Palavras-chave
lesões de Bankart - cavidade glenoide - luxação do ombro
Introdução
A decisão sobre o tipo de tratamento cirúrgico da luxação anterior recidivante do
ombro sofreu mudanças recentes.[1] A escolha entre cirurgia anatômica (reparo de Bankart) e cirurgia não anatômica
(remplissage ou Latarjet) depende de vários fatores clínicos e de imagem, mas a presença de perda
óssea da cavidade glenoidal ou da cabeça do úmero é destacada como uma das mais importantes.[2]
[3]
[4]
[5] Dependendo da porcentagem da perda óssea da cavidade glenoidal, o risco de falha
do reparo artroscópico de Bankart aumenta significativamente.[6]
O glenoid track permite uma avaliação combinada das lesões da cavidade glenoidal e de Hill-Sachs[7], com as mesmas caracterizadas como on-track ou off-track.[3] Tal conceito foi ratificado por modelo de elementos finitos[8] e acredita-se que essa avaliação pode prever lesões com maior risco de falha após
reparo artroscópico de Bankart isolado.[3]
Esse conceito tem sido amplamente utilizado para auxiliar na escolha do tratamento,
com diversos estudos biomecânicos demonstrando sua importância.[3]
[7]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13] No entanto, poucos estudos avaliaram sua validade clínica[14]
[15] e apenas um estudo comparou seus resultados com a avaliação isolada da cavidade
glenoidal.[14] Nenhum estudo anterior comparou os resultados do glenoid track com o limiar de perda óssea da cavidade glenoidal subcrítica (13,5% no diâmetro anteroposterior).[16]
Nosso objetivo principal foi avaliar a correlação do glenoid track e da perda óssea subcrítica da cavidade glenoidal com a taxa de recidiva de luxação
e pontuação na escala de Rowe.
Material e Métodos
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa
sob o parecer 1.269.108.
Desenho do estudo
Realizamos uma análise retrospectiva em um único centro. As cirurgias foram realizadas
consecutivamente por 4 cirurgiões de ombro e cotovelo, entre janeiro de 2013 e fevereiro
de 2018.
Os critérios de inclusão foram pacientes com mais de 14 anos, com um ou mais episódios
de luxação anterior, e que foram submetidos a reparo artroscópico primário de lesão
de Bankart com seguimento mínimo de 24 meses. Além disso, os pacientes deveriam ter
realizado ressonância magnética (RM) pré-operatória.
Pacientes com perda óssea de diâmetro anteroposterior da cavidade glenoidal maior
que 21%, rotura parcial ou total do manguito rotador concomitante, fratura da cintura
escapular e instabilidade posterior ou multidirecional e aqueles submetidos a procedimentos
de remplissage foram excluídos. As lesões de Bankart posterior e superior em RM não
foram consideradas critérios de exclusão.
Tratamento
O reparo de Bankart artroscópico foi realizado em decúbito lateral. Após a confirmação
da lesão de Bankart, foi realizado o preparo da borda da cavidade glenoidal e a mobilização
do lábio glenoidal. Lesões associadas do lábio glenoidal superior ou posterior também
foram preparadas para reparo com âncoras de sutura bioabsorvíveis, colocadas na borda
óssea da cavidade glenoidal. Na sequência, foi realizado reparo do lábio glenoidal
e da cápsula com âncora absorvível carregada com um fio de alta resistência.
O protocolo de fisioterapia consistia em 4 semanas com tipoia, realizando movimentos
ativos 3 vezes ao dia, de cotovelo, punho e dedos. A partir da 4ª semana de pós-operatório,
os pacientes foram autorizados a realizar movimentos passivos e ativos assistidos,
limitando a rotação externa em até 30° até a 6ª semana. O fortalecimento muscular
foi realizado somente a partir da 8ª semana.
Características da população estudada e resultados
O desfecho primário foi a escala de Rowe[17] aos 24 meses, e o desfecho secundário foi a taxa de recidiva da luxação.
A avaliação inicial incluiu idade na primeira luxação, idade no momento da cirurgia,
sexo, envolvimento do membro dominante, participação em esportes, número de âncoras
usadas no reparo de Bankart anterior e a necessidade de reparo do lábio glenoidal
posterior ou superior.
