Palavras-chave
artroscopia - lesões do ligamento cruzado anterior - lesões do menisco tibial
Introdução
A lesão meniscal em rampa foi descrita na década de 1980 por Hamberg et al. como uma
lesão do aspecto posterior do menisco medial na topografia exemplificada na [Fig. 1] e em seguida descrita por Strober apud Sonnery-Cottet et al.[1] como uma lesão longitudinal, com 2,5 cm de comprimento, localizado na junção meniscocapsular.
Essas lesões estão mais presentes em pacientes com ruptura do ligamento cruzado anterior
(LCA), do sexo masculino e em média de 30 anos de idade. Esse tipo de lesão é classificado
de acordo com a zona de acometimento: tipo 1 - lesões meniscocapsulares, essas lesões
estão localizadas muito perifericamente na bainha sinovial - tipo 2 - lesões parciais
superiores, essas lesões são estáveis e podem ser diagnosticadas apenas por uma abordagem
trans-operatória - tipo 3 - lesões parciais inferiores ou ocultas, essas lesões não
são visíveis com a abordagem trans-operatória - tipo 4 - lesão completa na zona vermelha-vermelha
- tipo 5 - dupla ruptura envolvendo a junção meniscocapsular e a porção anterior do
corno posterior[2] ([Fig. 1]) .
Fig. 1 Dissecção anatômica da articulação do joelho esquerdo. O recesso femoral póstero-medial
é marcado com setas amarelas. Ligamento colateral medial (MCL), menisco medial (MM),
menisco lateral (ML) cápsula articular (JC), ligamento cruzado posterior (PCL), ligamento
cruzado anterior (ACL), ampliação do recesso femoral póstero-medial. Fonte: Śmigielski
R, Becker R, Zdanowicz U, Ciszek B. Medial meniscus anatomy from basic science to
treatment. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2015;23(1): 8-14.
Ainda não há consenso na literatura a respeito do método mais sensível e específico
para diagnosticar uma lesão meniscal em rampa.[3] Um dos métodos utilizados é a detecção intraoperatória da lesão, no momento da artroscopia
para reparo do ligamento cruzado anterior através de suspeita clínica prévia com testes
especiais de exame físico (Pivot Shift grau III e Lachman grau III) e epidemiologia
sugestiva como sexo masculino e paciente jovem (30 anos).[4] Outra possibilidade, é a ressonância magnética que, na presença de lesão, apresenta
hipersinal na imagem ponderada em T2 na topografia posterior do menisco medial na
junção meniscocapsular, além de edema do platô tibial medial posterior.[5] Esse método diagnóstico apresenta baixa sensibilidade e com risco de resultado falso
negativo quando realizado com o joelho em extensão em quadros de lesão aguda. Outro
método diagnóstico é a artrotomografia, na qual é realizada injeção de contraste intraarticular,
com sensibilidade semelhante ao exame de ressonância magnética, segundo a literatura
atual. Uma vez diagnosticada, essas lesões podem ser tratadas de forma conservadora
ou a partir do reparo cirúrgico da lesão, sendo esta a abordagem mais utilizada, com
bons resultados clínicos e baixa taxa de falhas.[6] O reparo da lesão em rampa de acordo com Thaunat et al.,[2] pode ser feito através de portais artroscópicos anteriores e sutura all-inside ,
porêm a realização de um portal acessório posteromedial facilita o desbridamento para
acesso da lesão, melhor visualização de reparo completo da mesma alêm de facilitar
o posicionamento de suturas verticais as fibras profundas dos meniscos trazendo vantage
biomecanica à sutura . Este portal adicional de acordo com Sonnery-Cottet et al.,[7] devido sua melhor capacidade de visualização da região posterior dos menisco medial,
pode ajudar na descoberta de uma porcentagem de lesões que poderiam ser não diagnosticadas
através de uma exploração anterior padrão.
