INTRODUÇÃO
Depois de anos de pesquisa básica e clínica acerca do papel da modulação do sistema
imune para tratamento do câncer, a incorporação de novas e efetivas alternativas de
tratamento consolidou a imu-no-oncologia como pilar terapêutico para o câncer na ultima
década. Anticorpos monoclonais voltados a correceptores inibitórios envolvidos na
modulação da sinapse imune foram aprovados no Brasil para uso clínico, incluindo o
agente anti-cytotoxic T-lym-phocyte associated protein 4 (CTLA-4, ou CD152), ipilimumabe,
para pacientes com melanoma, e os agentes anti-programmed cell death receptor-1 (PD-1,
ou CD274), nivolumabe e pembrolizumabe, para pacientes com câncer de pulmão, melanoma
e, mais recentemente, carcinoma renal. Da mesma forma, bloqueadores do ligante do
PD-1 (PD-L1), como ate-zolizumabe, avelumabe e durvalumabe, demonstraram atividade
em estudos prospectivos e novas aprovações são aguardadas para os próximos anos. Tremelimumabe,
um outro inibidor do CTLA-4, teve seu desenvolvimento clínico retomado, após estudos
iniciais negativos no tratamento do melanoma avançado. Além de taxas de resposta variando
de 10% a mais de 50% em diferentes cenários, a possibilidade de respostas duradouras
e benefício a longo prazo são agora uma realidade cada vez mais frequente.([1 ]-[5 ]) Soma-se ao número crescente de agentes disponíveis, o enorme potencial para uso
em combinações, de modo que assistiremos a uma expansão nas indicações clínicas nos
anos por vir, incluindo câncer de cabeça e pescoço, carcinoma urotelial, neoplasias
hematológicas, câncer gástrico, câncer de ovário, subgrupos do câncer colorretal,
dentre outros.([6 ])
Nesse contexto de rápido desenvolvimento clínico, o conhecimento dos eventos adversos
(EA) relacionados a essas classes de fármacos e seus mecanismos fisiopatológicos é
de fundamental importância frente às suas características peculiares e, sobremaneira,
distintas daquelas observadas com o uso de quimioterapia citotóxica convencional,
constituindo um desafio para oncologistas, pesquisadores e demais envolvidos no cuidado
dos pacientes. Enquanto diferentes estudos e protocolos de pesquisa regraram a avaliação
e manejo de um número limitado de pacientes, as recentes indicações e aprovações da
terapia de bloqueadores de correceptores imunes ampliarão drasticamente a exposição
de pacientes a estes novos tratamentos. Assim, convém salientar que o vasto espectro
de eventos adversos imunomediados (EAim) ainda não foi totalmente caracterizado e
o potencial impacto a longo prazo dessa modalidade de tratamento ainda é desconhecido.
Desta forma, o estabelecimento de algoritmos para diagnóstico e tratamento adequado
dessas toxicidades é mandatório de modo a promover a segurança dos pacientes e aumentar
as possibilidades de sucesso com uso dessas terapias.
No presente artigo, abordaremos aspectos gerais e específicos relacionados aos EAim
associados ao uso de bloqueadores de correceptores imunes, incluindo desde recomendações
para o acompanhamento de pacientes que iniciam o uso dessa nova classe de medicamentos,
até algoritmos direcionados às manifestações clínicas mais frequentes.
Visão geral das toxicidades imunomediadas e mecanismos fisiopatológicos
Diferentemente da quimioterapia citotóxica convencional e de outras terapias-alvo
(como inibidores de tirosina-cinase, por exemplo), o foco dos bloqueadores de correceptores
imunes não é a célula tumoral per se, mas sim alguns componentes do sistema imune
inato e adaptativo envolvidos no processo contínuo de vigilância do organismo, eficaz
também na contenção do desenvolvimento de neoplasias.
Em condições usuais, antígenos oriundos de fatores potencialmente agressores (vírus,
bactérias, células neoplásicas, etc.) são processados, originando epítopos que serão
expressos através do complexo principal de histocompatibilidade (major hitocompatibility
complex - MHC) por células apresentadoras de antígeno, que interagem com linfócitos
T através do receptor do linfócito T (TCR). A consequência dessa sinalização através
da sinapse imunológica é a ativação e amplificação de um complexo ciclo que envolve
outras etapas e componentes, culminando com a mobilização de linfócitos T ativados
e com capacidade citotóxica (linfócitos T CD8+), que representam um dos pilares da
resposta imune antitumoral, bem como de células T de memória. Entretanto, essa interação
entre MHC-TCR e demais pontos da cascata de ativação imune podem sofrer processos
de modulação que, em última instância, determinarão a duração, amplitude e eficácia
dessa resposta mediada por células. Durante a carcinogênese, a indução de uma modulação
negativa ou imunossupressora representa uma das formas envolvidas no processo de evasão
do sistema imune, permitindo o desenvolvimento e crescimento das células tumorais.
Um desses mecanismos é representado pela indução de correceptores supressores, como
CTLA-4 ou eixo PD-1/PD-L1, que, em condições fisiológicas, estão associados à limitação
da resposta imune como um mecanismo de tolerância e prevenção de uma resposta exacerbada.([7 ]) Em modelos murinos, por exemplo, a inativação do gene do CTLA-4 associa-se à hiperproliferação
linfocitária e autoimunidade.([8 ]) São justamente esses correceptores, induzidos em momentos distintos do ciclo imune,
que servem de alvo para os anticorpos monoclonais atualmente aprovados para uso clínico.
