Open Access
CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(04): s00441801343
DOI: 10.1055/s-0044-1801343
Artigo de Revisão

Os riscos do polimetilmetacrilato: Revisão integrativa de 587 casos de complicações

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Authors


Suporte Financeiro Os autores declaram que não receberam suporte financeiro de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.
Ensaios Clínicos Não. | Clinical Trials None.
 

Resumo

Introdução A demanda por procedimentos estéticos minimamente invasivos impulsionou o uso do polimetilmetacrilato (PMMA) como preenchimento dérmico, que a princípio foi aprovado para lipodistrofias relacionadas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV – human immunodeficiency virus, em inglês). Seu uso inadequado causa graves complicações, como inflamações, migração do material, infecções e repercussões sistêmicas. Nesta revisão, objetivamos realizar uma investigação sobre esses riscos e complicações relatadas na literatura nos últimos 20 anos.

Materiais e Métodos Realizamos uma revisão integrativa de estudos descritivos sobre complicações do PMMA publicados entre 2004 e 2024, utilizando as bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scopus. Foram analisados 38 estudos, totalizando 587 casos, e foram excluídos artigos publicados fora do período analisado ou que não atendiam aos critérios de inclusão.

Resultados Encontramos 587 casos de complicações associadas ao PMMA, sendo que 64% deles ocorreram no Brasil. O sítio mais frequente foi a região malar, seguido do sulco nasogeniano, da região glútea, e dos lábios. As complicações variaram entre imediatas e tardias, e de repercussões simples a mais severas. As mais frequentes foram: eritema (26%), prurido (16%), edema (11%), granulomas (21%), nodulações (14%) e alterações cutâneas (8%), incluindo casos graves de insuficiência renal, hipercalcemia, choque séptico, infecções e necrose de tecido. A quantidade injetada de material variou de 1,9 a 900 mL, e, no que tange ao tratamento, houve predominância de esteroides, antibióticos e necessidade de abordagem cirúrgica, com realização de excisões, drenagem de abscesso e desbridamento.

Conclusão Preenchimentos com PMMA estão associados a complicações graves, e seu uso muitas vezes não está relacionado à correção de lipodistrofias por HIV. O material tem riscos significativos, incluindo complicações sistêmicas, com a necessidade de remoção cirúrgica.


Introdução

A demanda por procedimentos estéticos minimamente invasivos que prometem resultados eficientes, satisfatórios e com curto tempo de recuperação tem aumentado nos últimos anos.[1] Procedimentos cosméticos como os preenchimentos dérmicos e volumizadores faciais e corporais emergiram como alternativas populares à cirurgia plástica convencional, com a promessa de rápida recuperação e a falsa sensação de menores riscos associados, o que vai ao encontro das expectativas dos pacientes.[2]

Nesse contexto , um tipo de preenchedor muito utilizado é o polimetilmetacrilato (PMMA), um componente plástico, inabsorvível, cujas esferas são inseridas em um veículo para permitir a aplicação por meio de injeções.[3] O PMMA foi inicialmente liberado para uso em nível ambulatorial no Brasil em 2009 pelo Ministério da Saúde, para o tratamento das lipodistrofias secundárias aos efeitos adversos dos antirretrovirais utilizados no tratamento do HIV.[4] [5] No entanto, com o passar dos anos, o uso indiscriminado e inadequado desse material resultou em inúmeras complicações, tanto imediatas quanto tardias.[3]

As complicações imediatas do PMMA incluem reações inflamatórias, dor e infecções que ocorrem logo após a aplicação. Tais alterações podem variar de reações adversas menores, como eritema e edema, até efeitos adversos mais graves, como necroses teciduais, acometimentos oculares, infecções severas e, até mesmo, insuficiência renal por hipercalcemia.[5] [6] [7] As complicações agudas podem persistir e evoluir para formações granulomatosas, infecções recorrentes, doenças autoimunes e insuficiência renal crônica. Além disso, a migração do material para áreas indesejadas pode resultar em assimetrias e deformidades locais muitos anos após a sua aplicação.[8]

Por ser inabsorvível, a interação do PMMA com o tecido adjacente não permite que o material possa ser removido isoladamente. O caráter irreversível da aplicação do produto é um dos seus maiores limitantes.[3] [5] [8] A irreversibilidade do PMMA pode resultar no aparecimento de complicações tardias de tratamento complexo e que, em muitos casos, evoluem com deformidades permanentes. Diante de complicações como a presença de granulomas, reação inflamatória crônica, fibrose e infecções com formação de biofilme bacteriano, a única alternativa terapêutica é a remoção cirúrgica do produto, juntamente com o tecido saudável adjacente, resultando em sequelas permanentes.[5] [8]

