Palavras-chave
lordose - vértebras lombares - fusão vertebral - adulto jovem
Introdução
A capacidade de manter a postura ereta é o resultado do bom equilíbrio articular do
complexo espinopélvico.[1]
[2] O equilíbrio sagital (SB, na sigla em inglês) descreve estas características morfológicas
e posicionais da coluna e da pelve no plano sagital.[2]
[3] Diversos parâmetros do SB interagem entre si de forma bem estudada e previsível.[1]
[4]
[5]
[6] A incidência pélvica (PI, na sigla em inglês), sendo estática e específica para
cada indivíduo, é considerada um parâmetro fundamental na determinação da forma da
coluna lombotorácica.[7]
[8]
[9] Valores menores de PI tendem a levar à redução tanto da lordose lombar quanto da
cifose torácica (e vice-versa). No entanto, a pelve também permite o ajuste posicional.
Com a coluna rígida, o único mecanismo para correção do desequilíbrio sagital é a
rotação da pelve em retroversão ou anteversão. Os dois parâmetros pélvicos posicionais,
inclinação sacral (SS, na sigla em inglês) e inclinação pélvica (PT, na sigla em inglês),
têm uma relação aritmética com a PI por meio da equação PI = PT + SS.[1]
[6] Assim, a retroversão pélvica máxima (SS = 0 e PT = PI) é limitada pelo valor de
PI. Diversas patologias e variações anatômicas podem provocar o desequilíbrio sagital
da coluna vertebral; por outro lado, a desregulação do SB é considerada uma importante
causa de lombalgia e um importante fator mecânico na progressão degenerativa.[1]
[10]
[11]
Os nódulos de Schmorl (NS), descritos pela primeira vez em 1927, são a herniação do
núcleo pulposo no osso subcondral da placa terminal vertebral.[12] As taxas de prevalência na literatura são muito variáveis, de 3,8 a 77%.[13]
[14]
[15]
[16]
[17] Os NSs predominam em homens e apresentam alta hereditariedade; com frequência, acometem
a coluna torácica inferior e a lombar superior.[12]
[15]
[18]
[19] Sua fisiopatologia ainda é incerta e estas lesões são geralmente consideradas achados
incidentais e idiopáticos na prática clínica. Acreditava-se que esta hérnia ocorria
durante a ossificação osteocondral.[12]
[17] Desde então, várias outras etiologias foram propostas, inclusive traumática, congênita,
do desenvolvimento, metabólica e genética.[14]
[17]
[20]
[21] A formação de NSs também tem sido associada ao tabagismo e a doenças vasculares.[22] Recentemente, Plomp et al.[14] mostraram uma correlação entre NSs e a morfologia vertebral.[14]
[21] Estes autores observaram que corpos vertebrais maiores e mais circulares, com pedículos
mais curtos, parecem aumentar o risco de hérnia de disco na placa terminal vertebral.
Embora os NSs tivessem pouca relevância clínica no passado, estas lesões têm estado
em foco na literatura recente. Diversos relatos e estudos associaram o NS a lombalgia,
degeneração discal, alterações de Modic, fenômeno do disco a vácuo e maior risco de
fraturas vertebrais.
[16],[19]
[22]
[23]
[24] Até onde sabemos, a relação entre NSs e SB ainda não foi explorada e pareceu imperativo
compreender as características e correlações do SB em adultos jovens com NSs. Assim,
o presente estudo tem como objetivo caracterizar e comparar o equilíbrio espinopélvico
sagital de uma amostra de adultos jovens com NS com um grupo controle para evidenciar
possíveis alterações e promover a investigação científica sobre o assunto.
Materiais e Métodos
Este é um estudo transversal com 47 adultos jovens. Pacientes entre 18 e 45 anos que
necessitaram de uma consulta com um cirurgião ortopédico da coluna por dor lombar
e foram submetidos a uma ressonância magnética (RM) lombar e a radiografias de coluna
completa em pé, de 2012 a 2016, foram incluídos de forma consecutiva. Indivíduos com
histórico de doença degenerativa, traumatismo, infecção e tumor na coluna, cirurgia
espinhal prévia, deformidades congênitas estruturais e patologia do quadril foram
excluídos do estudo.
Os dados foram adquiridos retrospectivamente a partir dos prontuários médicos do paciente.
Informações sobre idade, altura, peso e índice de massa corporal (IMC) foram obtidas.
