Descritores
bioética - cirurgia plástica - ética - inteligência - inteligência artificial
Introdução
A cirurgia plástica, tanto estética quanto reparadora, tem como objetivo corrigir
ou melhorar disfunções ou imperfeições corporais originadas de deformidades congênitas,
traumáticas ou fisiológicas, visando a melhoria da saúde e da qualidade de vida. No
entanto, existem situações em que as alterações são mínimas ou há um desejo de modificação
voluntária da aparência e da forma corporal. Exemplos incluem a insatisfação com a
imagem corporal normal e a solicitação de procedimentos exagerados que expõem o paciente
a riscos, bem como o comprometimento da privacidade na realização de procedimentos
de redesignação de gênero, entre outros, gerando desafios éticos para a especialidade.[1]
[2]
Na literatura, observa-se que há poucos estudos sobre os princípios éticos em cirurgia
plástica, sendo a maioria focada na autonomia do paciente. Desde os trabalhos pioneiros
na área, foram observados avanços técnicos significativos, melhorias na segurança
e na busca por melhores resultados, além do aumento da complexidade da relação médico-paciente.
Isso se torna ainda mais relevante na era da inteligência artificial (IA), quando
diversos segmentos sociais discutem suas implicações éticas.[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[8] A inteligência artificial compila e conecta uma vasta quantidade de informações
com rapidez, fornecendo ferramentas para armazenamento, classificação de dados e imagens,
auxiliando no processo decisório, diagnóstico, tratamento, previsão de resultados,
avaliação e treinamento, bem como em pesquisas na área da saúde. Diversas subdisciplinas
de IA, como o processamento de linguagem natural, a organização de dados não estruturados
para tomada de decisões e o reconhecimento facial, têm surgido e são aplicáveis na
medicina.[3]
[4]
Os dilemas que surgem entre a autonomia do paciente e a responsabilidade do médico
entre o que é possível, necessário e o que se deseja, levantam questões morais e éticas
sobre o papel do cirurgião plástico como guardião moral na relação com a sociedade,
especialmente como exemplo para as novas gerações de médicos. Chung et al.[2] apresentaram o uso dos princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça na cirurgia plástica. Embora esses princípios sejam amplamente utilizados,
há críticas sobre possíveis conflitos entre a autonomia do paciente e a beneficência
promovida pelo médico.[5] Muitos dilemas permanecem sem resposta ou levam à "supervalorização da autonomia"
ou ao paternalismo profissional, além do paternalismo da máquina com a IA.
Define-se paternalismo como a prática de agir no melhor interesse de alguém contra
a preferência expressa dessa pessoa. O paternalismo pode ser: 1. suave ou fraco, que
envolve agir no melhor interesse de alguém cuja capacidade de tomada de decisão ou
base de informação é reduzida, ou seja, o indivíduo não está em posição de avaliar
adequadamente o que é do seu interesse, ou 2. severo ou forte, quando o médico age
no melhor interesse de um paciente que é competente, sem o seu consentimento, ou seja,
age contra o julgamento de um paciente suficientemente competente e informado sobre
o que é de seu melhor interesse.[3]
Durante mais de 40 anos, a cirurgia plástica tem se baseado na medicina baseada em
evidências (MBE) para garantir o gerenciamento, a lógica do atendimento e a troca
de experiências entre cirurgiões plásticos. No entanto, surgiram desafios relacionados
aos procedimentos desnecessários, que não trazem benefícios claros para os pacientes.
Esses procedimentos podem envolver riscos adicionais, pois muitas vezes visam melhorar
a autoestima ou atender a necessidades sociais ou de reconhecimento, em vez de proporcionar
benefícios corporais concretos. Quando a cirurgia é utilizada indiretamente para influenciar
a saúde mental das pessoas, surgem questões éticas adicionais sobre a motivação e
os objetivos desses procedimentos. Nesta situação Hoffman[9] descreveu problemas apresentados no [Quadro 1].
Quadro 1
1. A dificuldade de avaliação dos resultados com base em evidências de alta qualidade.
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2. Ao “esculpir” corpos de acordo com padrões estéticos criados, promove-se e difunde-se
as normas do “novo normal”, o que pode gerar novos problemas mentais.
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3. Embora a cirurgia possa beneficiar indivíduos e cirurgiões plásticos, ela pode
não ser benéfica para a saúde pública e as normas sociais em geral, podendo influenciar
negativamente a sociedade.
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4. A cirurgia pode tratar apenas os sintomas e não abordar a causa subjacente, desviando
a atenção de abordagens eficazes e necessárias para o problema principal.
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5. Pode-se ultrapassar a linha entre a reconstrução e a construção.
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6. Estabelecer limites pode se tornar difícil, por exemplo, quando se solicita a remoção
de órgãos em bom funcionamento.
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7. Pode haver implicações de danos que vão além dos corporais, incluindo problemas
psicossociais.