Essas reações podem ser intensificadas por técnicas inapropriadas de aplicação, indicações questionáveis, volumes inadequados de produto para a área alvo de tratamento ou por uma má seleção na qualidade dos materiais utilizados. Estudos[6] mostram que o procedimento deve ser realizado por cirurgiões plásticos ou dermatologistas qualificados que compreendam a anatomia da área a ser tratada, dominem a técnica correta e saibam tratar as eventuais complicações; porém, essas recomendações muitas vezes não são levadas em consideração.

Em vista desse cenário, faz-se necessária uma ampla investigação na literatura médica, a fim de compilar as evidências científicas disponíveis sobre o PMMA, para determinar quais são as possíveis complicações imediatas e tardias decorrentes do seu uso, a fim de aumentar a compreensão sobre a segurança desse material para fins estéticos e até mesmo questionar a liberação do uso dessa substância pelos órgãos competentes.


Objetivo

O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão integrativa dos casos de complicações imediatas e tardias decorrentes do uso de PPMA relatados na literatura nos últimos 20 anos.


Materiais e Métodos

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura contemplando relatos de caso e séries de casos sobre complicações imediatas e tardias do PMMA. Foi realizada uma pesquisa por artigos publicados 2004 e 2024 nas bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scopus, utilizando os descritores polimetilmetacrilato, preenchedores dérmicos e complicações.

Foram excluídos estudos publicados fora do período estipulado, estudos experimentais e aqueles não realizados com humanos. Os estudos que preencheram os critérios de inclusão foram lidos integralmente por dois revisores independentes, e, em caso de conflito, um terceiro pesquisador resolveu a discrepância.

Na leitura dos artigos, os seguintes dados foram coletados: nome da revista, autor, ano, país de origem, tipo de estudo (relato de caso ou série de casos), casuística, idade, profissional que realizou o procedimento (médico ou não médico), volume injetado, sítio anatômico tratado, sinais e sintomas apresentados após a injeção do PMMA, complicações imediatas, complicações tardias, tratamento das complicações, e se o preenchimento foi realizado no contexto do tratamento da lipodistrofia secundária à infecção por HIV ou com fins estéticos.


Resultados

Ao todo, 38 estudos preencheram os critérios de inclusão dessa revisão, totalizando 587 casos ([Fig. 1]): 17 artigos eram séries de casos e 21, relatos de casos individuais ([Tabela 1]);[9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] [22] [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29] [30] [31] [32] [33] [34] [35] [36] [37] [38] [39] [40] [41] [42] [43] 39% dos artigos (15/38) relatavam casos que ocorreram no Brasil, sendo o relato mais antigo5 publicado em 2008, e o mais recente,9 em 2024 ([Tabela 2]).

Zoom
Fig. 1 Triagem dos artigos incluídos na revisão.
Tabela 1

Revista

Autores

Ano

Casuística

Referência

Revista Brasileira de Cirurgia Plástica

Goldman et al.

2024

209

[9]

Annals of Plastic Surgery

Durkin et al.

2023

3

[10]

Journal of the American Academy of Dermatology

Vengalil et al.

2023

1

[11]

Cytopathology

Saoud et al.

2023

1

[12]

Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery

Parikh et al.

2023

1

[13]

Journal of Cutaneous and Aesthetic Surgery

Sivam et al.

2023

1

[14]

Journal of Drugs in Dermatology

Goldman et al.

2021

27

[15]

SKIN The Journal of Cutaneous Medicine

Dhaliwal et al.

2021

1

[16]

European Review for Medical and Pharmacological Sciences

Freire de Carvalho et al.

2021

1

[17]

Annals of Medicine and Surgery

Alimoradi et al.

2021

1

[18]

Jornal Brasileiro de Nefrologia

Manfro et al.

2021

2

[7]

Revista Brasileira de Cirurgia Plástica

Kurimori et al.

2019

1

[3]

Dermatologic Therapy

Goldman e Wollina

2019

2

[19]

Dermatologic Surgery

Ibrahim e Dover

2018

1

[20]

Georgian Medical News

Goldman et al.

