Palavras-chave
fraturas espontâneas - polimetilmetacrilato - neoplasias ósseas - cimentos para ossos
Introdução
Avanços no tratamento quimioterápico e radioterápico aumentaram a expectativa de vida
de pacientes oncológicos, tornando-os mais propensos à apresentação metastática.[1]
As fraturas patológicas ocorrem em entre 11 e 29% das lesões metastáticas ósseas.[2]
[3]
[4]
[5] O tratamento cirúrgico permite melhora da capacidade funcional, maior aceitação
emocional e cuidados, bem como alívio álgico; desta forma, o tratamento precoce oferece
melhor qualidade de vida.[6]
Lesões benignas como cisto ósseo simples e aneurismático, displasia fibrosa, tumor
de células gigantes e doença de Paget apresentam risco aumentado de fratura, especialmente
na porção proximal de ossos longos.[7]
[8]
[9]
Dentre os métodos cirúrgicos, o mais utilizado é a haste intramedular (HIM), devido
às suas propriedades biomecânicas[5]
[10]
[11]
[12]
[13] e maior estabilidade diante da progressão da doença, onde a estabilização de lesões
com o uso de placas e parafusos pode falhar e definir a sobrevivência do paciente.
A HIM pode ser introduzida através de técnica aberta ou percutânea, e o uso de cimento
é possível para maior estabilidade e controle álgico.[14]
[15]
[16] A associação de cimento ósseo já se mostrou eficiente no tratamento oncológico na
coluna e em ossos chatos.[17]
O presente estudo buscou avaliar os resultados do tratamento de lesões patológicas
em ossos longos com o uso de HIM associado ou não ao polimetilmetacrilato (PMMA).
Materiais e Métodos
Entre janeiro de 2012 e setembro de 2017, foram atendidos 38 pacientes com 42 lesões
patológicas atendendo os objetivos da presente pesquisa, com fraturas ou lesões ósseas
na iminência de fratura segundo os critérios de Mirels, submetidos ao tratamento cirúrgico,
sendo divididos em dois grupos.
Os critérios de inclusão foram: neoplasia em ossos longos (primária ou secundária)
que preencha critérios de Mirels com indicação cirúrgica, fraturas patológicas em
ossos longos, osteossíntese intramedular associada ou não ao PMMA, ausência de tratamento
prévio da lesão e aceitação do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Os critérios de exclusão foram: fratura prévia no membro acometido, osteossíntese
não intramedular, processo infeccioso prévio no membro acometido e não aceitação do
TCLE.
O Grupo 1, com 16 pacientes, recebeu o tratamento com HIM. No Grupo 2, com 22 pacientes,
o tratamento foi associado ao PMMA. O método cirúrgico apresentava passos cirúrgicos
semelhantes. Após a colocação da haste e perfuração dos bloqueios próximos à inserção
da haste, o material era retirado, era perfurado um orifício na região metadiafisária
oposta à entrada da haste visando diminuição da pressão intramedular durante a cimentação
e inserção de cimento intramedular através do ponto de entrada da haste com aspiração
contínua pelo ponto de brocagem. Antes do completo endurecimento do cimento, a haste
era recolocada e bloqueada.
Dentre os pacientes alocados no Grupo 1, 11 femininos e 5 masculinos, a doença primária
é descrita na [Tabela 1]. O local da lesão em oito casos foi o fêmur proximal, cinco casos com acometimento
do úmero diafisário, dois casos na porção diafisária do fêmur, e um caso no fêmur
distal ([Tabela 1]).
