Palavras-chave
fratura do coronoide - luxação de cotovelo - fratura de cabeça do rádio - tríade terrível
do cotovelo - articulação do cotovelo.
Introdução
A luxação do cotovelo associado à fratura da cabeça do rádio e do coronoide, denomina-se
tríade terrível de cotovelo (TTC). Este tipo de lesão geralmente encontra-se relacionada
ao comprometimento ligamentar e capsular da articulação além do envolvimento de tendões
flexores e extensores.[1] O grande envolvimento estrutural provoca a instabilidade dessa articulação, resultando,
muitas vezes, na limitação da amplitude dos movimentos, artrose precoce e rigidez
articular.[2]
Determinado por Hotchkiss (1996), o termo tríade terrível de cotovelo passou a ser
utilizado pelas dificuldades de manejo da lesão e que historicamente apresenta desfecho
insatisfatório caso não haja diagnóstico imediato e tratamento adequado. A compreensão
anatômica e biomecânica do cotovelo associada ao entendimento do mecanismo da fratura-luxação,
assim como o desenvolvimento de novos implantes vem permitindo uma abordagem sistemática
para o tratamento dessa lesão, possibilitando melhores resultados funcionais.[1]
[2]
[3]
No que se refere a epidemiologia, esta é uma patologia rara que acomete normalmente
homens jovens e ocorre a partir de mecanismos de alta energia. Destacando-se a “queda
com mão espalmada, com cotovelo em hiperextensão, supinação e estresse em valgo”.[4]
[5]
Frente à relevância científica da melhor abordagem para o tratamento da tríade terrível
do cotovelo, o objetivo deste estudo é avaliar os resultados funcionais de pacientes
submetidos a intervenção cirúrgica para este tipo de lesão, analisando os métodos
de tratamento utilizados e variáveis epidemiológicas associadas.
Materiais e Métodos
Esse estudo configurou um corte transversal em que foram avaliados pacientes com tríade
terrível do cotovelo submetidos a tratamento cirúrgico de fevereiro de 2018 a junho
de 2020 em nosso serviço, com seguimento pós-operatório mínimo de 12 meses. A amostra
identificada foi de 17 pacientes, mas destes apenas 13 concluíram todas as etapas
das pesquisas e por isso foram considerados como o universo a ser levado em consideração.
Foram coletadas as informações epidemiológicas de interesse: idade, sexo, dominância,
lado acometido, características e classificações das lesões, mecanismo do trauma,
tempo para cirurgia, tipo de procedimento realizado e o arco de movimento. Foi utilizada
a classificação de Mason para a fratura de cabeça do rádio e a de Regan e Morrey,
para o processo coronoide. A fim de realizar uma análise funcional, aplicou-se os
questionários de DASH e BRUCE com 1,3, 6, 9 e 12 meses após abordagem cirúrgica.
O escore DASH avalia as capacidades funcionais e laborais do cotidiano, variando de
nenhuma dificuldade até totalmente incapaz. É composto de perguntas simples e diretas
respondidas pelo próprio paciente.
Entre os critérios avaliados pelo escore BRUCE estão a amplitude de movimento e aspecto
cosmético, avaliação realizada pelo médico, e a presença de dor residual e atividades
da vida diária, considerados a partir das respostas dos pacientes.
Os critérios de inclusão foram pacientes com idade entre 16 e 80 anos e diagnóstico
de fratura da cabeça do rádio associado a fratura do coronoide e luxação do cotovelo
(tríade terrível do cotovelo). No que se refere aos critérios de exclusão estão a
existência de outras fraturas associadas no mesmo membro, infecção ativa, comorbidades
clínicas que contraindicassem a cirurgia e pacientes com idade inferior a 16 anos.