Enquanto o papel inibitório do CTLA-4 é observado nas etapas iniciais de ativação
do ciclo imune (fase de ativação ou "priming"), ocorrendo predominantemente em nível
linfonodal através da interação com moléculas da família B7 expressas por células
apresentadoras de antígeno e envolvendo linfócitos T não previamente sensibilizados,
a modulação negativa resultante da interação entre o PD-1 e seus ligantes ocorre durante
a durante a fase efetora da resposta, já no microambiente tumoral, envolvendo linfócitos
T CD8+ com capacidade citotóxica.([7 ],[9 ],[10 ]) Todavia, apesar desse racional biológico, é fundamental entender que o real mecanismos
de ação desses fármacos não foi completamente caracterizado e, provavelmente, envolve
outras facetas dessa complexa sequência de ativação imune. Como exemplo, observou-se
que parte da atividade antitumoral associada ao ipilimumabe resulta da depleção de
linfócitos T regulatórios, células que exercem efei to imunossupressor através de
mecanismos de citotoxicidade mediados por anticorpos e posterior fagocitose por macrófagos
presentes no microambiente tumoral.([11 ])
Frente ao mecanismo de ação dessas moléculas, portanto, o perfil de toxicidades reflete
um desequilíbrio dos mecanismos de regulação do sistema imunológico, e se traduz clinicamente
a partir da ativação de linfócitos T direcionada a diferentes órgãos/tecidos. Ainda
que essa resposta desenfreada ocorra mais frequentemente contra a pele (dermatite),
trato gastrointestinal (colite), fígado (hepatite), pulmão (pneumonite) e glândulas
endócrinas([12 ],[13 ]) (tireoidite, hipofisite, adrenalite), etc., qualquer órgão ou tecido pode ser alvo
de uma resposta imunomediada, e relatos na literatura sugerem as mais variadas apresentações
clínicas, incluindo aplasia pura de série vermelha, síndrome de Guillain-Barré, nefrite,
miocardite, etc.([6 ],[14 ],[15 ])
Incidência e apresentação dos eventos adversos imunomediados
A ampla variabilidade dos EAim ocorre não somente em sua manifestação clínica, mas
também em sua incidência e cinética de instalação. Em linhas gerais, agentes anti-PD-1
ou anti-PD-L1, quando utilizados em monoterapia, resultam em menor risco de desenvolvimento
de EA quando comparados ao ipilimumabe, com incidência de EA de qualquer grau/grau
3 ou superior de 60-75%/10-15%, respectivamente, versus 75-80%/20-25% ou superiores
(a depender da dose) com o agente anti-CTLA-4 (Apêndice 1 - Material Suplemen-tar).([16 ]) Exceções existem: como exemplo, tireoidite/ disfunção tireoidianas são mais frequentemente
observadas com o pembrolizumabe ou nivolumabe. Por sua vez, estratégias de combinação,([6 ],[12 ],[17 ]) como nivolumabe/ipilimumabe, associam-se a acréscimo significativo na incidência
de toxicidades (qualquer grau: 95%; graus 3 ou superior: 55%) e maiores taxas de descontinuação
do tratamento.([18 ]) Além disso, EAim podem variar de acordo com a neoplasia em tratamento, tanto em
frequência quanto em perfil de manifestações.([16 ])
Em pacientes tratados com ipilimumabe, o surgimento de EA ocorre usualmente nas primeiras
12 semanas de tratamento, e a resolução entre 6-8 semanas (aproximadamente 7 semanas
para graus 3-4), porém 5-15% dos pacientes podem manifestar EAim persistentes após
24 meses, em sua maioria de graus 1-2.([14 ]) De forma semelhante, a maior parte dos EAim associados ao uso de agentes anti-PD-1
ocorre nos primeiros 4 meses.([19 ]) Ainda que alguns EA (por exemplo: síndrome de Guillain-Barré, sarcoidose, glomerulonefrite
intersticial, etc.) tenham ocorrido infrequentemente em diversos estudos clínicos,
a disseminação do uso destes fármacos após aprovação provavelmente será acompanhada
de aumento na frequência de manifestações incomuns. Além disso, convém salientar que
EAim podem ocorrer mesmo após descontinuação do tratamento, e a vigilância prolongada
é recomendada, especialmente naqueles com EAim previamente diagnosticado.
Recomendações de rastreamento de eventos adversos imunomediados e subgrupos de risco
Conforme previamente discutido, EAim podem potencialmente envolver qualquer órgão/tecido,
mas as toxicidades gastrintestinais, dermatológicas, hepáticas e endócrinas são as
que predominam entre as moléculas já aprovadas para uso. Estes efeitos secundários
são geralmente reversíveis, mas podem ser fatais em alguns casos. Por vezes, as manifestações
podem ser subclínicas, tornando o diagnóstico um desafio para o médico.([20 ],[21 ]) Até o momento, não há biomarcadores validados e disponíveis que permitam antecipar
o desenvolvimento de EAim.
O processo assistencial em imuno-oncologia demanda comunicação simples e confiável
entre os pacientes e a equipe assistencial. Pacientes têm que ser estimulados a entender
seu tratamento e receber informação adequada a fim de facilitar o diálogo com seus
cuidadores, para que a detecção precoce e a reação apropriada possam ocorrer. Antes
do início da terapia com agentes anti-CTLA-4 ou anti-PD-1, os pacientes e demais envolvidos
no cuidado precisam ser educados acerca de possíveis EAim, uma vez que isso constitui
um ponto fundamental dentro das estraté-gias de rastreamento e manejo ([Figura 1 ]). ([22 ],[23 ])
Figura 1 – Cuidados gérais para minimizar o impacto dos eventos adversos imunomediados
TIMs - toxicidades imunomediadas
A chave para uma gestão bem-sucedida das toxicidades é seu diagnóstico precoce, um
alto grau de suspeita clínica diante dos sintomas, uma comunicação médico-paciente
eficiente e, quando indicado, o uso rápido e agressivo de tratamento direcionado.([20 ],[21 ]) Ademais, a pesquisa ativa por condições autoimunes pré-existentes (tanto individualmente
quanto em familiares próximos), seja através da história clínica ou de exames realizados
antes do início do tratamento, é fundamental para a identificação de subgrupos de
risco ou até mesmo de pacientes não candidatos à essa modalidade de tratamento em
caso de condições graves ou não controladas.