Através dessa técnica o reparo meniscal artroscópico das lesões em rampa durante a
reconstrução do LCA proporcionou uma alta taxa de cicatrização, sendo um procedimento
cirúrgico confiável para o tratamento deste tipo de lesão.[3]
[8] O subdiagnóstico e o não tratamento dessas lesões podem influenciar diretamente
na reabilitação pós reconstrução do LCA e culminar em instabilidades ântero-posterior
e rotatória do joelho.[3]
[9]
Materiais e métodos
O referido trabalho teve a aprovação do comitê de ética da nossa instiutição sob o
número CAAE- 46245121.5.0000.5479.
Foram estudados 21 pacientes, sendo esses, jovens, atletas, com suspeita de lesão
do LCA após trauma há pelo menos 3 meses, sem evidências ou histórico de outras lesões
osteoarticulares no joelho. Foram excluídos pacientes com infecção atual no joelho
lesionado, doença crônica, doença grave que impedisse a abordagem cirúrgica ou lesão
prévia no joelho. O estudo foi realizado por um período de 2 anos. Os pacientes selecionados
foram estudados por 5 radiologistas sendo submetidos a ressonância magnética, artrotomografia
e artroscopia. Inicialmente, foi realizada ressonância magnética do joelho acometido
em aparelho de 1.5 T. Logo após, foi feita artrotomografia em aparelho de 64 canais,
com injeção de 15 ml de iopromida intraarticular.
Após a realização dos exames de imagem e confirmação da lesão ligamentar, foi realizado
procedimento cirúrgico de artroscopia para reconstrução do LCA. O procedimento foi
realizado por cirurgiões especializados em joelho, iniciando através de portais antero-lateral
e antero-medial sendo realizada avaliação do menisco medial e a presença ou não de
lesão em rampa, seguido de sutura all-inside do mesmo em casos positivos, em caso
de dúvida diagnóstica ou não diagnóstico da lesão por portais anteriores foi realizado
portal posteromedial para confirmação da existência da mesma, em seguida foi realizada
a reconstrução do LCA
Os métodos diagnósticos foram comparados através de uma associação entre a presença
ou não de lesão meniscal em rampa, conforme ([Tabela 1]). Foi realizado teste de concordância através do método de McNemar para comparar
a artrotomografia e a ressonância magnética, sendo também calculadas a especificidade
e a sensibilidade utilizando como padrão ouro a artroscopia, com intervalo de confiança
de 95% e p < 0,05.
Tabela 1
Método diagnóstico
|
N° de pacientes
|
Artrotomografia
|
|
Positivo
|
17
|
Negativo
|
4
|
Ressonância magnética
|
|
Positivo
|
12
|
Negativo
|
9
|
Artrocopia
|
|
Positivo
|
15
|
Negativo
|
6
|
Resultados
Foram encontrados 12 pacientes (57%) com uma média de 26 anos sendo 9 homens e 3 mulheres
com resultado positivo para lesão meniscal em rampa no estudo de ressonância magnética
e 9 pacientes (43%) com uma média de 23 anos sendo 4 homens e 5 mulheres com resultado
negativo. No estudo de artrotomografia foram identificados 17 pacientes (81%) com
uma média de 26 anos sendo 11 homens e 6 mulheres com resultado positivo para lesão
e 4 pacientes (19%) com uma média de 19 anos sendo 2 homens e 2 mulheres com resultado
negativo. No entanto, no estudo artroscópico foram encontrados 15 pacientes (71%)
com uma média de 26 anos sendo 11 homens e 4 mulheres com resultado positivo para
a mesma lesão e 6 pacientes (29%) com uma média de 19 anos sendo 2 homens e 4 mulheres
com resultado negativo ([Tabela 1]). Houve concordância para positividade do teste entre os métodos de imagem e estudo
artroscópico em 15 pacientes (71%). Além disso, foi confirmada positividade da lesão
em procedimento artroscópico após teste positivo para artrotomografia e negativo na
ressonância magnética em 4 pacientes (19%). Todos os pacientes foram operados em até
3 meses do trauma ([Tabela 1]).
