CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(06): 930-940
DOI: 10.1055/s-0042-1744293
Artigo Original
Coluna

Antropometria sacropélvica na população portuguesa e sua importância na colocação de parafusos em cirurgias da coluna vertebral: Análise retrospectiva de um único centro

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
1   Departamento de Ortopedia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
,
André Oliveira Maçães
1   Departamento de Ortopedia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
2   Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Porto, Portugal
,
Carolina Luisa Lemos
2   Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Porto, Portugal
3   Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), Universidade do Porto, Porto, Portugal
,
1   Departamento de Ortopedia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
2   Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Porto, Portugal
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Resumo

Objetivo O objetivo deste estudo foi avaliar a antropometria sacropélvica da população portuguesa por meio de exames de tomografia computadorizada (TC).

Métodos Quarenta TCs pélvicas foram analisadas para determinação do comprimento e ângulo das trajetórias definidas dos parafusos, como trajetória anterior (S1A), anterolateral (S1AL) e anteromedial (S1AM) do parafuso no pedículo de S1, trajetória anterolateral (S2AL) e anteromedial (S2AM) do parafuso no pedículo de S2 e trajetória ilíaca alar (S2AI), ilíaca e sacroilíaca (SI) do parafuso em S2. Comparações entre sexos também foram realizadas.

Resultados O comprimento médio da trajetória S1A foi de 30,80 mm. O comprimento médio e o ângulo lateral de S1AL foram de 36,48 mm e 33,13°, respectivamente, e de S1AM, 46,23 mm e 33,21°. O comprimento médio e o ângulo lateral de S2AL foram de 28,66 mm e 26,52° e, de S2AM, 29,99 mm e 33,61°. O comprimento médio da trajetória ilíaca alar e os ângulos lateral e caudal do parafuso em S2 foram de 125,84 mm, 36,78° e 28,66°, respectivamente. O comprimento médio da trajetória ilíaca e os ângulos lateral e caudal foram 136,73 mm, 23,86° e 24,01°, respectivamente. O comprimento da trajetória sacroilíaca foi de 75,50 mm. O comprimento dos parafusos foi maior em homens do que em mulheres, à exceção dos parafusos S1A e SI, que não apresentaram diferenças entre os sexos.

Conclusão Este estudo descreve as especificações anatômicas sacropélvicas. Esses detalhes morfométricos definidos devem ser considerados durante os procedimentos cirúrgicos.


#

Introdução

O sacro é um osso irregular composto pela fusão de cinco vértebras com processos transversais, formando duas grandes massas ósseas laterais chamadas asas. As cinco vértebras diminuem gradualmente de diâmetro em direção à sua extremidade caudal, o que confere uma aparência triangular invertida única, com uma concavidade anterior e uma convexidade posterior. O canal sacral, de configuração triangular, passa pelo centro do corpo do sacro e é a continuação do canal vertebral lombar. Termina inferiormente no hiato sacral e contém raízes nervosas sacrais e coccígeas, meninges espinhais (à altura de S2) e o filo terminal. O sacro, ao atuar como a base da coluna, transmite o estresse entre a coluna e a pelve por meio das articulações sacroilíacas.[1]

A instrumentação lombossacropélvica é frequentemente realizada em lesões do anel pélvico posterior, como luxações da articulação sacroilíaca, fraturas sacrais instáveis, escoliose, espondilolistese e outras formas de deformidade ou instabilidade, além de construtos de fusão longa. Essas indicações requerem instrumentação espinopélvica para restauro do alinhamento ideal da coluna pélvica com o membro inferior, levando à fixação lombossacral segura e com resistência aos movimentos de flexão do cantiléver, o que reduz o risco de falha e permite a boa sustentação de peso.[2]

Na correção de lesões da coluna, a preservação da mobilidade da coluna inferior pode provocar falha do implante, fratura de haste, pseudoartrose, ou déficits neurológicos. Portanto, a extensão da fusão da coluna ao sacro representa uma melhora significativa nos desfechos clínicos e diminui as complicações maiores. A fixação lombopélvica produz uma artrodese da junção lombossacral que imobiliza as articulações à altura da fusão.