2018

2

[21]

Open Access Macedonian Journal of Medical Sciences

Goldman e Wollina

2018

81

[22]

Contact Dermatitis

Shah et al.

2017

1

[23]

Revista Brasileira de Cirurgia Plástica

Souza et al.

2016

1

[24]

Diagnostic Pathology

Cannata-Ortiz et al.

2016

1

[25]

Aesthetic Surgery Journal

Limongi et al.

2016

11

[26]

Plastic Reconstructive Surgery – Global Open

Purnell et al

2016

1

[27]

Journal of Cosmetic and Laser Therapy

Friedmann et al.

2016

4

[28]

Medicina Intensiva

Boattini et al.

2015

1

[29]

Calcified Tissue International

Hindi et al.

2015

1

[30]

Skin Research and Technology

Cinotti et al.

2015

1

[31]

Archives of Endocrinology and Metabolism

Rados e Furlanetto

2015

1

[32]

Clinical Cases in Mineral and Bone Metabolism

Negri et al.

2014

4

[33]

Journal of the American Geriatrics Society

Costa et al.

2014

1

[34]

Aesthetic Plastic Surgery

Park et al.

2012

13

[35]

Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery

Park et al.

2012

15

[36]

The Canadian Journal of Plastic Surgery

Solomon et al.

2012

153

[37]

Journal of Hand Surgery

Al-Qattan

2011

3

[38]

Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery

Santana et al.

2010

1

[39]

Aesthetic Plastic Surgery

de Figueiredo et al.

2010

1

[40]

Kosmetische Medizin

Wollina

2009

1

[41]

Plastic and Reconstructive Surgery

Salles et al.

2008

32

[5]

Dermatology

Wolfram et al.

2006

4

[42]

Clinical and Experimental Dermatology

Sidwell et al.

2006

1

[43]

Total

587

Tabela 2

Autor

Ano

Número de casos

Referência

Goldman et al.

2024

209

[9]

Goldman et al.

2021

27

[15]

Freire de Carvalho

2021

1

[17]

Manfro et al.

2021

2

[7]

Kurimori et al.

2019

1

[3]

Goldman e Wollina

2019

2

[19]

Goldman A et al.

2018

2

[21]

Goldman e Wollina

2018

81

[22]

Souza et al.

2016

1

[24]

Limongi et al.

2016

11

[26]

Rados e Furlanetto

2015

1

[32]

Costa et al.

2014

1

[34]

Santana et al.

2010

1

[39]

de Figueiredo J et al.

2010

1

[40]

Salles et al.

2008

32

[5]

Total

373

Regiões Anatômicas e Volume Injetado

O sítio de preenchimento mais frequente foi o malar, seguido do sulco nasogeniano, da região glútea, dos lábios, da região nasal, da região frontal, da face, da região palpebral, da região zigomática, dos membros superiores, do mento, da mandíbula, do tórax, do tronco, dos membros inferiores e das regiões temporal, auricular e peniana ([Tabela 3]). Somente 2 (5%) estudos relatavam casos de preenchimento com finalidade reconstrutora para o tratamento da lipodistrofia decorrente do uso de antirretroviral.[30] [33] A maioria dos estudos (89,4%) não informou o volume injetado durante o procedimento; contudo, foram registradas quantidades como 1,9 mL em região palpebral em 1 paciente,[10] 4 mL para tratamento facial,[17] e 2 casos de injeção de 400mL e 900mL de PMMA para preenchimento glúteo.[3] [27]

Tabela 3

Região anatômica

Número de estudos (porcentagem)

Referência

Malar

12 (0.13)

[5] [9] [11] [13] [14] [19] [20] [28] [35] [39] [42] [43]

Sulco nasogeniano

11 (0.12)

[9] [20] [24] [28] [31] [35] [37] [39] [40] [41] [42]

Glúteo

10 (0.11)

[3] [5] [7] [18] [21] [27] [29] [30] [32] [33]

Nariz

8 (0.09)

[5] [9] [15] [19] [23] [28] [37] [40]

Frontal

8 (0.09)

[5] [9] [11] [12] [28] [35] [37] [42]

Lábio

7 (0.08)

[9] [13] [19] [28] [35] [37] [42]

Face (local específico não determinado)

7 (0.08)

[16] [19] [22] [26] [35] [39] [43]

Ocular

4 (0.04)

[9] [10] [35] [42]

Zigomático

4 (0.04)

