CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(03): 463-470
DOI: 10.1055/s-0042-1749206
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Impacto da COVID-19 no momento de reparo do manguito rotador e método de acompanhamento pós-operatório

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos
› Author Affiliations
 

Resumo

Objetivo O reparo do manguito rotador (RMR) é um dos procedimentos artroscópicos mais comuns. Nossa pesquisa visa quantificar o impacto da pandemia de COVID-19 sobre o RMR, especificamente em pacientes com lesões agudas e traumáticas.

Métodos Os prontuários institucionais foram consultados para identificação de pacientes submetidos ao RMR artroscópico entre 1° de março e 31 de outubro de 2019 e de 2020. Dados demográficos, pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios dos pacientes foram coletados de prontuários eletrônicos. Os dados foram analisados por estatística inferencial.

Resultados Totais de 72 e de 60 pacientes foram identificados em 2019 e 2020, respectivamente. Os pacientes de 2019 apresentaram menor intervalo entre a ressonância magnética (RM) e a cirurgia (62,7 ± 70,5 dias versus 115,7 ± 151,0 dias; p = 0,01). Os exames de RM mostraram menor grau médio de retração em 2019 (2,1 ± 1,3 cm versus 2,6 ± 1,2 cm; p = 0,05), mas nenhuma diferença foi observada na extensão anteroposterior da laceração entre os anos (1,6 ± 1,0 cm versus 1,8 ± 1,0 cm; p = 0,17). Em 2019, o número de pacientes atendidos por seus cirurgiões em consultas pós-operatórias por telemedicina foi menor em comparação com 2020 (0,0% versus 10,0%; p = 0,009). Não foram observadas alterações significativas nas taxas de complicação (0,0% versus 0,0%; p > 0,999), de readmissão (0,0% versus 0,0%; p > 0,999) ou de revisão (5,6% versus 0,0%; p = 0,13).

Conclusão Não houve diferenças significativas nos dados demográficos dos pacientes ou nas principais comorbidades entre 2019 e 2020. Nossos dados sugerem que, embora o intervalo entre a RM e a cirurgia tenha sido maior em 2020 e tenha havido necessidade de consultas por telemedicina, o RMR ainda foi realizado em tempo hábil e sem alterações significativas nas complicações precoces.

Nível de Evidência III.


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Introdução

As lesões do manguito rotador são uma das causas mais comuns de dor no ombro em adultos. Estas lesões podem provocar disfunção e dor significativas no ombro. De modo geral, o grau de disfunção, especificamente nas rupturas agudas e traumáticas, leva os pacientes a procurarem avaliação ortopédica em um curto espaço de tempo.[1] No entanto, durante a pandemia da doença pelo novo coronavírus (COVID-19) de 2019, os sistemas de saúde foram forçados a alocar recursos e equipes médicas para o combate à infecção de rápida disseminação. O primeiro caso de COVID-19 foi relatado no estado de Nova York, Estados Unidos, em 1° de março de 2020. Para conter a disseminação e preservar recursos, o Cirurgião-Geral dos Estados Unidos emitiu uma declaração aconselhando hospitais de todo o país a interromper procedimentos eletivos em 14 de março de 2020. Embora esta moratória de procedimentos eletivos tenha sido suspensa na cidade de Nova York em 8 de junho de 2020, meses se passaram até que o número de procedimentos eletivos voltasse a ser semelhante àquele observado antes da pandemia.

