Keywords
intervertebral disc degeneration - lumbar vertebrae - spondylolisthesis - magnetic
resonance
Introdução
As facetas articulares conectam vértebras adjacentes, e são articulações sinoviais
que ajudam na flexão, extensão e rotação da coluna vertebral. Para cada espaço discal,
há duas articulações facetárias e um disco que, juntos, formam um tripé que cria um
segmento de movimento. As articulações faceárias suportam ∼ 33% da carga compressiva
dinâmica e 35% da carga estática.[1]
[2] O tropismo facetário (TF) é definido como uma assimetria no ângulo entre as articulações
facetárias dos lados esquerdo e direito,[3]
[4] e já se sugeriu que ele é uma importante causa de patologias discais degenerativas
lombares e espondilolestese.[5]
[6] Quando sintomática, tal condição muitas vezes requer intervenção cirúrgica. Em 1927,
Putti[7] propôs a influência de articulações zigoapofisárias assimétricas na patogênese da
dor lombar. A assimetria na orientação da faceta foi determinada como uma característica
normal em vértebras torácicas, mas não em vértebras lombares. Sugeriu-se que, no segmento
lombar, isso possa se dever à condição patológica.
Há evidências conflitantes sobre a associação entre tropismo e prolapso discal. Há
muito se pensa que a degeneração do disco na coluna vertebral pode mudar a cinemática
e a distribuição da carga, resultando em efeitos estruturais e morfológicos secundários
nas articulações facetárias e em sua orientação. Em contraste com esse ponto de vista,
a assimetria na faceta articular aumenta o movimento em determinado segmento e reduz
a tolerância às forças de cisalhamento anteriores.[8]
[9] Isso pode exacerbar o processo de degeneração tanto das articulações do disco quanto
da faceta, resultando em prolapso discal intervertebral.[4] Van Schaik et al.[10] mostraram uma relação considerável entre dor lombar e prolapso intervertebral no
nível L4-L5. Farhan e Sullivan[11] sugeriram pela primeira vez a correlação entre TF e desenvolvimento de prolapso
de disco lombar. No entanto, o papel do TF na patogênese do prolapso discal ainda
não está claro. Neste estudo, pretendemos estudar a correlação entre o tropismo nas
articulações facetárias e o prolapso discal degenerativo, assim como a associação
da gravidade do TF ao prolapso discal. Identificar o papel da inclinação facetária
no prolapso discal intervertebral pode melhorar nossa compreensão da fisiopatologia
articular facetária e melhororar o tratamento e o manejo do prolapso discal.
Métodos
Este é um estudo transversal. As imagens de ressonância magnética (RM) de pacientes
consecutivos com dor nas costas por mais de 3 meses, com ou sem radiculopatia, e idade
entre 19 e 64 anos, foram estudadas durante um período de 12 meses. Um total de 98
casos foram analisados, e os casos com cirurgia anterior da coluna lombar, deformidade
espinhal, ou trauma antigo foram excluídos.
As devidas autorizações foram obtidas do Comitê de Ética de nossa instituição (IEC
n° 2020/CE/2102). O desenho do estudo foi a avaliação retrospectiva das imagens de
RM e detalhes dos casos disponíveis para nís.
Avaliação do TF: os ângulos facetários foram avaliados por RM da coluna vertebral. Todas as RMs foram
realizadas no aparelho SIGNA 1.5T (GE Healthcare, Chicago, IL, EUA). A espessura da
fatia da imagem foi de pelo menos 3 mm. O filme da seção axial ponderada em T2 dos
níveis L3-L4, L4-L5, e L5-S1, com linhas de referência (linha de faceta e uma linha
ao longo da borda posterior do corpo vertebral) desenhadas, foi selecionado para medir
a angulação articular das facetas direita e esquerda em relação ao plano coronal que
seciona de modo rente as facetas articulares em cada nível segmentar. O ângulo da
faceta foi calculado cruzando a linha desenhada com a linha das facetas (linha que
liga as pontas anteromedial e posterolateral de facetas articulares superiores; [Fig. 1]). A medição angular foi feita manualmente com um goniômetro. O TF foi calculado
subtraindo-se o ângulo da faceta esquerda e o da direita, e o TF foi definido como
uma diferença de angulação ≥ 7° na orientação coronal dos ângulos das facetas esquerda
e direita. Usamos o método de classificação de TF/inclinação facetária (IF) de Ko
et al.,[12] da seguinte forma: grau 0 se IF ≤ 6°; grau 1 se IF entre 7° e 15°; e grau 2 se IF > 15°
([Tabela 1]). Os pacientes com graus 1 e 2 são considerados com TF, sendo o grau 2 considerado
o tipo grave.
