. Februar 2025
© 2017. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)
Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil
Rodrigo Nogueira Fogace, Luiz Antonio Senna Leite, Daniela Ribeiro Nebuloni, Giovanni Mendonça Bariani, Fernanda Capareli, Lucila Soares da Silva Rocha, Paulo Marcelo Gehm Hoff, Thomas Giollo Rivelli, Rachel P. Riechelmann. Uso de regorafenibe em pacientes com câncer colorretal metastático previamente tratados com bevacizumabe ou aflibercepte: experiência clínica uni-institucional. Brazilian Journal of Oncology 2017; 13: e-BJO20171346A177.
DOI: 10.26790/BJO20171346A177
-
REFERÊNCIAS
- 1 Brasil, Instituto Nacional de Cancer. INCA [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; c1996-2017.[citado em: 2017 Dez 12]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tipos-decancer/site/home/colorretal
- 2 Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer Statistics, 2017. CA Cancer J Clin 2017; 67 (01) 7-30
- 3 Hurwitz H, Fehrenbacher L, Novotny W, Cartwright T, Hainsworth J, Heim W. et al Bevacizumab plus irinotecan, fluorouracil, and leucovorin for metastatic colorectal cancer. N Engl J Med 2004; 350 (23) 2335-42
- 4 Saltz LB, Clarke S, Diaz Rubio E, Scheithauer W, Figer A, Wong R. et al. Bevacizumab in combination with oxaliplatin-based chemotherapy as first-line therapy in metastatic colorectal cancer: a randomized phase III study. J Clin Oncol 2008; 26 (12) 2013-9
- 5 Van Cutsem E, Kohne CH, Hitre E, Zaluski J, Chien AC, Makhson A. et al. Cetuximab and chemotherapy as initial treatment for metastatic colorectal cancer. N Engl J Med 2009; 360 (14) 1408-17
- 6 Douillard JY, Siena S, Cassidy J, Tabernero J, Burkes R, Barugel M. et al. Final results from PRIME: randomized phase III study of panitumumab with FOLFOX4 for first-line treatment of metastatic colorectal cancer. Ann Oncol 2014; 25 (07) 1346-55
- 7 Tejpar S, Stintzing S, Ciardello F, Tabernero J, Van Cutsem E, Beier F. et al. Prognostic and predictive relevance of primary tumor location in patients with RAS wild-type metas-tatic colorectal cancer: retrospective analyses of the CRYSTAL and FIRE-3 trials. Jama Oncol 2017; 3 (02) 194-201
- 8 Van Cutsen J, Tabernero J, Lakomy R, Prenen H, Prausová J, Macarulla T. et al. Addition of aflibercept to fluorouracil, leucovorin, and irinotecan improves survival in a phase III randomized trial in patients with metastatic colorectal cancer previously treated with an oxaliplatin-based regime. J Clin Oncol 2012; 30 (28) 3499-506
- 9 Bennouna J, Sastre J, Arnold D, Osterlund P, Greil R, Van Cutsem E. et al Continuation of bevacizumab after first progression in metastatic colorectal cancer (ML18147): a randomised phase 3 trial. Lancet Oncol 2013; 14 (01) 29-37
- 10 Tabernero J, Yoshino T, Cohn AL, Obermannova R, Bodoky G, Garcia-Carbonero R. et al. Ramucirumab versus placebo in combination with second-line FOLFIRI in patients with metastatic colorectal carcinoma that progressed during or after first-line therapy with bevacizumab, oxaliplatin, and a fluoropyrimidine (RAISE): a randomised, double-blind, multicentre, phase 3 study. Lancet Oncol 2015; 16 (05) 499-508
- 11 Grothey A, Van Cutsem E, Sobrero A, Siena S, Falconi A, Ychou M. et al. Regorafenib monotherapy for previously treated metastatic colorectal cancer (CORRECT): an international, multicentre, randomised, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet 2013; 381 (9863) 303-12
- 12 Adenis A, Andre T, de la Fouchardiere C, Paule B, Burtin P, Tougeron D. et al Survival, safety, and prognostic factors for outcome with Regorafenib in patients with metastatic colorectal cancer refractory to standard therapies: results from a multicenter study (REBECCA) nested within a compassionate use program. BMC Cancer 2016; 16: 412
- 13 Mercier J, Voutsadakis IA. A systematic review and meta-analysis of retrospective series of regorafenib for treatment of metastatic colorectal cancer. Anticancer Res 2017; 37 (11) 5925-34
- 14 Ricotta R, Verrioli A, Ghezzi S, Porcu L, Grothey A, Falconi A. et al. Radiological imaging markers predicting clinical outcome in patients with metastatic colorectal carcinoma treated with regorafenib: post hoc analysis of the CORRECT phase III trial (RadioCORRECT study). ESM Open 2017; 1 (06) e000111
- 15 Li J, Qin S, Xu R, Yau TC, Ma B, Pan H. et al. Regorafenib plus best supportive care versus placebo plus best supportive care in Asian patients with previously treated metastatic colorectal cancer (CONCUR): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol 2015; 16 (06) 619-29
- 16 Bertochi P, Aroldi F, Prochilo T, Meriggi F, Beretta GD, Zaniboni A. Chemotherapy rechallenge after regorafenib treatment in metastatic colorectal cancer: still hope after the last hope?. J Chemother 2017; 29 (02) 102-5