Open Access
CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(03): 462-466
DOI: 10.1055/s-0041-1731418
Artigo Original

Cirurgia de Bankart artroscópica: Resultados clínicos com seguimento mínimo de 10 anos

Article in several languages: português | English
1   Serviço de Ombro, Hospital Ortopédico BH, Belo Horizonte, MG, Brasil
,
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Resumo

Objetivo Avaliar o desfecho funcional dos pacientes submetidos ao reparo de Bankart artroscópico no longo prazo.

Métodos Avaliação retrospectiva de 41 pacientes (45 ombros) operados entre 1996 e 2009 acompanhados por um período médio de 14,89 anos. Foram feitas análises das pontuações funcionais de University of California, Los Angeles (UCLA) e Carter-Rowe, exame físico e análises de prontuários.

Resultados O escore Carter-Rowe apresentou melhora média de 46,11 pontos, com média final de 85,89 pontos, e o UCLA apresentou melhora de 31,33 pontos. Um total de 10 pacientes (22,22%) apresentou recidiva, sendo o número de luxações pré-operatórias o fator mais correlacionado.

Conclusão Foi demonstrado que o número de luxações pré-operatórias influenciou negativamente na taxa de falha.


Introdução

A cirurgia de Bankart artroscópica tem apresentado menos complicações, tempo cirúrgico reduzido, menor morbidade e menos dor no pós-operatório quando comparada à cirurgia aberta.[1] [2] [3] Entretanto, foi observada uma deterioração dos seus resultados ao longo do tempo. Se, no seguimento curto, a recidiva oscila entre 8 e 11%, no seguimento longo ela se encontra entre 12,5 e 35%.[4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15]

O propósito do presente estudo é avaliar a taxa de recidiva e os fatores predisponentes à sua ocorrência em pacientes submetidos ao reparo artroscópico da lesão de Bankart com seguimento mínimo de 10 anos. Secundariamente, o estudo busca identificar se houve melhora dos escores funcionais com a cirurgia. Acreditamos que as taxas de recidiva estão próximas de 30% e que existam fatores predisponentes à falha cirúrgica.


Materiais e Métodos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e não recebeu financiamento para sua realização. Os pacientes registraram sua anuência através do termo de consentimento livre e esclarecido.

O presente trabalho analisou de maneira retrospectiva pacientes submetidos à cirurgia de Bankart artroscópica como forma primária de tratamento da instabilidade anterior recidivante do ombro no período de janeiro de 1996 a novembro de 2009. As avaliações do final do seguimento foram feitas através de nova convocação dos pacientes. Foram incluídos pacientes com seguimento mínimo de 10 anos que apresentavam registro completo de suas informações. Foram excluídos pacientes com rotura completa associada do manguito rotador; aqueles que apresentavam uma perda óssea da glenóide > 25% mensurada pela radiografia na incidência de perfil de Bernageau,[16] além daqueles que possuíam diagnóstico de instabilidade multidirecional e os impossibilitados de completar todas as avaliações.

A mensuração da perda óssea glenoidal foi realizada através do método de perfil de Bernageau, conforme descrito em seu trabalho, avaliando o lado acometido através da imagem do “perfil estrito” da glenóide. Para tal, dividiu-se os 2 terços inferiores da glenóide em 4 partes iguais e, dessa forma, foi mensurado o percentual de perda óssea em < 25%, de 25 a 50%, de 50 a 75%; ou > 75%.[16]

Para avaliação da osteoartrose, os pacientes realizaram radiografias de ombro na incidência anteroposterior verdadeira com o braço em rotação neutra. Os resultados foram classificados em 3 tipos, segundo Samilson et al.:[17] leve – osteófito < 3 mm; moderado – osteófito de 3 a 7 mm e suave irregularidade da superfície articular; grave – osteófito > 7 mm, perda do espaço articular e esclerose óssea.

Todos os procedimentos foram realizados em decúbito lateral sob anestesia geral e bloqueio do plexo braquial. Foram utilizados 3 portais artroscópicos (posterior, anterossuperior e anteroinferior) e ótica de 30°. O reparo das lesões foi executado com âncoras metálicas de 3,5 mm carregadas com fios de alta resistência.

Foram coletadas informações de prontuários como gênero, lateralidade, dominância, prática esportiva (pré- e pós-operatória), tipo de esporte (contato ou não contato), nível de participação (amador ou profissional), mecanismo de trauma e idade no primeiro episódio de instabilidade. Foram também registrados o tempo transcorrido entre o primeiro episódio de instabilidade e o tratamento cirúrgico, assim como a idade em que o procedimento foi realizado, o número de recidivas até sua realização e o retorno à prática esportiva.

