Palavras-chave
carcinoma basocelular - cartilagem da orelha - ectrópio - neoplasias orbitárias -
órbita - retalho perfurante
Introdução
A reconstrução do canto medial da pálpebra é considerada um procedimento cirúrgico
de alta complexidade, devido à presença de estruturas anatômicas frágeis e de grande
importância na funcionalidade orbital, o que acaba por exigir habilidades técnicas,
conhecimento anatômico detalhado e grande experiência por parte do cirurgião plástico.
As opções para reconstrução variam de acordo com alguns aspectos, entre eles: tipo
de lesão, localização, profundidade e tamanho, assim como a extensão do defeito resultante
e fatores associados.[1] O resultado da reconstrução visa principalmente a preservar ou a restabelecer o
funcionamento adequado dessa nobre região, sem perder a estética, dada sua importância
na harmonia facial.
Os métodos cirúrgicos tradicionais de reconstrução incluem síntese primária, retalhos
locai e à distância, retalhos livres e enxertos de pele, sendo que cada opção tem
suas vantagens e desvantagens, a depender da gravidade da lesão.[2] Uma das técnicas mais utilizadas em defeitos extensos é o retalho paramediano frontal,
que além de ser útil na reconstrução nasal, é também uma ótima alternativa nas alterações
perioculares, principalmente devido à proximidade da fronte com a órbita, ao fato
de ser um retalho de interpolação com fácil movimento giratório de seu pedículo e
ao suficiente suprimento sanguíneo mediado pela artéria supratroclear. Além de sua
segurança, outra vantagem é a pequena morbidade na área doadora, que pode inclusive
cicatrizar por segunda intenção. Como desvantagens, citam-se a necessidade de um novo
ato cirúrgico para autonomização e o excesso de volume de tecido adiposo do retalho.[1]
[3]
[4]
Neste artigo, descrevemos um caso clínico complexo, no qual realizamos a exérese de
uma neoplasia no canto medial da pálpebra e reconstrução com retalho paramediano frontal.
Foram necessários refinamentos técnicos posteriormente para melhora de ectrópio, incluindo
cantopexia lateral e cantoplastia medial com enxerto condro-pericondral de escafa.
Objetivo
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso clínico em que foi utilizado o retalho
paramediano frontal para cobertura de defeito do canto medial da pálpebra após exérese
de neoplasia local recidivada.
Materiais e Métodos
O presente estudo é um relato de caso com devida autorização do Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital Mater Dei via Plataforma Brasil (CAAE: 78263424.3.0000.5128).
As informações foram obtidas por meio de acesso ao prontuário do paciente, entrevista
médica com o mesmo, acompanhamento ao longo do tratamento e revisão da literatura
nas bases de dados PubMed, SciELO e Cochrane, pesquisando pelas palavras chaves: pálpebra, reconstrução, tumor, retalho paramediano frontal, cantopexia, cantoplastia, diagnóstico, tratamento
e complicações, e cateterização de vias lacrimais.
Relato de Caso
Relatamos aqui o caso de um paciente de 56 anos de idade, do sexo masculino, branco,
referenciado para a equipe de cirurgia craniomaxilofacial do Hospital Mater Dei, em
Belo Horizonte, em função de tumor recidivado no canto medial da pálpebra direita
([Fig. 1]). Anatomopatológicos prévios da lesão evidenciaram carcinoma basocelular (CBC) subtipo
superficial e multicêntrico inicialmente e nodular e infiltrativo em uma segunda biópsia,
tendo sido procedida reconstrução com retalho de Mustardé há cinco anos.
Fig. 1 Tumor recidivado (carcinoma basocelular esclerodermiforme) no canto medial da órbita
direita.
O paciente negava comorbidades e possuía história de múltiplas ressecções de neoplasias
cutâneas.