A estabilização por meio de instrumentação pélvica é recomendada aos pacientes com necessidade de realinhamento sagital e/ou descompressão neurológica da coluna vertebral, principalmente aqueles submetidos à osteotomia de subtração pedicular.[3] Nos casos de espondilolistese de alto grau, o tratamento cirúrgico é associado a altas taxas de arrancamento do parafuso e perda da redução quando a instrumentação é feita sem fixação sacropélvica. Essa fixação pode melhorar os desfechos e reduzir as complicações neurológicas. Os pacientes com deformidades neuromusculares, como escoliose, precisam de correção da obliquidade pélvica e, assim, de maior fixação pélvica, já que a fixação lombar ou sacral é muitas vezes insuficiente, em especial quando a deformidade atinge os níveis inferiores da coluna lombar.[1]

A intervenção rápida é essencial em pacientes com múltiplas lesões por traumatismo de alta energia e fraturas sacrais instáveis ou luxação da articulação sacroilíaca. A fratura do sacro pode causar lesões nas estruturas neurovasculares adjacentes, levando à instabilidade hemodinâmica.[4] Embora a estabilização pélvica com fixação externa possa ser realizada em emergências, a instrumentação iliossacral ou espinopélvica pode ser necessária como tratamento definitivo para permitir a descarga de peso mais rápida e evitar as complicações relacionadas à imobilização prolongada (trombose venosa profunda, pneumonia, úlceras de decúbito, entre outras).[3]

A instrumentação do sacro é um desafio. Devido à sua inclinação, movimentos em diferentes planos exercem enorme pressão sobre esse osso. Além disso, durante a abordagem posterior ao sacro, a fixação com parafusos pode colocar em risco estruturas anatômicas anteriores caso um implante penetre a área cortical anterior.

O objetivo deste estudo foi avaliar a antropometria sacro-pélvica na população portuguesa por meio do estudo de tomografias computadorizadas (TCs) da pelve em prontuários clínicos e de imagem dos pacientes e analisar sua implicação na colocação dos parafusos, em especial comprimento e orientação, para auxiliar a cirurgia


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Métodos

Este estudo é uma revisão retrospectiva dos prontuários clínicos de 53 pacientes de um único centro. O banco de dados SECTRA IDS7 versão 17.3.2086 (Sectra AB, Linköping, Suécia) foi utilizado. A população selecionada incluiu todos os pacientes no banco de dados categorizados como submetidos a uma TC pélvica de 25 de novembro de 2019 a 29 de fevereiro de 2020. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local (REF: 2019.354(289-DEFI/308-CE).

Dos 53 pacientes, 13 foram excluídos pelos seguintes motivos: TC incompleta/ausente, fraturas ativas, neoplasias ósseas, osteomielite, distúrbios osteopênicos (osteoporose, osteomalácia), escoliose lombar (ângulo de Cobb acima de 20°), espinha bífida, implantes espinhais ou pélvicos in situ, idade inferior a 18 anos e histórico de cirurgia lombossacropélvica

As demais TCs de 40 pacientes, foram analisadas com execução dos arquivos Digital Imaging and Communications in Medicine (DICOM) em software Surgimap v2.3.2.1 (Nemaris Inc., Nova York, NY, EUA).

As medidas da antropometria sacropélvica foram baseadas nas trajetórias pré-definidas dos parafusos, como trajetória anterior (S1A), anterolateral (S1AL) e anteromedial (S1AM) do parafuso no pedículo de S1, trajetória anterolateral (S2AL) e anteromedial (S2AM) do parafuso no pedículo de S2, e trajetória ilíaca alar (S2AI), ilíaca e sacroilíaca (SI) do parafuso em S2.