Recomenda-se que todos os pacientes recebendo bloqueadores de correceptores imunes
sejam submetidos rotineiramente, em adição à anamnese detalhada antes de cada aplicação,
à avaliação hematológica, hepática (aspartato aminotransferase [AST]/ alanina aminotransferase
[ALT]/bilirrubinas), renal (ureia/ creatinina) e de função tireoidiana, antes do início
do tratamento e a cada 1 ou 2 aplicações (exames a cada 2 a 4 semanas), e em intervalos
de 6 a 12 semanas durante os primeiros 6 meses após o fim do tratamento.
O controle dos níveis séricos de amilase/lipase foi incluído nos protocolos dos estudos
de registro desses medicamentos; todavia, o impacto clínico dessa estratégia permanece
incerto e não há definição quanto à melhor frequência de realização. Assim, a determinação
dos níveis séricos de amilase/lipase apenas frente a quadro clínico suspeito é uma
alternativa aceitável. Da mesma forma, sugere-se análise de sedimento urinário e pesquisa
de proteinúria durante o tratamento, porém a melhor frequência para sua realização
em pacientes assintomáticos não está estabelecida. Os níveis de hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH) e de Cortisol basal, hormônio luteinizante (LH) e folículo estimulante (FSH)
e, nos homens, os níveis de testosterona, também devem ser verificados nos pacientes
que desenvolvam fadiga, diminuição de libido, e outros sintomas inespecíficos durante
ou após o término do tratamento com imunoterapia. É recomendável ainda que estes mesmos
exames sejam realizados antes do início do tratamento a fim de servirem de referência
como parâmetro inicial. O exame clínico completo deve seguir a mesma recomendação
de frequência para os exames laboratoriais.([24 ]) As recomendações para a realização dos testes laboratoriais são resumidas na [tabela 1 ]. A frequência dos testes pode ser intensificada com base em avaliações individuais
e de acordo com a ocorrência de EA e suspeita clínica.
Tabela 1
Exames laboratoriais recomendados para tratamento com bloqueadores de correceptores
imunes (anti-CTLA-4 e/ou anti-PD-1/PD-L1)
Periodicidade
HMG/ Coagulograma
Ureia/ Creatinina
Sedimento urinário/ proteinúria
Eletrólitos (Na/K/MgCa)
TGO TGP Bilirrubinas
Antes do início do tratamento
X
X
X[** ]
X
X
A cada ciclo
X
X
-
X
X
Situações especiais
-
-
Se indicação clínica
-
-
Glicose
Amilase Lipase
TSH T4L
T3L
ACTH Cortisol basal
FSH LH Testo
Sorologia para Hep B/Hep C/HIV
X
X
X
-
X
-
X
X
X[** ]
X[* ]
-
-
-
-
-
Se indicação clínica
-
Se indicação clínica
Se indicação clínica
Se indicação clínica
Se indicação clínica
A cada 2 a 4 semanas (realização em ciclos alternados, no caso de medicamentos com
aplicações a cada 2 semanas, é aceitável);
Exame facultativo (não há recomendações precisas acerca do melhor intervalo e frequência
de realização); HMG: hemograma completo; Testo: testosterona (pacientes do sexo masculino);
Hep B: hepatite B; Hep C: hepatite C.
Um grupo que carece de particular atenção é o de pacientes com condições autoimunes
pré-existentes. Convém salientar que nele estão incluídos pacientes com uma ampla
gama de patologias com diferentes níveis de gravidade, e o julgamento clínico ainda
é imperativo na recomendação do tratamento com bloqueadores de correceptores imunes
e posterior acompanhamento. Como exemplo, pacientes com vitiligo e deficiências endócrinas
adequadamente controladas, como hipotireoidismo, foram incluídos nos estudos clínicos.
Por sua vez, aqueles com diagnóstico de doença inflamatória intestinal, lúpus eritematoso
sistêmico, artrite reumatoide, esclerose múltipla, assim como pacientes com infecção
pelo HIV e hepatite B e C em atividade ou aqueles que necessitam de terapia imunossupressora
sistêmica para manutenção de transplante de órgãos foram excluídos dos principais
estudos. Entretanto, na experiência clínica cotidiana, pacientes com essas doenças
podem ser candidatos ao uso das imunoterapias quando o benefício da intervenção exceder
o risco da toxicidade e o quadro autoimune subjacente estiver compensado.
Conforme dados apresentados por uma série recentemente publicada, ainda que possam
ocorrer exacerbações em pacientes com patologias autoimunes tratados tanto com agentes
anti-CTLA-4 quanto anti-PD-1, usualmente a intensidade dessas exacerbações é limitada
e manejável.([25 ],[26 ]) Todavia, o uso de bloqueadores de correceptores imunes deve ser evitado em pacientes
com doença autoimune grave ativa, uma vez que qualquer ativação imunológica adicional
pode configurar potencial risco à vida.