Mesmo após a retomada dos procedimentos cirúrgicos eletivos, os pacientes continuaram a hesitar em buscar avaliação ou tratamento de lesões no ombro. Houve um declínio significativo no interesse público pela cirurgia do manguito rotador durante a pandemia, com redução de 53,32% no volume de pesquisas no Google neste período.[2] Pesquisas anteriores identificaram que apenas 27 a 56,8% dos pacientes estariam dispostos a se submeter a um procedimento eletivo o mais cedo possível.[3] [4]

A hesitação dos pacientes em passar por cirurgias eletivas poderia retardar o atendimento de doenças do manguito rotador, um fator de risco associado a desfechos piores.[5] [6] Além disso, o retardo do tratamento destas lesões pode aumentar o tamanho da laceração, a progressão da atrofia muscular e o risco de necessidade de cirurgia de revisão.[7] [8] [9] [10] Devido ao risco de piora do desfecho pelo retardo do tratamento, recomendou-se que o reparo do manguito rotador (RMR), em especial de lesões agudas, fosse considerado prioritário em relação a outros procedimentos eletivos nos quais o tempo é um fator menos importante.[11] [12]

Os objetivos da nossa pesquisa são a avaliação de quaisquer diferenças demográficas em pacientes submetidos à cirurgia do manguito rotador imediatamente após a pandemia de COVID-19 em 2020 em comparação com o mesmo período de 2019 e a determinação da magnitude do retardo destes procedimentos (tempo entre o início de sintomas ou realização de ressonância magnética [RM] e a cirurgia). Nossa hipótese é que os pacientes submetidos a cirurgia do manguito rotador em 2020 serão mais jovens, mais propensos a apresentar uma lesão aguda e com maior demora até o tratamento de uma lesão aguda em comparação com o ano anterior, no qual ainda não havia a pandemia.


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Materiais e Métodos

Coorte de Pacientes

O estudo foi aprovado por nosso conselho de revisão institucional. Os prontuários da instituição foram consultados para identificação dos pacientes submetidos ao RMR artroscópico com base no código 29827 de Current Procedural Terminology (CPT, na sigla em inglês) entre 1° de março e 31 de outubro de 2019 e de 2020. Estes procedimentos foram realizados em uma única instituição por dois cirurgiões.


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Coleta de Dados

Os prontuários eletrônicos dos pacientes identificados foram consultados para coleta de dados demográficos e achados à RM e exame físico. Dentre esses dados, estavam características pré-operatórias, perioperatórias e pós-operatórias dos pacientes submetidos ao RMR. A amplitude de movimento de elevação anterior e de rotação externa foi coletada do primeiro exame físico do paciente com o seu respectivo cirurgião. As descrições cirúrgicas dos pacientes foram revistas para a identificação do tipo de RMR e do número de âncoras usadas no procedimento. Os pacientes codificados de maneira incorreta e que não haviam sido submetidos ao RMR à revisão das descrições cirúrgicas foram excluídos da análise. A RM de cada paciente foi analisada para determinar a pontuação de Goutallier, o grau de retração da laceração e sua extensão anteroposterior. Além disso, subanálises compararam os subconjuntos de pacientes que sofreram lesões traumáticas em 2019 e 2020.


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Análise Estatística

Os dados das coortes de 2019 e 2020 foram comparados. Estatísticas descritivas e comparativas de dados demográficos, pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios de todos os pacientes foram analisadas. A análise univariada dos dados categóricos foi realizada com o teste qui-quadrado ou com o teste exato de Fisher quando apropriado. Os dados contínuos foram analisados com o teste t de duas amostras ou com o teste U de Mann-Whitney dependendo da normalidade da amostra, previamente determinada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A variância entre os dois grupos foi comparada com teste F de igualdade. A significância estatística foi definida como valor-p < 0,05.


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Resultados

Dados Demográficos

O presente estudo identificou 132 pacientes submetidos ao RMR, 72 em 2019 e 60 e 2020. Não houve diferença de gênero (48,6% versus 58,3% de homens; p = 0,27), média de idade à cirurgia (61,0 ± 9,4 anos versus 60,5 ± 10,2 anos; p = 0,78) ou índice de massa corpórea (IMC) (28,1 ± 5,3 versus 29,9 ± 7,0; p = 0,27). As pontuações da American Society of Anesthesiolgists (ASA, na sigla em inglês) (p = 0,31) e as taxas de tabagismo (p = 0,68) e histórico de diabetes (6,9% versus 15,0%; p = 0,12) e hipertensão (48,6% versus 56,7%; p = 0,29) também foram semelhantes entre os anos. A distribuição de seguradoras também foi consistente (p = 0,63) ([Tabela 1]). Com o fim da moratória de procedimentos eletivos em 8 de junho de 2020, 38 pacientes da coorte de 2019 foram submetidos ao RMR em comparação com 46 pacientes da coorte de 2020.