As trajetórias foram medidas no lado direito de cada pelve por dois investigadores para reduzir o viés e minimizar erros. Cada medida foi então confirmada e reanalisada como necessário. Todas as medidas foram realizadas sem atravessar a camada cortical do osso, mas com o comprimento máximo permitido. Além do comprimento, também foram medidos os ângulos lateral e caudal, nos planos axial e sagital, respectivamente, de acordo com a trajetória. Além disso, em todas as trajetórias, a largura suficiente do corredor ósseo foi assegurada para permitir a perfuração por parafusos com, no mínimo, 6 mm de diâmetro.

Parafusos no pedículo de S1

Três trajetórias foram analisadas. A trajetória S1A seguia da junção da asa do sacro ao corpo vertebral e fazia um ângulo de 90° com a linha horizontal no plano axial ([Fig. 1]). A trajetória S1AL era direcionada para a asa do sacro ([Fig. 2]), e a S1AM ia para o promontório do sacro ([Fig. 3]).

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Fig. 1 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1A. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 2 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1A. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 3 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1AM. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.

O ponto de partida utilizado foi o aspecto inferolateral da articulação facetária de S1.


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Parafusos no pedículo de S2

O ponto de partida de ambas as trajetórias dos parafusos no pedículo de S2 foi a fusão entre a lâmina sacral e a asa lateral do sacro; S2AL seguia em direção lateral ([Fig. 4]) e S2AM, em direção medial ([Fig. 5]).

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Fig. 4 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AL. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 5 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AM. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.

As medidas das trajetórias em S1 e S2 foram realizadas após seu alinhamento paralelamente à placa terminal superior no plano sagital, o que permite a redução de fraturas do parafuso em carga axial e proporciona maior estabilidade.


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Trajetória ilíaca alar do parafuso em S2

O ponto inicial da trajetória S2AI foi 1 mm inferior e 1 mm lateral ao forame dorsal de S1. A direção foi baseada no ângulo lateral e caudal descritos na literatura ([Fig. 6]). Os ângulos laterais médios utilizados como referência foram de 32,40 a 52,20° e os ângulos caudais médios foram de 27,50 a 39°.

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Fig. 6 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AI. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.

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Parafuso ilíaco

O ponto de partida da trajetória ilíaca foi a espinha ilíaca póstero-superior (EIPS) à espinha ilíaca ântero-inferior (EIAI) sem atravessar a camada cortical ([Fig. 7]).

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Fig. 7 Ilustração da medida da trajetória do parafuso ilíaco. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.

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Parafuso sacroilíaco

O ponto de partida do parafuso SI foi a face externa do ílio, 3 cm em sentido anterior à PSIS e 4 cm em sentido cefálico à incisura isquiática maior, por meio do corredor ósseo do ílio, articulação sacroilíaca, asa do sacro e promontório sacral, através da articulação de S1. O parafuso foi direcionado perpendicularmente à superfície externa da face ([Fig. 8]).

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Fig. 8 Ilustração da medida da trajetória do parafuso sacroilíaco, vista axial.

#
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Métodos estatísticos

As correlações interobservadores foram determinadas por meio da estimativa do α de Cronbach e da matriz de intercorrelação.

Para melhor compreensão dos resultados obtidos, os comprimentos e ângulos médios em cada sexo também foram calculados e, a seguir, comparados por meio do teste t para amostras independentes para identificação de diferenças estatisticamente significativas. O valor de p < 0,05 foi considerado significativo

Os dados foram coletados em Microsoft Excel versão 2013 (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA) e transferidos para o programa IBM SPSS Statistics for Windows, versão 26.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) para estatística descritiva e analítica.


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Resultados

A população estudada foi composta por 24 homens e 16 mulheres (60% e 40%, respectivamente). A média de idade da população na data da coleta de dados foi de 63,88 anos ([Tabela 1]).