Análise de imagem
As imagens de RM foram obtidas usando o aparelho GE HDxt 1.5-T (General Electric Medical
System, Walchesha, WI, EUA) com bobina de ombro dedicada. Os pacientes estavam em
posição supina com os braços ao lado do corpo em rotação neutra. Foram realizadas
sequências ponderadas em T2 com supressão de gordura nos três planos ortogonais, sequência
coronal em densidade de prótons e sequência sagital em T1. Não foi utilizado gadolínio
intra-articular nem intravenoso em nenhum dos exames. Todas as medições foram realizadas
por um médico ortopedista especialista em ombro e cotovelo com 14 anos de experiência
apenas única vez e usando o sistema de comunicação e arquivamento de imagens iSite
enterprise 4.1 (Philips Medical Systems, Best, Holanda).
A avaliação de Hill-Sachs foi realizada em imagem axial ponderada em T2 com supressão
de gordura. A perda óssea da cabeça do úmero foi medida em corte axial, a partir da
distância linear da inserção articular do manguito rotador à margem medial da lesão
de Hill-Sachs.[14] O corte axial com a maior lesão de Hill-Sachs foi utilizado para a mensuração do
intervalo de Hill-Sachs[14]
[18]
[19] ([Figura 1]). A avaliação da cavidade glenoidal foi realizada usando o corte sagital oblíquo
ponderado em T1 mais lateral, que incluía a cavidade glenoidal. Foi utilizado o método
do círculo perfeito ([Figura 2])[20]
[21], fornecendo o valor relativo da perda óssea da cavidade glenoidal. Os pacientes
foram divididos em dois grupos de acordo com o limiar de “perda óssea subcrítica”
(≤ 13,5% ou > 13,5% do diâmetro anteroposterior da cavidade glenoidal).[16]
Fig. 1 Imagem axial de ressonância magnética para avaliação do intervalo de Hill-Sachs (A).
Fig. 2 Medida do defeito anterior da cavidade glenoidal foi realizada pelo método do círculo
perfeito em corte sagital modificado da porção mais lateral da cavidade glenoidal
em ressonância magnética. O diâmetro da cavidade glenoidal (D) e do defeito ósseo
(C); cálculo da porcentagem do defeito ósseo anterior da cavidade glenoidal, utilizando
a fórmula: defeito ósseo da cavidade glenoidal (%) = C/D.
O coneito glenoid track foi calculado como 83% do diâmetro esperado da cavidade glenoidal menos a perda óssea
anterior aferida.[3] Para a categorização em on-track ou off-track, o valor do glenoid track foi subtraído do intervalo de Hill-Sachs (valor absoluto do glenoid track). Se o intervalo de Hill-Sachs fosse maior que o glenoid track, a lesão era categorizada como off-track
Tanto o valor absoluto do glenoid track quanto as descrições categóricas foram incluídos na análise.
Análise estatística
A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. As estatísticas descritivas,
incluindo médias e desvios padrões, foram usadas para variáveis com distribuição normal,
e mediana e interquartil para as variáveis de distribuição não-normal. O teste exato
de Fisher foi usado para variáveis categóricas, e os testes de Wilcoxon e Mann-Whitney
foram usados para variáveis de distribuição não normal. A análise de subgrupo foi
realizada para o glenoid track e para a perda óssea da glenoide subcrítica, respeitando os quartis, divisão do conjunto
em quatro partes iguais, da distribuição da amostra. Todas as análises estatísticas
foram realizadas no IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 21.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), e o nível de significância estatística
foi 5%.
Resultados
Foram avaliados 118 pacientes com seguimento de 24 meses. A RM pré-operatória estava
disponível para 102 pacientes (86,4%), que foram incluídos no estudo. A média de idade
foi de 31,1 anos no momento da cirurgia e 23,4 anos no momento da primeira luxação.
Havia 79 pacientes do sexo masculino (77,5%). Nenhum paciente praticava esportes profissionais.
A [Tabela 1] descreve as características de base e a intervenção usada para cada paciente.
Tabela 1
Parâmetro
|
Geral (N = 102)
|
Idade, anos
|
31,1 (9,8)
|
Idade na primeira luxação, anos
|
23,4 (8,2)
|
Pacientes masculinos
|
79 (77,5)
|
Envolvimento do braço dominante
|
56 (54,9)
|
Praticantes de esporte
|
34 (33,3)
|
Tabagistas
|
9 (8,8)
|
Número de luxações prévias
|
|
1
|
2 (2,0)
|
2–5
|
91 (89,2)
|
> 5
|
9 (8,8)
|
Número de âncoras na cavidade glenoidal anterior
|
2,8 (0,4)
|
Reparo de lábio posterior
|
6 (5,9)
|
Reparo de lábio superior
|
11 (10,8)
|
A pontuação na escala de Rowe média no pré-operatório foi de 28,5 pontos (±11,2) em
comparação com 84,5 pontos (±18,8) no seguimento de 24 meses, com diferença estatisticamente
significativa (p = 0,004).