Da mesma forma, a segurança do tratamento em pacientes com hepatite B ou C preexistentes
é sugerida por um número crescente de séries de casos, nas quais a taxa de hepatotoxicidade
foi semelhante à observada na população geral, e a capacidade de administrar o tratamento
não pareceu ser afetada.([27 ]) Similarmente, em um estudo de fase I/II que buscou determinar a segurança e eficácia
de nivolumabe em pacientes com carcinoma hepatocelular, observou-se um perfil de segurança
aceitável naqueles com infecção viral crônica.([28 ])
O cenário parece mais complexo em pacientes recebedores de transplantes de órgãos
sólidos, e há relatos tanto da administração segura de ipilimumabe para pacientes
com transplante renal, sem rejeição de enxertos,([29 ]) quanto do desenvolvimento de rejeição aguda após uso do pembrolizumabe, apesar
de resposta antitumoral em um paciente com carcinoma escamoso de pele avançado.([30 ])
Abordagem inicial dos eventos adversos imunomediados - visão geral
O reconhecimento precoce de potenciais EAim e introdução de terapêutica direcionada
adequada constituem medidas centrais na abordagem de pacientes em uso de diferentes
formas de imunoterapia, e isso se estende ao uso de bloqueadores do CTLA-4 e PD-1/
PD-L1. A vigilância constante e domínio do tratamento são indispensáveis, uma vez
que a maior parte dos EAim apresenta resolução quando adequadamente manejados. Ademais,
ainda que maior tempo de seguimento e experiência com esses fármacos seja necessário,
o emprego de imunossupressão temporária ou corticoterapia para manejo desses eventos
parece não afetar a eficácia dos bloqueadores de correceptores imunes,([12 ],[19 ],[31 ]) com taxas de resolução dos EAim superiores a 80%, mesmo com uso de combinações.([18 ])
Convém salientar que EAim podem ocorrer mesmo após descontinuação do tratamento, e
vigilância prolongada é recomendada, especialmente para aqueles com EAim previamente
diagnosticado. Da mesma forma, os efeitos a longo prazo dessas novas intervenções,
sobretudo dos agentes anti-PD-1/PD-L1, ainda não foram plenamente caracterizados,
e as recomendações aqui discutidas podem ser aplicáveis em contextos que fogem à rotina
e além daqueles incluídos nos estudos clínicos que levaram à aprovação desses medicamentos.
Tão essencial quanto o reconhecimento das potenciais toxicidades é a consideração
de diagnósticos diferenciais não relacionados à ativação imune induzida pelo tratamento,
e o uso de propedêutica adequada é indispensável quando houver indicação clínica (exemplo:
realização de broncoscopia, colonoscopia, biópsias, etc.). Como exemplos, hepatites
virais ou linfangite carcinomatosa podem mimetizar hepatites imunomediadas ou pneumonite,
respectivamente. Progressão de doença deve ser sempre afastada, uma vez que corresponde
à causa mais comum associada a descontinuação do tratamento. Da mesma forma, a possibilidade
de infeções, eventos tromboembólicos pulmonares ou infarto pulmonar deve ser considerada
frente a quadros pulmonares.
A abordagem inicial deve ser ajustada à gravidade da manifestação, idealmente classificada
em graus, conforme o Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE),([32 ]) e pode variar desde o uso de sintomáticos em vigência de tratamento até mesmo à
descontinuação permanente e ao uso de corticoterapia sistêmica ou imunossupressores.
Um algoritmo simplificado referente à abordagem inicial é apresentado na [figura 2 ] e as doses dos principais fármacos são descritas no apêndice 2 (Material Suplementar),
porém, aspectos peculiares às manifestações mais frequentes serão discutidos separadamente.
Figura 2 – Algoritmo simplificado: abordagem inicial e manejo de eventos adversos
imunomediados * - Conforme classificação CTCAE v4; # - Toxicidades de grau 2 podem
demandar tratamento semelhante ao utilizado para toxicidades mais severas, incluindo
descontinuação da droga; § - Se toxicidade grau 2 for de natureza cutânea ou endócrina,
tratamento pode ser continuado, sem necessidade de atraso ou suspensão; ¶ - Imunossupressores
mais frequentemente utilizados – micofenolato ou infliximabe; infliximabe não deve
ser empregado em caso de toxicidade hepática ou suspeita de perfuração intestinal.
É fundamental entender, porém, que a adequação e classificação em graus não substitui
o julgamento clínico, e medidas mais intensivas de tratamento podem ser antecipadas
em casos selecionados.
Em linhas gerais, toxicidades de grau 1 não justificam suspensão do tratamento e podem
ser manejadas com o uso de sintomáticos. Toxicidades de grau 2 também podem ser abordadas
inicialmente com terapia sintomática, porém recomenda-se suspensão temporária na aplicação
do medicamento, exceto se de natureza cutânea ou endócrina, nas quais não há necessidade
de suspensão. Em caso de ausência de melhora da toxicidade de grau 2 após 5-7 dias
ou agravamento, o uso de corticoides por via oral na dose de 0,5-1,0 mg/kg/dia de
prednisona ou equivalente deve ser considerado.
No caso de toxicidades de graus 3 ou 4, hospitalização e início de corticoterapia
(prednisona 1-2 mg/kg/ dia por via oral ou metilprednisolona 1-2 mg/kg/dia por via
endovenosa) são recomendados, com redirecionamento de conduta a cada 3-5 dias se ausência
de melhora e escalonamento progressivo. Infliximabe em 5 mg/kg/dose (uma segunda dose
de 5 mg/ kg pode ser repetida após 2 semanas se necessário), micofenolato de mofetila
500-1000 mg 12/12h ou outro imunossupressor (exemplo: azatioprina) devem ser considerados
se ausência de melhora após 5 dias de corticoterapia venosa. Nessas situações, ou
mesmo em toxicidades de menor grau, a avaliação por um especialista (endocrinologista,
gastroenterologista, etc.) é encorajada, desde que este tenha conhecimento do perfil
de toxicidades nesse contexto e esteja habituado ao seu manejo.
Uma vez instituída a corticoterapia, o esquema de retirada deve ser lento, usualmente
ao longo de 4 semanas, porém podendo se estender para 6 semanas ou mais no caso de
EAim pulmonares ou hepáticos. Se clinicamente indicados ou em caso de dúvida diagnóstica,
exames subsidiários invasivos, como broncoscopia, biópsia cutânea ou colonoscopia
devem ser empregados. Convém ressaltar que a eficácia de corticoides e/ou imunossupressores
em EAim endócrinos é questionável e, usualmente, reposição hormonal é a base do tratamento
destas complicações.