Tabela 1

Característica

2019

2020

valor-p

Idade à cirurgia (anos)

61,0 ± 9,4

60,5 ± 10,2

0,78

Gênero

 Masculino

35 (48,6%)

35 (58,3%)

0,27

 Feminino

37 (51,4%)

25 (41,7%)

IMC

28,1 ± 5,3

29,9 ± 7,0

0,27

Pontuação ASA

0,31

 1–2

56 (77,8%)

42 (70,0%)

 3–4

16 (22,2%)

18 (30,0%)

Seguradora

0,63

 Medicare

16 (22,2%)

18 (30,0%)

 Medicaid

7 (9,7%)

3 (5,0%)

 Privada

37 (51,4%)

26 (43,3%)

 Procedimento pago pelo empregador do paciente

11 (15,3%)

12 (20,0%)

 Procedimento pago pelo próprio paciente

1 (1,4%)

1 (1,7%)

Diabetes

0,12

 Sim

5 (6,9%)

9 (15,0%)

 Não

67 (93,1%)

51 (85,0%)

Hipertensão

0,29

 Sim

35 (48,6%)

34 (56,7%)

 Não

37 (51,4%)

26 (43,3%)

Histórico de Tabagismo

0,68

 Respostas (n)

70

60

 Nunca

44 (62,9%)

42 (70,0%)

 Ex-fumante

18 (25,7%)

13 (21,7%)

 Fumante

8 (11,4%)

5 (8,3%)


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Características Pré-operatórias

A coorte de 2019 apresentava mais indivíduos com histórico de cirurgia no mesmo ombro em comparação com a coorte de 2020 (11,1% versus 1,7%; p = 0,04). Além disso, mais indivíduos da coorte de 2019 tinham lesões agudas (38,9% versus 25,0%; p = 0,09), mas sem diferença estatística. Não houve diferença significativa no número de lesões traumáticas tratadas entre os anos (68,1% versus 75,0%; p = 0,35). Também não houve diferença entre o tempo desde o início da dor ou da lesão até a cirurgia em pacientes com lesão traumática (360,6 ± 938,5 dias versus 259,4 ± 304,0 dias; p = 0,47) ou lesão atraumática (436,3 ± 388,1 dias versus 478,7 ± 426,7 dias; p = 0,66) entre as coortes de 2019 e de 2020. No tratamento pré-operatório, um número semelhante de pacientes foi submetido à fisioterapia (63,2% versus 55,0%; p = 0,35) e recebeu corticosteroides injetáveis no consultório antes da tentativa de tratamento cirúrgico (25,0% versus 28,3%; p = 0,67). Os pacientes que receberam corticosteroides em 2019 tenderam a apresentar intervalos maiores entre a injeção e a cirurgia (342,9 ± 376,4 dias versus 157,8 ± 89,2 dias; p = 0,10). No exame físico pré-operatório, não houve diferença na amplitude de movimento tanto de elevação anterior (158,0° ± 38,6° versus 158,3° ± 29,3°; p = 0,47) quanto de rotação externa (51,6° ± 13,1° versus 50,5° ± 14,7°; p = 0,63) ([Tabela 2]).