Luxação pós-operatória foi relatada por 8 pacientes (7,8%). Quatro pacientes foram
submetidos a procedimento de Latarjet por via aberta e os outros quatro foram tratados
de forma não cirúrgica.
A perda óssea da cavidade glenoidal anterior média geral foi de 9,7%. A [Tabela 2] descreve a avaliação da perda óssea da cavidade glenoidal, de acordo com os dois
métodos de categorização (perda óssea da cavidade glenoidal e glenoid track). A [Tabela 3] descreve os resultados da pontuação na escala de Rowe para cada uma das duas categorias
descritas anteriormente.
Tabela 2
|
Geral (N = 102)
|
Média
|
DP
|
Mediana
|
IQR
|
Medidas de perda óssea da cavidade glenoidal
|
Defeito nterior da cavidade glenoidal, mm
|
2,6
|
1,7
|
2,7
|
2,1
|
Diametro da cavidade glenoidal, mm
|
26,7
|
2,9
|
26,4
|
3,0
|
Porcentagem da falha óssea, %
|
9,7
|
6,0
|
10,7
|
7,8
|
Medidas do glenoid track
|
Intervalo de Hill-Sachs, mm
|
15,3
|
4,7
|
14,7
|
5,6
|
Glenoid track absoluto, mm
|
4,1
|
5,2
|
4,8
|
5,2
|
Tabela 3
|
|
Escore de ROWE
|
Valor de P
|
N
|
Média
|
DP
|
Mediana
|
IQR
|
Perda óssea da cavidade glenoidal
|
≦ 13,5%
|
74
|
84,2
|
18,7
|
95,0
|
20,0
|
0,704
|
> 13,5%
|
28
|
85,0
|
19,6
|
92,5
|
25,0
|
|
Glenoid track
|
On track
|
86
|
84,9
|
18,6
|
95,0
|
25,0
|
0,566
|
Off track
|
16
|
81,9
|
20,5
|
85,0
|
19,0
|
|
Na análise da perda óssea da cavidade glenoidal subcrítica, os pacientes foram divididos
em 2 grupos (≤ 13,5% ou > 13,5%) ([Tabela 2]). Quatro pacientes (50%) do grupo com recidiva de luxação apresentaram lesão da
cavidade glenoidal maior que 13,5% contra 24 pacientes (25,5%) sem recidiva, sem diferenças
estatisticamente significativas (p = 0,210).
O valor preditivo positivo para um paciente com perda óssea da cavidade glenoidal
maior que 13,5% com recidiva foi de 14,3%, e o valor preditivo negativo foi de 94,6%
([Tabela 4]). As pontuações médias na escala de Rowe foram semelhantes, sem diferença estatisticamente
significativa (p = 0,704) em ambos os grupos de perda óssea subcrítica
Tabela 4
|
Sensibilidade
|
Especificidade
|
Valor preditivo positivo
|
Valor preditivo negativo
|
Perda óssea subcrítica da cavidade glenoidal
|
50 (15,7–84,3)
|
74,4 (64,4–82,9)
|
14,3 (7,1–26,6)
|
94,6 (89,7–97,3)
|
Glenoid track
|
37,5 (8,5–75,5)
|
86,2 (77,5–92,4)
|
18,8 (7,6–39,2)
|
94,2 (90,4–96,5)
|
Em 16 pacientes (15,7%), a lesão de Hill Sachs foi considerada off-track. Em relação à influência da lesão de Hill Sachs na taxa de recidiva, encontramos
3 pacientes (37,5%) no grupo com recidiva com lesão off-track, em comparação a 13 pacientes (13,8%) no grupo sem recidiva, sem diferença estatisticamente
significativa (p = 0,109).
Com relação à falha do tratamento, tiveram recidiva da luxação 3 dos 16 pacientes
com lesão off-track (18,7%) e 5 dos 86 pacientes com lesões on on-track (5,8%). O valor preditivo positivo para um paciente com uma lesão off-track com recidiva foi de 18,8%, e o valor preditivo negativo foi de 94,2% ([Tabela 4]). A pontuação na escala de Rowe foi menor no grupo off-track, sem diferença estatística significativa (p = 0,566).
