Introdução
A neuropatia compressiva mais comum dos membros superiores é a síndrome do túnel do
carpo (STC). O sintoma mais frequente é a parestesia, especialmente à noite, na região
inervada pelo nervo mediano. O tratamento cirúrgico é preferível nos casos em que
a terapia conservadora falha. A descompressão cirúrgica pode ser via aberta ou endoscópica.[1] Historicamente, havia uma tendência de aplicação de imobilização no pós-operatório,
prática essa que tem diminuído nos últimos anos.[2]
[3]
[4] A imobilização, teoricamente, teria a vantagem de evitar o efeito arco de corda
dos tendões flexores, bem como promoveria analgesia.[5] No entanto, estudos mais recentes não corroboram com essa ideia.
Na literatura, existe descrição de duas condutas no período pós-operatório de descompressão
da STC: imobilização ou curativo local apenas. Destarte, é válido que se avalie qual
a melhor dentre as duas, de acordo com as evidências científicas disponíveis.
O objetivo é avaliar os desfechos após cirurgias de descompressão do túnel do carpo,
quando se imobiliza o punho e quando se faz apenas curativo, e compará-los.
Materiais e Métodos
Estratégia de Pesquisa
A busca ativa por artigos na literatura foi realizada em 06 de maio de 2023. A pesquisa
utilizou os seguintes bancos de dados: BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), PubMed (National
Library of Medicine - NLM), Cochrane Library, SciELO (Scientific Eletronic Library
Online), EMBASE. Os descritores utilizados, em conjunto com os operadores booleanos,
foram: Carpal Tunnel Syndrome [Mesh] OR carpal tunnel syndrome [tw] OR carpal tunnel release [tw] AND Postoperative Care [Mesh] OR postoperative [tw] OR postoperative care [tw] AND Restraint, Physical [Mesh] OR immobilization [tw] OR splint* [tw] AND Bandages [Mesh] OR dress* [tw] OR bandage* [tw]. Uma Pesquisa de referência cruzada também foi realizada nas
bases de dados, com o objetivo de encontrar artigos não identificados inicialmente.
A estratégia de pesquisa em cada banco de dados está detalhada em apêndices ao final
do trabalho.
Critérios de Seleção
Os seguintes critérios foram empregados na inclusão dos estudos: 1) discussão sobre
o pós-operatório de cirurgias de descompressão do nervo mediano em STC 2) comparação
dos desfechos, após descompressão cirúrgica, em STC, entre imobilização do punho ou
apenas curativo local; 3) todas as linguagens, independente do ano de publicação;
e 4) todos os tipos de publicações.
Foram elencados os seguintes critérios de exclusão: 1) estudos que não avaliassem
o pós-operatório de descompressão de STC; 2) ausência da avaliação do desfecho relacionado
à conduta de fazer curativo local e/ou alguma forma de imobilização do punho após
o procedimento cirúrgico; e 3) publicações repetidas.
Coleta de Dados
O processo de coleta de dados foi realizado por dois pesquisadores. Inicialmente,
de forma independente, foram analisados os títulos e resumos de cada publicação, sendo
em seguida discutidas as inconsistências e obtido um consenso. A posteriori, foi realizada
a leitura completa de cada publicação, também de forma independente, sendo realizadas
reuniões para decisão de quais estudos deviam serem incluídos e excluídos, chegando-se
a um consenso mútuo.
Nível de Evidência
Os estudos foram classificados de I a V de acordo com o nível hierárquico de evidências.[6] As diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses
(PRISMA) foram usadas nesta revisão para a busca, extração de dados, e análise de
resultados.[7]
Resultados
A busca na literatura resultou em 336 publicações relevantes. Após a remoção das duplicatas,
foram obtidos 210 artigos. Posteriormente, após análise dos títulos e resumos, 179
estudos foram excluídos, resultando em um total de 31 artigos elegíveis. Após uma
leitura completa do texto, quatro artigos foram eliminados pela disponibilidade apenas
do título nas plataformas digitais, e outros cinco foram excluídos pela disponibilidade
apenas do resumo. Dois artigos foram eliminados por não apresentarem resultados finais
(disponibilidade apenas do corpo do trabalho, pois não haviam sido finalizados), e
outros dois estudos foram excluídos após leitura completa do texto, por não se adequarem
ao objetivo do trabalho. Ao final, foram elencadas 18 publicações. A [Fig. 1] ilustra o processo de pesquisa.
Fig. 1 Diagrama do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), para ilustrar o processo de pesquisa de acordo com os critérios de inclusão
e exclusão deste estudo.