Tabela 2

Característica

2019

2020

valor-p

Cirurgia prévia no ombro

0,04

 Sim

8 (11,1%)

1 (1,7%)

 Não

64 (88,9%)

59 (98,3%)

Lesão crônica ou aguda

0,09

 Crônica (> 3 meses entre a lesão e a cirurgia)

44 (61,1%)

45 (75,0%)

 Aguda (< 3 meses entre a lesão e a cirurgia)

28 (38,9%)

15 (25,0%)

Lesão traumática ou atraumática

0,35

 Traumática

49 (68,1%)

45 (75,0%)

 Atraumática

23 (31,9%)

15 (25,0%)

Tempo médio entre a lesão e a cirurgia (dias)

 Traumática

360,6 ± 938,5

259,4 ± 304,0

0,47

 Atraumática

436,3 ± 388,1

478,7 ± 426,7

0,66

Tentativa de fisioterapia antes da cirurgia

0,35

 Respostas (n)

68

60

 Sim

43 (63,2%)

33 (55,0%)

 Não

25 (36,8%)

27 (45,0%)

Administração de corticosteroide injetável

0,67

 Sim

18 (25,0%)

17 (28,3%)

 Não

54 (75,0%)

43 (71,7%)

Tempo médio entre a injeção e a cirurgia (dias)

342,9 ± 376,4

157,8 ± 89,2

0,10

Elevação anterior no período pré-operatório

158,0° ± 38,6°

158,3° ± 29,3°

0,47

Rotação externa no período pré-operatório

51,6° ± 13,1°

50,5° ± 14,7°

0,63


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Achados Radiográficos e Características Intraoperatórias

Os intervalos entre a RM e a cirurgia foram significativamente menores em 2019 (62,7 ± 70,5 dias versus 115,7 ± 151,0 dias; p = 0,01). Não houve diferença na quantidade de rupturas do manguito rotador que progrediram de parcial à RM para total à avaliação intraoperatória (12,5% versus 15,0%; p = 0,68) ou na quantidade de rupturas totais do manguito rotador à cirurgia (84,7% versus 81,7%; p = 0,64) entre as coortes de 2019 e de 2020. Também não houve diferença nas pontuações de Goutallier do supraespinhoso (0,5 ± 0,7 versus 0,8 ± 1,0; p = 0,17) ou infraespinhoso (0,5 ± 0,8 versus 0,6 ± 0,8; p = 0,25). A coorte de 2019 apresentou menor grau de retração nas lesões do manguito rotador (2,1 ± 1,3 cm versus 2,6 ± 1,2 cm; p = 0,05), mas não houve diferença significativa na extensão anteroposterior da laceração (1,6 ± 1,0 cm versus 1,8 ± 1,0 cm; p = 0,17). Não houve diferença no número de lesões extensas (> 4 cm) do manguito rotador entre os 2 anos (7,0% versus 7,5%; p = 0,91). A revisão das descrições cirúrgicas revelou a tendência a uma maior proporção de reparos em fileira única em 2019 (72,7% versus 56,0%; p = 0,06), mas sem diferença no número de âncoras usadas entre 2019 e 2020 nos reparos de fileira única (1,4 ± 0,8 versus 2,2 ± 1,5; p = 0,61) ou dupla (2,6 ± 1,5 versus 2,5 ± 1,7; p = 0,53) ([Tabela 3]).

Tabela 3

Característica

2019

2020

valor-p

Tempo entre a RM e a cirurgia (dias)

62,7 ± 70,5

115,7 ± 151,0

0,01

Laceração parcial à RM e laceração completa à cirurgia

0,68

 Sim

9 (12,5%)

9 (15,0%)

 Não

63 (87,5%)

51 (85,0%)

Tipo de laceração do manguito rotador à cirurgia

0,64

 Completa

61 (84,7%)

49 (81,7%)

 Parcial

11 (15,3%)

11 (18,3%)

Pontuações médias de Goutallier do supraespinhoso

0,5 ± 0,7

0,8 ± 1,0

0,17

Pontuações de Goutallier do supraespinhoso

0,12

 0–1

56 (90,3%)

45 (80,4%)

 2–3

6 (9,7%)

11 (19,6%)

Pontuações médias de Goutallier do infraespinhoso

0,5 ± 0,8

0,6 ± 0,8

0,25

Pontuações de Goutallier do infraespinhoso

0,35

 0–1

53 (85,5%)

51 (91,1%)

 2–3

9 (14,5%)

5 (8,9%)