Após os exames de risco cirúrgico, o paciente foi submetido à exérese do tumor no
canto medial da pálpebra direita sob anestesia geral. Foram aplicadas margens de segurança
periféricas de 6 mm e houve a necessidade de ressecção das lamelas anterior e posterior
do segmento acometido das pálpebras superior e inferior ([Fig. 2]). O defeito foi reconstruído no mesmo ato operatório por meio de um retalho paramediano
frontal ipsilateral, sem necessidade de enxerto do seu pedículo. A área doadora do
retalho foi fechada primariamente ([Fig. 3]).
Fig. 2 Defeito resultante da ressecção com margens oncológicas de lesão tumoral (carcinoma
basocellular esclerodermiforme) do canto medial da órbita direita.
Fig. 3 Transposição de retalho paramediano frontal para reconstrução do defeito de canto
medial da órbita direita.
Não houve intercorrências no peri ou pós-operatório e os pontos foram retirados de
maneira habitual, em uma semana. O resultado do anatomopatológico foi CBC esclerodermiforme
com acometimento de margem caudal.
Após um mês, o paciente ([Fig. 4]) foi novamente conduzido ao bloco cirúrgico para ampliação de margens (que também
foram de 6 mm) e autonomização do pedículo do retalho paramediano frontal ([Fig. 5]). O novo anatomopatológico apresentou margens livres de doença neoplásica.
Fig. 4 Aspecto palpebral após um mês do primeiro tempo cirúrgico, em que foi ressecado tumor
(carcinoma basocelular esclerodermiforme) do canto medial da órbita direita e transposto
retalho paramediano frontal.
Fig. 5 Aspecto reconstrutivo após ampliação de margens e autonomização de pedículo de retalho
médio frontal.
Houve evolução para perda de sustentação palpebral inferior e lacrimejamento contínuo
([Fig. 6]), sendo proposto um terceiro tempo cirúrgico após cinco meses da última abordagem.
Foi realizado o afinamento do retalho paramediano frontal autonomizado, cuja dissecção
ressaltou a perviedade da via lacrimal superior ([Fig. 7]). Foram associadas cantopexia lateral e cantoplastia medial com utilização de enxerto
condro-pericondral de escafa, que foi fixado ao tarso remanescente da pálpebra inferior
e ao ligamento cantal medial ([Fig. 8]).
Fig. 6 Perda de sustentação palpebral inferior resultante da ressecção de tumor (carcinoma
basocellular esclerodermiforme) do canto medial da órbita direita.
Fig. 7 Perviedade de via lacrimal superior.
Fig. 8 Fixação de enxerto condro-pericondral de escafa ao tarso remanescente da pálpebra
inferior e ao ligamento cantal medial.
O paciente apresentou melhora sintomática e no momento apresenta-se com uma reconstrução
esteticamente favorável ([Fig. 9]), que permite uma boa adaptação ao convívio social. Seguirá em acompanhamento contínuo
para detecção precoce de eventuais novas lesões de pele.
Fig. 9 Aspecto final de reconstrução órbita-palpebral após três tempos cirúrgicos.
Discussão
Aproximadamente 5 a 10% de todos os casos de câncer de pele ocorrem na área periorbital.[5] O CBC, que é o tipo mais comum de neoplasia cutânea, é responsável por cerca de
90% dos tumores malignos das pálpebras. O carcinoma de células escamosas é o segundo
tipo mais comum de câncer de pele, compreendendo 5 a 10% dos tumores periorbitais,
seguido pelo carcinoma sebáceo e pelo melanoma, ambos relativamente incomuns.[6]
A exérese de tumor cutâneo maligno na área periorbital pode se tornar um procedimento
de reconstrução facial mais exigente, uma vez que a ressecção do tumor pode resultar
em defeitos combinados do canto medial e das pálpebras, acometimento dos ductos lacrimais
e até mesmo defeitos profundos com enucleação. Entre as alterações secundárias da
reconstrução facial e periorbital, a retração palpebral é uma complicação bastante
comum. As etiologias da retração palpebral incluem encurtamento lamelar anterior,
tensão vertical de um retalho e ectrópio medial. Erros comuns que levam a esses resultados
incluem má fixação do ligamento cantal lateral ao tubérculo de Whitnall, fixação inadequada
ou falta de fixação da porção posterior do ligamento cantal medial, sub-dimensionamento
de um enxerto ou retalho de pele e/ou ancoragem profunda inadequada.
