CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo)
DOI: 10.1055/s-0044-1779333
Relato de Caso

Sinostose radioulnar após fixação endomedular do rádio e ulna em paciente com cotovelo flutuante: Relato de caso

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Fundación Clinica Shaio, Bogotá, Colômbia
,
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Fundación Clinica Shaio, Bogotá, Colômbia
,
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Fundación Clinica Shaio, Bogotá, Colômbia
,
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Fundación Clinica Shaio, Bogotá, Colômbia
,
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Fundación Clinica Shaio, Bogotá, Colômbia
› Author Affiliations
Suporte Financeiro Esta pesquisa não recebeu nenhum subsídio específico de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

O cotovelo flutuante é um quadro complexo e raro, causado por trauma de alta energia. Neste artigo, apresentamos o caso de um paciente que sofreu um acidente de trânsito com trauma craniano grave, cotovelo flutuante (fratura diafisária do úmero, fratura diafisária proximal do rádio e fratura segmentar da ulna) e lesão no nervo radial. Foram realizadas fixações com uma placa umeral e pregos intramedulares no antebraço. Embora o resultado tenha sido satisfatório, a sinostose radioulnar foi identificada nos controles pós-operatórios. Devido ao comprometimento neurológico, ao tipo de fraturas e à estabilização selecionada, acreditamos que o uso de pregos intramedulares no antebraço para casos semelhantes deve ser cuidadosamente avaliado.


#

Introdução

O cotovelo flutuante é caracterizado por fraturas ipsilaterais do úmero e de um ou ambos os ossos do antebraço. Tem incidência de 2 a 13% e ocorre comumente em acidentes de trânsito,[1] estando associado a fraturas expostas, lesões neurovasculares e de tecidos moles.[2] O prognóstico é variável, dependendo do grau da lesão e do seu manejo.[3] [4] O tratamento é inicialmente focado no controle dos danos (imobilização ou fixação temporária), seguido de reparos definitivos.

Atualmente existem diversas classificações que utilizam critérios anatômicos ou estruturais para suas definições.[5] [6] Devido à variabilidade das lesões, essas classificações não estabelecem critérios prognósticos ou de tratamento para a tomada de decisão.

Neste trabalho analisamos um paciente politraumatizado, tratado com haste radioulnar e que desenvolveu sinostose pós-operatória. Após avaliação das características clínicas, acreditamos que a fixação intramedular deve ser utilizada com cautela, principalmente se houver fatores de risco para sinostose (fraturas cominutivas, traumatismo cranioencefálico grave, atraso no tratamento final).


#

Caso Clínico

Paciente do sexo masculino, 19 anos, deu entrada no pronto-socorro apresentando lesões após acidente de trânsito. Ele dirigia um veículo que colidiu em alta velocidade contra um caminhão de carga. Na avaliação inicial foram documentados traumatismo cranioencefálico grave (Glasgow 6/15) e múltiplas deformidades em membro superior esquerdo. As imagens de tomografia cerebral revelaram hipertensão intracraniana secundária a edema cerebral difuso. Radiografias simples do membro superior esquerdo mostraram uma fratura diafisária do úmero, fratura segmentar da ulna e uma fratura curta oblíqua da diáfise do rádio ([Fig. 1]).

Zoom Image
Fig. 1 Exame radiológico inicial do braço e antebraço. A fratura diafisária do úmero é observada nos planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando a relação entre as fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior (C) e lateral (D). Fratura segmentar da ulna e fratura do terço proximal do rádio, nos planos lateral (E) e ântero-posterior (F).

O manejo neurocirúrgico foi realizado com craniotomia descompressiva. O paciente permaneceu 26 dias na unidade de terapia intensiva devido à presença de lesão axonal difusa. A estabilização cirúrgica das fraturas foi adiada até a melhora do quadro geral, deixando como sequela a remissão da afasia motora. Após 27 dias do trauma inicial, foi realizado o manejo definitivo das fraturas.