[9] [17] [42] [43]

Membros superiores

4 (0.04)

[7] [19] [21] [38]

Mento

4 (0.04)

[9] [13] [28] [42]

Mandibular

2 (0.02)

[9] [19]

Tronco

2 (0.02)

[5] [22]

Membros inferiores

2 (0.02)

[25] [33]

Tórax

1 (0.01)

[21]

Temporal

1 (0.01)

[9]

Auricular

1 (0.01)

[9]

Pênis

1 (0.01)

[5]


Profissional que Realizou o Procedimento

Ao todo, 6 de 38 estudos relatavam o profissional responsável pela realização do procedimento. Em 27 casos, o procedimento foi realizado por médicos, sendo 16 cirurgiões plásticos certificados, 9 dermatologistas e 2 urologistas. Seis preenchimentos foram realizados por profissionais não médicos, incluindo enfermeiros, esteticistas e dentistas.[3] [5] [11] [13] [28] [31]


Complicações

As complicações relatadas foram divididas em imediatas (até 30 dias após a injeção de PMMA) e tardias (após 30 dias). Foram relatadas 10 diferentes complicações imediatas, sendo o eritema a mais frequente (26%), seguida do aparecimento de prurido (16%), edema (11%), insuficiência renal aguda (11%), nodulações (11%), e outras menos frequentes ([Tabela 4]).

Tabela 4

Imediatas

Tipo

Número de estudos (porcentagem)

Referência

Eritema

5 (0.26)

[13] [23] [37] [38] [42]

Prurido

3 (0.16)

[23] [37] [40]

Edema

2 (0.11)

[23] [38]

Insuficiência renal aguda

2 (0.11)

[3] [29]

Nodulação

2 (0.11)

[35] [42]

Choque séptico

1 (0.05)

[29]

Disfunção hepática

1 (0.05)

[29]

Equimose

1 (0.05)

[37]

Insuficiência respiratória

1 (0.05)

[29]

Secreção seropurulenta

1 (0.05)

[40]

Tardias

Tipo

Número de estudos (porcentagem)

Referência

Granuloma

17 (0.21)

[5] [9] [10] [12] [13] [14] [16] [18] [21] [22] [26] [30] [33] [38] [39] [41] [42]

Nodulação

11 (0.14)

[9] [11] [19] [24] [26] [28] [31] [34] [35] [37] [43]

Alterações cutâneas

6 (0.08)

[25] [26] [27] [28] [38] [42]

Sinais inflamatórios

5 (0.06)

[5] [9] [32] [36] [38]

Edema

5 (0.06)

[9] [13] [20] [25] [26]

Infecção

4 (0.05)

[9] [17] [28] [42]

Necrose

3 (0.04)

[5] [9] [40]

Irregularidade facial

3 (0.04)

[26] [36] [42]

Hipercalcemia

2 (0.03)

[18] [33]

Acometimento ocular

2 (0.03)

[13] [17]

Insuficiência renal crônica

2 (0.03)

[7] [21]

Redução de função renal

1 (0.01)

[33]

Neovascularização

1 (0.01)

[9]

Pigmentação

1 (0.01)

[9]

Lacrimejamento

1 (0.01)

[9]

Fístula

1 (0.01)

[9]

Reação alérgica

1 (0.01)

[13]

Psoríase

1 (0.01)

[17]

Nefrocalcinose

1 (0.01)

[18]

Linfadenite granulomatosa pulmonar

1 (0.01)

[18]

Pericardite

1 (0.01)

[21]

Síndrome sarcoidose-like

1 (0.01)

[21]

Eritema

1 (0.01)

[26]

Taquicardia

1 (0.01)

[27]

Hipercalemia

1 (0.01)

[32]

Nefrite

1 (0.01)

[33]

Prurido

1 (0.01)

[33]

Hipertensão

1 (0.01)

[33]

Rigidez

1 (0.01)

[36]

Seroma

1 (0.01)

[38]

Sarcoidose pulmonar

1 (0.01)

[43]

Em relação às complicações tardias, 30 diferentes tipos foram relatados. O aparecimento de granuloma foi a mais comum (21%), seguida de nodulações inespecíficas (14%), alterações cutâneas (8%), reações inflamatórias (6%), edema (6%), infecção (5%), necrose (4%), irregularidades na face (4%), hipercalcemia (3%), acometimento ocular (3%), insuficiência renal crônica (3%), entre outras ([Tabela 4]).