Todos os dados radiológicos foram avaliados às cegas. As RMs foram avaliadas por dois
observadores e as discrepâncias foram resolvidas por consenso. As medidas radiográficas
foram determinadas duas vezes por um autor e o valor médio foi utilizado. A presença
de NS foi avaliada na RM sagital ponderada em T2 ([Fig. 1]). Os pacientes foram divididos em um grupo de estudo com NS presente à RM (n = 21) e um grupo controle (n = 26). As medidas radiográficas foram realizadas em radiografias completas de coluna
em perfil em pé de ambos os grupos, adquiridas de acordo com o protocolo regular.
Os seguintes parâmetros espinhais e pélvicos foram analisados ([Fig. 1]):
-
- Eixo vertical sagital (SVA, na sigla em inglês), definido como o deslocamento horizontal do canto posterosuperior
S1 até a linha vertical que passa pelo centro do corpo vertebral de C7, em milímetros.
-
- Cifose torácica (TK, na sigla em inglês), definida como o ângulo entre a placa terminal superior
de T4 e a placa terminal inferior de T12.
-
- Lordose lombar (LL), definida como o ângulo entre a placa terminal superior de L1 e a placa terminal
superior de S1.
-
- Incidência pélvica (PI, na sigla em inglês), definida como o ângulo entre a linha perpendicular à placa
terminal sacral e a linha que une seu ponto médio ao eixo da cabeça do fêmur.
-
- Inclinação pélvica (PT, na sigla em inglês), definida como o ângulo entre a linha que liga o ponto médio
da placa sacral ao eixo da cabeça do fêmur e o plano vertical.
-
- Inclinação sacral (SS), definida como o ângulo entre a placa terminal sacral e o plano horizontal.
Fig. 1 Exemplo de paciente com nódulos de Schmorl à ressonância magnética (esquerda); medida dos parâmetros da coluna vertebral e pélvica em uma radiografia lateral
da coluna vertebral em pé (direita).
Os parâmetros de SB foram medidos com o software Surgimap (Nemaris Inc., Nova York,
NY, EUA). A análise estatística foi realizada com o IBM SPSS Statistics for Windows,
versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). Testes paramétricos (testes t de Student para amostras independentes) compararam as variáveis da escala paramétrica
dos dois grupos. O coeficiente de correlação de Pearson determinou a força da relação
linear entre as variáveis da escala paramétrica. O nível de significância para todos
os testes estatísticos foi estabelecido em p < 0,05. A confidencialidade dos dados foi assegurada por seu acesso apenas pelos
investigadores principais. O Comitê de Ética institucional aprovou a realização do
presente estudo. No presente estudo, a obtenção de consentimento livre e esclarecido
não foi necessária.
Resultados
No total, 47 pacientes foram incluídos no estudo, sendo 72,3% do sexo feminino (n = 34). A média de idade foi de 28,2 anos e a do IMC foi de 22,9 kg/m2. Os grupos não apresentaram diferenças significativas de gênero, idade ou IMC ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Grupo NS
(n = 21)
|
Grupo controle
(n = 26)
|
valor-p
|
Idade (anos)[*]
|
28,1 (6,7)
|
28,3 (7,7)
|
0,935
|
IMC (kg/m2)[*]
|
21,8 (7,1)
|
23,8 (3,7)
|
0,332
|
Gênero (feminino)
|
66,7% (n = 14)
|
76,9% (n = 20)
|
0,435
|
Em relação aos parâmetros de SB medidos, o ângulo médio de LL foi de 54,5° no grupo
NS e de 64,3° no grupo controle (p < 0,001); a SS média foi de 36,2° no grupo NS e de 41,4° no grupo controle (p = 0,016) ([Tabela 2]). Não houve diferenças significativas entre os grupos nas medidas de SVA, TK, PI
ou PT ([Fig. 2]).
Fig. 2 Representação dos parâmetros de equilíbrio sagital no grupo controle e no grupo com
nódulos de Schmorl (NS). A lordose lombar e a inclinação sacral foram significativamente
diferentes entre os grupos. SVA, Eixo vertical sagital; TK, cifose torácica; LL, lordose
lombar; PI, incidência pélvica; PT, inclinação pélvica; SS, inclinação sacral.