Resultados
Entre os 13 pacientes estudados, 77% foram do sexo masculino e apenas 23% do sexo
feminino ([Fig. 1A-B]). Em relação à faixa etária, foram registradas idades variadas, sendo a mínima de
27 anos e máxima de 76 anos. No que se refere ao membro lesionado, 77% foram em cotovelo
esquerdo e apenas 23% no direito, destes, 23% dos pacientes eram canhotos e 77% destros.
A respeito das motivações para o trauma, apesar de terem sido constatados situações
distintas, 92% foram com mecanismo de alta energia ([Tabela 1]).
Tabela 1
Masculino
|
10 (77%)
|
Feminino
|
3 (23%)
|
Média de Idade
|
45 anos
|
Lado dominante acometido
|
23%
|
Tempo médio para cirurgia
|
12 dias
|
Fig. 1A-B Radiografias em AP e Perfil, respectivamente, demonstrando fratura da cabeça do rádio,
do coronoide e cotovelo subluxado após redução incruenta de uma tríade terrível do
cotovelo.
Em relação ao intervalo entre a data do trauma e a primeira intervenção cirúrgica,
dos 13 casos avaliados, apenas 4 foram operados com menos de 14 dias. Ao analisar
os resultados obtidos de acordo com o tempo para início do tratamento, os pacientes
operados em até 14 dias obtiveram resultados funcionais estatisticamente melhores
do que aqueles operados em mais de 14 dias. Esse maior intervalo até a realização
da cirurgia entre os pacientes estudados pode ser determinante nos resultados funcionais
encontrados. Em situações dessa complexidade o ideal é que a internação aconteça em
24-48h, e entre os casos avaliados o tempo médio foi de 12 dias.
No presente estudo, para as fraturas da cabeça do rádio, foi utilizada a classificação
de Mason, sendo que 61% dos casos foram do tipo III, outros 30% do tipo II e 9% do
nível I. Já em relação a classificação das fraturas do processo de coronoide, utilizou-se
os parâmetros de Regan e Morrey, sendo 38,5% dos casos como do tipo I, 38,5% como
do tipo II e apenas 23% casos do tipo III. Esses dados epidemiológicos obtidos corroboram
com os descritos pela literatura. Contrariamente, observou-se a predominância do lado
não dominante como o mais afetado (77%) ([Tabela 2]).
Tabela 2
|
Intervalo entre o trauma e o internamento
|
Intervalo entre data do Trauma e 1° procedimento cirúrgico
|
Classificação de Mason
|
Classificação de Regan e Morrey
|
Técnica para Cabeça do Rádio
|
Técnica para coronoide
|
1
|
8 dias
|
27 dias
|
III
|
II
|
Artroplastia da cabeça de rádio
|
Coronoideplastia
|
2
|
17 dias
|
23 dias
|
II
|
II
|
Osteossíntese
|
Fixação com âncora
|
3
|
10 dias
|
22 dias
|
I
|
I
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
4
|
9 dias
|
22 dias
|
II
|
II
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
5
|
10 dias
|
13 dias
|
III
|
I
|
Ressecção da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
6
|
12 dias
|
12 dias
|
II
|
II
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
7
|
22 dias
|
34 dias
|
III
|
III
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Fixação com Ethibond + Fixador externo
|
8
|
22 dias
|
24 dias
|
III
|
III
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia + Fixação complexo Lig. lateral com âncoras
|
9
|
16 dias
|
52 dias
|
II
|
I
|
Ressecção parcial da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
10
|
15 dias
|
44 dias
|
III
|
I
|
Ressecção da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
11
|
4 dias
|
11 dias
|
III
|
I
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Conservador
|
12
|
14 dias
|
26 dias
|
III
|
II
|
Artroplastia da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
13
|
2 dias
|
10 dias
|
III
|
III
|
Ressecção da cabeça do rádio
|
Coronoideplastia
|
Inicialmente, os pacientes foram submetidos a redução incruenta da luxação e imobilização
com tala gessada axilopalmar, até a realização do tratamento cirúrgico. Em relação
às técnicas cirúrgicas utilizadas, na cabeça do rádio foram artroplastia da cabeça
do rádio (60%), ressecção (30%) e osteossíntese (10%). Quanto à fratura do coronoide,
utilizou-se a coronoideplastia (80%), fixação com âncora (20%) e conservador (7,7%)
([Figs. 2] e [3]).