Tabela 1

N

Idade (média ± desvio-padrão)

Total

40

63,88 ± 15,23

Masculino

24

65,50 ± 15,18

Feminino

16

61,44 ± 15,46

Houve boa correlação (α > 0,5) entre as medidas de comprimento e ângulo realizadas pelos dois investigadores à exceção do comprimento do parafuso S2AL ([Tabela 2]).

Tabela 2

Trajetória do parafuso

Confiabilidade interobservador

Ângulos da trajetória

Confiabilidade interobservador

S1A

0,596

S1AL

0,843

Lateral

0,756

S1AM

0,689

Lateral

0,701

S2AL

0,280

Lateral

0,516

S2AM

0,806

Lateral

0,554

S2AI

0,784

Lateral

0,630

Caudal

0,753

Ilíaco

0,772

Lateral

0,435

Caudal

0,546

Sacroilíaco

0,806

O comprimento médio e a angulação média de cada trajetória ([Tabela 3]) de cada paciente e sexo ([Tabela 4]) foram calculados.

Tabela 3

N

Mínimo

Máximo

Média

Desvio padrão

Comprimento de S1A

40

23,50

39,50

30,80

3,31

Comprimento de S1AL

40

27,50

49,50

36,48

5,39

Ângulo de S1AL

40

20,50

46,00

33,13

6,06

Comprimento de S1AM

40

39,50

53,00

46,23

3,36

Ângulo de S1AM

40

25,00

41,00

33,21

3,86

Comprimento de S2AL

40

23,50

36,50

28,66

2,46

Ângulo de S2AL

40

18,50

33,25

26,52

3,31

Comprimento de S2AM

40

24,25

42,00

29,99

4,05

Ângulo de S2AM

40

25,00

42,75

33,61

3,53

Comprimento de S2 alar

40

106,50

145,00

125,84

8,19

Ângulo lateral de S2 alar

40

29,75

46,25

36,78

3,27

Ângulo caudal de S2 alar

40

15,75

39,75

28,66

5,78

Comprimento do parafuso ilíaco

40

120,00

156,00

136,73

8,75

Ângulo lateral do parafuso ilíaco

40

17,00

30,25

23,86

3,00

Ângulo caudal do parafuso ilíaco

40

14,25

33,25

24,013

5,34

Comprimento do parafuso sacroilíaco

40

62,0

83,50

75,50

4,75

Tabela 4

N

Sexo

Média

Desvio padrão

Erro médio padrão

S1A

24

M

31,35

3,50

0,71

16

F

29,97

2,91

0,73

S1AL

24

M

38,26

5,58

1,14

16

F

33,81

3,88

0,97

Ângulo de S1AL

24

M

32,73

5,74

1,17

16

F

33,73

6,66

1,67

S1AM

24

M

47,58

3,15

0,64

16

F

44,19

2,62

0,65

Ângulo de S1AM

24

M

33,84

3,85

0,79

16

F

32,27

3,80

0,95

S2AL

24

M

29,35

2,56

0,52

16

F

27,63

1,93

0,48

Ângulo de S2AL

24

M

27,11

3,23

0,66

16

F

25,63

3,32

0,83

S2AM

24

M

31,01

4,41

0,90

16

F

28,45

2,96

0,74

Ângulo de S2AM

24

M

33,10

2,33

0,48

16

F

34,36

4,80

1,20

S2AI

24

M

128,83

7,61

1,55

16

F

121,34

7,06

1,76

Ângulo lateral de S2AI

24

M

36,79

3,17

0,65

16

F

36,77

3,51

0,88

Ângulo caudal de S2AI

24

M

28,18

6,09

1,24

16

F

29,39

5,38

1,34

Parafuso ilíaco

24

M

140,69

7,80

1,59

16

F

130,78

6,57

1,64

Ângulo lateral do parafuso ilíaco

24

M

23,98

2,70

0,55

16

F

23,69

3,48

0,87

Ângulo caudal do parafuso ilíaco

24

M

24,15

5,09

1,04

16

F

23,81