Durante a intervenção cirúrgica foi documentado e removido calo ósseo hipertrófico no úmero. Posteriormente foi fixado com uma placa LC-DCP estreita de 4,5 mm (Johnson & Johnson) ([Fig. 2]). O nervo radial apresentava contusão sem lesões. As fraturas do rádio e da ulna foram estabilizadas com hastes intramedulares bloqueadas (TREU-Instrumente GmbH). No controle pós-operatório a pronação/supinação foi de 130°. A flexão da mão foi recuperada, persistindo a queda do punho ([Fig. 3]).

Zoom Image
Fig. 2 Fotografias intraoperatórias. Observa-se nervo radial contínuo (A), presença de calo ósseo hipertrófico (B), redução estável com placa DCP de 10 furos (C, D).
Zoom Image
Fig. 3 Radiografias pós-operatórias. A fixação no úmero com a placa LC-DCP é observada nos planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando restauração adequada da relação entre fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior (C) e lateral (F). Estabilização de fraturas de rádio e ulna com hastes intramedulares nos planos anteroposterior (F) e lateral (E).

Aos 3 meses de seguimento foi documentada uma diminuição da pronação/supinação para 58°, associada à presença de sinostose radioulnar nas imagens diagnósticas ([Fig. 4]). No último seguimento (8 meses após a osteossíntese), foi observada recuperação progressiva da lesão do nervo radial. Após aplicação do questionário quickDASH obteve-se escore de incapacidade de 30% e portanto, considerando a evolução clínica, não foi indicado tratamento cirúrgico adicional ([Fig. 5]).

Zoom Image
Fig. 4 Imagens de tomografia computadorizada mostrando sinostose radioulnar na junção do terço médio com o terço proximal da diáfise. Cortes sagitais (A), cortes axiais (B, C).
Zoom Image
Fig. 5 Exame físico no último acompanhamento. Uma amplitude de movimento do cotovelo pode ser vista com flexão (A) e extensão (B) adequadas. Supinação máxima dentro da faixa tolerável (C), pronação com bloqueio, apresentando compensação umeral (D).

Este relato de caso foi aprovado pelo comitê de ética sob número CEI-115 - Acta 359 em 28 de abril de 2023, e o paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.


#

Discussão

Relatos de cotovelo flutuante não são frequentes na literatura e não há consenso quanto ao tratamento. Muitos artigos descrevem diferentes abordagens cirúrgicas baseadas em linhas de fratura simples e, portanto, não são aplicáveis em todos os cenários.[6]

No presente caso foi necessário um manejo diferido das lesões devido ao estado do paciente. Foi realizada ressecção do calo hipertrófico no úmero, seguida de exploração do nervo radial e fixação da placa. Para o tratamento das fraturas do antebraço foi selecionado o manejo fechado com haste intramedular, embora isso não seja frequentemente descrito.

Na maioria dos relatos, o uso de placas bloqueadas é preferido para o manejo das fraturas do antebraço.[5] [6] Em metanálise realizada por Ditsios et al.,[7] foram identificados 258 casos de cotovelo flutuante. Nesses casos, as fraturas do antebraço foram estabilizadas principalmente com placas (70,9%), seguidas de fixação externa e imobilização (8,9% e 8,5% respectivamente), enquanto hastes intramedulares foram utilizadas em apenas 4,7% dos casos.

Estudos que compararam o uso de hastes intramedulares versus placas em fraturas do antebraço não encontraram taxas maiores de sinostose radioulnar.[8] Porém, muitas vezes a comparação é feita com fraturas simples, o que poderia explicar esses resultados. O uso de hastes intramedulares não é descrito com frequência nas fraturas cominutivas e os estudos que mencionam seu uso em cotovelos flutuantes não relatam com clareza o resultado do tratamento.

Uma revisão por Bergeron et al.[9] mostrou que as fraturas do antebraço podem desenvolver sinostose radioulnar em 1,2% a 6% dos casos. Segundo alguns relatos, esse percentual pode aumentar para 18% em pacientes com traumatismo cranioencefálico, 30% em pacientes com politraumatismo e até 39% quando o tratamento precisa ser adiado.

Os padrões de fratura também podem contribuir para a sinostose. No paciente aqui apresentado, fatores como cominuição, fraturas no mesmo nível e posição dos fragmentos dificultam a redução correta, aumentando o risco de não consolidação ou consolidação inadequada.

