Palavras-chave
artrose - bloqueio nervoso - infiltração - ombro - tendinopatia
Introdução
A queixa de dor no ombro frequentemente acomete pacientes adultos, cuja prevalência
compreende-se entre 7 e 34%, sendo a população acima de 40 anos a de maior risco.[1]
[2] Estima-se que de 10 a 16% da população apresente mais de um episódio de ombro doloroso
ao longo da vida.[1]
[3] Questiona-se na prática médica o tratamento, acompanhamento e a recuperação deste
tipo de queixa, constando-se que fatores como idade entre 45 e 54 anos e dor por mais
de 3 meses inferem mau prognóstico.[1]
[4] A refratariedade e a recidiva da queixa após 1 ano são complicações presentes em
cerca de 40 a 50% dos pacientes.[4] Ao estudar-se a fisiopatologia de acometimentos relacionados ao ombro doloroso,
citam-se em primeira importância doenças degenerativas osteotendíneas e alterações
inflamatórias como tendinites relacionadas ou não à calcificação.[5] Vale ressaltar que condições como o estágio de degeneração e gravidade das comorbidades
possuem relação direta com o prognóstico e desfecho.[5]
[6]
A infiltração e o bloqueio de nervo são procedimentos que mostraram-se efetivos nos
últimos anos para controle dos sintomas de dor no ombro, em que os fármacos selecionados
são diversos e integram o repertório do médico cuja prática inclui manejo deste tipo
de queixa.[7]
[8]
[9] Os locais de infiltração, auxílio ou não de métodos de imagem e indicações também
são variáveis.[9]
[10] O objetivo do presente estudo foi avaliar como especialistas de ombro têm utilizado
a infiltração e o bloqueio de nervo na sua prática diária.
Materiais e Métodos
Estudo transversal, caracterizado como uma pesquisa de levantamento interseccional
em tempo único, que adotou uma amostragem não probabilística do tipo conveniência.
Aprovado pelo Comitê de Ética da nossa instituição sob o número: 71476223.3.0000.5505.
Foi utilizado um questionário, desenvolvido previamente pelos autores deste estudo
([Supplementary Anexo 1]), que foi administrado durante o 8° Closed Meeting da Sociedade Brasileira de Cirurgia
do Ombro e Cotovelo, realizado entre os dias 17 e 19 de agosto de 2023.
Houve a participação de 134 ortopedistas especializados em cirurgia de ombro e cotovelo,
de um total de 300 inscritos, resultando em uma taxa de resposta de 44%. Para preservar
a confidencialidade, os ortopedistas não foram identificados, sendo-lhes solicitado
responder ao questionário apenas uma vez. A distribuição dos questionários ocorreu
durante os intervalos dos três dias do congresso, e foi oferecida a possibilidade
de resposta tanto de forma virtual, através do Google Forms, quanto de forma física.
As características avaliadas no questionário foram descritas utilizando frequências
absolutas e relativas. As condutas de interesse foram analisadas em relação à experiência
dos profissionais, com a associação verificada por meio de testes da razão de verossimilhanças.
O uso de corticoide em diferentes tipos de procedimentos foi relacionado ao uso de
ácido hialurônico em infiltrações, sendo a associação avaliada por meio de testes
exatos de Fisher.
As perguntas sobre a experiência dos profissionais e o número de infiltrações realizadas
foram descritas em cada uma das pesquisas, e a associação foi avaliada através de
testes do qui-quadrado, conforme preconizado por Kirkwood e Sterne (2006).
Para a análise estatística dos dados, utilizou-se o software IBM SPSS Statistics for
Windows (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 22.0, enquanto a tabulação foi realizada
no software Microsoft Excel 2013 (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA). Todos os testes
foram conduzidos com um nível de significância de 5%.
Resultados
Dentre os entrevistados, 29,9% relataram >10 anos de experiência em cirurgia do ombro;
20,1% entre 5 e 10 anos; 37,3% entre 1 e 5 anos; e 12,7%, são cirurgiões com < 1 ano
de experiência. Entre a população do estudo, 48,5% relataram de 10 a 30 indicações
de infiltração no ano anterior.
As indicações para utilização de infiltração com corticoide subacromial e glenoumeral
representam 92,5% e 80,6% do total de indicações de infiltrações, respectivamente.
Quanto ao portal de realização da infiltração subacromial, 50,7% optam pelo acesso
lateral, 26,9% pelo posterior, e 3% pelo anterior; 18,4% citaram outros acessos. Para
a infiltração glenoumeral, 53,7% utilizam ponto de acesso anterior, 29,1% utilizam
o posterior, e 17,2% outros acessos.