Tratamento

O uso de esteroides,[3] [7] [9] [10] [11] [13] [14] [17] [18] [21] [24] [26] [27] [28] [30] [32] [33] [35] [36] [38] [39] [41] [42] [43] antibióticos[3] [11] [20] [25] [29] [40] [42] [43] e abordagem cirúrgica,[3] [7] [9] [10] [12] [13] [17] [23] [24] [26] [27] [28] [35] [36] [38] [39] [40] [42] incluindo 75 casos de excisão, foram as 3 formas de tratamento mais frequentes. Outras abordagens terapêuticas relatadas incluem o uso de: laser,[9] [15] [19] [21] [22] fluoruracila,[9] [14] [28] ozônio,[9] xylitol,[9] alopurinol,[9] metotrexato,[17] vitamina D,[17] hidroxicloroquina,[17] colchicina,[21] hemodiálise,[7] [29] suporte vasopressor,[29] intubação orotraqueal com suporte ventilatório,[29] calcitonina,[32] [33] infusão salina,[32] bifosfonatos,[30] [32] [33] ciclofosfamida,[33] cetoconazol[33] e ácido hialurônico,[36] [41] conforme a especificidade de cada caso.



Discussão

Há revisões da literatura[5] que destacam o grande número de complicações resultantes de preenchimentos com PMMA. Neste estudo, atualizamos as evidências quanto ao número de relatos de complicações decorrentes do uso de PMMA nos últimos 20 anos, e identificamos uma prevalência significativa de casos ocorridos no Brasil, que representaram mais do que 50% do total de artigos desta revisão. Fatores regulatórios relacionados à história da política de saúde pública brasileira no tratamento dos pacientes com HIV/AIDS podem ser uma explicação para esses achados.

Em 1996, com o surgimento do tratamento antirretroviral de alta potência, a melhora da condição da saúde de pacientes com HIV/AIDS era frequentemente acompanhada de alterações anatômicas estigmatizantes.[44] Em vista disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) liberou o uso de preenchimentos com PMMA para fins reparadores nessa população.[45]

A evolução dos fármacos antirretrovirais resultou na diminuição do número de pacientes com lipodistrofias estigmatizantes. Entretanto, é intrigante observar que o número de complicações relacionadas ao uso estético do PMMA aumentou, sendo que, nesta revisão, somente em dois casos as complicações relatadas foram decorrentes do uso do PMMA com finalidade reparadora para o tratamento de pacientes com HIV/AIDS.[30] [33]

Os resultados desta revisão evidenciam que a utilização atual do PMMA extrapola os limites seguros estabelecidos e as indicações formais para o seu uso, conforme determinado pelas agências reguladoras. Um exemplo disso são os relatos de casos de preenchimentos glúteos com volumes de até 900 mL de PMMA,[3] sendo que a recomendação do consenso brasileiro publicado por Blanco Souza et al.[46] em 2017 é a de que não se exceda o volume máximo de 100 mL nessa região.

Em vista disso, é evidente a importância de destacar alguns pontos quanto à liberação do uso do PMMA com finalidades estéticas. A ausência de fiscalização apropriada resulta em práticas inadequadas, como a realização desses procedimentos por profissionais não médicos, assim como por médicos não capacitados, inclusive fora de ambientes com infraestrutura adequada.[3] [5] [11] [13] [28] [31] A maior parte dos artigos não identificou o prescritor dos preenchimentos realizados, porém, dos 6 estudos que o fizeram, de um total de 34 casos, apenas 16 foram realizados por profissionais certificados para a aplicação do material, o que pode ter contribuído para o aumento do risco relacionado ao procedimento.[5]

De 2004 a 2024, o número de complicações relacionadas ao uso do PMMA no Brasil foi significativamente maior do que no restante do mundo, totalizando 373 casos. Ainda que a utilização do PMMA com fins estéticos tenha sido questionada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP),[47] ele ainda é muito utilizado como preenchedor no Brasil, ao passo que, em outros países, outros tipos de preenchedores reversíveis e absorvíveis são mais utilizados, como o ácido hialurônico, enxerto de gordura autóloga, ácido poli-L-lático e bioestimuladores de colágeno.[48]