Fig. 1 (A) Corte sagital de imagem de ressonância magnética ponderada em T2 que mostra corte
interdiscal nos níveis de L3 a S1; (B,C) imagens ponderadas em T2 de cortes axiais que mostram os ângulos das facetas esquerda
e direita e o prolapso discal com tropismo facetário em diferentes níveis. (Medição do ângulo da faceta: uma linha de referência é desenhada ao longo da borda
posterior da vértebra no plano coronal. As linhas de faceta que unem as extremidades
anteromedial e posterolateral das articulações de faceta são desenhadas em ambos os
lados cruzando a linha de referência. O ângulo entre linhas da faceta e linha de referência
coronal são ângulos de faceta).
Tabela 1
|
Explicação
|
Grau
|
Ângulo do tropismo facetário
|
|
Sem tropismo facetário (sem assimetria)
|
Grau 0
|
≤ 6°
|
|
Tropismo facetário moderado (assimetria moderada)
|
Grau 1
|
7°–15°
|
|
Tropismo facetário grave (assimetria grave)
|
Grau 2
|
≥ 16°
|
A hérnia de disco também foi avaliada nos níveis L3 a S1. Pacientes sem prolapso discal
nos níveis L3 a S1 atuaram como controles para aqueles com prolapso discal nesses
níveis. Os dados foram registrados numa planilha do Microsoft Excel (Microsoft Corp.,
Redmond, WA, EUA). A análise estatística foi feita com o programa Statistical Package
for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics for Windows, IBM Corp., Armonk, NY, EUA),
versão 22.0. Os dados foram expressos como médias e desvios padrão. A relação entre
hérnia de disco e inclinação da faceta foi avaliada por meio do teste do qui-quadrado.
A significância estatística foi estabelecida como valores de p ≤ 0,05.
Resultados
As RMs de 98 pacientes (54 homens e 44 mulheres) foram avaliadas. A idade média da
amostra foi de 42,1 anos; a dos homens foi de 42,3 anos, e a das mulheres, 41,9 anos.
Não se observou diferença significativa entre os gêneros com relação ao TF. Foram
estudados 294 níveis lombares (588 ângulos de facetas), incluindo os níveis L3 e S1.
Angulação geral da faceta articular: a inclinação média das facetas articulares direita e esquerda e os casos com IF
variável nos níveis L3 a S1 estão detalhados na [Tabela 2]. A prevalência de variabilidade na IF de acordo com a classificação do tropismo
é mostrada na [Tabela 3], que também apresenta a taxa de incidência do total de casos de TF versus os casos graves. No nível L3-L4, a taxa de TF grave foi de 8,2%, no nível L4-L5,
de 6,1%, e, no nível L5-S1, 3,1%.
