Palavras-chave esterilização - impressão tridimensional - óxido de etileno - plásticos biodegradáveis
Introdução
A utilização da tecnologia tridimensional (3D) para a impressão de objetos pela manufatura
aditiva (MA) ou impressão 3D (prototipagem) vem crescendo exponencialmente na área
da saúde (ortopedia, cirurgia bucomaxilofacial, neurocirurgia e cirurgia cardíaca,
entre outros).[1 ] A tecnologia de impressão 3D ser aplicada para fins educacionais (impressão de peças
anatômicas, por exemplo), planejamento cirúrgico, criação de implantes customizados,
órteses e fixadores externos, além de afastadores cirúrgicos.[2 ]
[3 ]
[4 ]
[5 ] Especificamente na área ortopédica, cirurgiões e pacientes têm se beneficiado desta
tecnologia na criação de guias cirúrgicos e no planejamento prévio para a utilização
intraoperatória das peças impressas, orientando a posição correta durante osteotomias,
perfurações ósseas e colocação de diversos tipos de materiais de implante (fios de
Kirschner, brocas e parafusos, etc.), reduzindo o tempo cirúrgico e melhorando a acurácia.[6 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ] Com a popularização e maior acessibilidade das impressoras 3D domiciliares, cirurgiões
têm planejado e criado seus guias de modo domiciliar, esterilizando-os nas suas instituições
para utilização durante o ato operatório, descartando-os após sua aplicação. Os materiais
mais usados na prototipagem dos moldes são filamentos plásticos em material ácido
polilático (PLA, na sigla em inglês) ou polímero de acrilonitrila butadieno estireno
(ABS) devido ao baixo custo e à facilidade de manuseio, porém ambos ainda apresentam
dificuldades para esterilização, principalmente por serem termossensíveis. Alguns
países apresentam regras para o processamento específico destes tipos de materiais
impressos em 3D; contudo, não as encontramos no nosso meio até o momento.[11 ] O objetivo do presente trabalho é comparar a eficácia e a confiabilidade dos métodos
autoclave e OE para esterilização de objetos impressos em PLA, possibilitando sua
utilização segura em cirurgias.
Material e Métodos
Foram desenhados objetos em formato 3D, criando-se arquivos tipo STL padrão para prototipagem
(estereolitografia), utilizando-se o software CAD (desenho assistido por computador)
Rhinoceros, versão 5.5.4, licenciado. Após a sua criação, os arquivos foram preparados
para impressão 3D com o software Simplify3D, EULA, versão 4.0.0, licenciado, e encaminhados
para impressão em material plástico tipo PLA. A impressora utilizada foi do modelo
doméstico (desktop) modelo Minibot 120. No processo de impressão, optou-se por porcentagens
diferentes de preenchimento do objeto (infill ), criando-se modelos totalmente sólidos (“maciços”) ou com espaço vazio no seu interior
(ocos com “espaço morto”) ([Figura 1 ]). Deste modo, foram impressos 20 objetos em formato quadrado (1 cm2 ) sólidos (S) e 20 de formato retangular (5,0 × 2,0 × 0,5 cm) e ocos nominados “não-sólidos”
(NS). Foram separados 2 grupos de estudo, sendo o primeiro com 10 objetos tipo S e
10 tipo NS (G1) e o segundo (G2) do mesmo modo, totalizando 2 grupos com 20 objetos
cada. Objetos do G1 foram encaminhados para esterilização pelo método a vapor com
autoclave (modelo Sercon), sendo processados pelo método “ciclo rápido” a 121°C, prevenindo
o derretimento da peça. Objetos do G2 foram esterilizados pelo método OE (“a frio”)
em um centro especializado e conveniado com a instituição. Cada objeto foi esterilizado
e embalado separadamente de modo padronizado com proteção plástica dupla, sendo mantido
estéril e armazenado em ambiente adequado por 1 semana ([Figura 2 ]). Na 2ª semana, os objetos foram encaminhados para cultura no laboratório de microbiologia
conveniado com a instituição. Os procedimentos foram realizados por um profissional
especializado, devidamente paramentado, com as amostras manipuladas em ambiente padrão
(capela de fluxo laminar para proteção dos produtos manipulados no seu interior, evitando
contaminação externa), após sua esterilização do fluxo com álcool 70% e com fogo aceso
continuamente. Todas as amostras dos grupos G1 e G2 foram colocadas em frascos estéreis
com caldo Brian Heart Infusion (BHI, na sigla em inglês), que é um meio de enriquecimento
utilizado na recuperação de microrganismos fastidiosos ou não, incluindo bactérias
aeróbicas e anaeróbicas e fungos) e mantidas por 48 horas em estufa (34° a 37°C).
