CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo)
DOI: 10.1055/s-0041-1732331
Relato de Caso

Poroma écrino associado a um hidradenoma poroide devido à coexistência de uma grande massa sobre o pé: Relato de caso[*]

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1   Departamento de Ortopedia, Cirurgia do Pé e Tornozelo, Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Departamento de Ortopedia, Cirurgia do Pé e Tornozelo, Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo

O poroma écrino e o hidradenoma poroide são neoplasias poroides benignas raras, derivadas das glândulas sudoríparas écrinas. Existem quatro tipos de neoplasias poroides, conforme a posição na camada da pele, sendo denominadas hidroacantoma simples, poroma écrino, tumor do ducto dérmico e hidradenoma poroide. As neoplasias poroides geralmente surgem como uma lesão solitária, com crescimento lento, podendo apresentar diferentes apresentações clínicas, como massa sobre o pé, lesão ulcerada, cisto sólido, lesão hemorrágica ou suspeita de melanoma. As extremidades são os sítios mais comuns, especialmente as mãos e os pés. No entanto, a coexistência desses dois tumores em uma única lesão é extremamente rara. A excisão cirúrgica representa o principal tratamento, podendo ser curativa, prevenindo assim as alterações malignas e as recidivas. Descrevemos um raro tumor solitário no pé com características clínicas e histopatológicas de uma associação de poroma écrino e hidradenoma poroide tratado cirurgicamente sem recidiva no acompanhamento de médio prazo.

Nível de Evidência IV, Relato de Caso.


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Introdução

O poroma écrino (PE) e o hidradenoma poroide (HP) são neoplasias poroides (NPs) benignas raras derivadas das glândulas sudoríparas écrinas.[1] [2] [3] As NPs geralmente surgem como uma lesão solitária com diferentes manifestações clínicas, como massa sobre o pé, lesão ulcerada, cisto sólido, lesão hemorrágica ou suspeita de melanoma. Existem quatro tipos de variações de NP, classificadas em relação à posição dentro da camada da pele: hidroacantoma simples, PE, tumor do ducto dérmico e HP.[4] O PE envolve a camada basal da epiderme, enquanto o HP está confinado à derme.[3] [4] [5]

A literatura sobre a coexistência desses dois tumores em uma única lesão é escassa.[5] [6] [7] A ressecção total seguida de biópsia tem sido descrita como o tratamento principal, e pode ser curativa.[2] O presente estudo tem como objetivo relatar um caso com uma grande massa solitária sobre o pé, originado a partir de uma rara associação de PE e HP.


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Apresentação do Caso

Apresentamos um paciente do sexo masculino de 55 anos com uma grande massa não traumática e dolorosa sobre o médio-pé esquerdo (∼ 7 × 4 cm) ([Fig. 1]). Ele referiu que a lesão começou como uma mancha nodular hipercrômica na pele e cresceu lentamente nos últimos 8 anos. Ao exame físico, o tumor apresentava bordas bem definidas e consistência fibroelástica, não aderindo ao tecido mole circundante. A mancha nodular hipercrômica tinha o tamanho aproximado de 1,5 × 1cm.

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Fig. 1 (A) Vista clínica frontal e (B) lateral de grande massa sobre o médio-pé, com bordas bem definidas, consistência fibroelástica e não aderente ao tecido mole circundante. O nódulo preto ligeiramente elevado na parte superior é a porção PE, e a maior parte do tumor cístico é a porção HP.

Foi realizada a ultrassonografia para confirmação de sua forma cística e análise do conteúdo. O resultado foi uma formação cística translúcida bem definida medindo 72 × 46 × 26 mm, com 3 mm de um conteúdo fluido homogêneo dentro do tecido subcutâneo ([Fig. 2]). Havia a suspeita de que o tumor cístico poderia ser um cisto sinovial comum. Porém, solicitamos avaliação dermatológica, devido à presença de uma mancha preta na pele sobre o cisto. Cogitou-se a hipótese de que o diagnóstico diferencial seria melanoma, carcinoma basocelular pigmentado e neoplasias epiteliais benignas.

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Fig. 2 Imagem de ultrassom mostrando uma formação cística translúcida bem definida, apresentando um conteúdo fluido homogêneo dentro da camada derme (componente HP) e uma formação sólida na camada epiderme (componente PE).

Foi realizada a ressecção total do tumor, já que o seu aspecto clínico e as imagens ultrassonográficas apresentavam características benignas. Foi realizada uma abordagem dorsomedial longitudinal centralizada sobre o tumor a partir da articulação do tornozelo até o terço distal do primeiro metatarso, sendo a mancha preta removida totalmente em forma de elipse. Nossa decisão por esta abordagem foi porque ela permitiria dissecar o tumor medial e lateralmente, com menos manipulação dos tecidos moles, já que a pele sobre os tumores císticos tende a ser fina ([Fig. 3]). Durante a dissecção, foi tomado todo o cuidado para evitar danos ao ramo nervoso do nervo fibular profundo, ao nervo safeno e à veia, bem como à artéria dorsal do pé. Conseguimos dissecar e excisar totalmente o tumor com uma margem limpa ([Fig. 3]). Em seguida, o tumor foi encaminhado para análise anatomopatológica.