Tabela 1
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Controle
|
Haste intra-medular + PMMA
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Gênero (F:M)
|
11:5
|
15:7
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Lesão Primária
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|
|
Mama
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6
|
8
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Mieloma múltiplo
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2
|
2
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Próstata
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1
|
4
|
|
Uterino
|
0
|
2
|
|
Pulmonar
|
0
|
1
|
|
Melanoma
|
0
|
1
|
|
Cólon
|
1
|
0
|
|
COA
|
1
|
0
|
|
Linfoma
|
1
|
0
|
|
Hepático
|
1
|
0
|
|
Renal
|
1
|
2
|
|
Displasia fibrosa
|
1
|
0
|
|
Fratura secundária à ressecção de osteocondroma
|
1
|
0
|
|
Hiperparatireoidismo
|
0
|
1
|
|
Fratura secundária à irradiação
|
0
|
1
|
Nos pacientes do Grupo 2, 15 femininos e 7 masculinos, a doença primária é descrita
na [Tabela 1]. O local da lesão em 10 casos foi o fêmur proximal, em 10 casos o úmero diafisário,
4 casos na porção diafisária do fêmur, 1 caso no fêmur distal, e 1 fratura da tíbia
diafisária. Neste grupo, encontrava-se um paciente com fratura de úmero bilateral,
um paciente com lesão transtrocanteriana bilateral e um paciente com fratura diafisária
femoral bilateral e fratura diafisária de úmero ([Tabela 1]).
O tempo médio de seguimento dos pacientes do Grupo 1 foi 11,7 meses (de 0 a 63 meses),
e o do Grupo 2 foi 8,4 meses (de 0 a 30 meses). A avaliação funcional dos pacientes
foi realizada através da análise do escore MSTS e foi realizada a avaliação radiográfica
pós-operatória para constatação da consolidação das fraturas.
Resultados
Um total de 38 pacientes, com média de idade de 59,24 anos (de 14 a 85 anos), sendo
26 femininos e 12 masculinos, atendiam aos critérios de inclusão. Um paciente apresentava
fratura bilateral de fêmur e unilateral de úmero, um com lesão bilateral femoral proximal
e um com fratura bilateral de úmero, abrangendo 42 lesões tratadas.
A avaliação radiográfica demonstrou alinhamento adequado das fraturas e, nos casos
com seguimento >1 ano, não foi evidenciado nenhum caso de pseudoartrose, com extravasamento
de cimento evidente em uma paciente com fratura no fêmur proximal, mas esta não desejava
se submeter a um novo tratamento por apresentar dor esporádica.
A idade média no grupo controle foi 51,5 anos (de 14 a 85 anos), enquanto no grupo
de tratamento com HIM associado ao PMMA a idade média foi 64,8 anos (de 27 a 84 anos).
O tempo médio de seguimento no grupo controle foi 11,7 meses (de 0 a 63 meses), e
no grupo do tratamento associado ao PMMA o tempo médio de seguimento foi 8,4 meses
(de 0 a 30 meses). Não houve diferença estatística entre a idade nos grupos (p = 0,05), tampouco no seguimento (p = 0,48) ([Tabela 2]).
Tabela 2
|
Controle
|
Haste intra-medular + PMMA
|
|
|
Idade (anos)
|
51,5
|
64,8
|
p = 0,05
|
|
Seguimento (meses)
|
11,7
|
8,4
|
p = 0,48
|
A avaliação funcional dos pacientes através do questionário da Musculoskeletal Tumor
Society (MSTS, na sigla em inglês) mostrou superioridade do grupo que recebeu o tratamento
com associação do PMMA, com significância estatística (p = 0,049). O grupo controle obteve pontuação média de 16,375 em um máximo de 30 pontos,
enquanto o grupo em estudo com associação do PMMA obteve pontuação média de 22,36
pontos ([Figura 1]).
Fig. 1 Escore funcional MSTS.
Em uma avaliação comparativa com nova segmentação, esta diferença não é observada
quando comparados apenas pacientes com lesões e tratamentos para o membro superior,
com escore médio de 20 (n = 5) no MSTS para os pacientes tratados com material de síntese e escore de 23,125
(n = 8) quando associado ao PMMA (p = 0,60). Porém, quando esta avaliação é realizada comparando pacientes com lesões
em membros inferiores, o grupo controle (n = 10) apresenta um escore médio de 13,6, e o grupo com associação do PMMA (n = 13) apresenta 21,46, com significância estatística (p = 0,036).