Nesta etapa, os objetos tipo NS dos 2 grupos foram quebrados imediatamente antes de
serem introduzidos no meio de cultura BHI, comunicando o espaço interno (“espaço morto”)
com o exterior para análise da eficácia na esterilização também no interior das peças
ocas. Por este motivo, os objetos tipo NS foram impressos em formato retangular, facilitando
sua quebra. ([Figura 3 ]) Após 48 horas, as amostras foram semeadas em Agar sangue-MacConkey (usando-se base
rica que fornece condições de crescimento para a maioria dos microrganismos) e Agar
MacConkey (meio de cultura destinado ao crescimento de bactérias Gram negativas e
indicação da fermentação de lactose). Após a semeadura, as culturas foram para a estufa
por 24 horas (para crescimento bacteriano e posterior leitura) e as amostras em caldo
voltaram para a estufa (34° a 37°C) para incubação por mais 15 dias. Após este período,
foram semeadas novamente do mesmo modo, sendo submetidas a nova leitura. Os dados
coletados foram analisados com auxílio do software IBM SPSS Statistics for Windows,
versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) e do teste exato de Fisher, seguidos de análise
de resíduo quando foi observada significância estatística.
Fig. 1 Imagens de computador demonstrando a criação dos objetos de estudo com a tecnologia
3D. A) desenho de quadrado e retângulo em software CAD; B) preparo do objeto para
impressão 3D com enchimento interno (infill ) de 100%; C) preparo do objeto com enchimento interno parcial (oco); D) fotografia
demonstrando objetos impressos com diferentes porcentagens de preenchimento. Fonte:
arquivo dos autores.
Fig. 2 Fotografia demonstrando o modo de armazenamento dos objetos impressos em plástico
duplo após esterilização. Fonte: arquivo dos autores.
Fig. 3 Fotografia demonstrando detalhe do processo de semeadura dos objetos ocos (NS), os
quais foram quebrados imediatamente antes da colocação no caldo Brian Heart Infusion
(BHI). Fonte: arquivo dos autores.
Resultados
Os resultados após 48 horas e 15 dias de incubação foram semelhantes. No grupo G1
(esterilizados em autoclave), houve crescimento bacteriano em 50% das amostras de
objetos S (50% negativas) e em 30% dos objetos NS (70% negativas). No grupo G2 (esterilizados
em OE), não houve crescimento em 100% das amostras de objetos S; contudo, houve crescimento
em 20% das amostras de objetos NS (80% negativas). Estes dados, incluindo os cálculos
estatísticos realizados, estão demonstrados na [Tabela 1 ] e nas [Figuras 4 ] e [5 ]. A bactéria isolada em todos os casos de contaminação foi o Staphylococcus Gram positivo não produtor de coagulase.
Fig. 4 Demonstração gráfica da análise estatística comparando resultados positivos (crescimento)
e negativos (estéreis) após leitura das amostras de culturas com peças sólidas (S).
Abreviação: OE, óxido de etileno. * Símbolo indicando valor estatisticamente significativo
após análise de resíduo. Fonte: dados da pesquisa.
Fig. 5 Demonstração gráfica da análise estatística comparando resultados positivos (crescimento)
e negativos (estéreis) após leitura das amostras de culturas com peças ocas (NS).
Abreviação: OE, óxido de etileno. Fonte: dados da pesquisa.
Tabela 1
Objetos, n (%)
Autoclave
OE
valor-p[† ]
n = 10
n = 10
Peças sólidas (S)
Negativo
5 (50,0)
10 (100,0)b
0,033
Positivo
5 (50,0)b
0 (0,0)
Peças ocas (NS)
Negativo
7 (70,0)
8 (80,0)
0,999
Positivo
3 (30,0)
2 (20,0)
Discussão
O uso da tecnologia 3D na medicina tem crescido rapidamente, beneficiando várias áreas
com a sua aplicação, incluindo a ortopédica,[2 ] o que é demonstrado pelo número crescente das publicações sobre o assunto. Em uma
revisão sistemática, Tack et al.[1 ] coletaram inicialmente 7.482 trabalhos para análise. Dentre estes, 60% foram estudos
com aplicações de guias cirúrgicos impressos ou planejamento cirúrgico. Apesar da
facilidade na fabricação doméstica destes objetos, o tipo de material e sua esterilização
continuam sendo a maior dificuldade. Entre os materiais disponíveis, o PLA é o sintético
mais utilizado por ser biocompatível, não poluente (biodegradável e proveniente de
recursos renováveis), de baixo custo e de fácil manuseio, sendo também o material
de preferência dos autores.[12 ]
[13 ] Para utilização médica, a sua principal desvantagem é ser termossensível, com início
do seu derretimento ocorrendo a partir de 120°C, o que pode ocasionar deformação na
peça durante o processo de esterilização a vapor e alta temperatura (autoclave), inviabilizando
o seu uso.[14 ] Sendo a autoclave a opção de esterilização mais acessível e disponível na maioria
dos hospitais, pode-se usá-la na programação no modo “ciclo rápido” como alternativa
para os termossensíveis, submetendo o material à temperatura de 121°C durante um período
mais curto, o que tem demonstrado preservação do PLA original com eficácia.[12 ]
[15 ]
[16 ] No nosso meio, o método alternativo viável para esterilização “a frio” dos temossensíveis
é o OE.[17 ]
[18 ]
[19 ]
[20 ] Outros métodos “a frio”, como o gás plasma, raios gama, entre outros, também são
eficazes; contudo, são de alto custo, podendo se tornar inviáveis em algumas instituições.