Grau médio de retração (cm)

2,1 ± 1,3

2,6 ± 1,2

0,05

Tamanho médio da laceração (cm)

1,6 ± 1,0

1,8 ± 1,0

0,17

Lacerações extensas do manguito rotador à RM

0,91

 RM avaliadas (n)

57

53

 Sim

4 (7,0%)

4 (7,5%)

 Não

53 (93,0%)

49 (92,5%)

Tipo de reparo do manguito rotador

0,06

 Fileira única

48 (72,7%)

28 (56,0%)

 Fileira dupla

18 (27,3%)

22 (44,0%)

Número médio de âncoras usadas

 Reparo em fileira única

1,4 ± 0,8

2,2 ± 1,5

0,61

 Reparo em fileira dupla

2,6 ± 1,5

2,5 ± 1,7

0,53


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Características Perioperatórias

Não houve diferença significativa na duração da cirurgia entre 2019 e 2020 (80,0 ± 28,2 minutos versus 86,7 ± 34,1 minutos; p = 0,32) ou no tempo de permanência na unidade de recuperação no dia do procedimento (8,1 ± 3,0 horas versus 7,4 ± 1,9 horas; p = 0,12). Além disso, nenhum paciente em nenhum dos grupos apresentou complicações intraoperatórias ([Tabela 4]).

Tabela 4

Característica

2019

2020

valor-p

Duração da cirurgia (minutos)

80,0 ± 28,2

86,7 ± 34,1

0,32

Período de internação (horas)

8,1 ± 3,0

7,4 ± 1,9

0,12

Transfusão de sangue

1,0

 Sim

0 (0,0%)

0 (0,0%)

 Não

72 (100,0%)

60 (100,0%)

Complicações cirúrgicas

1,0

 Sim

0 (0,0%)

0 (0,0%)

 Não

72 (100,0%)

60 (100,0%)


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Características Pós-operatórias

O número de consultas pós-operatórias virtuais/por telemedicina foi significativamente maior em 2020 em comparação com 2019 (0,0% versus 10,0%; p = 0,009). Os pacientes de 2020 também tenderam a apresentar intervalos maiores e com maior variabilidade entre a data da cirurgia e a consulta (12,0 ± 4,7 dias versus 16,7 ± 17,5 dias; p = 0,19). Não houve diferença significativa na participação em fisioterapia entre as 2 coortes (2019: 98,5% versus 2020: 90,4%, p = 0,08). Além disso, não houve diferença nas taxas de readmissão (0,0% versus 0,0%; p > 0,999) ou necessidade de cirurgia de revisão no mesmo ombro (5,6% versus 0,0%; p = 0,13) ([Tabela 5]).

Tabela 5

Característica

2019

2020

valor-p

Método de consulta pós-operatória

0,009

 Consulta de telemedicina

0 (0,0%)

6 (10,0%)

 Consulta presencial

69 (100%)

54 (90,0%)

Tempo entre a cirurgia e a consulta pós-operatória (dias)

12,0 ± 4,7

16,7 ± 17,5

0,19

Fisioterapia realizada

0,08

 Respostas (n)

67

52

 Sim

66 (98,5%)

47 (90,4%)

 Não

1 (1,5%)

5 (9,6%)

Readmissão

1,0

 Sim

0 (0,0%)

0 (0,0%)

 Não

72 (100,0%)

60 (100,0%)

Cirurgia de revisão

0,13

 Sim

4 (5,6%)

0 (0,0%)

 Não

68 (94,4%)

60 (100,0%)


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Subanálise de Pacientes com Lesão Traumática

Os indivíduos das coortes de 2019 e 2020 com uma lesão traumática identificável no manguito rotador foram analisados posteriormente. Na coorte de 2019, 57,1% das lesões traumáticas ocorreram em homens em comparação com 60% na coorte de 2020 (p = 0,836). Não houve diferença significativa no intervalo entre a lesão e a cirurgia entre 2019 e 2020 (360,6 ± 938,5 dias versus 259,4 ± 304,0 dias; p = 0,47). Além disso, os pacientes de 2019 ainda apresentavam menor intervalo entre a RM e a cirurgia (56,7 ± 47,3 dias versus 80,9 ± 75,8 dias; p = 0,04). A variação no tempo desde o início dos sintomas foi significativamente maior na coorte de 2019 em comparação com a coorte de 2020 (p < 0,001).