Revisões Sistemáticas - Nível de Evidência I
A revisão sistemática conduzida por Ashworth encontrou estudos clínicos randomizados
(ECRs) comparando grupos de imobilização versus não imobilização, após descompressão
de STC. Aos 6 meses, não foram encontradas diferenças na força de preensão e pinça
entre os pacientes dos 2 grupos. Um outro ECR mostrou que o retorno ao trabalho foi
mais lento no grupo imobilizado (27 dias contra 17), bem como apresentou maiores índices
de dor de pilar e sensibilidade na cicatriz após 1 mês.[8]
Semelhantemente, Huisstede et al.[9] encontraram cinco ECRs que não mostraram evidências que provassem benefício no uso
de imobilização. A força de preensão e pinça, analgesia e funcionalidade foram equiparáveis
em ambos os grupos.
Uma revisão sistemática realizada por Peters et al.,[10] que incluiu 20 ensaios com 1.445 participantes, encontrou pouca evidência científica
a favor do uso de imobilização pós-operatória. Posteriormente, em 2015, Peters et
al.[11] atualizaram a revisão realizada anteriormente em 2013. Foram incluídos 22 ensaios
e 1.521 pacientes. Os resultados continuaram sendo os mesmos.
A [Tabela 1] apresenta os artigos de revisão sistemática encontrados.
Tabela 1
Autores
|
Título
|
Nível de evidência
|
Ashworth 2010
|
Sindrome do túnel carpal
|
RS (I)
|
Huissttede et al. 2010
|
Sindrome do túnel carpal. Parte II: eficácia dos tratamentos cirúrgicos - uma revisão
sistemática
|
RS (I)
|
Peters et al. 2013
|
Reabilitação após liberação do túnel do carpo
|
RS (I)
|
Peters et al. 2016
|
Reabilitação após liberação do túnel do carpo
|
RS (I)
|
ECR - Nível de Evidência II
Um ECR avaliou 40 pacientes e 43 descompressões abertas de STC, comparando o pós-operatório
de 2 semanas entre um grupo de 26 que recebeu tala, e um grupo de 17 que recebeu apenas
curativo volumoso. Não foi observado efeito benéfico naquele grupo, ao serem avaliados
os parâmetros objetivos de força de preensão, força de pinça, complicações, arco de
movimento na mão e nos dedos, e o parâmetro subjetivo de satisfação pessoal.[5]
Outro ECR avaliou 50 pacientes, divididos igualmente em dois grupos, sendo que um
recebeu uma tala após o procedimento de descompressão para STC, enquanto ao outro
grupo foi permitido arco de movimento livre já no pós-operatório imediato. No grupo
submetido à imobilização, foram observados maiores índices de dor, sensibilidade na
cicatriz, rigidez e maior tempo de recuperação.[12]
Em uma publicação, Finsen et al.[13] analisaram 82 punhos submetidos à descompressão de STC, divididos de forma randomizada
entre grupo sem imobilização e grupo com imobilização pós-operatória, por 4 semanas.
Não foram encontrados benefícios ou malefícios relacionados à prática. Em outra publicação,
52 pacientes foram divididos igualmente em 2 grupos: um de 26 indivíduos que receberam
imobilização por duas semanas após descompressão de STC; outro com 26 pacientes sem
imobilização pós-operatória. Ambos os grupos apresentaram desfechos semelhantes, incluindo
a discriminação em dois pontos. Concluiu-se que o grupo imobilizado não se mostrou
superior ao grupo controle.[14]
Bhatia et al.[15] mostraram, a partir de um ECR com 102 pacientes, que o uso de uma tala volar no
pós-operatório não foi correlacionado a nenhum efeito analgésico na comparação com
o grupo controle. Após 50 descompressões de STC via aberta, metade recebeu apenas
curativo, e outra metade recebeu uma tala volar por 2 dias. Esses pacientes foram
acompanhados até 3 meses após a cirurgia. Não foram encontradas diferenças quando
analisados os parâmetros funcionais e os testes eletrofisiológicos, e ambos os grupos
obtiveram boa analgesia.[16]
Cebesoy et al.[17] dividiram 40 pacientes em 2 grupos, de modo semelhante ao estudo anterior. Foi permitida
a mobilidade imediata ao grupo não imobilizado, enquanto ao outro grupo só foram permitidos
movimentos após 10 dias, quando a imobilização foi retirada. O Carpal Tunnel Questionnaire (CTQ) de Levine foi aplicado no pré-operatório, bem como no 1° e no 3° mês após a
cirurgia. Para essa avaliação, duas escalas foram aplicadas: a Symptom Severity Scale (SSS) e a Functional Status Scale (FSS). Na observação após 3 meses, foi identificado que o grupo que recebeu apenas
curativo apresentou valores mais baixos na SSS. Essa superioridade foi atribuída à
reabilitação precoce. Outrossim, no grupo imobilizado, 16 pacientes (80%) se queixavam
de desconforto associado ao uso da tala.[17]
O grupo de Tinfhofer avaliou 63 punhos de 60 pacientes, comparando imobilização dorsal
por uma semana versus curativo por 2 dias no pós-operatório de descompressão de STC.
