Palavras-chave
dor lombar - hipervigilância - postura - postura sentada - lordose
Introdução
A dor lombar é complexa e multifatorial, com disfunções globais abrangendo alterações
estruturais, biomecânicas e psicossociais, como incapacidade funcional, isolamento
social, ausência e/ou baixa produtividade no trabalho.[1] Uma das deficiências de estrutura e função oriundas desta queixa pode ser déficit
no controle neuromuscular, como dificuldade de relaxamento dos músculos paravertebrais
durante a flexão total de tronco, e diminuição da resistência muscular quando comparado
a indivíduos assintomáticos.[2]
Dessa maneira, a musculatura pode ser ativada com o objetivo de tentar prevenir lesões
estruturais e sintomatologias da dor lombar.[3] Esse recrutamento excessivo da musculatura pode demonstrar uma hipervigilância postural.
Os indivíduos com dor lombar relatam que se concentram constantemente em sua dor e
utilizam de crenças para evitar a recorrência da dor; por exemplo, na adoção de diferentes
posturas. Essas crenças pré-existentes podem ser preditoras de incapacidade e geram
pouco ajuste à dor crônica.[4] Com isso, os pacientes focam na percepção de atitudes, principalmente a percepção
postural, o que pode levar a um aumento da dor.[4] A dor crônica e sua supervalorização podem levar a hipervigilância.[5] Dessa forma, supõe-se que essa hipervigilância postural é maior em pessoas com dor
lombar, sendo utilizada com maior frequência a postura lordótica (extensora), mesmo
com diferenças de idade ou gênero, enquanto a postura em flexão é comumente classificada
como a pior postura.[6]
Em concomitância, existem duas teorias antigas que são contrastantes sobre o que constitui
a postura sentada correta. Uma teoria postula que uma coluna lombar flexionada (coluna
cifótica) fornece a posição ideal para se sentar, pois reduz o estresse compressivo
no ânulo posterior.[7] A segunda teoria sustenta que a manutenção da lordose lombar, ou postura extensora/lordótica,
é importante, com o uso de um apoio lombar durante a sessão, pois é capaz de reduzir
a pressão do disco.[8]
Existe uma hipótese que as posturas em flexão são consideradas perigosas em pessoas
com dor lombar, mas não existem estudos que investigam a população que não apresenta
dor lombar.[3] Houve indícios que ambas as posturas eretas e curvadas apresentam mesma carga espinhal
e forças de compressão.[3] Indivíduos com sintomas de dor lombar podem realizar a hipervigilância, possivelmente
devido a uma crença que uma postura mais ereta é visualizada como mais correta que
a outra, com a justificativa que o recrutamento da musculatura extensora é capaz de
diminuir danos e dores associados à dor lombar.[3]
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi investigar se há diferença na hipervigilância
postural sentada entre as populações com e sem dor lombar, bem como observar a percepção
da postura correta sentada nessas duas populações.
Materiais e Métodos
O presente estudo apresenta delineamento observacional transversal. A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 38385320.4.0000.5134).
Foi realizado o cálculo amostral a priori, utilizando o software GPower (Universidade
Heinrich Heine, Düsseldorf, Nordrhein-Westfalen, Alemanha), versão 3.1.9.7, considerando
5% de significância, poder de 80% e tamanho de efeito de 0,6. Dessa forma, o tamanho
amostral foi de 92 participantes. Os voluntários foram recrutados por meio de publicações
em redes sociais. Os critérios de inclusão foram indivíduos dos gêneros masculino
e feminino, com idade entre 18 e 60 anos, sendo incluídos indivíduos com ou sem queixa
de dor lombar que foram divididos em dois grupos durante o processamento de dados.
Os critérios de exclusão foram profissionais e estudantes da área de fisioterapia,
indivíduos que não fossem capazes de compreender os direcionamentos para responderem
as perguntas proposta e voluntários que não quisessem participar do estudo após ler
o TCLE ou que desistissem durante a coleta de dados.
Após a análise dos questionários a respeito dos critérios de inclusão e exclusão,
os indivíduos que passaram nessa seleção foram divididos e alocados em dois grupos,
um de voluntários com dor lombar (grupo A) e o outro daqueles sem dor lombar (grupo
B).
Foram utilizados dois instrumentos neste estudo. Um para avaliar a percepção da postura
sentada correta ([Figura 1]) e o outro para avaliar a hipervigilância postural ([Apêndice 1], disponível on-line).
Fig. 1 Posturas sentadas.
No primeiro instrumento, para avaliar a percepção da postura sentada correta, foi
utilizado um quadro de fotos para os voluntários escolherem qual postura sentada seria
considerada correta.[9] As fotos das posturas foram designadas de 1 a 9, em uma grade de 3 × 3 ([Figura 1]).
O segundo instrumento, a escala de hipervigilância, teve como objetivo analisar a
frequência com que voluntários com e sem dor lombar corrigem a postura diariamente
enquanto estão sentados. A escala é classificada de 0: não corrijo minha postura sentada
em nenhum momento, a 10: corrijo minha postura sentada a todo momento do dia ([Apêndice 1], disponível on-line).
