Palavras-chave
bifosfonato - fraturas ósseas - artroplastia - joelho
Introdução
A osteoporose é caracterizada pela redução da densidade mineral e deterioração da
microarquitetura óssea. Bifosfonatos são fármacos de primeira linha para seu tratamento.
Todavia, sua ação prolongada pode favorecer a ocorrência de fraturas atípicas (FAs).[1] As FAs ocorrem mais frequentemente na região subtrocantérica e diafisária do fêmur.[2] Relatamos o caso de uma paciente idosa, portadora de artrose avançada dos joelhos
e de osteoporose, em uso de bifosfonatos por 3 anos e meio, que sofreu FA no terço
proximal da tíbia, sendo tratada com osteossíntese associada à artroplastia total
do joelho (ATJ) em tempo único.
Relato do Caso
O presente caso é de uma paciente do sexo feminino, de 70 anos de idade, portadora
de osteoporose e artrose dos joelhos com deformidade em varo, em uso de alendronato
por 3 anos, seguidos por 6 meses de ibandronato. Sem relato de trauma, a paciente
apresentou alteração no grau de dor no joelho direito, que passou a se localizar também
na transição metafisio-diafisária da tíbia, acompanhada por aumento do varismo e intolerância
à carga, obrigando-a a usar cadeira de rodas. Após 6 meses, a paciente foi encaminhada
ao nosso serviço. As radiografias evidenciaram gonartrose grave, varismo, erosões
tibial e femoral mediais acentuadas, além de fratura tibial e fibular à direita, no
terço proximal da diáfise ([Fig. 1]). Optou-se por tratar simultaneamente fratura e artrose à direita por osteossíntese
com placa bloqueada e ATJ ([Fig. 2]). Foi utilizada prótese primária com substituição do ligamento cruzado posterior
e base fixa (Vanguard, Zimmer Biomet, Warsaw, IN, EUA). O procedimento foi realizado
com incisão única anterior estendida ao joelho, osteossíntese da fratura tibial seguindo
o princípio de estabilidade relativa com placa ântero-medial bloqueada em ponte e
parafusos proximais levemente anteriorizados para permitir o posicionamento do componente
tibial protético. Procedeu-se a ATJ, sendo a erosão femoral totalmente incorporada
ao corte distal do fêmur e a erosão tibial compensada com autoenxerto retirado dos
próprios cortes ósseos e fixado com parafusos de pequenos fragmentos.
Fig. 1 (A e B) Radiografias da perna evidenciando a fratura atípica a nível da diáfise tibial.
(C e D) Radiografia panorâmica de membros inferiores evidenciando a gonartrose associada.
Fig. 2 (A) Osteossíntese da fratura atípica com placa bloqueada no primeiro tempo cirúrgico.
(B) Guia extramedular para corte tibial para realização de artroplastia no segundo tempo
cirúrgico.
A paciente relatou melhora significativa das queixas álgicas e funcionais, abandonou
a cadeira de rodas e apresentou arco de movimento de 0 a 105° no joelho direito ([Fig. 3]).
Fig. 3 (A) Radiografia em anteroposterior das duas artroplastias totais do joelho realizada
na paciente. Note a fratura atípica já consolidada. (B) Radiografia em perfil do joelho direito evidenciando a consolidação da fratura atípica
também no perfil. (C) Radiografia em perfil do joelho esquerdo.
Discussão
Os bifosfonatos estão entre as drogas mais prescritas para o tratamento da osteoporose.
Diminuem o risco de fraturas vertebrais em mais de 50%, do quadril em 40 a 50% e de
outras fraturas em 20 a 25%.[3] Descobriu-se, porém, a associação de FAs ao seu uso prolongado.[4]
[5]
A ação prolongada dos bisfosfonatos pode levar ao acúmulo de microdanos e aumentar
o risco de fraturas.[1] Os bifosfonatos podem dificultar o processo de consolidação de fraturas por interferirem
na fase de remodelação óssea e retardarem a maturação do calo ósseo.