O risco de complicações associadas à imunossupressão, como potenciais infecções oportunistas,
também deve ser de conhecimento da equipe envolvida no cuidado do paciente. Em caso
de necessidade de doses altas de esteroides (> 20 mg/dia de prednisona ou equivalente)
por mais de 4 semanas ou imunossupressores, o uso de antibioticoterapia profilática
(sulfametoxazol/trimetoprima, por exemplo) deve ser contemplado. Especial atenção
deve ser dada aos pacientes com risco de reativação da tuberculose.
Uma vez que uma clara associação entre dose e resposta ou toxicidade não foi demonstrada
nos estudos de fase I/II, reduções de dose dos bloqueadores de correceptores imunes
não são recomendadas. Novamente, toxicidades de natureza endócrina marcadas por disfunção
glandular, mesmo que de grau 4, usualmente não requerem descontinuação do tratamento
desde que adequada reposição hormonal seja instituída.
Controle após tratamento e reinstituição da terapia imune
O uso de bloqueadores de correceptores imunes pode ser reinstituído uma vez que o
EAim sofra redução |de gravidade para grau 1 ou resolução completa e a dose de corticoide
seja inferior a 10 mg/ dia de prednisona ou equivalente. Todavia, em caso de toxicidades
de grau 4, toxicidades de grau 3 persistente/recorrente ou relacionada a risco significativo,
ou toxicidade de grau 2 persistente/recorrente que não apresenta melhora após instituição
de terapêutica otimizada, a descontinuação permanente do tratamento é usualmente preconizada
([Tabela 2 ]). Conforme discutido previamente, há maior flexibilidade para reintrodução do tratamento
frente a toxicidades de natureza endócrina, mesmo que graves, desde que estabilizada
e instituída terapia de reposição hormonal.
Tabela 2
Recomendações para descontinuação de tratamento e reinstituição do tratamento com
bloqueadores de correceptores imunes.
Descontinuação permanente
Reinstituição de terapia
Toxicidade grau 4 (risco de morte)[* ]
Toxicidade prévia resolvida para grau 1 ou menor
Toxicidade grau 3 recorrente
Dose de corticoide < 10 mg/dia de prednisona ou equivalente
Toxicidade grau 3 específica (pneumonite, hepatite, nefrite)
Sem necessidade de outro imunossupressor
Toxicidade grau 2 que não se resolve após 3 meses de tratamento adequado
Exceção à toxicidade endócrina de grau 4 adequadamente controlada apenas com reposição
hormonal.
Embora a maior parte dos estudos que avaliaram o uso de um novo bloqueador de correceptor
imune após a falha de imunoterapia anterior tenha excluído pacientes que apresentaram
toxicidade grau 3/4 com o uso prévio de imunoterápicos, na prática, pode-se considerar
o emprego de outro imunoterápico, discutindo-se previamente com os pacientes o possível
maior risco de EAim nesse cenário. De qualquer forma, recomenda-se um intervalo de
pelo menos 4 semanas antes da introdução de uma nova terapia imune.([33 ])
Deve-se salientar que EAim podem ocorrer tardiamente, mesmo após a suspensão da imunoterapia;
logo, a monitorização para esses efeitos adversos deve ser contínua,([33 ]) e sugere-se reavaliações de toxicidade (anamnese, exame físico e exames laboratoriais)
a cada 3 meses no primeiro ano, e após, a cada 6 meses([6 ],[33 ],[34 ]) após descontinuação do tratamento.
Eventos adversos gastrointestinais - colite/ diarreia e pancreatite
Os eventos gastrointestinais, especialmente a diarreia, são frequentes e merecem atenção
devido ao potencial de complicação caso não tratados adequadamente.([33 ]) Dados de ensaios clínicos de fase 3 em pacientes com melanoma avançado tratados
com ipilimumabe mostram que a incidência de diarreia (qualquer grau) é de, aproximadamente,
30%, enquanto quadros de diarreia graus 3 e 4 ocorrem em cerca de 10% desses pacientes.
Nos casos de colite graus 3 e 4, a incidência aproxima-se de 5%.
Quando os pacientes são tratados com inibidores de PD-1/PD-L1, a incidência de diarreia
é menor: qualquer grau corresponde a cerca de 15%, e graus 3 e 4, cerca de 2%. A frequência
desses EA é ainda maior quando se administra a combinação de ipilimumabe com nivolumabe
(Apêndice 1 - Material Suplementar).([18 ]) Todavia, a ocorrência de perfuração intestinal é um evento raro (<1%). Embora seja
reportada de forma separada da colite nos ensaios clínicos, acredita-se que a diarreia
induzida pelos bloqueadores de correceptores imunes seja resultado da inflamação colônica,
e, portanto, parte do espectro da mesma toxicidade. Dessa forma, o tratamento desses
dois EAs é semelhante.
Apesar do tempo para o surgimento da diarreia/colite ser variável, essa toxicidade
em geral se inicia a partir da sexta semana após o começo da imunoterapia. O reconhecimento
precoce e a rápida utilização de corticosteroides são fundamentais para minimizar
o risco de complicações, incluindo perfuração colônica e morte. Durante a propedêutica
inicial, deve-se afastar outras causas de diarreia/colite, incluindo causas infecciosas
(parasitoses, Clostridium difficile, citomegalovírus, etc.). Colonoscopia com biópsia,
ainda que não obrigatória, pode ser considerada nos casos mais graves, embora existam
preocupações sobre a possibilidade de perfuração intestinal durante o procedimento;([35 ]-[36 ]) uma alternativa é a realização de tomografia computadorizada do abdome.