A comparação entre membros superiores e inferiores acometidos não mostra diferença
dentro do grupo na comparação entre grupo controle e associação com PMMA: pacientes
com lesão no membro superior do grupo controle, com escore médio de 20 (n = 5,)
versus pacientes com lesão em membro inferior do grupo controle (n = 10), com escore médio de 13,6 (p = 0,21). Já em uma comparação nas associações com PMMA, também não é observada diferença
estatística: pacientes com lesão em membros superiores tratados com HIM e PMMA apresentaram
uma pontuação de 23,125 (n = 8)
versus grupo de pacientes com lesão em membros inferiores (n = 13), com média de 21,46 (p = 0,69).
Dentre as complicações relacionadas ao tratamento cirúrgico, não observamos diferença
estatística entre séries; no grupo controle, foram observados três óbitos (um após
tromboembolismo pulmonar [TEP]), uma infecção profunda em sítio cirúrgico, uma infecção
superficial e um caso de insuficiência cardíaca descompensada. Já no grupo de tratamento
com associação ao PMMA, observaram-se dois óbitos (um após TEP associado com acidente
vascular cerebral e um após insuficiência renal aguda em paciente politraumatizado),
dois casos de extravasamento de cimento (um destes explorado na cirurgia inicial e
retirada do cimento extravasado), um caso de hipopotassemia e dois de delírio ([Figuras 2] e [3]).
Fig. 2 Lesão metastática de câncer de mama em fêmur proximal em paciente de 61 anos, com
fratura transtrocanteriana e iminência de fratura contralateral. Parafuso de bloqueio
distal não foi necessário devido à estabilização com cimento.
Fig. 3 Fratura patológica de úmero esquerdo. Adenocarcinoma primário de pulmão. (a) Fratura
patológica; (b) fixação haste e cimento; (c) consolidação em 15 semanas.
Discussão
O objetivo do tratamento nas lesões patológicas é a mobilização precoce, alívio da
dor e recuperação funcional o mais rapidamente possível.[18] O escore de Mirels mostrou-se uma ferramenta importante para determinar o momento
preciso da fixação profilática em lesões tumorais.[19]
[20]
[21]
O tratamento conservador mostrou piores resultados, com maior morbimortalidade; portanto,
o tratamento cirúrgico é o tratamento padrão para fraturas patológicas.[22] A osteossíntese mostrou menor taxa de complicações quando comparada com a endoprótese
e permite apoio imediato.[23] O uso de hastes longas é o método mais escolhido e indicado por oferecer proteção
contra lesões futuras com a progressão da doença. A fresagem do canal medular mostrou
vantagens biomecânicas e a possibilidade de disseminação de células tumorais não foi
demonstrada.[24]
[25]
[26]
[27]
O tratamento com associação do PMMA à HIM apresenta vantagens sobre o tratamento padrão
apenas com o uso do implante. Como o cimento ocupa espaço medular, o sangramento da
lesão é diminuído. O cimento fornece maior estabilidade mecânica ao composto, diminuindo
a destruição óssea adjacente e, consequentemente, a dor.[17]
[28] Relatos mostram que o cimento levaria à necrose tumoral e à redução de volume por
lesão térmica, assim como à redução do aporte sanguíneo ao tumor.[29]
[30]
Conclusão
O tratamento cirúrgico para lesões em ossos longos, principalmente em casos paliativos,
tem como objetivo o rápido controle álgico e recuperação funcional. Assim, a associação
do método percutâneo de fixação de fraturas de ossos longos com a utilização de haste
intramedular associado à cimentação com PMMA mostrou-se uma técnica eficiente, com
taxas de complicações semelhantes ao método tradicional e melhores resultados funcionais,
permitindo a rápida recuperação do paciente, sendo que estes resultados são mais proeminentes
em pacientes com acometimento dos membros inferiores quando comparados com os pacientes
com lesões em membros superiores.