Para avaliação funcional, foram utilizados os escores de Carter-Rowe e University of California, Los Angeles UCLA.[18] [19] O primeiro foi avaliado de forma comparativa antes e após o procedimento cirúrgico. O segundo foi avaliado somente no pós-operatório. Os resultados do escore UCLA foram agrupados, sendo considerados pontuação excelente 34 e 35, bom 28 a 33, regular 21 a 27, e ruim < 20. Em relação ao escore de Carter-Rowe, foi considerado resultado excelente quando a pontuação foi de 90 a 100, bom de 75 a 89, razoável de 51 a 74, e ruim quando < 50 pontos.

O exame físico dos pacientes ao final do seguimento englobou a mensuração comparativa da rotação lateral dos ombros direito e esquerdo com membro aduzido junto ao corpo e utilização do goniômetro. Os mesmos ainda foram submetidos ao teste de apreensão anterior, sendo considerada positividade a iminência da instabilidade articular. A presença de dor não foi considerada positividade do teste. A análise de hiperfrouxidão capsuloligamentar foi realizada seguindo os critérios de Beighton et al.[20] Essa condição foi definida por uma pontuação do escore ≥ 4.

Foi considerado critério de recidiva pós-operatória a ocorrência de um novo episódio de luxação ou subluxação. Foi registrada a persistência da positividade no teste de apreensão sem a presença de recidiva, ressaltando que positividade desse teste isolada não foi considerada falha em nosso trabalho.

A avaliação estatística foi dividida na análise descritiva, de associação, e de regressão logística. As análises dos dados foram realizadas no programa IBM SPSS Statistics for Windows, versão 23.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). O teste utilizado para a análise das associações das variáveis qualitativas foi o teste de qui-quadrado de Pearson e o de Monte Carlo, quando necessário. Para a análise das associações das variáveis quantitativas, foram utilizados os testes de Kruskall-Wallis e U de Mann-Whitney. Regressão logística múltipla foi utilizada para identificar os principais fatores de risco associados à recidiva. O nível de significância utilizado em todo o estudo foi de 5%.


Resultados

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 41 pacientes (45 ombros) totalizaram a amostra. O tempo médio de seguimento foi de 14,89 anos (mínimo de 10 anos e máximo de 23 anos). As variáveis qualitativas e quantitativas podem ser observadas nas [Tabelas 1] e [2]. As recidivas totalizaram 22,20% (9 luxações e 1 subluxação), sendo que em 2 destes casos havia lesões de Bankart ósseo < 25% da glenóide, e ambas evoluíram com luxação. Ao final do seguimento, quatro pacientes apresentavam teste de apreensão positivo.

Tabela 1

Variável

n

%

Gênero

Masculino

Feminino

34

7

82,92

17,07

Lateralidade

Direito

Esquerdo

23

22

51,11

48,89

Dominância

Destro

Sinistro

35

6

85,36

14,63

Hiperfrouxidão

Sim

Não

2

39

4,87

95,12

Prática esportiva

Sim

Não

33

8

80,48

19,51

Tipo de esporte

Contato

Não Contato

17

16

51,51

48,48

Nível da prática esportiva

Amador

Profissional

23

10

69,69

30,30

Mecanismo de trauma no primeiro episódio

Trauma

Convulsão

Outros

42

1

2

93,33

2,22

4,44

Tabela 2

Variável

n

Média

Desvio padrão

Mínimo

Máximo

Idade no primeiro episódio de luxação (anos)

45

28,60

11,35

12,00

62,00

Tempo entre primeiro episódio e cirurgia (anos)

45

3,37

5,32

0,04

25,00

Número de recidivas até a cirurgia

45

8,60

8,48

1,00

30,00

Idade no momento da cirurgia (anos)

45

31,76

11,10

18,00

63,00

Tempo entre cirurgia e recidiva (anos)

10

5,40

3,47

1,00

10,00

Idade na recidiva (anos)

10

34,20

9,13

24,00

49,00

Número de âncoras

45

3,13

0,73

2,00

5,00

Limitação de rotação lateral (graus)

45

7,38

8,59

0,00

30,00

Os resultados do escore Carter-Rowe estão evidenciados na [Tabela 3]. Houve uma melhora de 46,11 pontos em média (de 39,79 para 85,89). Ao final do seguimento, o escore de UCLA totalizou 31,33 pontos em média. Desses, 19 pacientes apresentaram excelentes resultados, 17 foram classificados como bons, 7 apresentaram resultados regulares, e apenas 2 tiveram resultados ruins ([Tabela 4]).

Tabela 3

Carter Rowe

Pré-operatório

Pós-operatório

Excelente

1

34

Bom

1

2

Razoável

5

0

Ruim

38

9

Total de ombros operados

45

45

Tabela 4

Variável

n

%

UCLA categorizado

Ruim

2

4,44

Regular

7

15,56

Bom

17

37,78

Excelente

19

42,22

A artrose estava ausente em 41 ombros (91,11%) da amostra no período pré-operatório. Já no final do seguimento, 19 ombros (42,23%) operados apresentavam artrose, sendo 16 casos (35,56%) tipo 1, 3 casos (6,67%) do tipo 2 e nenhum caso tipo 3 ([Tabela 5]).