Tabela 2
|
Nível do segmento
|
Ângulo da faceta (mínimo; em graus)
|
Ângulo da faceta (máximo; em graus)
|
Média do ângulo da faceta (em graus)
|
Presença de tropismo (n)
|
Ausência de tropismo (n)
|
|
L3-L4 (à direita)
|
23
|
70
|
43,2 ± 9,01
|
36
|
62
|
|
L3-L4 (à esquerda)
|
19
|
69
|
46,4 ± 9,23
|
|
L4-L5 (à direita)
|
15
|
68
|
42,7 ± 9,53
|
31
|
67
|
|
L4-L5 (à esquerda)
|
19
|
74
|
44 ± 10,01
|
|
L5-S1 (à direita)
|
17
|
56
|
39,02 ± 8,06
|
31
|
67
|
|
L5-S1 (à esquerda)
|
16
|
65
|
41,9 ± 9,31
|
Tabela 3
|
Nível do segmento
|
Grau de tropismo facetário*
|
Número de pacientes
|
Taxa de incidência
(total de casos/casos graves**; %)
|
|
L3-L4
|
0
|
62
|
36,7/8,2
|
|
1
|
28
|
|
2
|
8
|
|
L4-L5
|
0
|
66
|
32,6/6,1
|
|
1
|
26
|
|
2
|
6
|
|
L5-S1
|
0
|
67
|
31,6/3,1
|
|
1
|
28
|
|
2
|
3
|
Correlação entre TF e e hérnia de disco: a relação entre hérnia de disco lombar e IF/TF variável está descrita na [Tabela 4]. A correlação no nível L4-L5 foi a mais estatisticamente significativa (p = 0,007) seguida da correlação no nível L3-L4 (p = 0,03).
Tabela 4
|
Nível espinhal
|
Hérnia de disco –
n (%)
|
Tropismo facetário –
n (%)
|
Valor de p
|
|
Sim
|
Não
|
|
L3-L4
|
Presente
|
27 (27,6)
|
14 (51,8)
|
13 (48.2%)
|
0,038
|
|
Ausente
|
71 (72,4)
|
22 (30,9)
|
49 (69.1%)
|
|
L4-L5
|
Presente
|
35 (35,7)
|
17 (48,5)
|
18 (51.5%)
|
0,007
|
|
Ausente
|
63 (64,3)
|
13 (23,1)
|
50 (76.9%)
|
|
L5-S1
|
Presente
|
47 (47,9)
|
19 (40,4)
|
28 (59.6%)
|
0,073
|
|
Ausente
|
51 (52)
|
12 (23,5)
|
39 (76.5%)
|
Discussão
A orientação das facetas articulares tem um papel importante na compreensão da biomecânica
da região lombar da coluna. Para seus movimentos coordenados, é necessário um alinhamento
simétrico de ambos os lados da faceta articular. As facetas articulares assimétricas
resultam em carregamento anormal de segmentos de movimento espinhal. Há poucos estudos
que relatam associação entre variabilidade de IF e hérnia de disco lombar, e os resultados
não são consistentes. A orientação da faceta articular e a variabilidade bilateral
podem ser avaliadas por meio de RM sem exposição à radiação nociva.[3] O curso normal de patologias de facetas articulares não é muito claro, e alguns
estudos[4]
[13]
[14]
[15] sugerem que o TF pode se dever ao processo de remodelação biológica secundário às
alterações de disco e instabilidade da coluna vertebral no eixo rotacional. Alguns
estudos[16]
[17]
[18] também sugerem que tenha origem no desenvolvimento.
O presente estudo estabelece que o tropismo/variabilidade bilateral ocorre nos níveis
lombares, independentemente das alterações degenerativas. Isso desafia a noção de
que a orientação facetária está relacionada à remodelagem causada pela degeneração
da coluna. A articulação L3-L4 é mais arredondada, e resiste tanto às translações
anteriores quanto às laterais, ao passo que a articulação L5-S1 é plana e orientada
mais no plano coronal. Isso proporciona maior resistência às tensões anteriores de
cisalhamento. A orientação da faceta articular no plano axial em pacientes com espondilolistese
nessa região apresentou variação de até 15° em um estudo.[19]
Kalichman et al.[17]
[18] e Farfan e Sullivan[11] relataram que o ângulo da faceta articular lombar e a hérnia de disco lombar estavam
significativamente ligados à assimetria da faceta articular lombar e sua gravidade.
Resultados semelhantes foram encontrados neste estudo.