Com relação ao manejo clínico, este é baseado na gravidade dos sintomas (Anexo 1-
Material Suplementar), e frequentemente envolve o uso de corticosteroides e/ou imunossupressores.
Para casos de colite grave, ulceração ou sangramento, recomen-da-se estender o tempo
para descontinuação dos corticoides por ao menos 6 semanas. É importante ressaltar
que o infliximabe não deve ser empregado em casos de sepse ou suspeita/confirmação
de perfuração intestinal. Não existe tratamento preventivo para a diarreia induzida
por esses agentes.
Por sua vez, a elevação imunomediada dos níveis de lipase e amilase também pode ocorrer.
No entanto, nestes casos, a maioria correspondeu a alterações laboratoriais isoladas,
sem repercussão clínica ou confirmação do diagnóstico de pancreatite. Diante de uma
elevação das enzimas pancreáticas em pacientes sintomáticos, porém, recomenda-se avaliação
laboratorial adicional e exame de imagem abdominal com o objetivo de excluir uma real
pancreatite.([21 ])
Eventos adversos hepáticos
Os EAim de natureza hepática manifestam-se na maior parte dos casos como alteração
assintomática de exames laboratoriais, principalmente AST, ALT e gama-glutamiltransferase
(GGT) ou bilirrubinas. A frequência da hepatotoxicidade é baixa, sobretudo quando
os inibidores de PD-1/PDL1 ou anti-CTLA-4 são utilizados isoladamente, sendo a porcentagem
de ocorrência descrita de aproximadamente 2-7%. ([14 ],[17 ],[18 ],[37 ]) No entanto, há aumento significativo de EAs hepáticos quando o duplo bloqueio imunológico
é utilizado (qualquer grau 15-30%, graus 3/4 6-18,8%) (Apêndice 1 - Material Suplementar)([18 ],[37 ]) ou com ipilimumabe na dose de 10mg/kg (qualquer grau 24,4%, graus 3/4 10,9%). Sintomas
como astenia e hiporexia podem acompanhar o quadro clínico em alguns pacientes.
O surgimento desta toxicidade habitualmente ocorre entre 8-12 semanas do início do
tratamento; no entanto, a monitorização de enzimas hepáticas é sugerida previamente
à toda aplicação do imunote-rápico, haja vista a possibilidade de ocorrência em qualquer
momento do tratamento.([38 ]-[40 ]) Frente a um aumento de enzimas hepáticas, é fundamental afastar que este não seja
secundário a outras causas, que não a toxicidade à imunoterapia, como causas infecciosas
(hepatites virais, sepse), não infecciosas (toxicidades a outras fármacos), metabólicas
ou neoplásicas (progressão de doença),([41 ]) e usualmente são recomendados exames de imagem e sorologias para hepatites na avaliação
inicial.([27 ],[42 ])
O manejo desta toxicidade envolve uso de corticoide sistêmico e em situações mais
graves outros imunossupressores como micofenolato de mofetila (Anexo 2. Material Suplementar).
O uso de infliximabe é contraindicado pela potencial toxicidade hepática desse imunossupressor.
Eventos adversos pulmonares
A toxicidade pulmonar é um evento incomum (Apêndice 1 - Material Suplementar), porém
alto grau de suspeição e reconhecimento precoce são fundamentais para o manejo adequado,([6 ],[34 ]) especialmente frente aos riscos associados e potencial ameaça à vida. Em uma metanálise
recentemente publicada, a incidência de pneumonite relacionada ao uso de agentes anti-PD-1
em monoterapia foi de 2,7% (0,8% se de grau 3 ou superior), ocorrendo mais frequentemente
em pacientes tratados por câncer de pulmão não-pequenas células em comparação a pacientes
tratados por melanoma (qualquer grau: 4,1% vs. 1,6%; p = 0,002/grau 3 ou superior:
1,8% vs. 0,2%; p < 0,001). À semelhança de outros EAim, foi observada maior incidência
com uso de combinações, ocorrendo em até 6,6% dos casos43. Os sintomas iniciais podem
ser inespecíficos; porém, em vigência do uso de bloqueadores de correceptores imunes,
o surgimento de tosse, febre ou dispneia em graus variados deve ser investigados prontamente,
uma vez que o desenvolvimento de complicações pulmonares pode ocorrer após um período
imprevisível durante o tratamento, variando de 9 dias a mais de 19 meses (mediana
de 2,8 meses) em uma das séries publicadas.([44 ])
Em casos de suspeita clínica, uma tomografia computadorizada de tórax deve ser realizada
à procura de infiltrado em vidro fosco ou infiltrados nodulares, embora não exista
um padrão radiológico típico.([44 ]) As principais formas de manifestação dos EA pulmonares são: pneumonite,([45 ]) pneumonia em organização criptogênica([46 ],[47 ]) e granulomas sarcoidose-like. A gasometria arterial deve ser obtida nos casos mais
graves e, para exclusão de diagnósticos diferenciais, sobretudo de etiologia infecciosa,
recomenda-se prosseguir com broncoscopia ou até mesmo biópsia guiada por imagem em
casos selecionados.([48 ])
O tratamento da pneumonite deve ser adequado à gravidade do quadro (Anexo 3. Material
Suplementar). Para sintomas moderados e graves, recomenda-se broncoscopia para excluir
causas infecciosas, antes do tratamento imunossupressor. Em casos graves, considerar
infliximabe (5 mg/kg), micofenolato de mofetila ou ciclofosfamida na falha de altas
doses de corticoide por 3 dias,([37 ]) bem como tratamento empírico para quadros infecciosos. Frente ao risco de recorrência
da pneumonite, uma vez instituída terapia com esteroides, recomenda-se lenta retirada,
usualmente ao longo de 6 semanas ou mais. Convém salientar que a necessidade de uso
prolongado de corticoterapia ou imunossupressores pode predispor o paciente ao risco
de infecções oportunistas.([49 ]) Desta forma, recomenda-se profilaxia para Pneumocystis se uso de 20 mg de prednisona
(ou equivalente) por 4 semanas ou mais, ou se indicada imunossupressão prolongada.