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Além disso, a cirurgia pode ser realizada com finalidades além dos resultados médicos,
como busca de reconhecimento social, por exemplo, em casos de modificação genital
por motivos diversos ou para confirmação de construções sociais, como na identidade
de gênero. Esses aspectos destacam o poder da cirurgia na conexão entre mente, corpo
e sociedade, desafiando a concepção tradicional da cirurgia plástica.[6]
[7]
[8]
[9] Embora tenha possibilitado e ampliado as oportunidades para ajudar as pessoas, também
amplia os objetivos e levanta discussões sobre as indicações, a avaliação dos resultados
e a responsabilidade envolvida. Questões como a responsabilidade pela cirurgia quando
a indicação está descrita na IA, os objetivos morais das cirurgias e o melhor tratamento
para a dor, disfunção biológica ou física, bem como para a melhoria do bem-estar,
funcionamento mental, social e felicidade, são fundamentais.[3]
[4] É importante considerar que os efeitos mentais e sociais podem mudar com o tempo,
e a responsabilidade do profissional ao longo desse período também deve ser analisada.
Essa tendência levou os cirurgiões a lidarem com novos fenômenos, exigências, competências,
limites, deveres e responsabilidades. Embora não haja nada de errado em mudar ou expandir
os objetivos, isso pode exigir cuidados especiais, pois envolve valores profissionais,
normas sociais e altera o ethos da profissão. O ethos pode ser definido como o conjunto
de costumes e hábitos fundamentais no âmbito do comportamento (instituições, afazeres
etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada
coletividade, época ou região.[10] É crucial avaliar se a modificação corporal alterará o status mental, social e as
relações sociais, e se as mudanças obtidas serão sustentáveis nos contextos morais
e sociais, à medida que mudam os ideais estéticos, sociais, efeitos mentais e normativos.
É nesse contexto, aliado aos benefícios e malefícios da IA, que os autores propõem
a reflexão ética descrita neste artigo.
Objetivo
Propõe-se refletir sobre os desafios entre a autonomia e a responsabilidade profissional
em cirurgia plástica (CP) na era da IA.
Método
Este é um estudo qualitativo teórico reflexivo, com revisão narrativa sobre o tema
da cirurgia plástica e inteligência artificial (IA). O pensamento reflexivo, que envolve
o diálogo interno do cirurgião plástico diante de problemas reais, ocorre quando se
avaliam valores, crenças, suposições e princípios com base em informações e possíveis
interpretações. A reflexão é descrita como uma estratégia valiosa para profissionais
de saúde que necessitam de conhecimentos especializados, como os cirurgiões plásticos,
especialmente em ambientes complexos e em constante mudança, como os enfrentados por
estes profissionais.[11] A revisão narrativa foi realizada na base de dados PubMed nos últimos cinco anos,
utilizando os descritores: artificial intelligence, plastic surgery e ethics.
Resultados
Na base de dados PubMed foram encontradas 413 publicações de textos completos nos
últimos cinco anos com os descritores "artificial intelligence" e "plastic surgery".
Ao aplicar o descritor "ethics", identificou-se 46 publicações, das quais 41 foram
realizadas nos últimos dois anos. Destas, 21 foram excluídas por serem editoriais,
não abordarem o tema central ou estarem relacionadas a cirurgias gerais, ortopédicas
e outras. Restaram 25 publicações, distribuídas da seguinte forma: 16 artigos de revisão,
dois surveys, dois relacionados à assistência cirúrgica por robô, dois sobre o uso da IA no planejamento
pré-operatório, um comparando modelos de redes adversariais generativas e dois sobre
o uso da IA para assistência fotográfica.
A inteligência artificial generativa (IAG) é um ramo da IA dedicado à criação de conteúdo,
como textos, imagens, áudio, vídeos e código de software, com base em padrões encontrados
em conjuntos de dados de treinamento. Essa tecnologia também se estendeu para a criação
de hospitais e robôs para atendimento que estão em fase de teste. Incluem-se aqui
o Stable Diffusion e o DALL-E, modelos de geração de imagens de IA, bem como chatbots
como o ChatGPT (construído pela OpenAI usando GPT-3 e GPT-4), Bard (chatbot desenvolvido
pelo Google com o modelo LaMDA) e o Microsoft Copilot (chatbot construído pela Microsoft
como extensão do modelo de linguagem GPT-4 da OpenAI). De modo geral, essa tecnologia
tem levantado questionamentos sobre seu uso indevido, como no caso das fake news, deepfakes, ou seja, divulgação de notícias e imagens falsas publicadas para diversos fins.
Esse cenário gera uma crescente necessidade de discussão e regulamentação, especialmente
em relação à autonomia do paciente e à responsabilidade profissional. Os tópicos encontrados
nas publicações foram adaptados pelos autores e subdivididos a seguir para facilitar
a análise.