O acompanhamento se deu após 3 e 6 meses, avaliando-se os parâmetros de dor, discriminação
em 2 pontos, força de preensão e pinça, além de estudos eletrofisiológicos. No seguimento,
foi visto que, no tocante à preensão e pinça, aos 6 meses, os indivíduos do 2° grupo
apresentaram resultados melhores.[18]
Shalimar et al.,[19] de modo semelhante, estudaram 30 pacientes. Dezesseis receberam imobilização por
uma semana, e 14 pacientes apenas curativos. Eles foram avaliados após 1 semana, 2
e 6 meses, respectivamente. Os seguintes parâmetros foram observados: escala visual
analógica (EVA), discriminação em 2 pontos, força de preensão e pinça, força do abdutor
curto do polegar, e questionário de Boston. Não houve diferença significativa entre
os dois grupos em nenhum dos parâmetros avaliados.
Foram divididos 249 pacientes em 3 grupos: 80 sem órtese, 83 com órtese removível
e 86 com órtese não removível. Os seguintes critérios foram avaliados: Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (QuickDASH); SSS e FSS; força de preensão e pinça; flexão e extensão do punho; mensuração
da dor em repouso e na ação pela Numerical Pain Rating Scale (NPRS). Os desfechos foram avaliados de 10 a 14 dias, após 6 semanas, e após 3, 6
e 12 meses da cirurgia. A única diferença observada foi que, no grupo da órtese não
removível, após 5 e 12 meses, a força de pinça foi menor do que aquela dos pacientes
dos outros grupos. A complicação mais comum foi hipersensibilidade na área da cicatriz.[20]
Mais recentemente, no ano de 2023, um estudo publicado mostrou a avaliação de 24 pacientes
submetidos à descompressão endoscópica de STC. Dois grupos foram criados aleatoriamente,
com 12 pacientes cada um. Em um grupo, foi usada imobilização por 2 semanas, e, no
outro, foi permitida a mobilização imediata. Os seguintes parâmetros foram avaliados:
teste da discriminação em dois pontos, teste do monofilamento de Semmes-Weinstein;
ocorrência de dor no pilar; arco de movimento do punho; EVA; escore Boston Carpal Tunnel Questionnaire (BCTQ); escore DASH; força de preensão e pinça; ocorrência de complicações. Esses
desfechos foram observados após 2 semanas, e após 1, 2, 3 e 6 meses da cirurgia.21
Após 2 semanas de pós-operatório, o grupo imobilizado apresentou melhores resultados
nos quesitos de EVA, força de preensão e pinça, além de menor ocorrência de dor de
pilar. Nas comparações subsequentes, essas diferenças não se mantiveram. Em dois pacientes
do grupo não imobilizado foi observada hipersensibilidade na cicatriz no pós-operatório
imediato, mas que desapareceu a partir de 1 mês de acompanhamento. Concluiu-se, portanto,
que no acompanhamento precoce, o grupo que recebeu imobilização apresentou analgesia
e força de preensão e pinça melhores. Entretanto, os dois grupos se equipararam nos
acompanhamentos subsequentes.21
A [Tabela 2] apresenta os artigos de ECRs encontrados.
Tabela 2
Autores
|
Título
|
Nível de evidência
|
Finsen et al. 1999
|
Não há vantagem em imobilizar o pulso após a liberação aberta do túnel do carpo. Um
estudo randomizado de 82 pulsos
|
ECR (II)
|
Bhatia et al. 2000
|
A tala ajuda a aliviar a dor após a liberação do túnel do carpo?
|
ECR (II)
|
Martins et al. 2006
|
Imobilização do punho após liberação do túnel do carpo: um estudo prospectivo
|
ECR (II)
|
Huemer et al. 2007
|
A tala pós-operatória após a liberação aberta do túnel do carpo não melhora o resultado
funcional e neurológico
|
ECR (II)
|
Cebesoy et al. 2007
|
Uso de tala após liberação aberta do túnel do carpo: estudo comparativo
|
ECR (II)
|
Tinhofer et al. 2013
|
Postoperative care and rehabilitation after open carpal tunnel surgery
|
ECR (II)
|
Shalimar et al. 2015
|
Tala após liberação do túnel do carpo: Isso realmente importa?