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Discussão

Estes achados sugerem que a pandemia de COVID-19 retardou a cirurgia em pacientes com ruptura do manguito rotador. O número de pacientes com cirurgia anterior no ombro foi maior em 2019, mas não houve outras diferenças significativas entre as coortes de 2019 e de 2020. Com o fim da moratória sobre os procedimentos eletivos, mais pacientes foram submetidos à cirurgia de RMR em 2020 em comparação com 2019. Isto ocorreu apesar da literatura anterior demonstrar uma diminuição de 53,32% nas tendências de pesquisa sobre “cirurgia do manguito rotador” no Google durante a pandemia de COVID-19.[2]

Segundo Mall et al.,[1] as lesões agudas e traumáticas do manguito rotador são mais prováveis em pacientes jovens do sexo masculino. Antes, Moverman et al.[4] descreveram que os pacientes do sexo masculino eram mais propensos a se sentirem confortáveis em realizar cirurgias eletivas nos primeiros estágios da pandemia de COVID-19. No entanto, não observamos uma diferença significativa na distribuição por gênero das lesões traumáticas do manguito rotador ou no intervalo da lesão à cirurgia entre as coortes de 2019 e de 2020. Além disso, é provável que a diferença média no intervalo entre a RM e a cirurgia entre os dois grupos (53 dias) possa ser parcialmente explicada pela duração da moratória sobre procedimentos eletivos (86 dias).

A literatura atual sobre o aumento do risco de repetição ou de piora dos desfechos em pacientes submetidos ao reparo tardio da ruptura do manguito rotador é controversa. Em uma revisão sistemática, Kwong et al.[13] relataram que cerca de um terço das lesões sintomáticas de espessura total do manguito rotador progridem ≥ 5 mm em 37,8 meses, em uma taxa de ∼ 1% ao mês. Fu et al.[8] demonstraram uma maior taxa de novas lacerações no grupo submetido à reconstrução tardia (> 12 meses) em comparação com os grupos submetidos a reparo precoce (< 6 semanas) e de rotina (6 semanas a 12 meses). No entanto, estas informações foram obtidas de um grande banco de dados nacional e avaliaram apenas o intervalo entre a data do diagnóstico (evento não traumático) e a data da cirurgia. Em uma série de 20 pacientes submetidos a cirurgia nos primeiros 6 meses após a lesão, os resultados relatados pelos indivíduos foram melhores em comparação com a coorte pareada por idade e gênero que foi operada de 6 a 18 meses após a lesão.[7] Por outro lado, Petersen et al.[10] relataram que a extensão da ruptura do manguito rotador não exerceu influência significativa sobre o desfecho em uma série de 36 pacientes desde que o reparo ocorresse nos primeiros 4 meses após a lesão; no entanto, os desfechos de lesões extensas reparadas depois de 4 meses foram inferiores. Patel et al.[9] demonstraram o menor tempo de recuperação e a menor necessidade de aumento com aloenxerto em lacerações extensas de indivíduos submetidos ao reparo precoce, mas sem diferença significativa nos desfechos durante o acompanhamento de médio prazo (uma mediana de 30 meses após a cirurgia). Em sua revisão sistemática, Mall et al.[1] não encontraram nenhum consenso na literatura sobre os melhores desfechos após o reparo precoce das lesões do manguito rotador. Observamos a retração significativa das lesões na coorte de 2020, mas não houve diferença no número de âncoras necessárias para o reparo artroscópico entre as duas coortes.