Poucos casos foram publicados na literatura. Não sabemos se mais casos foram relatados,
e não encontrados na revisão literária realizada. O presente caso apresenta as mesmas
características epidemiológicas dos outros previamente relatados: mulheres de meia-idade
ou idosas, em uso de bifosfonatos que sofreram FAs, seja atraumaticamente ou com traumas
de baixa energia.[6]
[7]
[8]
Em todos os casos, o padrão radiológico segue o descrito pela American Society for
Bone and Mineral Research (ASBMR) para FA femoral (FAF), exceto pela localização.[2] Na tíbia, o acometimento primário ocorre na cortical anterior, enquanto no fêmur,
ocorre na cortical lateral. Isso pode estar relacionado ao fato de a cortical anterior
da tíbia ser a região de concentração de tensão.[6]
Em relação ao tratamento das FAFs, as diretrizes foram definidas pela ASBMR.[2] Os bifosfonatos devem ser suspensos e mantidas a administração de cálcio e vitamina
D. As fraturas completas devem ser tratadas cirurgicamente. Fixação profilática é
recomendada para fraturas incompletas acompanhadas por dor. Na ausência de dor ou
de radioluscência radiográfica, deve-se adotar o tratamento com analgesia e retirada
de carga. Na ausência de melhora clínica, a fixação cirúrgica deve ser considerada
pela possibilidade de progressão para fratura completa. Acerca do risco de recorrência,
Schilcher et al.[9] observaram que o risco de FAF caiu 70%/ano após a suspensão dos bifosfonatos. A
tendência a piores resultados do tratamento conservador em FAFs incompletas sintomáticas
e com radioluscência foi comprovado no estudo de Saleh et al.[10] Devido à escassez de casos relatados, não há um padrão para fraturas tibiais. Todavia,
sendo um osso de carga, sugere-se que as diretrizes citadas sejam válidas.
Dos três casos prévios já relatados (um deles bilateral), dois foram tratados conservadoramente.
O terceiro foi manejado por osteossíntese com haste intramedular de tíbia. Em nenhum
dos casos foi optado por realizar ATJ simultaneamente, apesar de haver gonartrose
associada.
No presente caso, a paciente apresentava também gonartrose avançada. Esta associação
aumentou a complexidade do caso, pois o tratamento da fratura atípica teria implicação
na programação cirúrgica do joelho. Optou-se por abordagem em tempo único e fixação
da fratura antes da artroplastia para proporcionar o suporte ao componente protético
tibial. Respeitou-se o princípio de estabilidade relativa no manejo da fratura, porém
a utilização de haste intramedular torna-se impossibilitada devido à ocupação do canal
medular. A placa em ponte, então, é boa alternativa, porém com necessidade de certa
anteriorização dos parafusos de bloqueio proximais, para permitir a passagem do componente
tibial da prótese sem desvio deste, o que modificaria o eixo da prótese. Apesar de
aumentar a morbidade do procedimento e o tempo cirúrgico, a paciente foi submetida
a apenas uma intervenção anestésica e uma só recuperação pós-operatória.
O envelhecimento progressivo da população e o consequentemente aumento do número de
indivíduos portadores de osteoporose submetidos a tratamento com bifosfonatos pode
levar ao crescimento da incidência de FAs. Estudos sobre a melhor forma de abordar
essas fraturas tornam-se importantes, devido à sua particular dificuldade de consolidação.
Comorbidades do sistema musculoesquelético aumentam o grau de dificuldade do tratamento
e exigem do cirurgião rigor quanto à eleição, planejamento e execução do tratamento.
Nesse caso, a associação de FAs no curso de tratamento com bisfosfonatos associada
à degeneração articular com grande erosão óssea aumentou o grau de dificuldade do
tratamento. Consideramos que o resultado obtido foi satisfatório e a abordagem de
osteotomia tibial e ATJ com prótese primária e uso de autoenxerto para as falhas ósseas
tibiais foi adequada, ao evitar a exposição a cirurgias sequenciais e assim diminuir
o tempo de convalescença.