Inicialmente, os indivíduos foram esclarecidos e orientados sobre os objetivos e etapas
da pesquisa e convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Caso optassem por participar da pesquisa, seriam submetidos à avaliação inicial, por
meio dos questionários enviados pelas redes sociais, para a identificação e divisão
dos respectivos grupos a partir da verificação dos critérios de inclusão e de exclusão,
seguido da aplicação dos dois instrumentos citados anteriormente.
A coleta de dados foi realizada via internet por meio do questionário do Google Forms
(Google LLC., Mountain View, CA, USA). Os pesquisadores entraram em contato com os
indivíduos via um e-mail que continha informações sobre o estudo e um endereço eletrônico
em anexo que os levava a um formulário criado pelos avaliadores na plataforma Google
Forms, com perguntas relacionadas às informações demográficas, aos critérios de inclusão
e exclusão, e aos instrumentos explicitados no 5° parágrafo de Materiais e Métodos.
Esses instrumentos foram acompanhados com as devidas instruções para preenchimento,
as quais somente os avaliadores tiveram acesso às respostas.
Esse formulário foi apresentado por meio de páginas, sendo que a primeira continha
explicações sobre o TCLE. Somente se o voluntário optasse por participar da pesquisa
seriam apresentadas as páginas seguintes.
As variáveis numéricas obtidas por meio dos instrumentos foram categorizadas em uma
tabela no software Microsoft Excel (Microsoft Corp., Redmond, WA, USA), e posteriormente
foram submetidas à avaliação da distribuição dos dados por meio do teste de normalidade
de Shapiro-Wilk. Ao apresentar uma distribuição não normal, foram calculados medianas
e percentis. O teste de Mann-Whitney foi utilizado com o intuito de comparar os valores
da escala de hipervigilância entre os grupos A (com dor lombar) e B (sem dor lombar).
Para avaliar a frequência de escolha da postura correta sentada de ambos os grupos,
foi utilizado o teste estatístico Qui-quadrado e exato de Fisher, também, sendo calculadas
as frequências absolutas e relativas. Para análise dos dados, foi utilizada a estatística
descritiva, demonstrada por meio de médias e desvios padrão.
Todas as análises estatísticas foram realizadas no software R (R Foundation for Statistical
Computing, Viena, Áustria), versão 3.6.3, com um nível de significância de 5% (α < 0,05)
adotado para todas as análises.
Resultados
Foram realizados 253 questionários pelo Google Forms, contendo informações demográficas,
imagens acerca de posturas sentada e escala de hipervigilância, dos quais 161 formulários
foram excluídos pelos critérios citados no no 3° parágrafo de Materiais e Métodos.
Dessa maneira, foram utilizados 92 formuláriosque foram divididos em dois grupos,
cada um com 46 voluntários com e sem dor lombar. A apresentação dos dados referente
à análise descritiva foi apresentada na [Tabela 1].
Tabela 1
Variáveis
|
N (% do total)
|
Gênero
|
|
Feminino
|
65 (70,7)
|
Masculino
|
27 (29,3)
|
Idade
|
|
18–39 anos
|
70 (76,1)
|
40–60 anos
|
22 (23,9)
|
Atividade física
|
|
Sim
|
1 (1,1)
|
Não
|
91 (98,9)
|
Quanto tempo fica sentado?
|
|
2–4h
|
15 (16,3)
|
4–8h
|
33 (35,9)
|
8–16h
|
42 (45,7)
|
> 16h
|
2 (2,2)
|
Após a análise estatística, foi possível perceber que não houve diferença significativa
na escala numérica visual analógica de hipervigilância postural sentada entre os grupos
de indivíduos com e sem dor lombar (p = 0,498).
Além disso, também não houve diferença significativa em relação à escolha da foto
das diferentes posturas sentadas que foram consideradas corretas pelos voluntários.
Ou seja, não houve uma maior frequência de escolha de uma postura dentre as outras
(p = 0,089). Ambos os resultados foram detalhados na [Tabela 2].
Tabela 2
Variáveis
|
Mediana (percentis do N total)
|
|
Com dor lombar
|
Sem dor lombar
|
Valor-p
|
Postura sentada correta
|
|
|
0,089F
|
1
|
1 (2,2)
|
0 (0,0)
|
|
2
|
9 (19,6)
|
14 (30,4)
|
|
3
|
6 (13,0)
|
2 (4,3)
|
|
4
|
5 (10,9)
|
8 (17,4)
|
|
5
|
12 (26,1)
|
7 (15,2)
|
|
6
|
1 (2,2)
|
0 (0,0)
|
|
7
|
0 (0,0)
|
4 (8,7)
|
|
8
|
2 (4,3)
|
0 (0,0)
|
|
9
|
10 (21,7)
|
11 (23,9)
|
|
Escala de Hipervigilância
|
5,0 (4,0–6,0)*
|
6,0 (3,2–7,0)*
|
0,498M
|
Discussão
Os objetivos desse estudo foram investigar se existe diferença na hipervigilância
postural sentada em indivíduos com e sem dor lombar e observar se existe diferença
na percepção da postura sentada correta entre indivíduos com e sem dor lombar.