A realização de cirurgias eletivas durante a pandemia de COVID-19 foi bastante influenciada por vários fatores, inclusive considerações éticas, limitações de recursos e disposição do paciente de se submeter ao procedimento neste período.[6] [11] [14] Em um relato sobre pacientes ortopédicos oncológicos, os atrasos no manejo cirúrgico causados pela COVID-19 aumentaram a morbidade.[5] Ainda não há relatos sobre o impacto nos atrasos no manejo cirúrgico em pacientes de medicina esportiva ortopédica. Uma diretriz baseada em evidências sugeriu que as lesões agudas e traumáticas do manguito rotador devem ser tratadas com maior celeridade, enquanto as lesões crônicas e degenerativas devem ser tratadas como cirurgias não sensíveis ao tempo.[11] Especificamente em lesões extensas, as evidências sugerem que o reparo em tempo hábil pode melhorar os desfechos e reduzir a morbidade.[10] [12] [15]

Durante a pandemia de COVID-19, um número significativo de pacientes participou de consultas de telemedicina ao invés de consultas presenciais no período pós-operatório imediato. Esta opção foi oferecida por diversas instituições de todo o mundo, inclusive a nossa.[14] O objetivo destas consultas era reduzir o número de exposições e possíveis infecções na nossa comunidade, ao mesmo tempo em que incentivava a administração adequada dos recursos de saúde. Os primeiros trabalhos não demonstraram impacto significativo nos desfechos relatados pelos pacientes que foram submetidos a acompanhamento por telemedicina após a cirurgia de ombro.[16] Não observamos um aumento imediato de complicações pós-operatórias em pacientes acompanhados por telemedicina neste período; no entanto, uma proporção relativamente pequena de pacientes (10%) escolheu esta opção. O potencial de expansão do papel da telemedicina sem comprometimento da qualidade do atendimento tem sido sugerido como uma área de impacto e de possível melhora do ambiente de saúde pós-pandemia.[17]

Como limitações, coletamos apenas dados imediatos e de curto prazo de pacientes da coorte de 2020 e não podemos comparar as 2 coortes quanto a desfechos e complicações em longo prazo. Além disso, nossa instituição representa um subconjunto específico da experiência global de pandemia; embora nossa pesquisa represente uma região de impacto significativo, temos um sistema de saúde bem desenvolvido, com os benefícios de recursos significativos e suporte administrativo para auxiliar o retorno à normalidade após a COVID-19. Nossa esperança é que as lições aprendidas durante esta pandemia possam ajudar a orientar futuras abordagens a desastres que exigem racionamento de recursos de saúde. Novos estudos devem ter como objetivo quantificar se as mudanças relacionadas à pandemia provocaram alterações em prazo intermediário ou longo nos desfechos dos pacientes.


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Conclusão

Não houve diferenças significativas na demografia dos pacientes durante a pandemia de COVID-19. Atrasos no tratamento cirúrgico de rupturas agudas e traumáticas desde o momento do diagnóstico via RM foram observados, mas o tempo desde o momento da lesão não foi significativamente diferente entre as coortes de 2019 e 2020. Nossos dados sugerem que estas lesões ainda puderam ser tratadas em tempo hábil durante a pandemia e que a utilização de consultas pós-operatórias por telemedicina não causou alterações significativas nas complicações em curto prazo.


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Conflito de Interesses

Cagle, P. J., MD – Stryker: Consultor

Johnson & Johnson: Consultor

Parsons B. O., MD – Arthrex: Consultor

Os outros autores não têm conflitos de interesse ou fontes de financiamento a declarar.

Suporte Financeiro

O presente estudo não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.


Estudo desenvolvido no Departamento de Cirurgia Ortopédica, Icahn School of Medicine at Mount Sinai, Nova York, NY, Estados Unidos.


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Endereço para correspondência

Liam R. Butler, BS
Department of Orthopaedic Surgery, Icahn School of Medicine at Mount Sinai
425 West 59th Street, New York, NY 10019
Estados Unidos   

Publication History

Received: 26 October 2021

Accepted: 28 March 2022

Article published online:
10 June 2022

© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

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