O Chat Generative Pre-Trained Transformer (ChatGPT)
O ChatGPT foi criado com base em inteligência artificial generativa, utilizando um
modelo de linguagem versátil para uma variedade de tarefas em educação, pesquisa e
prática. Lançado para uso em 2022, tem sido empregado para redigir textos, e-mails,
codificar, compor músicas, auxiliar em exames de licenciamento médico, fornecer orientações
pré e pós-operatórias, produzir comunicações médicas para otimização de trabalho e
fornecer informações básicas aos pacientes de forma rápida e acessível. O ChatGPT
tem se mostrado uma ferramenta importante em diversas áreas, inclusive na cirurgia
plástica (CP).[12]
[13]
O ChatGPT pode melhorar a eficiência do sistema de saúde ao reduzir a necessidade
de consultas presenciais e melhorar o fluxo de pacientes. No entanto, Sharma et al.[12] identificaram implicações éticas relacionadas ao uso do ChatGPT na CP, a seguir:
1) ausência de interação humana e apoio emocional; 2) a falta de suporte presencial
e empatia para pacientes e estudantes em treinamento; 3) a incompreensão de questões
complexas geradas por pacientes ou estudantes com respostas incompletas; 4) a insegurança
quanto à privacidade dos dados e à construção de literatura para previsão de diagnóstico
e tratamento. Além disso, os efeitos da imprecisão das respostas geradas são uma preocupação,
uma vez que as versões atuais não podem acessar fontes atualizadas. Abi-Rafeh[14] revisou 175 artigos, relatando 13 aplicações em CP e 116 em clínicas adicionais,
categorizadas por área e finalidade. Dentre essas, 34 aplicações foram específicas
para CP, com relevância para diferentes públicos-alvo, como cirurgiões plásticos assistentes,
estagiários/educadores, pesquisadores/acadêmicos e pacientes. Abi-Rafeh[14] também apontou limitações identificadas do ChatGPT, que foram categorizadas por
dados de treinamento, algoritmo e considerações éticas tal como apresentado por Sharma
e outros pesquisadores.
Aplicação da IA em Cirurgia Plástica
Na revisão narrativa sobre o uso de inteligência artificial (IA) em cirurgia bucomaxilofacial,
identificaram-se artigos que abordaram algoritmos que auxiliam no diagnóstico, na
terapêutica, no planejamento pré-operatório, na previsão e na avaliação de resultados.[15] Graças à sua capacidade de aprendizagem, classificação, previsão e detecção, os
algoritmos de IA têm complementado as habilidades humanas nessas tarefas.
A IA pode otimizar a prática médica sem substituí-la, auxiliando na realização de
tarefas diárias e regulares, como redação de cartas, resumos de alta, relatórios cirúrgicos,
comunicação de resultados, instruções pré, trans e pós-operatórias, formação de profissionais
para treinamento virtual, criação de cursos e cenários, estudo de casos, apresentações,
educação a distância, fornecimento de feedbacks personalizados, organização e análise
de dados em pesquisas.[15]
[16]
[17] No entanto, artigos demonstraram que o uso da IA tem as seguintes limitações:
-
Confiança nos dados: não é possível confiar totalmente nas informações geradas, pois
podem ser inseridas manualmente, podendo estar incompletas, não refletir a realidade,
ter conteúdo superficial, impreciso, incompleto, enviesado ou incorreto. O conteúdo
gerado precisa ser sempre verificado e corrigido quando necessário.
-
Incapacidade de produzir referências precisas ou suficientes.
-
Facilitação do plágio e má conduta acadêmica.
-
Desconfiança sobre a qualidade e segurança no acesso aos dados.
-
Riscos relacionados ao uso de dados e à perda de privacidade dos pacientes.
No estudo de entrevista realizado para conhecer a percepção de 153 cirurgiões plásticos
sobre a IA, verificou-se que, embora esses profissionais reconhecessem a importância
da IA para a especialidade, tinham um conhecimento limitado sobre a tecnologia e levantaram
preocupações quanto ao seu uso. Eles mencionaram o risco de excesso de confiança na
tecnologia, que poderia levar a erros, a necessidade de ajustar a teoria ao treinamento
prático, o risco de exposição da privacidade dos pacientes, a necessidade de consentimento
dos pacientes para o uso dos dados e a criação de diretrizes específicas para a especialidade.
De modo geral, os cirurgiões consideraram importantes os resumos de alta para agilizar
o atendimento, mas muitos ficaram insatisfeitos com a qualidade desses resumos. Destacaram
que resumos de alta hospitalar de baixa qualidade poderiam aumentar as reinternações
e o risco de eventos adversos. Concluíram que a IA é uma tecnologia recente com grande
potencial de evolução para uso como ferramenta auxiliar nas atividades de cirurgia
plástica.[18]
Sobre a Autonomia do Paciente e Consentimento em Cirurgia Plástica
Na cirurgia plástica (CP), os procedimentos visam melhorar a forma, a aparência, a
função e a reabilitação, respeitando a autonomia do paciente, bem como aspectos subjetivos,
psicológicos, tais como autoestima, autopercepção, autodeterminação, ainda relacionados
a realidade, o ambiente social e a qualidade de vida. Esses são fatores essenciais
para o desempenho nos domínios profissional, emocional e social. É comum que pacientes
solicitem procedimentos que acreditam melhorar sua aparência e condição psicossocial,
mesmo quando o cirurgião discorda, como ocorre em casos de transtornos psíquicos ou
expectativas excessivas promovidas por mídias irrealistas. Por exemplo, pessoas com
transtorno dismórfico corporal—uma condição psiquiátrica caracterizada pela obsessão
com um defeito menor ou inexistente na aparência física, que leva a sofrimento significativo—podem
continuar insatisfeitas após vários procedimentos devido a expectativas irrealistas.
Outras situações incluem pacientes com patologias que necessitam de tratamento antes
da cirurgia plástica, como na obesidade mórbida, onde há uma crença errônea de que
apenas a cirurgia plástica resolveria comorbidades e melhoraria a qualidade de vida.