Embora não esteja claro se a haste intramedular é um fator isolado para fusão radioulnar nas fraturas do antebraço, acreditamos que em casos como o apresentado, a combinação de características clínicas (traumatismo cranioencefálico, manejo tardio, fraturas cominutivas) e a fixação com as unhas podem aumentar os riscos de desenvolver sinostose.

Considerando a relativa estabilidade das hastes intramedulares e o risco de sinostose, seu uso no tratamento de fraturas de rádio e ulna deve ser cuidadosamente avaliado. Diversas condições, como o politraumatismo, também podem aumentar os riscos e, portanto, acreditamos que estes dispositivos devem ser preferidos no tratamento de padrões de fratura simples.


#
#

* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia, Fundación Clínica Shaio, Bogotá, Colômbia.


  • Referências

  • 1 Huang GH, Tang JA, Yang TY, Liu Y. Floating elbow combining ipsilateral distal multiple segmental forearm fractures: A case report. World J Clin Cases 2021; 9 (14) 3372-3378
  • 2 Plucknette BF, Rhee PC. lucknette BF, Rhee PC. An unusual variant of a floating forearm injury: A case report and review. Hand (N Y) 2018; 13 (06) NP32-NP38
  • 3 Solomon HB, Zadnik M, Eglseder WA. A review of outcomes in 18 patients with floating elbow. J Orthop Trauma 2003; 17 (08) 563-570
  • 4 Jockel CR, Gardenal RM, Chen NC, Golden RD, Jupiter JB, Capomassi M. Intermediate-term outcomes for floating elbow and floating elbow variant injuries. J Shoulder Elbow Surg 2013; 22 (02) 280-285
  • 5 Ditsios K, Boutsiadis A, Papadopoulos P. et al. Floating elbow injuries in adults: prognostic factors affecting clinical outcomes. J Shoulder Elbow Surg 2013; 22 (01) 74-80
  • 6 Jiménez-Díaz V, Auñón-Martín I, Olaya-González C, Aroca-Peinado M, Cecilia-López D, Caba-Doussoux P. Analysis of complications after a floating elbow injury. Eur J Orthop Surg Traumatol 2017; 27 (05) 607-615
  • 7 Ditsios K, Christidis P, Konstantinou P. et al. Floating Elbow in Adults: A Systematic Review and Meta-Analysis. Orthop Rev (Pavia) 2022; 14 (01) 31843
  • 8 Ozkaya U, Kiliç A, Ozdoğan U, Beng K, Kabukçuoğlu Y. [Comparison between locked intramedullary nailing and plate osteosynthesis in the management of adult forearm fractures]. Acta Orthop Traumatol Turc 2009; 43 (01) 14-20
  • 9 Bergeron SG, Desy NM, Bernstein M, Harvey EJ. Management of posttraumatic radioulnar synostosis. J Am Acad Orthop Surg 2012; 20 (07) 450-458

Endereço para correspondência

Manuel Ricardo Medellin, MD
Cirurgião Ortopédico e Traumatológico, Orthopaedic Oncology, Fundación Clínica Shaio
Bogotá 110131
Colombia   

