Palavras-chave
artroscopia - condromatose sinovial - membrana sinovial - ombro
Introdução
A condromatose sinovial (CS) é uma artropatia excepcional, geralmente monoarticular,
caracterizada pela proliferação e metaplasia do tecido sinovial, com a formação de
corpos livres cartilaginosos na bainha dos tendões ou nos espaços articulares.[1]
[2]
[3] O padrão de acometimento inclui articulações diartrodiais, com destaque para o joelho,
o quadril e o cotovelo, sendo escassa na literatura a descrição do envolvimento do
ombro.[2] A etiologia ainda é desconhecida e a maior incidência da CS encontra-se na terceira
até a quinta década de vida, sendo três vezes mais comum em homens.[3] O quadro clínico consiste em dor, crepitação, edema e limitação do movimento articular,[2] muitas vezes sem causa aparente.[1] A transformação maligna é incomum e não há relação direta com traumatismos ou processos
inflamatórios.[4] O diagnóstico clínico é difícil, por não haver história e exame físico específicos.
Assim, os métodos de imagem como radiografias, tomografia computadorizada e ressonância
magnética tornam-se essenciais para identificar os diversos tipos de lesão e as fases
da doença.[5] A confirmação do diagnóstico ocorre após o exame histológico do tecido sinovial
e o tratamento de escolha para os pacientes sintomáticos é o cirúrgico.[1]
[3]
Relato de Caso
Caso 1: paciente do sexo feminino, 62 anos, com história de dor no ombro direito após
esforço. Ao exame, o ombro apresentava leve edema e limitação dos movimentos. O teste
do impacto de Neer e os testes de Jobe e Speed eram positivos. As radiografias demonstravam
sinais de impacto e calcificações. O exame de ressonância magnética apresentou ruptura
do tendão supra-espinal e múltiplas calcificações na bolsa, medindo de 0,4 a 1,2 cm
([Figs. 1] e [2]). A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico videoartroscópico, com sinovectomia
e retirada dos condromas, além de reparo da lesão do supra-espinal. O exame anatomopatológico
confirmou a condromatose sinovial. A paciente iniciou fisioterapia após duas semanas
de pós-operatório. No acompanhamento ambulatorial, evoluiu com melhora da dor, da
amplitude do movimento e da força do ombro direito.
Fig. 1 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte coronal ponderado em T2).
Fig. 2 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte axial ponderado em T2).
Caso 2: paciente do sexo feminino, 56 anos, com história de dor no ombro direito.
Ao exame físico, apresentava leve edema, limitação dos movimentos e teste de Jobe
positivo. As radiografias demonstravam sinais de impacto e acrômio ganchoso, associado
a esporão. O exame de ressonância magnética apresentava intensa sinovite proliferativa
com pequenos nódulos intra-articulares nos recessos axilares, bursite, ruptura do
tendão supra-espinal, lesão parcial extensa do tendão subescapular e tendão da cabeça
longa do bíceps roto. A paciente foi submetida a tratamento videartroscópico de reparo
da lesão do tendão supra-espinal, sinovectomia, descompressão subacromial e retirada
de múltiplos corpos livres ([Figs. 3], [4], e [5]). O exame anatomopatológico confirmou a condromatose sinovial. A paciente iniciou
a reabilitação fisioterapêutica com 1 mês de pós-operatório. Houve melhora da dor
logo após o tratamento cirúrgico e da função do ombro com 6 meses de reabilitação.
Fig. 3 Visão artroscópica intra-articular.
Fig. 4 Visão artroscópica subacromial.
Fig. 5 Aspecto macroscópico dos condromas removidos.