A infiltração guiada por ultrassonografia não é utilizada para auxílio no procedimento
de infiltração pela maioria dos entrevistados (73,1%); 75,4% realizam a infiltração
subacromial no consultório. Quanto à infiltração glenoumeral, 45,5% a fazem no consultório,
enquanto 19,4% a fazem no centro cirúrgico.
Quando indagados sobre o uso do ácido hialurônico para as infiltrações, 86,6% dos
entrevistados utilizam a medicação, sendo que 22% a utilizam para o tratamento de
artrose do ombro de forma isolada, e 18,7% para tratamento de lesões parciais do manguito
rotador/tendinopatias. A principal complicação encontrada pelos entrevistados foi
dor após a infiltração, com 50% na região subacromial e 44,8% na articular.
Em relação ao bloqueio de nervo do ombro, 66,4% dos entrevistados realizam o procedimento,
enquanto 33,6% não o realizam; sendo que, 44,8% bloqueiam o nervo supraescapular e
29,9% acrescentam o nervo axilar no bloqueio. Dentre os participantes que realizam
bloqueio, apenas 32,1% utilizam o ultrassom para guiar. A maior parte dos participantes
relatou que não houve complicações pós-procedimento (36,6%), e, dentre os que relataram
complicações, a principal foi a dor local correspondendo a 24,6%.
A [Tabela 1] mostra que o maior número de infiltrações no último ano está associado ao maior
tempo de experiência dos profissionais (p < 0,001), os profissionais com menos tempo de experiência utilizam menos corticoide
na infiltração subacromial e fazem menos infiltrações com ácido hialurônico (p = 0,004 e p = 0,041, respectivamente) e os profissionais com maior experiência realizam estatisticamente
menos bloqueio de nervo (p = 0,001).
Tabela 1
|
Variável
|
1) Quantos anos de experiência possui na cirurgia de ombro?
|
Tot al
|
p
|
|
< 1 ano
|
1–5 anos
|
5–10 anos
|
>10 anos
|
|
2) Quantas infiltrações realizou nos últimos 12 meses?
|
|
|
|
|
|
< 0,001
|
|
Nenhuma
|
4 (23,5)
|
1 (2)
|
0 (0)
|
0 (0)
|
5 (3,7)
|
|
|
1–10
|
9 (52,9)
|
27 (54)
|
0 (0)
|
4 (10)
|
40 (29,9)
|
|
|
10–30
|
3 (17,6)
|
18 (36)
|
22 (81,5)
|
22 (55)
|
65 (48,5)
|
|
|
> 40
|
1 (5,9)
|
4 (8)
|
5 (18,5)
|
14 (35)
|
24 (17,9)
|
|
|
8) Realiza a infiltração guiada por ultrassonografia?
|
|
|
|
|
|
0,079
|
|
Não
|
9 (52,9)
|
42 (84)
|
19 (70,4)
|
28 (70)
|
98 (73,1)
|
|
|
Sim
|
8 (47,1)
|
8 (16)
|
8 (29,6)
|
12 (30)
|
36 (26,9)
|
|
|
12) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração subacromial ?
|
|
|
|
|
|
0,004
|
|
Sem corticoide
|
5 (29,4)
|
3 (6)
|
2 (7,4)
|
0 (0)
|
10 (7,5)
|
|
|
Com corticoide
|
12 (70,6)
|
47 (94)
|
25 (92,6)
|
40 (100)
|
124 (92,5)
|
|
|
13) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração glenoumeral ?
|
|
|
|
|
|
0,169
|
|
Sem corticoide
|
4 (23,5)
|
14 (28)
|
3 (11,1)
|
5 (12,5)
|
26 (19,4)
|
|
|
Com corticoide
|
13 (76,5)
|
36 (72)
|
24 (88,9)
|
35 (87,5)
|
108 (80,6)
|
|
|
14) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração acromioclavicular ?
|
|
|
|
|
|
0,542
|
|
Sem corticoide
|
2 (12,5)
|
2 (4)
|
1 (3,7)
|
1 (2,5)
|
6 (4,5)
|
|
|
Com corticoide
|
14 (87,5)
|
48 (96)
|
26 (96,3)
|
39 (97,5)
|
127 (95,5)
|
|
|
16) Realiza infiltração de ácido hialurônico?
|
|
|
|
|
|
0,041
|
|
Não
|
6 (35,3)
|
6 (12)
|
1 (3,7)
|
5 (12,5)
|
18 (13,4)
|
|
|
Sim
|
11 (64,7)
|
44 (88)
|
26 (96,3)
|
35 (87,5)
|
116 (86,6)
|
|
|
20) Realiza bloqueio de nervo?