Em uma revisão sistemática recente, Pérez Davila et al. concluíram que os métodos
mais utilizados universalmente para este tipo de material são o OE e raios gama. Outros
métodos, como peróxido de hidrogênio/gás plasma, ácido peracético e ozônio têm sido
explorados como alternativas, mas ainda não há uma padronização definida.[21 ] Materiais mais resistentes à autoclave, como, por exemplo, a resina utilizada no
meio odontológico, necessitam do mesmo modo de impressoras e de matéria-prima mais
caras. Mecanismos regulatórios padronizam o uso da autoclave e do OE no processamento
dos materiais cirúrgicos mais comuns, mas isto ainda não foi claramente estabelecido
para os objetos obtidos por meio de impressão 3D no nosso meio. Para materiais considerados
termossensíveis (baterias de perfuradores, peças plásticas de endoscópios, etc.),
o OE ainda é o mais recomendado para prevenir o possível derretimento.[14 ]
[20 ] Uma preocupação no nosso estudo foi com relação à eficácia na esterilização completa,
incluindo o espaço interno criado nas peças retangulares (NS), diferenciando-as das
peças sólidas (S). A impressão com enchimento interno parcial (% de infill ) é comum nas impressões domiciliares pois o processo é mais rápido e econômico por
utilizar menor quantidade de matéria-prima. Neches et al.[22 ]
, e Skelley et al.[23 ] demonstraram esterilização eficiente dos objetos impressos em PLA automaticamente
pela alta temperatura gerada para o derretimento do material durante a impressão dos
objetos, incluindo o interior das peças (∼ 200°C), não necessitando de processamento
complementar. Aguardo-Maestro et al.[24 ] compararam os métodos autoclave, OE e gás plasma na esterilização dos objetos impressos
de modo oco após inocular uma suspensão de bactérias no interior dos mesmos, constatando
eficácia apenas nos dois primeiros. O método pelo gás plasma foi recomendado pelos
autores apenas para objetos sem espaço interno (sólidos).[24 ] Nossos resultados demonstraram falhas na eficácia da esterilização das peças ocas
(NS) tanto pela autoclave (G1) quanto pelo OE (G2), com crescimento bacteriano em
30 e 20% das amostras, respectivamente, sugerindo que o “espaço morto” não foi devidamente
esterilizado por nenhum dos dois métodos. A esterilização com autoclave também não
comprovou ser segura pelo método “ciclo rápido,” com a contaminação observada, além
de em 30% das peças tipo NS, em 50% das peças sólidas (S). Por este motivo, não recomendamos
a autoclave para esterilização do PLA. As peças tipo S esterilizadas por OE foram
as únicas que não tiveram crescimento bacteriano. A utilização do OE, além de ter
sido eficaz neste tipo de impressão (S), tem a vantagem de não deformar o PLA pelo
risco do seu derretimento, por se tratar de um método “a frio.” Recomendamos, portanto,
para os objetos impressos com material PLA, a impressão com preenchimento completo
(100% de infill ) e esterilização em OE em alternativa à autoclave. Como limitações do presente estudo,
podemos incluir: o não cegamento e a não aleatorização dos objetos, a possibilidade
de contaminação durante o preparo e a semeadura, a ausência de um grupo controle e
da comparação com outros tipos de material. O número pequeno das amostras diminui
a relevância estatística, porém não a invalida, já que o teste amostral realizado
previamente à aplicação do teste estatístico demonstrou confiança de 95%, com erro
amostral de 5% (ou 0,05). Deste modo, estudos futuros são necessários para a definição
do método mais eficaz para esterilização destes objetos, a padronização e o controle
pelos mecanismos regulatórios.
Conclusão
A esterilização tanto em autoclave quanto em OE não foi eficaz para objetos impressos
no formato oco. Objetos sólidos (impressos com 100% de preenchimento interno) esterilizados
pela autoclave não demonstraram 100% de amostras negativas, de modo que este método
não demonstrou ser seguro no presente ensaio. Ausência completa de contaminação ocorreu
apenas com objetos sólidos e esterilizados em OE, sendo a combinação recomendada pelos
autores.