Realizamos uma análise de subgrupo, dividindo os pacientes de acordo com os quartis
em relação ao valor absoluto do glenoid track. Observamos que pacientes com valor absoluto de glenoid track menor ou igual a 1,5 mm tiveram piores resultados em relação à recidiva da luxação,
sendo que houve 6 pacientes (75%) com recidiva contra 2 pacientes (25%) com valores
acima de 1,5 mm (p = 0,003).
Não relacionamos os fatores associados intrínsecos aos pacientes (idade na primeira
luxação e número de luxações) e às lesões (associação com lesões posteriores ou anterior
superiores e número de âncoras no reparo da lesão) com a taxa de recidiva pois não
se trata do objetivo do estudo.
Discussão
Como já ressaltado por Momaya e Tokish,[10] o conceito de glenoid track é uma importante ferramenta de avaliação da instabilidade anterior do ombro com lesão
bipolar, ou seja, perda óssea da borda anterior da cavidade glenoidal (lesão de Bankart
ósseo) associada a fratura impacção posterior da cabeça umeral (lesão de Hill-sachs).
O conceito ajuda na melhor escolha de tratamento para cada paciente, seja por reparo
artroscópico de Bankart isolado[22]
[23] ou em associação ao procedimento de remplissage[24]
[25] ou pelo uso da técnica de bloqueio ósseo de Bristow-Latarjet.[26]
[27]
[28]
Poucos estudos avaliaram a influência do conceito de glenoid track no risco de recidiva e nas escalas clínicas, realizando sua validação clínica. Shaha
et al.[14] avaliaram 57 pacientes submetidos ao reparo artroscópico de Bankart, e realizaram
a avaliação por RM, de forma semelhante à utilizada em nosso estudo. Observaram alta
recidiva em pacientes com lesões off-track (60%) contra pacientes com lesões on-track (4%), com melhores valores preditivos positivos quando comparados à avaliação isolada
da lesão da cavidade glenoidal. Em uma subanálise de pacientes com lesões bipolares
(30 casos), os autores relatam valores ainda maiores de recidiva em pacientes com
lesões off-track (86%). Locher et al.,[15] em um estudo retrospectivo com 100 pacientes, demonstraram que 33% dos pacientes
com lesões off-track apresentaram recidiva, contra 6% daqueles com lesões on-track.
Os valores preditivos positivo e negativo são importantes indicadores sobre a efetividade
do glenoid track e da lesão óssea subcrítica na tomada de decisão quanto ao tratamento cirúrgico.
O valor preditivo positivo mostra a probabilidade de um caso com lesão off-track ou com lesão óssea subcrítica operados por artroscopia apresentarem recidiva. O valor
preditivo negativo, por sua vez, mostra a probabilidade de um caso com lesão on-track ou sem lesão óssea subcrítica operados por artroscopia de não apresentarem esta complicação.
Desse modo, conseguimos demonstrar altos valores preditivos negativos tanto para as
lesões ósseas subcríticas da cavidade glenoidal (> 13,5%) quanto para as lesões off-track, com valores de 94,6% e 94,2%, respectivamente. Shaha et al.[14] e Locher et al.[15] também demonstraram achados semelhantes para lesões off-track, com valores preditivos negativos de 92% e 94%, respectivamente. No entanto, os autores
não avaliaram a lesão óssea subcrítica da cavidade glenoidal. Nossos achados, portanto,
demonstram que para pacientes com lesões on-track e aqueles com lesões glenoidais menores que 13,5%, o risco de recidiva com reparo
artroscópico é baixo. Os resultados na escala de Rowe não foram estatisticamente diferentes
para lesões off-track e perda óssea subcrítica da cavidade glenoidal, em contraste com os achados de Shaha
et al.[14]
Podemos apresentar algumas críticas ao método do glenoid track. Os resultados desta avaliação são categóricos, on-track e off-track, o que simplifica a tomada de decisão entre o reparo artroscópico de Bankart, associado
ou não ao procedimento de remplissage, e a cirurgia de Latarjet.[3] Porém, esses resultados não valorizam a grande variedade de lesões ósseas, fato
que pode dificultar a tomada de decisão em situações limítrofes, pois não permite
avaliação direta da extensão das lesões ósseas. Devemos ressaltar que outros fatores
intrínsecos ao paciente e à lesão, tais como idade no momento da primeira luxação
e no momento do tratamento cirúrgico; tipo de esporte e nível esportivo; e posição
e extensão da lesão de Hill-Sachs, têm influência relevante na avaliação individualizada
de cada caso para a tomada da decisão cirúrgica.