5,85

1,46

Parafuso sacroilíaco

24

M

75,35

4,56

0,93

16

F

75,72

5,18

1,29

A correlação entre homens e mulheres demonstrou que o comprimento médio dos parafusos S1AL, S1AM, S2AL, S2AM, S2AI e ilíaco no sexo masculino foi maior do que no sexo feminino (p < 0,05). O comprimento dos parafusos S1A e SI e os ângulos não apresentaram diferenças significativas na comparação entre os sexos ([Tabela 5]).

Tabela 5

Significado (bicaudal)

Diferença média

Diferença de erro padrão

S1A

0,198

1,39

1,06

S1AL

0,009

4,45

1,61

Ângulo de S1AL

0,614

−1,01

1,98

S1AM

0,001

3,40

0,95

Ângulo de S1AM

0,209

1,59

1,24

S2AL

0,027

1,73

0,75

Ângulo de S2AL

0,166

1,49

1,05

S2AM

0,049

2,56

1,26

Ângulo de S2AM

0,276

−1,26

1,14

S2AI

0,003

7,49

2,39

Ângulo lateral de S2AI

0,981

0,03

1,07

Ângulo caudal de S2AI

0,522

−1,21

1,88

Parafuso ilíaco

0,000

9,91

2,37

Ângulo lateral do parafuso ilíaco

0,767

0,29

0,98

Ângulo caudal do parafuso ilíaco

0,849

0,33

1,74

Parafuso sacroilíaco

0,816

−0,36

1,55


#

Discussão

A fixação com parafusos dos pedículos de S1 e S2 tem sido relativamente bem-sucedida, em especial na coluna inferior. Apesar disso, este procedimento ainda é associado a falhas de instrumentação e pseudoartrose.[5]

A baixa densidade mineral óssea do sacro e as grandes cargas atuantes na coluna lombar e na pelve são responsáveis pelo alto risco de arrancamento e afrouxamento da instrumentação, principalmente em construtos de fusão longa para tratamento de espondilolistese ou escoliose. Por isso, algumas técnicas foram modificadas para melhorar a força de fixação, dar suporte biomecânico adequado e diminuir as taxas de falha da fixação do parafuso. Essas técnicas são o parafuso S2AI e o parafuso ilíaco, que reduzem a tensão no parafuso S1/S2. As taxas de fusão na junção lombossacral melhoraram mais de 90% com a utilização dessas duas técnicas.[1]

Além disso, o tratamento de lesões como fraturas do anel pélvico posterior e luxação da articulação sacroilíaca é difícil porque a pelve tem uma superfície cortical irregular e complexa e é uma estrutura que suporta 70% do peso corpóreo. O desequilíbrio dinâmico da pelve causado por má redução da fratura geralmente leva ao desenvolvimento de disfunções da sustentação de peso, que também são complicações graves. Diante disso, os cirurgiões ortopédicos ainda enfrentam desafios para redução de alta qualidade do anel pélvico posterior.[6]

Como as técnicas de instrumentação sacral são cada vez mais sofisticadas, é de vital importância ter referências anatômicas, principalmente relacionadas ao comprimento e ângulo de inserção do parafuso, para reduzir complicações, proporcionar maior estabilidade de carga na pelve e manter a segurança do paciente.