É importante avaliar a necessidade, os riscos e orientar sobre o momento adequado
para a realização do procedimento.
Autonomia é definida como a capacidade de tomar decisões independentes e agir de forma
autônoma.[5] É um direito de escolher, aceitar ou recusar um tratamento, independentemente de
como essa escolha foi feita, desde que haja reflexão e ponderação. As condições essenciais
para o exercício da autonomia são: 1) a liberdade; 2) a capacidade para agir de forma
intencional; e 3) o entendimento e conhecimento da situação. A autonomia é relacional,
ou seja, sempre se refere à independência em relação a algo; seletiva, significando
que o indivíduo pode ser independente em alguns aspectos, mas não em outros; e graduada,
pois alguns indivíduos podem ter mais autonomia do que outros. No entanto, a autonomia
do paciente não deve obrigar o médico a realizar um procedimento que não é clinicamente
adequado ou que possa causar riscos desnecessários.[6]
[7]
[8]
[9]
O consentimento informado é o documento assinado pelo paciente concordando com a realização
do procedimento, e auxilia na proteção contra práticas paternalistas e coercitivas.
O consentimento informado pressupõe a competência para entender e decidir, a voluntariedade,
a revelação de informações, a recomendação de um plano, o entendimento das informações
e do plano apresentado, a decisão e, finalmente, a autorização. O consentimento pode
ser informado, livre e esclarecido, implícito, presumido ou de terceiros. É importante
destacar que procedimentos destinados a satisfazer desejos efêmeros, modismos ou imitações
de modelos e estereótipos sem respaldo científico podem aumentar as expectativas e,
quando não realizados, podem levar ao aumento do sofrimento e à judicialização da
relação médico-paciente. Esses procedimentos devem ser evitados, pois podem não contribuir
para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas.[6]
[7]
[8]
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)[19] rege o uso de dados pessoais e proíbe seu uso sem o devido consentimento. As formas
de consentimento para a utilização de dados incluem:
-
Consentimento amplo: permite aos indivíduos consentirem para uma ampla gama de utilizações futuras, mais
ou menos especificadas.
-
Metaconsentimento: os indivíduos mantêm o controle sobre o tipo de consentimento que pretendem dar
para utilizações futuras (por exemplo, consentimento geral para certos tipos de utilizações
e consentimento específico para outros).
-
Consentimento dinâmico: personalizado e baseado em plataformas online interativas, permitindo que os participantes
interajam conforme necessário, em tempo real.
Os dados podem ser apresentados sem identificação ou anonimizados para proteger a
privacidade, embora existam riscos de reidentificação devido às particularidades individuais.
Novas autoridades para gerenciar dados e suas ligações podem ser criadas para proteger
a confidencialidade, como exemplificado pela plataforma TRUST em Singapura.[20]
Além disso, quando o cirurgião e o paciente concordam com a realização do procedimento,
é essencial que o paciente tenha pleno conhecimento das possibilidades, dos riscos
envolvidos e de que os procedimentos são, na maioria das vezes, irreversíveis e resultam
em cicatrizes. Dessa forma, o consentimento deve ser obtido com a assinatura do termo
de consentimento informado.
Da Qualidade dos Dados e Responsabilidade do Cirurgião
O risco de vieses nos bancos de dados pode comprometer a qualidade das informações
fornecidas pela inteligência artificial (IA), resultando em dados incompletos, inadequados
e prejudiciais à sua utilização. Quando ocorrem esses problemas, a responsabilidade
pelo uso e pelas informações é uma questão crucial. A palavra "responsabilidade" tem
origem no latim respondere, que significa responder a algo, ou seja, responsabilizar alguém por seus atos, atribuindo
as consequências do comportamento ao seu agente.[21]
[22]
Do ponto de vista jurídico, a responsabilidade refere-se à obrigação de se submeter
às consequências impostas juridicamente em relação a uma conduta lesiva praticada.
A responsabilidade civil tem uma natureza reparadora, ou seja, entende que o agente
repare o dano causado à vítima. A obrigação de reparar surge quando há descumprimento
de uma obrigação ou de um preceito legal (ato ilícito). O dever de indenizar o dano
ocorre quando alguém não cumpre um contrato (responsabilidade contratual) ou não observa
o sistema normativo que rege a vida do cidadão (responsabilidade extracontratual).
O contrato é um acordo entre duas ou mais partes, na ordem jurídica, destinado a regulamentar
interesses entre as partes, com o objetivo de adquirir, modificar ou extinguir relações
jurídicas de natureza patrimonial.
Os elementos necessários para caracterizar a responsabilidade incluem: a conduta do
agente, o dano, a culpa ou dolo, e o nexo de causalidade. De acordo com o artigo 186
do Código Civil,[23]"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Dano é o prejuízo sofrido pela vítima, podendo ser de ordem econômica (patrimonial)
ou psíquica (moral). Quando alguém se compromete a prestar serviços profissionais
e não cumpre essa obrigação, viola o dever jurídico, surgindo, assim, a responsabilidade,
ou seja, o dever de reparar o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação.[23]
A culpa define o tipo de responsabilidade, que pode ser subjetiva, objetiva ou presumida.