Shaha et al.[14] demonstraram que lesões “quase off-track”, ou seja, aquelas com diferença entre o glenoid track e o intervalo de Hill-Sachs (valor absoluto do glenoid track) inferior a 2 mm, apresentaram resultados piores pela escala de Western Ontario Shoulder Instability (WOSI) quando comparadas a lesões “mais on-track”. Pudemos demonstrar uma grande variabilidade dos valores absolutos desta diferença,
que apresentou média de 4,1 mm (±5,2), mas com variação de -11,5 a 22 mm. Em uma análise
de subgrupo do valor absoluto do glenoid track de menos de 1,5 mm, detectamos uma maior diferença entre os grupos, incluindo 6 (75%)
dos pacientes com instabilidade recidivante.
Outra crítica é que a confiabilidade das medidas do glenoid track não é alta, principalmente pela dificuldade de localização da inserção do infraespinhal,
seja na RM ou na tomografia computadorizada (TC) 3D, conforme descrito originalmente.
Schneider et al.[29] demonstraram, por meio de TCs, que o coeficiente de variabilidade para a lesão de
Hill-Sachs pode chegar a 19,2%, em comparação com menos de 4% para a perda óssea da
cavidade glenoidal. Eles também demonstraram um baixo nível de confiabilidade interobservador
em relação à classificação em on-track ou off-track (72%).
Se considerarmos que as variações de medição entre 1,5 e 2 mm são comuns e que podem
alterar os resultados da categorização entre on-track e off-track, e também a previsibilidade de recidiva da instabilidade, como mostrado em nossa
análise de subgrupo, consideramos ser essencial o uso do valor do glenoid track absoluto na tomada de decisão, especialmente em casos limítrofes. Assim como o percentual
da perda óssea da cavidade glenoidal é utilizado rotineiramente, o uso do valor absoluto
do glenoid track poderia ser descrito em estudos sobre o assunto, e assim como laudos de exames de
imagem.
Nosso estudo tem algumas limitações. Utilizamos a RM para a aferição do glenoid track; contudo, não há na literatura validação para o uso de tal medida nesse tipo de exame
de imagem, visto que foi desenvolvido para o uso em TC; vale ressaltar que Bottoni
et al.,[30] em 2021, fizeram uso de RM da mesma forma que nós. Foi realizada a análise das imagens
por apenas um médico ortopedista em um único período. Embora isso padronize as medidas,
avaliações por um número maior de avaliadores e com maior número de rodadas de avaliações,
obtendo as concordâncias intra e interobservador da mensuração das medidas das lesões
ósseas, aumentariam a confiabilidade dos dados obtidos e, conforme demonstrado por
Schneider et al.[29], a avaliação de Hill-Sachs provavelmente é menos confiável do que a avaliação da
perda óssea da cavidade glenoidal. Em um futuro estudo, pretendemos avaliar a concordância
das medidas das lesões ósseas, em uma casuística ampliada. Uma amostra maior de casos
de recidiva seria benéfica para apoiar a validade externa e para realizar uma análise
de regressão multivariada que incluísse outras variáveis intrínsecas ao paciente,
a lesão e a cirurgia na busca de fatores prognósticos para o tratamento artroscópico
da luxação anterior. O conceito de lesão subcrítica foi apresentado por Shaha,[16] em 2015, com uma população de militares; nossa amostra incluiu pacientes civis,
e apenas 33% dos pacientes eram praticantes de atividades esportivas, fato que pode
explicar os resultados discordantes e ter diminuído a sensibilidade dos métodos de
imagem para detecção de recidiva. Entretanto, ambas as populações são semelhantes,
sendo compostas principalmente por indíviduos jovens e do sexo masculino.
Conclusão
Lesão de Hill-Sachs off-track e perda óssea da cavidade glenoidal maior que a subcrítica (13,5% do diâmetro anteroposterior)
não apresentam relação clínica significativa com a taxa de recidiva e a pontuação
na escala de Rowe, apesar de possuírem alto valor preditivo negativo.