Tabela 5

Variável

n

%

Samilson pré operatório

Ausência de artrose

41

91,11

Artrose leve

4

8,89

Samilson ao fim do seguimento

Ausência de artrose

26

57,78

Artrose leve

16

35,56

Artrose moderada

3

6,67

Ao final do seguimento, 75,56% pacientes retornaram à prática esportiva, sendo predominantemente sem contato (61,76%) e de nível amador (52,94%).

Foi observada uma associação estatisticamente significativa entre o número de episódios de instabilidade antes da cirurgia e falha do procedimento de Bankart (p = 0,019).

A análise de regressão logística binária múltipla demonstrou que cada recidiva da instabilidade, no pré-operatório, está associada a um aumento na chance de falha cirúrgica em 1,118 vezes (intervalo de confiança [IC] 95%: 1,0–1,2; p = 0,012).


Discussão

O presente estudo evidenciou 22,22% de falha do Bankart artroscópico ao final do seguimento mínimo de 10 anos, com ocorrência em média 5,4 anos após a cirurgia. Este achado condiz com a literatura, que demonstra taxas entre 12,5 e 35% quando avaliadas a longo prazo.[4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15]

A literatura evidencia que 50% das recidivas ocorrem nos primeiros 2 anos após o procedimento, com acréscimo de 25% ao final de 5 anos.[6] [15] [21] Esta informação foi confirmada através de avaliação do reparo artroscópico de Bankart com seguimento mínimo de 2 anos realizada por nosso grupo, que observou 8,9% de falhas e apreensão residual em 2,2%,[5] sendo que outro trabalho nacional com o mesmo tempo de seguimento encontrou taxas de 11,7 e 24,46%, respectivamente.[22] Vale ressaltar que os critérios de avaliação são divergentes e que alguns autores consideram um teste de apreensão persistentemente positivo indicativo de recidiva.[23] Este fator não foi considerado em nosso trabalho.

Vários autores demonstraram um ganho funcional satisfatório com a realização da cirurgia de Bankart artroscópica quando avaliada em seguimento longo. Considerando o escore de Carter-Rowe pós-operatório, nosso estudo encontrou ao final do período de avaliação uma média de 85,89, e este valor condiz com os resultados de outros autores, cujas médias variaram entre 76,0 e 90,5.[7] [8] [13] [24] [25] Em relação ao escore de UCLA no final do seguimento, nosso grupo encontrou uma média de 31.33, semelhante ao valor encontrado por Castagna et al.,[8] que obtiveram uma média de 32,1 ao final do período de avaliação.

Aboalata et al.[7] demonstraram relação direta entre as recidivas cirúrgicas e o número de episódios de luxações pré-operatórios. Nosso trabalho confirmou essa tendência com significância estatística e corrobora a importância de uma intervenção cirúrgica precoce. Essa proposta visa reduzir as recidivas e consequentes perdas ósseas da glenóide, já observadas por diversos autores como fator de influência negativa no resultado da cirurgia de Bankart.[26] [27] [28] Seu impacto pode ser observado em nossos resultados que constataram luxação ao final do seguimento nos 2 casos da amostra com Bankart ósseo.

Dos pacientes da amostra, 42,23% desenvolveram osteoartrose secundária ao reparo artroscópico de Bankart, valor semelhante ao que foi relatado na literatura, em que as taxas variam de 39 a 80%.[8] [10] [23] [29] [30]

No nosso entendimento, o presente estudo representa o primeiro na literatura nacional a reportar os resultados do Bankart artroscópico com seguimento mínimo de 10 anos. A principal limitação refere-se ao caráter retrospectivo formado por uma série de casos compondo uma amostra pequena, tratada cirurgicamente em uma época em que os efeitos das perdas ósseas sobre as recidivas eram subestimados e precariamente quantificadas pelos métodos utilizados.


Conclusões

Em seguimento mínimo de 10 anos, a recidiva do procedimento de Bankart artroscópico foi de 22,20%, sendo semelhante ao descrito na literatura. O número de recidivas pré-operatórias foi o principal fator impactante nas falhas após a cirurgia.



Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Trabalho realizado pelo Grupo de Cirurgia e Reabilitação do Ombro de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil.



Endereço para correspondência

Pedro Couto Godinho, MD
Rua Santa Rita Durão, 61
Apt. 901, Belo Horizonte, MG, Brasil, 0140-110

Publication History

Received: 15 June 2020

Accepted: 11 February 2021

Article published online:
28 October 2021

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