A responsabilidade presumida é aquela que se baseia no dano, justificada pela teoria
do risco; ou seja, se alguém exerce uma atividade com riscos especiais, deve responder
pelos danos que causar a terceiros. A responsabilidade civil objetiva, por outro lado,
dispensa a análise da culpa, dependendo apenas do risco e da ocorrência do dano. Isso
é exemplificado no Código de Defesa do Consumidor, que prevê a proteção do consumidor
contra produtos e serviços que ofereçam riscos, sem a necessidade de analisar a culpa
do causador do dano. A função da responsabilidade civil é garantir a proteção jurídica
do indivíduo por meio da reparação ou compensação dos danos causados. Essa reparação
pode ser punitiva ou preventiva e pode incluir indenização por dano material ou compensação
por dano moral, de acordo com o art. 944 do Código Civil Brasileiro.[23]
A responsabilidade penal decorre do descumprimento de uma norma de direito público
e da violação de normas que regulam bens jurídicos indisponíveis, como a vida, a liberdade
e a integridade física. A culpa ocorre quando não há observância de um dever que o
agente podia conhecer e, se efetivamente conhecia e deliberadamente violou, configura-se
o delito civil ou, em matéria contratual, o dolo contratual.
Discussão
Nos tópicos sobre o uso da IA em Cirurgia Plástica, foram discutidos aspectos relacionados
à segurança na proteção dos dados gerados, à qualidade dos algoritmos criados para
a indicação de procedimentos cirúrgicos, ao auxílio na tomada de decisão, no treinamento
e organização da documentação. O estudo apresentou as implicações éticas, assim como
descrito por Jarvis,[4] na análise de quatorze artigos que utilizaram os termos "inteligência artificial",
"aprendizado de máquina", "processamento de linguagem natural", "big data", "nanotecnologia"
e "cirurgia plástica". No tópico de bancos de dados, destacou-se a importância dos
dados para estudos sobre definição de tratamento, resultados e prognóstico.
Esbroeck et al.[24] apresentaram resultados do treinamento de um sistema de suporte para determinar
a complexidade e o risco de procedimentos cirúrgicos usando dados do Projeto Nacional
de Melhoria da Qualidade Cirúrgica, com resultados comparáveis a outras medidas conhecidas.
A aplicação de modelos preditivos tem sido utilizada para avaliar aspectos relacionados
às queimaduras, quanto ao grau; à anatomia, com a localização de pedículos vasculares,
viabilidade de retalhos, vascularização, recuperação de nervos periféricos, tumores
cutâneos, algoritmos para diagnóstico e, no campo da reconstrução mamária, para a
previsão de mortalidade e resultados.
No estudo publicado por Leypold,[18] foi analisado o desempenho do GPT-4 no contexto de procedimentos e cenários de cirurgia
reconstrutiva de membros superiores. O estudo concluiu que, embora o programa ainda
não tenha fornecido respostas perfeitas, suas capacidades deixaram uma impressão positiva
nos participantes. As descobertas demonstram que o GPT-4 pode analisar situações clínicas
complexas, propor opções de tratamento viáveis e abordar as comorbidades.
Os autores discutiram também, os riscos associados ao uso de IA, como a possibilidade
de violação da privacidade dos pacientes e a responsabilidade das informações prestadas
por IA e dos cirurgiões plásticos por eventuais erros.[24]
[25]
[26] Eles levantaram preocupações sobre a promoção de injustiças sociais, com o desenvolvimento
de algoritmos tendenciosos que usam dados sub-representativos da sociedade, como raça,
gênero e status socioeconômico, e que poderiam levar a excessos de testes, tratamentos
e subtratamentos. Os vieses nos dados poderiam gerar preconceito na coleta de dados
e degradação do modelo de IA, especialmente em hospitais que podem carecer de dados
importantes e fornecer informações incompletas ou incorretas. Além disso, foi mencionada
a possibilidade de perda de autonomia, com pessoas se submetendo a padrões determinados
pela IA, o que poderia resultar em deterioração da saúde mental e desordens corporais.
É importante lembrar que o papel da publicidade nas mídias sociais é persuadir as
pessoas a realizarem ações por meio de anúncios que apelam às emoções – medos e desejos
– e associarem o tema do anúncio a atributos supervalorizados, como uma aparência
mais jovem e sexualmente atraente, utilizando os parâmetros pré-estabelecidos da IA.[18] Normalmente, uma pessoa com autoestima e autopercepção positiva dificilmente procuraria
realizar procedimentos estéticos exagerados ou desnecessários apenas por influência
da publicidade. No entanto, pacientes com autopercepção negativa podem identificar
imperfeições irrealistas em sua imagem, desenvolvendo sentimentos de angústia e sofrimento,
e procurar um cirurgião plástico para correção.
O marketing online na era da IA levanta igualmente questões sobre a perda da privacidade
do paciente, com a possibilidade de perder o controle sobre as imagens publicadas
ou manipulá-las para interesses mercadológicos. Outro questionamento é se os resultados
apresentados foram manipulados e mostraram apenas os bons resultados, ou se houve
o uso de modelos padronizados para os procedimentos. Além disso, questiona-se se os
cirurgiões plásticos teriam responsabilidade por promover e divulgar padrões de beleza
prejudiciais ou por serem cúmplices de concepções prejudiciais de normalidade e conflitos
de interesse. Um exemplo é o fenômeno do Snapchat, no qual alguns cirurgiões expõem seus pacientes no aplicativo com justificativas
educativas; entretanto, muitos buscam apenas publicidade, ganhos pessoais e profissionais.