Fig. 2 Fotografia intraoperatória demonstrando acesso lateral utilizado para reparo do coronoide,
reparo/substituição da cabeça da cabeça do rádio e reparo do extensor comum/LCL.
Fig. 3 Fotografia intraoperatória. Fragmento ósseo da cabeça do rádio ressecado durante
abordagem cirúrgica.
Dos 13 pacientes acompanhados, 7 (54%) realizaram uma segunda cirurgia. Desses, 4
foram realizadas para a retirada do fixador externo colocado no momento da primeira
cirurgia, 1 para a troca da prótese da cabeça do rádio que se encontrava subluxada
no pós-operatório imediato, 1 paciente submetido a manipulação articular devido a
rigidez do cotovelo e 1 para colocação do fixador externo. Esse último paciente foi
submetido a um terceiro procedimento para a realização da retirada deste fixador.
A necessidade da colocação do fixador externo se deu pela identificação de uma instabilidade
da articulação durante a movimentação passiva. Do universo estudado, metade dos pacientes
retornaram às suas atividades profissionais.
Em relação ao score DASH, no qual os maiores valores indicam piores quadros clínicos,
apenas 2 pacientes apresentaram um score mais elevado. No que se refere ao BRUCE,
como esperado, um maior número de pacientes apresentou score alto, variando de 13
a 78 ([Tabela 3]).
Tabela 3
|
FLEXO/EXTENSÃO
|
PRONO/SUPINAÇÃO
|
DASH
|
BRUCE
|
1
|
15 - 140
|
60 / 10
|
36
|
69
|
2
|
20 - 140
|
50 / 50
|
20
|
75
|
3
|
70 - 110
|
20 / 10
|
60
|
37
|
4
|
30 -70
|
45 / 45
|
47
|
49
|
5
|
60 - 120
|
50 / 50
|
38
|
59
|
6
|
10 - 130
|
60 / 40
|
39
|
48
|
7
|
30 - 120
|
50 / 40
|
28
|
64
|
8
|
20 - 30
|
10 / 10
|
69
|
13
|
9
|
20 - 130
|
70 / 70
|
16
|
78
|
10
|
30 - 110
|
60 / 30
|
43
|
63
|
11
|
30 - 110
|
50 / 40
|
40
|
61
|
12
|
20 - 120
|
45 / 45
|
34
|
66
|
13
|
30 - 70
|
40 / 40
|
52
|
30
|
É possível relacionar os resultados funcionais obtidos pelos scores e pelo exame físico
com a gravidade da lesão. Observou-se também que entre os resultados obtidos na análise
de flexo/extensão e prono/supinação, e os scores alcançados de DASH e BRUCE, percebe-se
que aquele paciente que apresenta um arco de movimento bom, é o mesmo que possui resultados
de DASH E BRUCE também satisfatórios. Da mesma forma, os pacientes com scores ruins
foram aqueles que obtiveram resultados de Flexo/Extensão e Prono/Supinação mais comprometidos
([Fig. 4]).
Fig. 4 Relação score DASH e BRUCE.
Além disso, ao relacionar os scores de DASH e BRUCE de cada paciente, observamos que
aqueles com os menores resultados no DASH também foram os com maiores pontuações no
BRUCE. Visto que, esses dois scores são opostos, enquanto é desejado pontuações elevadas
de BRUCE, espera-se que o DASH seja baixo. Desse modo, o resultado encontrado na amostra
estudada está em conformidade com os indicadores da área.