A concordância entre artrotomografia e artroscopia foi de 90,5% (p = 0,5) utilizando
o teste de McNemar. Já entre ressonância magnética e artroscopia foi de 76,2% (p = 0,375).
A sensibilidade da artrotomografia foi de 100% (LI= 90,4%,LS = 100,0%) e especificidade
de 66,7% (LI= 5,8%,LS = 100,0%) com IC 95%. A ressonância magnética apresentou sensibilidade
de 73,3% (LI= 50,2%,LS = 100,0%) e especificidade de 83,3% (LI= 35,1%,LS = 100,0%)
também com IC 95%, conforme ([Tabela 2]).
Tabela 2
Tipo de exame
|
Artroscopia
|
Total
|
Positivo
|
Negativo
|
Artrotomografia
|
Positivo
|
N
|
15
|
2
|
17
|
%
|
71.4%
|
9.5%
|
81.0%
|
Negativo
|
N
|
0
|
4
|
4
|
%
|
0.00%
|
19.0%
|
19.0%
|
Total
|
N
|
15
|
6
|
21
|
%
|
71.40%
|
28.60%
|
100.00%
|
Teste de concordância de McNemar (p = 0,500)
|
concordância
|
90.5%
|
|
|
|
|
discordância
|
9.5%
|
|
|
|
|
|
Artroscopia
|
Total
|
Positivo
|
Negativo
|
Ressonância
|
Positivo
|
N
|
11
|
1
|
12
|
%
|
52.4%
|
4.8%
|
57.1%
|
Negativo
|
N
|
4
|
5
|
9
|
%
|
19.0%
|
23.8%
|
42.9%
|
Total
|
N
|
15
|
6
|
21
|
%
|
71.4%
|
28.6%
|
100.0%
|
Teste de concordância de McNemar (p = 0,375)
|
concordância
|
76.2%
|
|
|
|
|
discordância
|
23.8%
|
|
|
|
|
|
Valor
|
IC 95%
|
LI
|
LS
|
Sensibilidade
|
100.0%
|
90.4%
|
100.0%
|
Especificidade
|
66.7%
|
5.8%
|
100.0%
|
VPP
|
88.2%
|
68.9%
|
100.0%
|
VPN
|
100.0%
|
70.5%
|
100.0%
|
|
Valor
|
IC 95%
|
LI
|
LS
|
Sensibilidade
|
73.3%
|
50.2%
|
100.0%
|
Especificidade
|
83.3%
|
35.1%
|
100.0%
|
VPP
|
91.7%
|
71.0%
|
100.0%
|
VPN
|
55.6%
|
10.0%
|
100.0%
|
Discussão
A lesão em rampa é descrita por Liu et al.[10] como um tipo especial de lesão do menisco medial com alta prevalência associada
à ruptura do ligamento cruzado anterior. Sua prevalência aumenta com o tempo da lesão
do LCA. Dessa forma se faz necessário o diagnóstico precoce desse tipo de lesão.
Com relação aos métodos diagnósticos, a detecção intraoperatória da lesão meniscal,
na artroscopia para reparo do ligamento cruzado anterior é o método padrão-ouro de
investigação.[4] Chahla et al.[11] tambem afirma que para detecção de lesão meniscal em rampa é imprescindível uma
avaliação artroscópica. Sonnery-Cottet et al.[9] descrevem que uma exploração sistemática do compartimento póstero-medial do joelho
é obrigatória para identificar com segurança lesões na rampa.