|
ECR (II)
|
Logli et al. 2018
|
Um ensaio prospectivo e randomizado de imobilização após liberação do túnel minicarpal
|
ECR (II)
|
Zhang et al. 2023
|
A importância da imobilização do punho para liberação endoscópica do túnel do carpo
|
ECR (II)
|
Estudos Transversais - Nível de Evidência IV
Uma pesquisa realizada com membros da American Society for Surgery of the Hand (ASSH)
em 1987, por Duncan et al. apud Henry et al.[2] mostrou que 82% dos cirurgiões imobilizavam o punho no pós-operatório de descompressão
de STC. Em 2008, em uma avaliação realizada com 1.091 membros da ASSH, foi visto que
essa percentagem caiu para 53%. A quantidade de dias variou bastante dentre os entrevistados
(1–42 dias).
Outras duas avaliações foram feitas com membros da ASSH. Em 2012, Leinberry et al.[3] mostraram que 247 de 659 entrevistados (cerca de 37%) utilizavam imobilização pós-operatória.
Já em 2014, Munns et al.[4] observaram que 193 de 710 entrevistados (cerca de 27%) tinham essa rotina.
A [Tabela 3] apresenta os artigos de estudos transversais encontrados.
Tabela 3
Autores
|
Título
|
Nível de evidência
|
Henry et al. 2008
|
Talas após liberação do túnel do carpo: prática atual, evidências científicas e tendências
|
ET (IV)
|
Leinberry et al. 2012
|
Tratamento da síndrome do túnel do carpo por membros da Sociedade Americana de Cirurgia
da Mão: uma perspectiva de 25 anos
|
ET (IV)
|
Munns et al. 2015
|
Tendências na cirurgia do túnel do carpo: uma pesquisa on-line com membros da Sociedade
Americana de Cirurgia da Mão
|
ET (IV)
|
Discussão
Estimava-se, em meados da década de 1980, que mais de 80% dos membros da ASSH usavam,
no pós-operatório, uma tala após descompressão aberta de STC. A imobilização teria,
teoricamente, a vantagem de evitar o efeito arco de corda nos tendões flexores, deiscência
de ferida e encarceramento do nervo mediano na cicatriz, bem como aumentaria a força
de preensão e pinça, e promoveria analgesia. Porém já se correlacionava essa prática
a um maior tempo para o retorno às atividades do cotidiano e ao trabalho.[5]
[12]
Em 1978, McDonald et al. apud Henry et al.[2] observaram o efeito arco de corda em 2 pacientes, em um total de 186, submetidos
à descompressão. Curiosamente, nesse estudo, esses pacientes receberam imobilização
no pós-operatório. Outra razão seria evitar o prolapso do nervo mediano para fora
do túnel do carpo após secção do ligamento transverso, que foi observado em 2 casos
em 1980 por Inglis. No entanto, a melhor maneira de prevenir o atrito entre o nervo
e a cicatriz cutânea sobrejacente se mostrou ser a mobilidade precoce.
Devido à escassez de evidências que apoiem o uso da imobilização, associado aos maiores
custos relacionados à prática,[15] têm-se visto nas últimas décadas que essa se tornou cada vez menos frequente. Cebesoy
et al.[17] mostraram que ela está relacionada a um maior desconforto, além de encarecer o procedimento,
sem, contudo, oferecer benefícios. Outros estudos comparativos defendem a mobilidade
precoce, pois esta teria a vantagem de conferir uma recuperação mais rápida no arco
de movimento. Tinhofer et al.[18] mostraram a superioridade da mobilidade irrestrita no pós-operatório imediato, quando
analisados os parâmetros de força de preensão e pinça no pós-operatório tardio. Por
outro lado, boa parte das evidências também mostram que não há diferenças entre uma
prática e outra.[9]
[10]
[11]
Dentre os estudos avaliados nessa revisão sistemática, apenas Zhang et al.21 mostraram que, no pós-operatório precoce, a imobilização conferiu maior força de
preensão e pinça, bem como melhor analgesia. Entretanto, mesmo nesse estudo, no acompanhamento
posterior, foi observado que não havia diferença em se aplicar imobilização ou permitir
mobilidade precocemente.
Como limitações do presente trabalho, pode-se citar que a quantidade de estudos de
maior nível de evidência (revisões sistemáticas e ECRs) sobre o assunto ainda é pequena.