Diversos estudos descreveram as características antropométricas das trajetórias de alguns parafusos sacropélvicos. Apesar disso, nenhum deles fez uma descrição completa das trajetórias de todos os parafusos principais na mesma população. Ademais, não existem referências anatômicas para a colocação de parafusos sacropélvicos na população portuguesa. Logo, é importante fornecer essas referências e integrar esse conhecimento à literatura internacional ([Tabela 6]).[5] [7] [8] [9] [10] [11]

Tabela 6

Artigos

Trajetória

Este estudo

Xu et al.[16]

Asher et al.[8]

Ota et al.[5]

Zhu et al.[11]

Berry et al.[9]

Ebraheim et al.[17]

Sexo

Total

S1A

M

31,35

30,80

30

F

29,97

S1AL

M

38,26

36,48

39

F

33,81

37

Ângulo de S1AL

M

32,73

36,48

25

F

33,73

S1AM

M

47,58

46,23

50

46

F

44,19

47

Ângulo de S1AM

M

33,84

33,21

35

23

F

32,27

S2AL

M

29,35

28,66

34

F

27,63

Ângulo de S2AL

M

27,11

26,52

30

F

25,63

S2AM

M

31,01

29,99

32

F

28,45

Ângulo de S2AM

M

33,10

33,61

30

F

34,36

S2AI

M

128,83

125,84

121

F

121,34

116

Ângulo lateral de S2AI

M

36,79

36,78

37

F

36,77

46

Ângulo caudal de S2AI

M

28,18

28,66

30

F

29,39

35

Parafuso ilíaco

M

140,69

136,73

147

F

130,78

141

Ângulo lateral do parafuso ilíaco

M

23,98

23,86

F

23,69

Ângulo caudal do parafuso ilíaco

M

24,15

24,013

F

23,81

Parafuso sacroilíaco

M

75,35

75,50

80

F

75,72

Além do comprimento do parafuso, importante ao considerar a estabilidade biomecânica e o risco de lesão neurovascular, o uso da angulação adequada também deve ser considerado. Mirkovic et al.[12] concluíram que o comprimento dos parafusos sacrais de orientação lateral depende principalmente do grau de orientação; em ângulo de 30°, o comprimento médio do parafuso S1AL foi de 38 mm e, em ângulo de 45°, o comprimento foi de 44 mm. No entanto, atingir a distância máxima na trajetória do parafuso não leva ao melhor desfecho, pois os parafusos com 45° de orientação lateral para a asa do sacro tinham um alto potencial de impacto do tronco lombossacral (55%), com taxa de lesão da articulação sacroilíaca de 10% . Portanto, um parafuso mais curto, bem-posicionado, é preferível a um parafuso mais longo, mas mal colocado.

Ota et al.[5] compararam duas abordagens cirúrgicas ao ponto de entrada do parafuso no pedículo de S1 e concluíram que a técnica utilizada foi influenciada pelo ângulo de inserção do parafuso, que teve efeito na distância da trajetória. A distância de S1AM foi de 46 mm, com um ângulo de 23°, usando o mesmo ponto de entrada de nosso estudo. As medidas de S1AM, segundo Asher et al.,[9] foram 50 mm em homens e 47 mm em mulheres, com angulação pré-determinada de 35°. De modo geral, é aceito que a trajetória anteromedial proporciona maior estabilidade do que S1A e S1AL, pois a densidade óssea na região central do sacro é de 30 a 60% maior do que na asa sacral.[5] Aqui, o comprimento e o ângulo foram 48 mm e 34° e 44 mm e 33° em homens e em mulheres, respectivamente.

Berry et al.[10] analisaram duas trajetórias para a colocação do parafuso ilíaco: o ponto de partida foi da EIPS até a EIAI ou a borda superior do acetábulo, medindo 147 mm em homens e 141 mm em mulheres ou 128 mm em homens e 124 mm em mulheres, respectivamente. O estudo concluiu que a trajetória até a EIAI era mais segura por ser mais longa, enquanto, inversamente, a outra trajetória apresentava risco de penetração acetabular.[10] Portanto, em nosso estudo, a trajetória utilizada foi até EIAI, e a distância medida foi de 141 mm no sexo masculino e 131 mm no sexo feminino. Os ângulos lateral e caudal medidos foram de 24° em ambos os sexos.