Discussão
A tríade terrível do cotovelo é uma lesão complexa e com prognóstico desfavorável
devido às limitações funcionais recorrentes.[6] Os principais mecanismos rotatórios de lesão são póstero-lateral e póstero-medial,
a força de deslocamento envolve a supinação do antebraço e valgo. Nos casos em que
a rotação é suficiente para que o processo coronoide e a cabeça do rádio sejam projetados
sob o úmero distal, a luxação é simples. Por outro lado, em uma rotação insuficiente,
o úmero distal fratura o processo coronoide e a cabeça do rádio configurando a tríade
terrível do cotovelo. O primeiro ligamento acometido é o colateral lateral (LCL),
logo em seguida o colateral medial (LCM).[4]
[5]
O diagnóstico é feito através de radiografias padrão anteroposterior e perfil, no
entanto, este tipo de fratura pode não ser visualizada nos exames radiológicos convencionais.
Assim, é importante que pacientes vítimas do mecanismo traumático supracitado, que
apresentem mobilidade do membro reduzida, edema, dor à movimentação passiva e ativa
sejam submetidos a tomografia computadorizada para afastar possíveis lesões.[7]
Na grande maioria dos casos, o tratamento cirúrgico é o mais indicado visto que oferece
melhores desfechos.[2]
[3] Algumas variantes mostram-se relevantes na obtenção dos resultados destes pacientes,
como o mecanismo de trauma, idade do paciente, gravidade da fratura, e o tempo para
início do tratamento. Todavia, ainda que se utilize o tratamento adequado, algumas
complicações podem ser esperadas, como a limitação de amplitude de movimento, instabilidade
ligamentar, artrose e neuropatia ulnar.[6]
[8]
[9]
O tratamento cirúrgico compreende, de uma maneira geral, na redução e fixação do processo
coronoide, no reparo da fratura da cabeça do rádio e do complexo ligamentar lateral.
A abordagem do ligamento colateral medial é realizada em casos específicos de manutenção
da instabilidade residual.[10]
[11]
Ao analisar os resultados obtidos por Gonçalves et al.,[12] em que se utilizou o score DASH para avaliação dos pacientes tratados, é possível
perceber que esses obtiveram pontuação média de 12, resultado muito inferior aos alcançados
nesta pesquisa, na qual a pontuação média ficou em 40 pontos. Essa diferença de resultados
pode ser decorrente do longo tempo de espera dos pacientes pesquisados para o início
do tratamento e da gravidade destes casos.
Já no estudo de Miyazaki et al.,[13] onde o BRUCE foi utilizado como parâmetro para avaliação dos resultados, os scores
obtidos foram muito mais altos do que os alcançados nesta pesquisa. Mesmo não tendo
sido considerados excelentes em sua maioria, pelos pesquisadores, indicaram um maior
sucesso nas técnicas utilizadas.
Além disso, a execução cirúrgica por profissionais diferentes pode, em alguma medida,
ter interferido nos resultados. Mesmo sabendo que todos são cirurgiões qualificados,
numa pesquisa é importante que a amostra seja submetida aos mesmos parâmetros para
uma maior confiabilidade e possibilidade de comparação entre os casos e resultados
alcançados. Numa situação em que esse grupo de pacientes passou por parâmetros diferentes
no atendimento, é possível que existam diferenças também nos resultados.
Conclusão
O tratamento cirúrgico da tríade terrível do cotovelo gera resultados funcionais aceitáveis
na maioria dos casos, independentemente do método utilizado. Ressalta-se também que
o sucesso do tratamento está relacionado ao intervalo de tempo entre o trauma e a
primeira cirurgia, além de se relacionar com a gravidade das lesões. Logo, quanto
maior for esse intervalo e quanto maior a gravidade da lesão, maior a dificuldade
do paciente em restabelecer as funções do cotovelo. Ademais, devido ao tamanho amostral
reduzido, sugerimos novos estudos a fim de comprovar tais desfechos.