Um dos principais recursos do Snapchat é o uso de imagens, fotos, mensagens instantâneas e vídeos, geralmente disponíveis
por um curto período antes de se tornarem inacessíveis para os destinatários. A mídia
acrítica pode promover abusos, chantagens, fraudes, e afetar a credibilidade e autenticidade
profissional.
O uso de IA na cirurgia facial possibilitou a criação de bancos de dados para categorizar
a anatomia facial e avaliar resultados. Muitos programas forneceram métodos validados
para a determinação de resultados pós-operatórios para cirurgiões plásticos. É essencial
considerar as indicações, condições mentais e sociais dos pacientes com atenção e
cuidado, garantindo que não se comprometa a relação médico-paciente, que é centrada
na confiança, empatia e no processo de tomada de decisão compartilhada.[26]
Outro aspecto importante a ser considerado é que, embora a IA possa analisar dados
e sugerir procedimentos, ela não consegue se envolver em conversas de alto nível com
os pacientes e, portanto, não consegue construir a confiança e o sentido de empatia
necessários para uma relação médico-paciente eficaz, essencial para a prática profissional
e obtenção de resultados favoráveis. Além disso, os sistemas de IA avaliam a beleza
com base em parâmetros objetivos, sem considerar as preferências subjetivas. Isso
pode levar a uma elevação de certas qualidades faciais como superiores a outras, definindo
um “rosto perfeito” com base em padrões de beleza derivados de culturas específicas.
O que resultaria em preconceito e discriminação ao subvalorizar qualidades que podem
ser consideradas belas em outras raças ou etnias. Consequentemente, a IA pode contribuir
para a diminuição da diversidade nas percepções de beleza e servir apenas para informar
os objetivos de indivíduos que compartilham ideais de beleza semelhantes aos padronizados
nos algoritmos.[26]
Lin et al.[26] investigaram a capacidade dos modelos de IA DALL-E 2, Midjourney e Blue Willow de gerar imagens realistas relevantes para a cirurgia estética, combinando geradores
do ChatGPT-4 e do BARD com esses GANs para produzir imagens de narizes, rostos e pálpebras.
Quatro cirurgiões plásticos avaliaram as imagens geradas, que apresentavam predominantemente
rostos femininos com tons de pele mais claros, sem representação de homens, mulheres
mais velhas e pessoas com índice de massa corporal acima de 20. Ao avaliar os resultados
dos GANs para rinoplastia, blefaroplastia e facelift, foram evidenciados vieses.[26] No estudo, o DALL-E foi capaz de criar vários tipos de imagens sintéticas úteis
para simular virtualmente os procedimentos e imagens de resultados pós-cirúrgicos,
mesmo antes do procedimento.
Dessa forma, os cirurgiões que utilizam softwares preditivos durante as consultas
com pacientes para procedimentos estéticos devem ter isso em mente para minimizar
o risco de coerção na busca de um resultado irrealista e distinto dos objetivos do
paciente. É importante enfatizar o papel da IA como uma ferramenta que auxilia na
tomada de decisões dos pacientes, e não como o principal tomador de decisões.
Quanto ao armazenamento de dados e imagens em nuvens, essas são ferramentas importantes
para treinamento, mas é necessário reduzir o risco de perda ou violação de dados,
protegendo e mascarando informações de identificação, pessoal e confidenciais, antes
que os dados dos pacientes sejam armazenados em nuvens, para garantir a qualidade
dos dados, a privacidade do paciente e a inclusão de pessoas de diferentes etnias
no reconhecimento facial, entre outros.[26]
A regulamentação da inteligência artificial (IA) é uma preocupação global. Recentemente,
foi aprovado o AI Act na Europa,[27] que estabelece diretrizes para o uso da IA incluindo transparência, responsabilidade,
segurança e proteção dos direitos individuais. No Brasil, a discussão sobre a regulamentação
da IA, seus impactos sociais, éticos e legais, está em andamento. Foi apresentado
no Senado o projeto de lei PL 2338/23,[28] que visa estabelecer diretrizes para o desenvolvimento e uso ético da IA no Brasil
e ainda está em processo de aprovação.
Podemos confiar na aplicação de IA? Na filosofia moral, estabelece-se uma distinção
entre duas formas de confiar: 1) a confiança (trust), que se caracteriza por uma relação
interpessoal profunda, envolvendo boa-vontade e vulnerabilidade; 2) a fiabilidade
(rely), um tipo básico de confiança no funcionamento do mundo e das coisas. A confiança
possui uma dimensão normativa e uma descritiva. Na dimensão normativa, pressupõe-se
que as pessoas devem agir com a expectativa legítima de que os outros também agirão
conforme leis e padrões pré-estabelecidos, assegurando juridicamente que os cidadãos
possam prever comportamentos e consequências de suas ações, promovendo a estabilidade,
segurança jurídica e ordem social.[29]
A confiança (trust) origina-se das relações interpessoais e pressupõe entrega e boa
vontade por parte dos envolvidos em uma relação em que o sujeito espera sinceridade
do outro; caso não a receba, sente-se traído.[29] Confiar implica conceder certo poder ao outro, que terá liberdade para agir como
quiser dentro dos limites da confiança. Quando a confiança é baseada na responsabilidade
profissional, envolve boa vontade e pressupõe cuidado da parte de quem é confiado.