|
|
|
|
|
|
0,001
|
|
Não
|
4 (23,5)
|
16 (32)
|
3 (11,1)
|
22 (55)
|
45 (33,6)
|
|
|
Sim
|
13 (76,5)
|
34 (68)
|
24 (88,9)
|
18 (45)
|
89 (66,4)
|
|
|
26) Realiza bloqueio do nervo do ombro guiado por ultrassonografia?
|
|
|
|
|
|
0,666
|
|
Não
|
10 (62,5)
|
32 (65,3)
|
16 (64)
|
11 (50)
|
69 (61,6)
|
|
|
Sim
|
6 (37,5)
|
17 (34,7)
|
9 (36)
|
11 (50)
|
43 (38,4)
|
|
A [Tabela 2] mostra que não houve associação estatisticamente significativa do uso de corticoide
nos procedimentos abordados e a realização de infiltração com uso de ácido hialurônico
pelos profissionais (p > 0,05).
Tabela 2
|
Variável
|
16) Realiza Infiltração de ácido hialurônico?
|
Total
|
p
|
|
Não
|
Sim
|
|
12) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração subacromial ?
|
|
|
|
0,133
|
|
Sem corticoide
|
3 (16,7)
|
7 (6)
|
10 (7,5)
|
|
|
Com corticoide
|
15 (83,3)
|
109 (94)
|
124 (92,5)
|
|
|
13) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração glenoumeral ?
|
|
|
|
> 0,999
|
|
Sem corticoide
|
3 (16,7)
|
23 (19,8)
|
26 (19,4)
|
|
|
Com corticoide
|
15 (83,3)
|
93 (80,2)
|
108 (80,6)
|
|
|
14) Qual ou quais medicamentos você utiliza na infiltração acromioclavicular ?
|
|
|
|
0,590
|
|
Sem corticoide
|
1 (5,6)
|
5 (4,3)
|
6 (4,5)
|
|
|
Com corticoide
|
17 (94,4)
|
110 (95,7)
|
127 (95,5)
|
|
Pela [Tabela 3], tem-se que os profissionais da pesquisa atual têm estatisticamente menos tempo
de experiência que os da pesquisa anterior (p = 0,001), e o número de infiltrações realizadas nos últimos 12 meses pelos profissionais
da pesquisa atual foi estatisticamente maior que na pesquisa anterior (p < 0,001).
Tabela 3
|
Variável
|
Pesquisa anterior
|
Pesquisa atual
|
p
|
|
1) Quantos anos de experiência possui na cirurgia de ombro?
|
|
|
0,001
|
|
< 1 ano
|
17 (9,5)
|
17 (12,7)
|
|
|
1–5 anos
|
35 (19,6)
|
50 (37,3)
|
|
|
5–10 anos
|
43 (24)
|
27 (20,1)
|
|
|
> 10 anos
|
84 (46,9)
|
40 (29,9)
|
|
|
2) Quantas Infiltrações realizou nos últimos 12 meses?
|
|
|
< 0,001
|
|
≤ 10
|
113 (63,1)
|
45 (33,6)
|
|
|
> 10
|
66 (36,9)
|
89 (66,4)
|
|
Discussão
O presente estudo investiga a abordagem de especialistas em cirurgia do ombro no tratamento
da queixa de dor nesta região, uma condição prevalente que tem impacto significativo
na qualidade de vida dos pacientes.[11]
[12] O objetivo da pesquisa foi analisar como ortopedistas especializados têm empregado
a infiltração e o bloqueio de nervo em sua prática diária, oferecendo uma visão abrangente
das tendências e práticas na comunidade médica atual e de forma comparativa do ano
de 2020 até o presente em relação ao estudo prévio realizado por nosso grupo, que
conta com indagações comuns nos questionários aplicados.
Os resultados revelam uma amostra diversificada de ortopedistas, abrangendo diferentes
níveis de experiência, o que se mostra crucial para compreender as variações nas práticas
clínicas. A predominância de pacientes acima de 40 anos, conforme identificado na
pesquisa, é congruente com a literatura, destacando a relevância dessa condição em
uma população mais idosa.[13]
[14]
A pesquisa destaca a prevalência do uso de corticoides em infiltrações subacromiais
e glenoumerais, indicando uma prática alinhada com a literatura atual.[15] As preferências quanto ao acesso lateral na infiltração subacromial e o ponto de
acesso anterior na infiltração glenoumeral refletem a diversidade nas técnicas utilizadas
pelos especialistas. É notável a incorporação do ácido hialurônico em infiltrações,
com uma significativa porcentagem de profissionais adotando essa abordagem, principalmente
para o tratamento de artrose do ombro e lesões parciais do manguito rotador/tendinopatias.[16]
[17] Esta tendência sugere uma busca por terapias mais abrangentes e conservadoras no
tratamento da dor no ombro.