Novamente, recomenda-se particular atenção aos pacientes com histórico de tuberculose.
Eventos adversos cutâneos
Eventos adversos cutâneos são comuns nos pacien-tes submetidos a tratamento com bloqueadores
de correceptores imunes (Apêndice 1-Material Suplementar), sendo mais prevalentes
naqueles tratados com agentes anti-CTLA-4 e imunoterapia combinada. Observa-se também
maior incidência em pacientes tratados por melanoma avançado em comparação a outras
neoplasias.[12 ],[33 ] As principais reações observadas são prurido, erupção cutânea maculopapular e vitiligo,
ainda que outras apresentações possam se relacionar com o uso de ICI. Ocorrem mais
frequentemente nas primeiras 3-4 semanas de tratamento, de gravidade mediana (grau
1/2), responsivas ao tratamento com anti-histamínicos, corticoide tópico ou sistêmico,
e usualmente regridem após um período de 2 a 6 semanas.([50 ],[51 ]) Alguns casos de reações graves foram descritos, tais como síndrome de Stevens-Johnson,
necrólise epidérmica tóxica (NET), DRESS (reação a fármacos com eosinofilia e sintomas
sistêmicos), síndrome de Sweet (doença neutrofílica febril aguda) e eventos tardios
também podem ocorrer.
Outras formas de manifestação clínica incluem: xerose, alopecia, estomatite, urticária,
fotossensibilidade, dermatite esfoliativa, dermatite em áreas tratadas com radioterapia,
erupção acneiforme, hiperidrose, alteração de coloração do cabelo e dificuldade de
cicatrização.([52 ]) Curiosamente, areas de hipopigmentação (vitiligo) observadas em pacientes com melanoma
avançado tratados com diferentes formas de imunoterapia (não somente bloqueadores
de correceptores imunes) relacionaram-se com resposta ao tratamento em algumas situações.([53 ]-[55 ])
Todos os pacientes candidatos ao uso de bloqueadores de correceptores imunes devem
ser orientados quando aos cuidados básicos de hidratação, fundamentais para manter
a integridade da barreira cutânea, e de fotoproteção. É imprescindível questionar
sobre o histórico de farmacodermias, fotossensibilidade, dermatoses crônicas e dermatites
alérgicas prévias. Em casos de doenças dermatológicas em atividade, o acompanhamento
conjunto com dermatologista é recomendado. Uma vez instalada a toxicidade cutânea,
seu manejo segue, em linhas gerais, o preconizado para outros EAim (Anexo 4. Material
Suplementar). A maior parte dos casos pode ser conduzida com o uso de esteroides tópicos,
combi-nados ou não a anti-histamínicos, usualmente sem necessidade de descontinuação
do tratamento.
Eventos adversos endócrinos
EAim de natureza endócrina podem ocorrer em até 10% dos casos, e a vigilância constante
é recomendada, especialmente devido ao baixo grau de suspeição que se observa na prática
clínica. A instalação se dá usualmente entre a 4a e 18a semana de tratamento (mediana
de 11 semanas), mas manifestações tardias podem ocorrer.([56 ]) Eventos endócrinos de qualquer grau têm sido observados em até 10-17% de todos
os pacientes tratados, afetando principalmente a glândula tireoide (hipotireoidismo,
hipertireoidismo, tireoidite) e hipófise (hipofisite/hipopituitarismo); outras manifestações,
como diabetes mellitus tipo I e adrenalite também podem ocorrer.([57 ]) Os sintomas são usualmente inespecíficos e incluem cefaleia, fadiga, variações
de peso, queda de cabelo, constipação, etc.([35 ],[36 ]) Em pacientes recebendo bloqueadores de correceptores imunes e que se apresentam
com hipotensão/choque, a possibilidade de crise adrenal deve ser afastada, ainda que
seja um evento extremamente incomum.
Hipofisite e hipopituitarismo: O comprometimento hipofisário pode ocorrer de duas
maneiras: 1) hipofisite aguda, marcada por náuseas, vertigem, alterações visuais/diplopia
acompanhadas de alterações hormonais 2) hipopituitarismo, manifesto em geral através
de fadiga inespecífica ou apenas alterações laboratoriais. Laboratorialmente, a hipofisite/hipopituitarismo
caracterizam-se pela redução dos níveis dos hormônios pituitários (ACTH, hormônio
tireoestimulante [TSH], FSH, LH, hormônio do crescimento [GH] e prolactina). Nos homens,
também é importante a dosagem de testosterona. ACTH e TSH estão elevados na insuficiência
adrenal primária e hipotireoidismo primário, respectivamente, que são os diagnósticos
diferenciais. A ressonância magnética (RM) de crânio é mandatória para descartar metástase
cerebral, e evidencia aumento da captação de contraste e edema da hipófise.([56 ]) Via de regra, além de acompanhamento conjunto por um endocrinologista, o tratamento
envolve a reposição hormonal (esteroides, tiroxina e testosterona/estradiol). O papel
da corticoterapia na prevenção de disfunção hipofisária persistente é incerto. Pacientes
com cefaleia recorrente ou sintomas resultantes de efeito de massa (hipofisite aguda)
devem ser tratados com altas doses de corticoide (1-2 mg/kg/dia de metilprednisolona
por 3-5 dias seguido de 1 mg/kg/dia de prednisona por 4 semanas com redução gradual)
(Anexo 5. Material Suplementar).