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Fig. 3 (A) Abordagem dorsal e (B) tumor totalmente excisado. Após a ressecção, observou-se o aspecto cístico da lesão.

O exame histopatológico confirmou que o tumor era uma NP, consistindo de ambos os componentes da derme (hidradenoma poroide) e da epiderme (poroma écrino). A maioria das neoplasias era da derme. Essa porção era caracterizada por partes císticas e sólidas. A parte sólida era a parede do cisto, abrangendo uma ou duas camadas de células poroides e cuticulares com citoplasma rosa ([Fig. 4]). A porção da epiderme era caracterizada por um tumor sólido, consistindo principalmente de células cuboides pequenas, escuras e monomórficas, com citoplasma escasso e núcleo redondo, conhecidas como células poroides ([Fig. 4]). Não havia características histológicas de malignidade.

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Fig. 4 Exame histopatológico mostrando que a neoplasia era constituída por componentes epidérmicos (poroma écrino) e dérmicos (hidradenoma poroide). O componente marrom escuro (A) corresponde ao componente epiderme da neoplasia, enquanto o componente claro (B) corresponde ao componente derme. O componente da epiderme estava repleto de pequenas células uniformemente cuboides (setas pretas); também foram encontrados alguns espaços ductais relacionados dentro do tumor (setas azuis). O componente da derme apresentou-se como tumor cístico com conteúdo líquido circundado por uma parede sólida (seta branca). A parede do cisto era constituída por camadas de células poroides e cuticulares achatadas. (Hematoxilina-Eosina 100x).

Após 43 meses de acompanhamento, o paciente permanece assintomático e totalmente ativo. Ele voltou às suas atividades anteriores sem limitações físicas. Não foram observados sinais clínicos de recidiva até agora ([Fig. 5]).

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Fig. 5 Aspecto clínico do acompanhamento após 43 meses da excisão do tumor. Não havia sinais de recidiva da massa na região dorsal do pé esquerdo.

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Discussão

A coexistência de PE e HP é rara, restrita a poucos relatos de casos no joelho e nas partes superior e inferior das costas.[8] [9] Porém, eles têm demonstrado evolução clínica satisfatória após a excisão completa do tumor. Não foi observada nenhuma característica de malignidade na análise patológica e nenhum sinal de recorrência. O presente estudo relata um caso único de grande tumor solitário sobre o pé, consistindo de uma associação de PE e HP, que foi tratado com sucesso através da ressecção cirúrgica, sem sinais de malignidade e recorrência. Até onde se tem conhecimento, apenas descrições de apresentações separadas desses tumores nos pés foram publicadas.

O PE e o HP compartilham a origem histológica, as características celulares semelhantes às células tumorais monomórficas, a diferenciação ductal e a necrose.[7] No entanto, clinicamente, apresentam aspectos diferentes. Frequentemente, o PE é uma lesão sólida não cística, com aspectos nodulares, granulares e papilados de várias cores. O HP se apresenta como um tumor sólido e cístico localizado inteiramente na derme.[6] Diferentemente do PE, o HP não ocorre na palma da mão ou na planta do pé.[7] Nosso paciente apresentava uma lesão solitária com características clínicas de PE e HP, nas formas de uma mancha nodular hipercrômica e de uma formação cística, respectivamente.

A etiologia desses tumores é desconhecida. A inflamação e a regeneração tissular podem ter grande importância, já que existem descrições de associação a traumas, cicatrizes, exposição à radiação e imunossupressão.[7] No entanto, o tumor do nosso paciente cresceu sem qualquer trauma, infecção local anterior, doenças imunossupressoras ou histórico de exposição à radiação. Em geral, uma das hipóteses etiológicas dessa associação é porque, provavelmente, algumas partes da pele e das glândulas sudoríparas podem ser induzidas à via da tumorigênese ao mesmo tempo.[5] Embora raro, o PE pode evoluir para um porocarcinoma écrino (PCE).[2] [10]

A descrição do diagnóstico e do tratamento desse tumor raro pode ajudar o cirurgião ortopédico na busca por tumores cutâneos como um diagnóstico diferencial de tumores nos pés. Ficou demonstrado que a excisão cirúrgica foi um tratamento eficaz, sem recorrência do tumor no acompanhamento de médio prazo.