Em outro estudo, Noren et al.[20] verificaram que o TF é um fator de risco para o desenvolvimento de doença discal.
Facetas articulares assimétricas e sagitalmente inclinadas estavam presentes em pacientes
com prolapso discal lombar, especialmente nos indivíduos mais altos, no estudo de
Karacan et al.[4] Cyron e Hutton[14] trabalham com a hipótese de que a orientação de faceta variável pode levar à instabilidade
segmentar. Isso pode aumentar a tensão rotacional no anel fibroso e levar a prolapso
discal. Em outro estudo, Chadha et al.[21] relataram associação considerável entre TF e prolapso discal no nível L5-S1, mas
nenhuma associação no nível L4-L5.
Por outro lado, alguns pesquisadores[10]
[20]
[22]
[23] sugeriram que o TF não tem significância clínica. Eles consideram o TF um problema
estrutural congênito, e não devido à idade ou à degeneração, e propõem que não há
associação entre o ângulo da faceta e a hérnia de disco.
Vários outros estudos[24]
[25] também demonstraram que a resposta axial de rotação-torque na coluna lombar não
é afetada pela orientação da faceta articular com um grau semelhante de assimetria
em todos os níveis. Lee et al.[26] não encontraram diferença significativa no TF entre discos com hérnia e discos normais
em grupos adolescentes e adultos, exceto no nível L4-L5 em adultos.
Em flexão e extensão, a faceta articular mais orientada para a posição coronal restringe
o movimento no plano sagital, causando rotação involuntária ao longo da faceta articular
orientada sagitalmente. Masharawi et al.[8] explicaram como o TF pode converter movimentos em um plano em um complexo movimento
multiplanar. O núcleo muda de forma dispersa quando a flexão e o movimento torcional
são acoplados. Muitos estudos biomecânicos[27]
[28] mostraram que a combinação de flexão e torçãoé causa de ferimentos ao anel posterolateral.
No presente estudo, o prolapso do disco intervertebral foi especialmente associado
ao TF nos níveis L3-L4 e L4-L5, ao passo que a associação não foi estatisticamente
significativa no nível L5-S1. Isso pode ser explicado por diferentes padrões de carregamento
em diferentes níveis. A biomecânica no nível L4-L5 e nos níveis superiores é diferente
da do nível L5-S1, pois o nível L4-L5 fica entre 2 segmentos móveis, e o nível L5-S1,
entre segmentos móveis e fixos. Além disso, o disco L5-S1 é submetido a maior força
de cisalhamento anteroposterior devido ao aumento da inclinação em S1 e à ausência
de papel protetor dos músculos extensores.[21]
[29] A alta correlação entre TF e prolapso discal relatada em L4-L5, mas não em L5-S1,
pode, portanto, ser explicada por uma variação no padrão de carregamento.
Este estudo tem várias limitações. Primeiramente, trata-se de um estudo de centro
único com tamanho amostral pequeno. Em segundo lugar, pode ter havido erros na localização
de margens de facetas articulares e do plano de referência. Osteófitos na faceta articular
podem levar a erros na medição do ângulo da faceta. Em terceiro lugar, não é viável
analisar o TF como um fator isolado; outras alterações degenerativas, como a degeneração
assimétrica do disco, também podem afetar o TF; portanto, mais estudos sobre seus
mecanismos patológicos são necessários. Um dos pontos fortes do estudo é a inclusão
de pacientes sem prolapso discal no mesmo nível como controle para comparação, em
vez de usar segmento adjacente, como foi feito em muitos estudos anteriores. No entanto,
teria sido melhor se os controles tivessem sido obtidos realizando-se RM em sujeitos
assintomáticos.
Conclusão
Significância clínica: este estudo mostra associação positiva entre variabilidade
de IF e hérnia de disco no nível L4-L5, seguido do nível L3-L4. A orientação facetária
pode indicar de qual lado se aproximar para a descompressão cirúrgica quando necessário.
O acompanhamento de longo prazo pode ajudar a deduzir a história natural da variabilidade
da orientação facetária.