Discussão
A CS do ombro é um relato raro na literatura (<5%), devido à sua localização atípica,[3] apesar de ser uma patologia com características bem definidas. A classificação em
formas primária e secundária considera o número, o formato e o tamanho dos corpos
cartilaginosos ou a presença de doença pré-existente. No ombro, a forma secundária
é a mais comum, incidentalmente diagnosticada em exames para uma doença de base prévia.[5] Apesar da CS ser mais comum em homens, em nosso relato os pacientes são do sexo
feminino. A característica monoarticular é congruente com a literatura. Em ambos os
casos, a CS apresentou relação com a síndrome do manguito rotador.
Os corpos cartilaginosos provenientes da metaplasia sinovial[3] podem aumentar de tamanho, sofrer calcificação[3]
[4] ou ossificação endocondral, provocando erosões articulares, dor, rigidez e restrição
do movimento.[3] Por isso, exames de imagem são essenciais e seus achados dependem da fase da doença.
Nossas pacientes foram submetidas a exames de radiografia e ressonância magnética
do ombro, havendo a detecção de corpos livres. Nos dois casos, a ressonância magnética
mostrou ruptura do tendão supra-espinal. A lesão do manguito rotador pode ser devida
à presença persistente de corpos livres na região subacromial e ao impacto.[6]
Apesar de haver controvérsias sobre a melhor terapia na CS,[2]
[7]
[8]
[9] além de relatos de remissão espontânea,[7] o tratamento cirúrgico é o mais respaldado pela literatura.[1]
[2]
[9] A maioria dos casos que utilizam terapias conservadoras permanecem sintomáticos
ou ocorre o agravamento dos sintomas antes da cirurgia.[9] Tudo indica que o tratamento artroscópico é o gold standard
[9] e a necessidade de realização da sinovectomia ainda não está bem estabelecida.[2]
[8]
[9] A recorrência da doença tem sido reportada devido ao fato de poder acometer a bainha
do tendão da cabeça longa do bíceps e não ser detectada, ou ao seu tratamento incompleto
quando da utilização de técnica artroscópica isolada, sem a realização de artrotomia
ou técnicas mini-open, quando necessário.[9] A remoção dos corpos livres com sinovectomia é descrita por vários autores.[8] Entretanto, Jeffreys (1967) concluiu em seu estudo que apenas a remoção dos corpos
livres foi muito bem sucedida.[10] Milgram (1977) apud Maurice et al.[8] (1988), recomendou a sinovectomia associada à remoção de corpos livres para a fase
inicial e a remoção isolada daqueles na fase tardia.
Alguns autores, como Ramos et al.[7] (1997), preferem a simples retirada dos corpos livres articulares, mas quando há
intimidade com a sinovial, como em nossos casos, preferimos acrescentar a sinovectomia
artroscópica para melhor precisão do procedimento. A artroscopia possui incisões pequenas
que permitem avaliar toda a articulação glenoumeral, além de facilitar a rápida reabilitação.[1]
[2] Acreditamos que a sinovectomia associada à remoção de todos os corpos livres é a
melhor terapia para casos de CS do ombro, e a ressecção da bolsa junto aos nódulos
na região subacromial pode minimizar a ocorrência de futuras lesões do manguito rotador.[6] Além disso, há registro de recidiva quando a membrana sinovial não é excisada,[3] favorecendo a transformação maligna para condrossarcoma sinovial, ainda que seja
um evento raro.[1]
[3] A associação de radioterapia no tratamento é questionada devido ao fato de haver
pouco benefício na sua utilização, já que metástase desenvolvida por paciente com
CS prévia é um evento raro.[1]
A reabilitação com fisioterapia é fundamental para a recuperação da função do ombro
e para prover os bons resultados como descrito na literatura.[9] Em ambos os casos, obteve-se uma melhora não apenas da dor, como da mobilidade da
articulação glenoumeral. O acompanhamento ambulatorial de longo prazo desses pacientes
é importante, pois a possibilidade de recorrência não deve ser negligenciada. A avaliação
a cada 2 ou 3 anos, com exames de imagem, deve ser considerado no tratamento desta
patologia.[2]
[5]
[8]