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Conflito de interesses

Os autores declaram não ter conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


* Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia, Cirurgia do Pé e Tornozelo do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil


  • Referências

  • 1 Moeller CA, Welch RH, Kaplan DL. An enlarging tumor of the foot. Eccrine poroma. Arch Dermatol 1987; 123 (05) 653-654 , 656
  • 2 Wong MW, Tse GM. Eccrine poroma: a differential diagnosis in chronic foot lesions. Foot Ankle Int 2003; 24 (10) 789-792
  • 3 Soyer HP. Neoplasms with eccrine differentiation. Acta Dermatovenerol APA 1997; 6 (04) 151-154
  • 4 Abenoza P, Ackerman AB. Neoplasms With Eccrine Differentiation: Ackerman's Histologic Diagnosis of Neoplastic Skin Diseases: A Method by Pattern Analysis. Philadelphia: Lea & Febiger; 1990: 536
  • 5 Chiu HH, Lan CC, Wu CS, Chen GS, Tsai KB, Chen PH. A single lesion showing features of pigmented eccrine poroma and poroid hidradenoma. J Cutan Pathol 2008; 35 (09) 861-865
  • 6 Misago N, Kohda H. A single lesion demonstrating features of eccrine poroma and poroid hidradenoma. J Dermatol 1995; 22 (10) 773-779
  • 7 Soyer HP. Neoplasms with eccrine differentiation. Acta Dermatovenerologica 1997; 06 (97) 151-154
  • 8 Casper DJ, Glass LF, Shenefelt PD. An unusually large eccrine poroma: a case report and review of the literature. Cutis 2011; 88 (05) 227-229
  • 9 Mulinari-Brenner FA, Mukai MM, Bastos CA, Filho EA, Santamaria JR, Neto JF. Porocarcinoma écrino: relato de quatro casos e revisão da literatura [Eccrine porocarcinoma: report of four cases and literature review]. An Bras Dermatol 2009; 84 (05) 519-523
  • 10 Galadari E, Mehregan AH, Lee KC. Malignant transformation of eccrine tumors. J Cutan Pathol 1987; 14 (01) 15-22

Endereço para correspondência

Danilo Ryuko Cândido Nishikawa, MD
Department of Orthopaedic, Foot and Ankle Surgery, Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
Rua Castro Alves, 60, Aclimação, São Paulo, SP, 01532-000
Brasil   

Publication History

Received: 03 April 2021

Accepted: 23 April 2021

Article published online:
01 October 2021

© 2021. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

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Fig. 1 (A) Vista clínica frontal e (B) lateral de grande massa sobre o médio-pé, com bordas bem definidas, consistência fibroelástica e não aderente ao tecido mole circundante. O nódulo preto ligeiramente elevado na parte superior é a porção PE, e a maior parte do tumor cístico é a porção HP.
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Fig. 2 Imagem de ultrassom mostrando uma formação cística translúcida bem definida, apresentando um conteúdo fluido homogêneo dentro da camada derme (componente HP) e uma formação sólida na camada epiderme (componente PE).
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Fig. 3 (A) Abordagem dorsal e (B) tumor totalmente excisado. Após a ressecção, observou-se o aspecto cístico da lesão.
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Fig. 4 Exame histopatológico mostrando que a neoplasia era constituída por componentes epidérmicos (poroma écrino) e dérmicos (hidradenoma poroide). O componente marrom escuro (A) corresponde ao componente epiderme da neoplasia, enquanto o componente claro (B) corresponde ao componente derme. O componente da epiderme estava repleto de pequenas células uniformemente cuboides (setas pretas); também foram encontrados alguns espaços ductais relacionados dentro do tumor (setas azuis). O componente da derme apresentou-se como tumor cístico com conteúdo líquido circundado por uma parede sólida (seta branca). A parede do cisto era constituída por camadas de células poroides e cuticulares achatadas. (Hematoxilina-Eosina 100x).
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Fig. 5 Aspecto clínico do acompanhamento após 43 meses da excisão do tumor. Não havia sinais de recidiva da massa na região dorsal do pé esquerdo.
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Fig. 1 (A) Frontal and (B) lateral clinical views of the large mass over the midfoot with well-defined edges and fibroelastic consistency, not adherent to the surrounding soft tissue. The slightly elevated black nodule on the top is the EP portion and most of the cystic tumor is the PH portion.
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Fig. 2 Ultrasound image showing a well-defined translucent cystic formation with a homogeneous fluid content within the dermis layer (PH component) and a solid formation in the epidermis layer (EP component).
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Fig. 3 (A) Dorsal approach and (B) the tumor totally excised. After resection, the cystic aspect of the lesion was observed.
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Fig. 4 Histopathologic examination showing that the neoplasm consisted of both epidermal (Eccrine poroma) and dermal (Poroid Hidradenoma) components. The dark brown component (A) corresponds to the epidermis component of the neoplasm while the light one (B), to the dermis component. The epidermis component was full of small uniformly cuboid cells (black arrows), and some associated ductal spaces were also found within the tumor (blue arrows). The dermis component presented as a cystic tumor with fluid content surrounded by a solid wall (white arrow). The cyst wall consisted of layers of flattened poroid and cuticular cells. (Hematoxylin and Eosin 100x).
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Fig. 5 Clinical aspect of follow-up after 43 months of the excision of the tumor. There was no sign of recurrence of the mass in the dorsal of the left foot.