A questão é: quais pessoas merecerão a confiança dos indivíduos, quando utiliza a
IA para dar um espetáculo de si mesmas, se destacar nas mídias, cultivar superficialidade
e viver uma vida imaginária no pensamento alheio, privilegiando o “parecer” em vez
do “ser”? E o que fazer se as novas gerações baseadas nos critérios da IA passam a
negar valores ao “ser uma pessoa merecedora de confiança”?
O processo deliberativo para tomada de decisão é um procedimento intelectual realizado
pelos profissionais para eleger alternativas prudentes para a realização de procedimentos,
definindo o que se deve e não se deve fazer, permitindo decisões razoáveis e prudentes.
Nos últimos anos, tem-se enfatizado a autonomia do paciente nos modelos de tomada
de decisão descritos[7] a seguir:
-
Informativo: na ‘tomada de decisão compartilhada’, o médico fornece informações e o paciente
apresenta seus valores morais e éticos;
-
Interpretativo: o médico auxilia o paciente a identificar seus valores e respeita seus desejos;
-
Deliberativo: o médico delibera com o paciente.
Para todos esses modelos, a prudência se define como calma, ponderação, sensatez e
paciência ao tratar de assuntos delicados, difíceis ou complexos, buscando evitar
consequências desagradáveis. Ou seja, procura-se eleger o curso de ação que maximize
os melhores resultados e a utilidade do procedimento.[30]
[31]
[32]
[33]
Pinto dos Santos et al.[33] realizaram um inquérito com 260 estudantes de medicina sobre o uso de IA reconhecendo
que o uso adequado pode contribuir para cuidados eficientes, precisos e centrados
no paciente. Verificou-se que 96% discordaram da ideia de que os médicos poderiam
ser substituídos pela IA e concordaram que a IA deveria ser incorporada à formação
médica (71%), embora o uso devesse ser cauteloso. Destacou-se a necessidade de analisar
a intersecção entre o pensamento humano e o processamento virtual ao considerar o
uso da IA como uma ferramenta que pode aumentar as capacidades dos médicos para prestar
cuidados, educar e inovar. Barone destacou o risco da dependência de sistemas de IA,
que pode levar ao excesso de confiança ou à redução da autonomia do cirurgião, reforçando
a importância da colaboração sinérgica entre IA e cirurgia plástica.
Resumidamente, Krittanawong[34] salientou que a IA é incapaz de se envolver em conversas de alto nível com os pacientes
ou de construir a confiança e o sentido de empatia necessários para uma relação médico-paciente
eficaz, fundamental para resultados positivos. Contudo, a automatização de tarefas
clínicas de rotina pode possibilitar uma redução do esgotamento médico, permitindo
que os médicos dediquem mais tempo aos aspectos mais sofisticados e humanos de suas
práticas. Desafios éticos foram apresentados nos tópicos descritos no [Quadro 2].[9]
[19]
[28]
Quadro 2
Desafios éticos
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Paternalismo da máquina
Pluralismo moral e desacordo de valores
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Significa seguir os valores dos que programam a IA. A recomendação de um tratamento
poderia não conhecer e não respeitar os valores dos pacientes. Qual seria a interpretação
de qualidade de vida e o que constituiria uma boa vida ou bem-estar para IA?
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Consentimento ao uso de dados
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No TCLE, há a prerrogativa de que o paciente possa retirar o consentimento em qualquer
momento, todavia, depois de liberado na máquina pode ter alcance de publicação incertos
e inalcançáveis.
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Responsabilidade
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Qual será o responsável se ocorrer algum erro ou engano na proposição da máquina?
Seu uso requer conhecimento das consequências e o controle dos dados.
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Confiança
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A confiança em alguém com nível adequado de conhecimento e habilidade (confiança epistêmica)
e características morais (confiança moral), com boas intenções e comprometimento com
valores profissionais. Para ter confiança é necessário um nível de responsabilidade.
A responsabilização e confiança são os pontos chaves da IA na medicina.
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O uso do banco de dados
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Os cuidados na proteção dos dados. É difícil prever as formas como os dados serão
utilizados e até que ponto os indivíduos consentirão em utilizações futuras desconhecidas.
Os diferentes modelos de consentimento foram introduzidos com o modelo tradicional,
para abranger as possibilidades abertas pelos bancos de dados.
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Necessidade de explicação e justificativa
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Na ética, existe uma distinção entre razões explicativas ou motivadoras (porque alguém
agiu) e razões normativas ou justificativas (se o ato foi certo). A justificação em
medicina é fornecida por valores que os pacientes endossam (por exemplo, prolongamento
da vida ou melhoria da sua qualidade) e validade conferida por investigação científica
adequada.
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Obsolescência, desumanização e desqualificação
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Um dos grandes receios em torno da IA é que ela torne os humanos obsoletos, ou seja,
substitua o seu papel na medicina, e que sejam substituídos pela IA, escravos da IA
ou desqualificados, uma vez que se procura a IA para escrever relatórios, teses e
outros.