Publication History

Received: 24 May 2023

Accepted: 28 July 2023

Article published online:
15 May 2024

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

  • Referências

  • 1 Huang GH, Tang JA, Yang TY, Liu Y. Floating elbow combining ipsilateral distal multiple segmental forearm fractures: A case report. World J Clin Cases 2021; 9 (14) 3372-3378
  • 2 Plucknette BF, Rhee PC. lucknette BF, Rhee PC. An unusual variant of a floating forearm injury: A case report and review. Hand (N Y) 2018; 13 (06) NP32-NP38
  • 3 Solomon HB, Zadnik M, Eglseder WA. A review of outcomes in 18 patients with floating elbow. J Orthop Trauma 2003; 17 (08) 563-570
  • 4 Jockel CR, Gardenal RM, Chen NC, Golden RD, Jupiter JB, Capomassi M. Intermediate-term outcomes for floating elbow and floating elbow variant injuries. J Shoulder Elbow Surg 2013; 22 (02) 280-285
  • 5 Ditsios K, Boutsiadis A, Papadopoulos P. et al. Floating elbow injuries in adults: prognostic factors affecting clinical outcomes. J Shoulder Elbow Surg 2013; 22 (01) 74-80
  • 6 Jiménez-Díaz V, Auñón-Martín I, Olaya-González C, Aroca-Peinado M, Cecilia-López D, Caba-Doussoux P. Analysis of complications after a floating elbow injury. Eur J Orthop Surg Traumatol 2017; 27 (05) 607-615
  • 7 Ditsios K, Christidis P, Konstantinou P. et al. Floating Elbow in Adults: A Systematic Review and Meta-Analysis. Orthop Rev (Pavia) 2022; 14 (01) 31843
  • 8 Ozkaya U, Kiliç A, Ozdoğan U, Beng K, Kabukçuoğlu Y. [Comparison between locked intramedullary nailing and plate osteosynthesis in the management of adult forearm fractures]. Acta Orthop Traumatol Turc 2009; 43 (01) 14-20
  • 9 Bergeron SG, Desy NM, Bernstein M, Harvey EJ. Management of posttraumatic radioulnar synostosis. J Am Acad Orthop Surg 2012; 20 (07) 450-458

Zoom Image
Fig. 1 Exame radiológico inicial do braço e antebraço. A fratura diafisária do úmero é observada nos planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando a relação entre as fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior (C) e lateral (D). Fratura segmentar da ulna e fratura do terço proximal do rádio, nos planos lateral (E) e ântero-posterior (F).
Zoom Image
Fig. 2 Fotografias intraoperatórias. Observa-se nervo radial contínuo (A), presença de calo ósseo hipertrófico (B), redução estável com placa DCP de 10 furos (C, D).
Zoom Image
Fig. 3 Radiografias pós-operatórias. A fixação no úmero com a placa LC-DCP é observada nos planos lateral (A) e ântero-posterior (B). Radiografias do cotovelo mostrando restauração adequada da relação entre fraturas do úmero e do antebraço nos planos ântero-posterior (C) e lateral (F). Estabilização de fraturas de rádio e ulna com hastes intramedulares nos planos anteroposterior (F) e lateral (E).
Zoom Image
Fig. 4 Imagens de tomografia computadorizada mostrando sinostose radioulnar na junção do terço médio com o terço proximal da diáfise. Cortes sagitais (A), cortes axiais (B, C).
Zoom Image
Fig. 5 Exame físico no último acompanhamento. Uma amplitude de movimento do cotovelo pode ser vista com flexão (A) e extensão (B) adequadas. Supinação máxima dentro da faixa tolerável (C), pronação com bloqueio, apresentando compensação umeral (D).
Zoom Image
Fig. 1 Initial radiological examination of the arm and forearm. The diaphyseal fracture of the humerus is observed in the lateral (A) and anteroposterior (B) planes. X-rays of the elbow showing the relationship between the humerus and forearm fractures in the anteroposterior (C) and lateral (D) planes. Segmental fracture of the ulna and fracture in the proximal third of the radius, in the lateral (E) and anteroposterior (F) planes.
Zoom Image
Fig. 2 Intraoperative photographs. The radial nerve is observed continuous (A), presence of hypertrophic bone callus (B), stable reduction with 10-hole DCP plate (C, D).
Zoom Image
Fig. 3 Postoperative radiographs. The fixation in the humerus with the LC-DCP plate is observed in the lateral (A) and anteroposterior (B) planes. X-rays of the elbow showing adequate restoration of the relationship between the humerus and forearm fractures in the anteroposterior (C) and lateral (F) planes. Stabilization of radius and ulna fractures with intramedullary nails in the anteroposterior (F) and lateral (E) planes.
Zoom Image
Fig. 4 CT scan images displaying the radioulnar synostosis at the junction of the middle third with the proximal third of the diaphysis. Sagittal slices (A), axial slices (B, C).
Zoom Image
Fig. 5 Physical examination at last follow up. A range of motion of the elbow can be seen with adequate flexion (A) and extension (B). Maximum supination within the tolerable range (C), pronation with blockage, presenting humeral compensation (D).