O primeiro resultado encontrado no presente estudo foi que não houve diferença significativa
entre a hipervigilância postural sentada entre indivíduos com e sem dor lombar. Sabe-se
que o sistema biológico humano é integrado de forma complexa e que as disfunções e
queixas são multifatoriais.[1] No presente estudo, foram analisadas apenas duas variáveis (percepção da postura
sentada correta e hipervigilância postural) de uma forma observacional linear, que
não conseguiu justificar a relação entre elas.
Além de ser complexa, a dor lombar apresenta, também, múltiplos contribuintes para
o seu aparecimento e de deficiências associadas, incluindo fatores psicológicos, sociais,
biofísicos, comorbidades e mecanismos de processamento da própria dor.[10] Portanto, não é possível identificar com precisão a fonte nociceptiva específica
da dor lombar.[11] Dito isso, é provável que haja alguma relação entre essas variáveis, quando analisadas
em outros contextos,[12] tornando necessário estudos futuros envolvendo a percepção da postura sentada e
hipervigilância postural.
Sugere-se que a correção postural pode ser uma resposta comportamental apresentada
inconsciente ou automaticamente. Por exemplo, um paciente nega proteger suas costas
ao fletir sua coluna para carregar uma carga, mas ao ser solicitado que realize o
movimento, esse mesmo paciente pode desenvolver comportamentos a fim de evitar a flexão
da coluna para “proteger” as costas enquanto se levanta.[13]
Outros estudos mostraram que indivíduos com dor musculoesquelética aguda e que possuem
crenças incorretas a respeito dela estão propensos a desenvolver comportamentos de
evitação que podem predizer a gravidade de uma incapacidade futura devido a essas
crenças.[14] Essa resposta comportamental pode ser manifestada como uma resposta protetora, restringindo
o movimento, como demonstrado em estudos anteriores, nos quais pessoas com dor lombar
se movimentam mais devagar, com maior rigidez e atividade musculares, o que poderia
justificar uma hipervigilância postural.[15]
Há evidências de que essas respostas comportamentais perpetuam a dor e a incapacidade
gerada por ela. Também, uma resposta pró-nociceptiva gera um aumento de carga no tecido,
aumentando a experiência de dor e alimentando um ciclo vicioso de evitação por conta
do medo[16] e gerando um quadro de maior dor e deficiência.[17]
Ademais, a utilização metodológica de uma escala não validada para avaliar a hipervigilância
postural sentada nesse estudo pode ter influenciado nos resultados, uma vez que não
é possível afirmar que essa escala avalia o que realmente foi proposto. Dessa forma,
é provável que a numeração dada como resultado na escala visual analógica (EVA), de
acordo com cada voluntário, não represente a realidade em relação a quantidade de
vezes que relataram corrigir suas posturas.
O segundo resultado encontrado pelo presente estudo foi que não houve diferença significativa
entre a escolha da postura correta sentada entre os grupos de indivíduos com e sem
dor lombar. É possível que não exista uma postura ideal que seja relacionada à dor
lombar, pois os fatores contextuais, ou seja, pessoais e ambientais, influenciam na
estrutura e na função de cada um.[18] Indivíduos com influências psicológicas e/ou sociais estão mais propensas a desenvolver
dores lombares e serem mais incapacitados por seus sintomas.[19]
Assim sendo, não se pode estabelecer análises observacionais apenas em aspectos de
estrutura e função, como foi realizado no presente estudo. Isso deve-se ao fato de
todos os fatores interagirem entre si, sendo eles: condição de saúde, atividade, participação
e os fatores contextuais descritos anteriormente.[18]
De acordo com a lei básica de economia de energia, o corpo gasta um alto percentual
de energia em posturas contrárias ao sentido natural do indivíduo.[20] Dessa maneira, quando um indivíduo mantém contrações isométricas de apenas determinados
músculos por uma maior quantidade de tempo, o corpo investe mais energia para que
isso aconteça. Logo, é possível que os indivíduos sem dor não direcionem apenas uma
postura de sua escolha, sendo considerada correta.
Em suma, o presente estudo utilizou-se de observação de variáveis multifatoriais,
em suas formas lineares. Portanto, vê-se necessário a realização de estudos futuros
com diferentes metodologias e análises não lineares que possam observar melhor as
relações multifatoriais que a dor lombar representa.
Conclusão
Os resultados obtidos neste estudo sugerem que não houve diferença entre a postura
correta sentada e hipervigilância entre indivíduos com ou sem dor lombar. Portanto,
são necessários outros estudos que investigue melhor a multifatoriedade dessa condição
de saúde, possibilitando um maior entendimento de sua complexidade de forma não linear
e, consequentemente, melhores tratamentos na prática clínica.