O parafuso ilíaco tem sido bastante empregado, mas seu ponto de entrada na EIPS requer dissecção considerável dos tecidos moles para remoção do bloco ósseo e sua inserção, o que pode aumentar o risco de complicações da ferida e a dor pós-operatória secundária à extensa manipulação dessas estruturas.[13] Estudos anteriores mostraram que 44% dos pacientes tratados com parafusos ilíacos apresentaram complicações relacionadas à falha do implante ou proeminência sobre a EIPS.[7] O parafuso S2AI foi recentemente descrito para evitar alguns dessas problemas.[14] Seu ponto de entrada é medial ao parafuso ilíaco, exigindo menos dissecção de partes moles e evitando proeminências de instrumentação, entre outras vantagens.[13]

O dismorfismo sacral é definido por variações na anatomia sacral normal, como asa sacral angulada e inclinada para cima, processos transversos denominados “corpos mamilares”, espaço discoide incompleto no segmento sacral superior, forames neurais sacrais superiores deformados, de aparência não circular, e ondulações nas superfícies articulares sacroilíacas.[15] Neste estudo, o dismorfismo sacral não foi um critério de exclusão porque quase metade (44%) da população adulta o apresenta.[16] A trajetória do parafuso sacroilíaco é a mais afetada pelo dismorfismo sacral. Em sacros dismórficos, a zona segura do segmento sacral superior é significativamente menor e de orientação mais oblíqua, o que pode dificultar a colocação adequada do parafuso. No entanto, o corredor ósseo ainda é grande o suficiente para acomodar um parafuso iliossacral em quase todos os pacientes. O corredor ósseo é largo o suficiente (> 7,5 mm) para fixação do parafuso sacroilíaco oblíquo na vértebra S1 em 97% dos homens e 94% das mulheres com pelve dismórfica.[17]

Portanto, a exclusão desses casos não constituiria vantagem nem permitiria que a amostra fosse representativa da população.

Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, apenas o lado direito da pelve do paciente foi medido. Em segundo lugar, enquanto o software Surgimap é confiável e fácil de usar, todas as medidas foram feitas manualmente e dependem do investigador. Para superar essa limitação, dois investigadores independentes mediram os comprimentos e ângulos da trajetória do parafuso e a concordância de todas as medidas, exceto uma, foi boa.


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Conclusão

Este estudo descreve especificações anatômicas sacropélvicas. Os detalhes morfométricos definidos devem ser considerados durante procedimentos cirúrgicos.


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Conflito de interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Informações financeiras

Os autores não têm informações financeiras a declarar.


Trabalho desenvolvido no Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal. Os autores Catarina da Silva Pereira e André Oliveira Maçães contribuíram igualmente na produção deste manuscrito.


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Endereço para correspondência

Ricardo Rodrigues-Pinto, MD, PhD
Diretor da Unidade Vertebro-Medular (UVM), Departamento de Ortopedia, Centro Hospitalar do Porto
Largo do Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto
Portugal   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 14. Juni 2021

Angenommen: 20. Januar 2022

Artikel online veröffentlicht:
25. April 2022

© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
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Fig. 1 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1A. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 2 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1A. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 3 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S1AM. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 4 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AL. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 5 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AM. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 6 Ilustração da medida da trajetória do parafuso S2AI. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 7 Ilustração da medida da trajetória do parafuso ilíaco. a) Incidência axial; b) Incidência sagital.
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Fig. 8 Ilustração da medida da trajetória do parafuso sacroilíaco, vista axial.
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Fig. 1 Illustration of the measurement of the S1A screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 2 Illustration of the measurement of the S1AL screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 3 Illustration of the measurement of the S1AM screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view
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Fig. 4 Illustration of the measurement of the S2AL screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 5 Illustration of the measurement of the S2AM screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 6 Illustration of the measurement of the S2AI screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 7 Illustration of the measurement of the Iliac screw trajectory. a) Axial view; b) Sagittal view.
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Fig. 8 Illustration of the measurement of the Sacroiliac screw trajectory, axial view.