Tabela 2
Medida
|
Grupo NS
|
Grupo controle
|
valor-p
|
SVA
|
- 33,1° (28,3)
|
- 40,3° (24,1)
|
0,363
|
TK
|
25,3° (11,3)
|
32,6° (6,1)
|
0,096
|
LL
|
54,5° (8,2)
|
64,3° (8,2)
|
< 0,001
|
PI
|
46,5° (12,5)
|
51,4° (9,1)
|
0,143
|
PT
|
11,9° (7,1)
|
10,0° (5,5)
|
0,335
|
SS
|
36,2° (7,7)
|
41,4° (6,1)
|
0,016
|
O grupo controle e o grupo NS apresentaram correlações positivas significativas e
moderadas a fortes entre LL e SS (r = 0,707 e r = 0,540, respectivamente), PI e PT (r = 0,744 e r = 0,812, respectivamente) e PI e SS (r = 0,812 e r = 0,672, respectivamente). O grupo NS também apresentou correlações positivas significativas
entre os ângulos de SVA e TK (r = 0,756), SVA e LL (r = 0,769), TK e LL (r = 0,896) e LL e PI (r = 0,380).
Discussão
No presente estudo, LL e SS foram significativamente menores em pacientes com NS.
Este achado revela que a coluna destes pacientes é mais plana e que sua pelve é mais
vertical. Estas características mostram uma tendência para o perfil sagital descrito
em pacientes com lombalgia, hérnia de disco e degeneração discal – uma coluna mais
reta com diminuição tanto da LL quanto da SS (costas planas).[1]
[6]
[11]
[25] Embora as alterações de SB encontradas tenham sido menores (9,8° em LL e 5,2° em
SS), elas podem ser as primeiras anomalias e ter maior impacto clínico posteriormente.
Os dois grupos apresentaram fortes correlações positivas em PI-PT e PI-SS, concordando
com a equação de PI = PT + SS.[1]
[6] Além disso, os dois grupos apresentaram correlação de LL-SS, um achado bem descrito
na literatura.[6] Alguns parâmetros foram significativamente correlacionados apenas no grupo NS: SVA-TK,
SVA-LL, TK-LL e LL-PI. As fortes associações entre estes parâmetros indicam que o
perfil sagital identificado é de fato característico de todo o grupo NS. No entanto,
o SVA não diferiu de forma significativa entre os dois grupos, sugerindo que todos
conseguiram manter a coluna bem equilibrada por meio de mecanismos compensatórios.
Nosso delineamento experimental não permite suposições sobre a relação causal entre
SB e NS. Embora o NS possa ter etiologia multifatorial, acredita-se que seu desenvolvimento
seja precoce, durante a ossificação osteocondral, e frequente em indivíduos com coluna
vertebral saudável e bem equilibrada.[13]
[17]
[19] Barrey et al.[11] mostraram que pacientes mais jovens com lesão discal apresentaram menores valores
de PI, presumindo que o SB influencia o desenvolvimento de hérnia ou a degeneração
discal. Como a PI não teve diferenças significativas entre os dois grupos na nossa
amostra, é possível que NS afete o SB e não o contrário.
Vários estudos relatam uma associação entre NS e patologia de disco. Embora deva haver
etiologias compartilhadas em relação à doença discal, a resultante horizontalização
dos discos intervertebrais aumenta a carga mecânica e a pressão sobre o disco, o que
pode aumentar o risco de degeneração discal precoce.[1]
[6]
[11] Assim, acreditamos que as alterações de SB observadas no grupo NS podem explicar
parcialmente a ligação entre NS e a patologia discal.
A principal limitação do presente estudo é o pequeno tamanho da amostra (devido aos
rigorosos critérios de inclusão e exclusão). Apesar da ausência de diferenças de gênero
estatisticamente significativas entre os grupos, o aumento da prevalência de pacientes
do sexo feminino no grupo controle pode ser um viés para as medidas de equilíbrio
sagital. Também não foi avaliada a influência do número ou da localização dos NSs.
Além disso, nossa amostra foi composta por pacientes sintomáticos (o que poderia introduzir
um viés) e, como os dados basais coletados eram limitados, outros possíveis fatores
associados à doença do disco (como tabagismo, trabalho intenso ou fragilidade óssea)
não foram considerados.
Conclusões
O estudo do SB é uma importante ferramenta para entender o comportamento mecânico
da coluna e a fisiopatologia de diversas doenças da coluna. Neste estudo, os pacientes
com NS apresentaram um perfil particular de SB, caracterizado por diminuição da lordose
lombar e inclinação sacral em comparação ao grupo controle. Nossos resultados mostram
que os NS podem ser achados clínicos relevantes, que podem sinalizar o risco de variações
do SB associadas à degeneração discal precoce; logo, sua presença deve desencadear
uma avaliação do SB. Mais estudos são necessários para compreender plenamente as relações
entre NS e SB, assim como o seu papel em outras doenças da coluna vertebral.