Foram relatados mais casos de complicações tardias do que imediatas, sendo que as mais frequentes foram as formações granulomatosas (21%). Cabe ressaltar a potencial gravidade das complicações decorrentes de preenchimentos com PMMA, como choque séptico e insuficiência renal crônica,[7] [21] [29] além da incerteza quanto à segurança em longo prazo, tendo em vista os relatos[12] de granulomas de corpo estranho em locais distantes da aplicação do PMMA. Em vista disso, uma fiscalização mais rígida da distribuição, venda, prescrição e dos locais onde são realizados esses procedimentos, assim como a conscientização da população sobre os riscos relacionados ao PMMA podem contribuir para a diminuição da incidência de efeitos adversos.[6]

A ANVISA autoriza a aplicação de PMMA em duas situações: correção da lipodistrofia decorrente do uso de antiretrovirais e para correção volumétrica facial e corporal. Não há contraindicação de uso do PMMA nos glúteos, mas não deve ser utilizado com o objetivo de aumento do volume. A aplicação deve ser realizada somente por médicos qualificados para essa finalidade, os quais devem decidir, a partir de uma avaliação detalhada, a dosagem e o número de injeções apropriadas para cada paciente, levando em conta as particularidades e necessidades do indivíduo.[49]

É importante salientar que a ANVISA classifica o PMMA como um produto médico implantável de classe de risco IV. Essa classificação pressupõe um alto nível de controle regulatório devido aos potenciais riscos de complicação, como reações inflamatórias, infecções, migração do material e necrose tecidual, sobretudo por se tratar de material permanente e não reabsorvível pelo organismo, o que destaca a irreversibilidade desse método de preenchimento.[49]

No que diz respeito à segurança, alternativas mais seguras ao PMMA incluem o ácido hialurônico e a gordura autóloga. O ácido hialurônico apresenta maior biocompatibilidade, menor risco de complicações e a possibilidade de reversão com a aplicação da enzima hialuronidase. A gordura autóloga também é uma opção viável e segura, com menor risco complicações.[50]

Com relação às limitações desta revisão, destacamos uma incerteza: a maior incidência de complicações relatadas no Brasil é decorrente da maior frequência de procedimentos com PMMA ou realmente existe uma maior incidência de complicações? Essa é uma limitação significativa, uma vez que não dispomos de dados absolutos sobre o número total de procedimentos realizados no Brasil e no mundo. Outra limitação é o fato de a revisão se basear apenas nos casos de complicações documentadas na literatura, o que pode não refletir a realidade. É provável que o número de complicações seja muito maior do que o relatado, visto que complicações não publicadas em artigos científicos não foram contabilizadas.


Conclusão

O uso de preenchimentos de PMMA está relacionado ao aparecimento de complicações imediatas e tardias graves. A maioria dos casos de complicações não está relacionada ao uso para a correção de lipodistrofias em pacientes com HIV/AIDS, e 64% dos casos de complicação descritos na literatura médica dos último 20 anos ocorreram no Brasil. O PMMA é inabsorvível, e múltiplos procedimentos cirúrgicos invasivos podem ser necessários para tratar as sequelas decorrentes da sua utilização como preenchedor permanente. Existem alternativas ao PMMA que são reversíveis e apresentam menores riscos à saúde dos pacientes.



Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Contribuição dos autores

MMCS: análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, conceitualização, concepção e desenho do estudo, metodologia, redação – preparação do original, redação – revisão e edição, e supervisão; ALC: análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, concepção e desenho do estudo, metodologia, redação – preparação do original, e redação – revisão e edição; LHMCV: metodologia, redação – preparação do original, e redação – revisão e edição; PBSM: análise e/ou interpretação dos dados, redação – preparação do original, e redação – revisão e edição; IMAS: análise estatística, redação – preparação do original, e redação – revisão e edição; e MARM: aprovação final do manuscrito, gerenciamento do projeto, redação – revisão e edição, e supervisão.



Endereço para correspondência

Alessandra Lima Costa
Curso de Medicina, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Salvador, BA
Brasil   

Publication History

Received: 14 August 2024

Accepted: 29 September 2024

Article published online:
27 January 2025

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Bibliographical Record
Marcelo Moura Costa Sampaio, Alessandra Lima Costa, Luiz Henrique Megale Conteville Vianna, Pedro Burlacchini Sanches Marinho, Ionara Maria de Almeida Santos, Mariana Alcantara Rodrigues de Moraes. Os riscos do polimetilmetacrilato: Revisão integrativa de 587 casos de complicações. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: s00441801343.
DOI: 10.1055/s-0044-1801343

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