O retalho paramediano frontal é uma opção reconstrutiva para os defeitos do canto
medial da pálpebra, sobretudo nos casos em que a lesão acomete suas extremidades internas.
A programação cirúrgica é de no mínimo 2 tempos, sendo o 1o para transposição do retalho e o 2o, após 3 ou 4 semanas, para sua autonomização. Refinamentos sequenciais podem ser
necessários para a melhora funcional e/ou cosmética.[4]
No caso descrito, optamos por não realizar nenhum procedimento de cantopexia ou cantoplastia
no primeiro e no segundo tempos cirúrgicos em função do caráter oncológico, uma vez
que houve comprometimento da margem caudal em nossa primeira abordagem. Ressaltamos
que apesar do retalho paramediano frontal já ter sido transposto, foi possível fazer
a ampliação das margens cirúrgicas de maneira eficaz. Somente após a definição de
ausência de neoplasia que nos concentramos nos procedimentos para melhora de esclera
aparente e de ectrópio, justificáveis pela ressecção extensa de todas as lamelas da
pálpebra inferior.
O procedimento adotado de cantopexia associada à cantoplastia medial com enxerto condro-pericondral
de escafa melhorou satisfatoriamente a sustentação palpebral. Por conseguinte, o afinamento
do volume do retalho paramediano também foi fundamental para a aparência mais natural
da região periorbital de nosso paciente.
Quanto às vias lacrimais, sua cateterização é comumente empregada para se evitar epífora
nas reconstruções do canto medial da pálpebra. Porém, este procedimento não é isento
de riscos, havendo possibilidade de formação de falsa via, de granuloma piogênico,
inflamação e infecção do canalículo, migração interna ou externa do tubo, irritação
nasal crônica, abrasão corneana e extrusão de silicone.[7] Preferimos não cateterizar a via lacrimal inferior no caso descrito por termos mantido
a perviedade da via lacrimal superior e tendo em mente as possíveis complicações da
manipulação cirúrgica dos ductos lacrimais. Esta conduta não resultou em prejuízo
funcional para o paciente, cujo lacrimejamento excessivo inicial apresentou evolução
favorável com o tratamento cirúrgico de ectrópio.
Ressalta-se ainda que cirurgia micrográfica de Mohs e corte e congelação poderiam
ter sido utilizados nas duas primeiras oportunidades em que conduzimos o paciente
ao bloco cirúrgico, de modo a evitar comprometimento de margens. Todavia o paciente
não possuía recursos financeiros para a complementação particular necessária para
a execução de Mohs, e corte e congelação não são habituais no tratamento de neoplasias
cutâneas em nosso serviço.
Por fim, as grandes lições do caso são: 1) carcinomas basocelulares de subtipos agressivos
localizados no canto medial da pálpebra têm alto potencial de acometimento de estruturas
nobres pelo crescimento tumoral ou pela ressecção com as margens de segurança necessárias,
e se beneficiam de reparação de todas as lamelas palpebrais afetadas; 2) o retalho
paramediano frontal é uma opção reconstrutiva interessante, sobretudo quando outros
retalhos, como o de Esser ou Mustardé, já tiverem sido utilizados.
Conclusão
Em pacientes com defeitos do canto medial da pálpebra, a reconstrução com retalho
paramediano frontal é um método seguro e confiável, com resultados satisfatórios dos
pontos de vista funcional e estético. O retalho pode ser refinado quantas vezes for
necessário, e novos procedimentos reconstrutivos podem ser adotados nas reabordagens.
Bibliographical Record
Leandro Ricardo de Aquino Santos, David Alejandro Villafañe Sarmiento, Rafaela Xavier
de Almeida Amaral, Andre Villani Correa Mafra. Reconstrução do canto medial da pálpebra
com um retalho paramediano frontal: Relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia
Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451809361.
DOI: 10.1055/s-0045-1809361