A maioria dos entrevistados não utiliza ultrassonografia como auxílio no procedimento
de infiltração, revelando uma possível lacuna na incorporação de tecnologias de imagem
na prática clínica. Esta descoberta suscita discussões sobre a eficácia e a necessidade
do uso de métodos de imagem para aprimorar a precisão dos procedimentos.[18]
[19] Contudo, observou-se o significativo aumento de 15% na utilização da ultrasasonografia
como exame auxiliar nas infiltrações de ombro em relação ao estudo anterior realizado
em 2020 por nosso grupo.
O bloqueio de nervo do ombro é uma prática comum entre os especialistas, sendo o nervo
supraescapular o mais frequentemente bloqueado.[20] A preferência por não utilizar ultrassonografia para guiar o procedimento pode indicar
confiança na técnica convencional ou a necessidade de maior conscientização sobre
os benefícios da ultrassonografia nesse contexto.[21] A taxa de complicações relatadas é relativamente baixa, com a dor local sendo a
complicação mais comum. Esse resultado sugere uma abordagem segura na prática desses
procedimentos, mas a análise detalhada das complicações pode fornecer insights valiosos
para aprimorar as técnicas e reduzir riscos.[22]
[23]
A associação entre o tempo de experiência e o número de infiltrações realizadas é
intrigante. Neste estudo, houve maior número de especialistas com menor tempo de conclusão
de formação em relação ao estudo prévio. Os profissionais mais experientes realizam
estatisticamente menos bloqueios de nervo, indicando uma possível preferência por
outras abordagens terapêuticas ou uma maior efetividade nas decisões de tratamento.
É importante destacar que a taxa de resposta de 44% pode introduzir um viés de seleção
na amostra, limitando a generalização dos resultados. Ademais, a abordagem convencional
em congressos pode influenciar nas respostas dos participantes, uma vez que estes
podem estar mais propensos a discutir práticas mais tradicionais.
Comparando este estudo com um estudo anterior conduzido em 2017 durante o 5o Closed Meeting da Sociedade Brasileira de Ombro e Cotovelo, quando um questionário
foi respondido por 179 ortopedistas especialistas em ombro e cotovelo, observamos
diversas similaridades e progressos.[24]
Ambos os estudos ressaltam a ampla adoção da infiltração e do bloqueio de nervo como
terapias eficazes para mitigar os sintomas da dor no ombro. Entretanto, o presente
estudo expande essa análise ao abordar a relação entre a experiência dos profissionais
e suas práticas clínicas. Além disso, ambos os estudos destacam a subutilização da
ultrassonografia como ferramenta auxiliar nos procedimentos de infiltração, indicando
uma possível falha na integração de tecnologias de imagem na rotina clínica.
Ambos os estudos concluem que tanto a infiltração quanto o bloqueio de nervo do ombro
são procedimentos seguros, com uma baixa incidência de complicações relatadas. Contudo,
este estudo mais recente acrescenta uma nova perspectiva ao explorar a incorporação
do ácido hialurônico em infiltrações, sugerindo uma tendência em direção a terapias
mais abrangentes e conservadoras. Além disso, adiciona a proloterapia e a aspiração
de medula óssea concentrada (BMA, na sigla em inglês) como opções de tratamento, representando
terapias inovadoras que ainda estão em avaliação quanto a sua verdadeira relevância
e eficácia no tratamento da dor no ombro.
Conclusão
A prevalência do uso de corticoides e ácido hialurônico em infiltrações indicou uma
tendência para abordagens inovadoras e conservadoras. A subutilização da ultrassonografia
ressaltou a possível lacuna na adoção de tecnologias de imagem, levantando a necessidade
de avaliar a eficácia desses métodos. O bloqueio de nervo do ombro, principalmente
do supraescapular, mostrou-se comum e seguro, apesar da baixa incidência de complicações.
A associação entre experiência e número de infiltrações sugeriu uma evolução na abordagem
ao longo da carreira, com profissionais mais experientes optando por menos bloqueios
de nervo. Apesar de limitações, como a taxa de resposta de 44%, o estudo fornece insights
valiosos para aprimorar as práticas clínicas na abordagem da dor no ombro por ortopedistas.
Bibliographical Record
Paulo Henrique Schmidt Lara, Guilherme Martinez, Fabrício Infanti, Alberto de Castro
Pochini, Benno Ejnisman, Paulo Santoro Belangero. Infiltração e bloqueio de nervo
no ombro doloroso: Perspectivas e tendências atuais. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025;
60: s00441792098.
DOI: 10.1055/s-0044-1792098