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Dupla utilização
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Possibilidade de utilização para desenvolver drogas letais e ameaças existenciais,
ou o fato de se tornar autoconscicente e uma ameaça a humanidade
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Riscos de promover injustiça, desigualdade, preconceito, discriminação e inequidade.
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Como a IA utiliza o banco de dados, existe potencial de agrupar indivíduos em categorias
diferentes, por exemplo sujeitos a discriminação e para os quais o tratamento diferenciado
poderia ser justificado de forma explícita e convincente. A discriminação ocorre quando
casos semelhantes são tratados de forma diferente, sem que haja uma diferença suficientemente
significativa e moralmente relevante
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Riscos da perda da privacidade e confidencialidade
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Dificuldade do controle dos dados em nuvens e outros
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Eficácia, confiabilidade e avaliação
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Como devem ser tomadas as decisões éticas sobre a programação ou avaliação da IA?
A necessidade de regulação.
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Dada a diversidade de riscos éticos que surgem com a utilização da IA na medicina,
uma abordagem geral para enfrentar esses desafios deve ser adaptável e discutida entre
os pares. Foi recomendado que os médicos[34]:
-
a) Devem estar cientes dos padrões de privacidade e confidencialidade do paciente
que devem ser mantidos em todos os ambientes, inclusive online, e devem abster-se
de publicar informações identificáveis do paciente na internet.
-
b) Ao usar a internet para redes sociais, devem utilizar configurações de privacidade
para proteger informações e conteúdos pessoais na medida do possível, mas devem reconhecer
que as configurações de privacidade não são absolutas e que, uma vez na internet,
o conteúdo provavelmente estará lá permanentemente. Assim, devem monitorar rotineiramente
sua própria presença online para garantir que as informações pessoais e profissionais
em seus próprios sites, e o conteúdo publicado sobre eles por terceiros, sejam precisos
e apropriados.
-
c) Se interagirem com pacientes na internet, devem manter limites apropriados na relação
médico-paciente de acordo com as diretrizes éticas profissionais, assim como fariam
em qualquer outro contexto.
-
d) Para manter limites profissionais adequados, devem considerar a separação do conteúdo
pessoal e profissional online.
-
e) Quando observarem conteúdo postado por colegas que pareça pouco profissional, ter
a responsabilidade de relatar esse conteúdo às autoridades competentes.
-
f) Devem reconhecer que as ações online e o conteúdo publicado podem afetar negativamente
sua reputação entre pacientes e colegas, podem ter consequências nas suas carreiras
(particularmente para médicos em formação e estudantes de medicina) e podem minar
a confiança pública na profissão médica.
Conclusão
A IA tornou-se particularmente importante na cirurgia plástica em diversas áreas,
tornando a discussão sobre desafios éticos necessária. Neste artigo, refletimos sobre
a importância da IA e as questões que podem surgir com o uso da IA em cirurgia plástica,
incluindo o uso de bancos de dados, aprendizado e paternalismo de máquina, processamento
de linguagem natural e reconhecimento facial, e outros. Esses exemplos de tecnologia
baseada em IA podem ser utilizados pelos cirurgiões plásticos para aprimorar sua prática
cirúrgica. Contudo, como qualquer tecnologia em evolução, a utilização da IA nos cuidados
de saúde levanta questões éticas importantes, como o respeito a autonomia do paciente,
a responsabilidade do profissional, consentimento informado, confidencialidade, privacidade
e utilização dos dados. Essas considerações são significativas, pois elevados padrões
éticos são fundamentais para a prática profissional e o uso adequado e duradouro da
IA.
Ademais, o cirurgião plástico lida com aspectos relacionados ao corpo e à mente do
paciente, fundamentais para a qualidade de vida das pessoas. Na era da IA, vários
aspectos positivos de seu uso foram descritos. Todavia, também foram elencados desafios,
como a possibilidade de erros no exercício profissional, que podem ser evitáveis ou
levar a consequências negativas e graves complicações. É crucial que os melhores interesses
do paciente sejam priorizados, mesmo quando os profissionais enfrentam pressões socioculturais
e comerciais.
Na era da IA, o cirurgião plástico enfrenta forças morais: aliviar o sofrimento do
paciente, independentemente da causa, e abordar motivos potencialmente prejudiciais
que possam ter induzido esse sofrimento, além de ter o papel especial de responsabilidade
perante a sociedade e a obrigação profissional. Diante disso, para uma abordagem ética
propõe-se o uso dos modelos informativo, interpretativo e deliberativo no atendimento.
O médico deve deliberar com o paciente para escolher alternativas prudentes, visando
evitar consequências desagradáveis e eleger o curso de ação que maximize os melhores
resultados e a utilidade do procedimento.
Bibliographical Record
Katia Torres Batista, Lenise Maria Spadoni-Pacheco, Arthur Dutra Bomfim, Judi Carla
Rocha, Jamille Goudard da Silveira Braide, Anne Gabrielle de Carvalho Nicolau Goes.
Desafios éticos em Cirurgia Plástica na era da Inteligência artificial. Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451809436.
DOI: 10.1055/s-0045-1809436