Tireoidopatias: tanto hipotireoidismo, hipertireoidismo ou tireoidite podem ocorrer,
ainda que essa última apresentação seja incomum. É o evento adverso endócrino mais
frequente com o uso de agentes anti--PD-1, ocorrendo em até 19% dos casos, comparado
a 9% dos inibidores do CTLA-4.([57 ],[58 ]) O principal sintoma é a fadiga. O perfil tireoidiano deve ser monitorado antes
de cada dose ou mensalmente, e a cada 6-12 semanas por 6 meses após completar o tratamento.
O tratamento recomendado é o habitual: reposição hormonal ou fármacos antitireoidianos.
([59 ]) Na grande maioria dos casos, não é necessário a suspensão do tratamento oncológico
ou uso de corticoides (Anexo 5. Material Suplementar). Algumas drogas interferem na
mensuração laboratorial dos hormônios da tireóide, dificultando assim sua interpretação.
Como exemplo, o uso de biotina (comum em formulações para cabelo e unhas) pode resultar
em um padrão laboratorial que mimetiza a Doença de Graves e a metformina pode reduzir
os valores de TSH sem interferir na concentração do hormônio T4 livre. Convém salientar
que reduções nos valores do T4 livre não acompanhadas de elevação do TSH podem sugerir
o diagnóstico de hipopituitarismo, e não de tireoidopatia, e a complementação da avaliação
hormonal hiofisária é recomendada.
Insuficiência adrenal: apresenta níveis elevados de ACTH na vigência de cortisol baixo,
diferenciando da hipofisite. Os sintomas são inespecíficos, como fadiga, anorexia,
dor abdominal, perda de peso. Se não diagnosticada precocemente, pode evoluir para
a crise adrenal, um efeito colateral grave e caracterizado por desidratação, hipotensão,
dor abdominal e distúrbios hidroeletrolíticos (hipercalemia e hiponatremia). Nesses
casos, o paciente deve ser internado para hidratação agressiva e uso parenteral de
altas doses de corticoide. Sepse deve ser sempre investigada,([60 ]) e antibioticoterapia empírica de amplo es-pectro é usualmente empregada (Anexo
5. Material Suplementar).
Qualquer que seja a apresentação da endocrinopatia, porém, a descontinuação definitiva
do tratamento raramente é recomendada, desde que instituída terapia de reposição hormonal
e resolvidos os sintomas.
Eventos adversos incomuns
Conforme previamente abordado, as apresentações dos EAim são extremamente variáveis
e, em teoria, qualquer órgão/tecido pode ser alvo de uma agressão imunomediada.([16 ]) Como exemplos, encontra-mos na literatura casos de disfunção renal/nefrite, neurites,
encefalite, pericardite, miosite, etc., e baixo grau de suspeição para a possibilidade
de eventos incomuns é recomendado.([6 ]) Outros exemplos incluem casos de polimiosite grave com rabdomiólise aguda (em um
paciente com níveis prévios de anticorpo antimúsculo estriado elevados), penfigóide
bolhoso, sarcoidose e doença articular inflamatória limitante, como artrite e tenossinovite.([61 ],[62 ])
Devido à frequência consideravelmente menor, os algoritmos de tratamento são menos
específicos, e recomenda-se a adoção das abordagens gerais apresentadas na [figura 2 ], bem como interconsulta pelas especialidades correspondentes.
EAim cardiológicos: estudos experimentais confirmam a importância do papel do PD-1
na proteção cardíaca contra lesões mediadas por células T.([63 ]) Em camundongos geneticamente predispostos a doenças autoimunes, a deficiência de
PD-1 resulta em miocardite fatal e a avaliação histológica mostra infiltração maciça
de células T CD4+ e CD8+ e de anticorpos antimiosina.([64 ]) Casos de miocardite e/ou disfunção miocárdica foram descritos em pacientes tratados
com ipilimumabe e agentes anti-PD-1;([65 ]-[67 ]) biópsias realizadas demonstraram a presença de infiltrado linfocitário composto
predominantemente de células T CD8+.([15 ],[68 ])
EAim hematológicos: um número limitado de casos de eventos hematológicos foi descrito,
em sua maioria em associação ao uso de ipilimumabe, talvez devido ao maior tempo de
uso fora de protocolos de pesquisa: neutropenia com mielograma evidenciando hipoplasia
mielóide com eritropoiese/megacariopoiese normais não responsiva a fator estimulador
de colônia e corticoides, mas com melhora rápida após a utilização de imunoglobulina
venosa;([69 ]) aplasia pura da série vermelha, também responsiva à imunoglobulina([70 ]) endovenosa; trombocitopenia reversível com corticoterapia em altas doses e até
mesmo um relato([71 ]) de hemofilia adquirida em um paciente tratado com ipilimumabe.([72 ]) A incidência de anemia e trombocitopenia parece ser superior em pacientes tratados
com bloqueadores de correceptores imunes para doença de Hodgkin refratária, o que
pode se relacionar, em parte, ao uso prévio de terapias mielotóxicas.([73 ])
EAim neurológicos: manifestações neurológicas diversas vêm sendo descritas com maior
frequência. Foram relatados casos de síndrome de GuillainBarré, miastenia gravis,
meningite asséptica, mielite transversa, síndrome de encefalopatia posterior reversível,
neuropatia entérica, inflamação granulomatosa do sistema nervoso central e síndrome
de Tolosa-Hunt. Casos graves de encefalite límbica ocorreram em pacientes com câncer
de pulmão de pequenas células. Ainda não se sabe se pacientes com síndromes paraneoplásicas
de natureza imunológica têm maior susceptibilidade.([52 ],[74 ],[75 ]) Além de corticoterapia e imunossupressores, o uso de imunoglobulina endovenosa
pode ser considerado em situações excepcionais.
EAim oftalmológicos: alterações oculares incluem uveíte, episclerite e conjuntivite,
todas de natureza inflamatória, principalmente associadas aos inibidores de CTLA-4.