Uma vez diagnosticadas, essas lesões podem ser tratadas conservadoramente, Shelbourne
e Rask[12] avaliaram a necessidade de reparo de sutura versus tratamento com acompanhamento
e ablação da lesão com base em se a ruptura do menisco é estável ou instável (deslocável
para incisura intercondilar ao stress) e concluíram que lesões estáveis, mesmo maiores
que 1 cm de comprimento, podem ser tratadas com ablação permanecendo assintomática
e sem instabilização ou com reparo artroscópico, principalmente em lesões instáveis,
sendo a abordagem mais utilizada, com bons resultados clínicos e baixa taxa de falha.[6] O reparo meniscal artroscópico das lesões em rampa durante a reconstrução do LCA
proporcionou uma alta taxa de cicatrização, sendo um procedimento cirúrgico confiável
para o tratamento dessas lesões.[8] Hatayama et al.[3] estudaram um total de 57 pacientes submetidos a reconstrução do LCA e presença de
lesão meniscal em rampa, sendo optado por reparo em 25 pacientes, foi demonstrado
que a taxa de cicatrização meniscal foi significativamente maior nesses pacientes
e que esse fato implica diretamente na frouxidão anterior do joelho e evita aumento
de forças sobre o enxerto.
A ressonância magnética apresenta uma sensibilidade que varia de 48% a 84,6% de acordo
com estudos recentes,[3]
[4]
[13] acontecendo de forma semelhante no atual estudo, sendo encontrado uma sensibilidade
de (73,3%), alêm do que a ressonância magnética apresentou-se com uma concordância
menor (76,2%) em relação ao metodo diagnóstico padrão ouro - artroscopia de forma
comparativa com a artrotomografia (90,5%).
Chahla et al.[11] constataram que a infusão de contraste intra-articular pode ajudar na detecção de
lesões que se localizam entre o menisco e a cápsula e que podem não ser visíveis no
exame de ressonância magnética, o autor encontrou uma sensibilidade de 84-100% para
a artrotomografia na detecção dessas lesões. Sendo encontrado sensibilidade ainda
mais expressiva no presente estudo em que a artrotomografia apresentou 100% de sensibilidade
ao método.
Do mesmo modo, Greif et al.[14] demonstraram alta sensibilidade e especificidade do exame contrastado. No entanto,
o estudo alerta para a ausência de dados consistentes na literatura comparando sua
eficácia com a ressonância magnética convencional.
Os resultados deste estudo apontam para artrotomografia como o exame que mais se assemelha
ao padrão ouro, devendo ser considerado nos casos com suspeita de lesão em rampa associada
à lesão do LCA. No entanto, diferente da ressonância magnética, a artrotomografia
envolve a injeção de contraste intraarticular, sendo um exame invasivo e não isento
de riscos, tornando importante a seleção correta dos pacientes que irão se beneficiar
do exame. Além disso, a artrotomografia não é um exame disponível em todos os serviços
dificultando o acesso a determinados pacientes.
Apesar dos dados encontrados neste estudo serem semelhantes aos dos estudos já realizados,
existe alguns viéses encontrados devido a avaliação realizada por meio dos métodos
de imagem propostos poderem apresentar falsos negativos em traumas agudos com exame
realizado com o joelho em extensão e o tamanho amostral de pacientes não ser expressivo,
não havendo significância estatística visto que na avaliação de sensibilidade e especificidade
houve intervalo amplo entre o limite inferior e superior, o que pode ser explicado
por esse tamanho reduzido da amostra.
Logo, o estudo reitera a necessidade de uma maior amostra para avaliar de forma fidedigna
o melhor método diagnóstico para lesão em rampa do menisco medial
Conclusão
Neste trabalho, a artrotomografia apresentou resultado mais próximo do padrão ouro
- artroscopia, com uma alta sensibilidade. A ressonância magnética mostrou resultados
semelhantes aos já encontrados na literatura, sendo menos sensível que o estudo por
artrotomografia. No entanto, fatores diretamente relacionados à realização dos exames
de imagem descritos devem ser considerados e ainda são necessários mais estudos com
uma amostra maior de pacientes para um resultado mais fidedigno.