CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(04): 569-576
DOI: 10.1055/s-0041-1731359
Artigo Original
Quadril

Reduzindo as transfusões de sangue em pacientes com artroplastia total primária do quadril: A eficácia dos testes rápidos de Hb e uma clínica especializada em anemia pré-operatória[*]

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1   Hospital Universitário de Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester, Reino Unido
,
Michail Samaras
1   Hospital Universitário de Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester, Reino Unido
,
Urjit Chatterji
1   Hospital Universitário de Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester, Reino Unido
,
Richard Power
1   Hospital Universitário de Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester, Reino Unido
,
Hafiz Qureshi
1   Hospital Universitário de Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester, Reino Unido
› Author Affiliations
 

Resumo

Objetivo A anemia pré-operatória em pacientes ortopédicos, está associada a maiores taxas de transfusão de sangue alogênico, resultando em desfechos mais desfavoráveis. Até 25% dos pacientes encaminhados para cirurgia ortopédica de grande porte, apresentam algum grau de anemia. O controle adequado do sangue do paciente no perioperatório é essencial, a fim de reduzir as sequelas da anemia e a necessidade de transfusões. Avaliamos a eficácia do teste rápido, em conjunto com uma clínica especializada no tratamento da anemia pré-operatória, com o objetivo de detectar e tratar a anemia dos pacientes a serem submetidos a artroplastia total primária do quadril.

Métodos A comparação das taxas totais de transfusão de sangue alogênico, foi realizada em pacientes submetidos a artroplastia total primária do quadril, antes e depois da implementação dos testes rápidos e da clínica especializada no tratamento da anemia pré-operatória ao longo de um ano. Também foi feita uma comparação entre os pacientes com anemia, que foram encaminhados para a clínica, com aqueles que não foram encaminhados. Foram revisados os níveis de hemoglobina pré-operatória, as taxas de transfusão de sangue alogênico e o tratamento clínico em 1.095 pacientes.

Resultados Houve uma redução significativa nas taxas de transfusão, em pacientes submetidos à ATQ primária, caindo de 10,0% para 6,2% (p <0,05, teste χ2), após a implementação do teste rápido e da clínica especializada em anemia pré-operatória. A taxa de transfusão de sangue alogênico para pacientes anêmicos tratados na clínica foi de 6,7%, em comparação com 26,9% para pacientes anêmicos no pré-operatório, que não foram tratados na clínica (p <0,05, teste exato de Fisher). Em média, o tratamento na clínica aumentou a taxa de hemoglobina dos pacientes em 20 g/L, passando de 104 g/L para 124 g/L p <0,001.

Conclusões O teste rápido, juntamente com a clínica especializada no tratamento da anemia pré-operatória, reduziu a necessidade de transfusão de sangue alogênico perioperatório, em pacientes submetidos a artroplastia total primária do quadril, proporcionando uma identificação rápida e um tratamento eficaz da anemia pré-operatória.


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Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define anemia como uma concentração de hemoglobina de <120 g/L em mulheres não grávidas e <130 g/L em homens.[1] A anemia pré-operatória não tratada está associada a maior morbidade, mortalidade e tempo de internação,[2] [3] [4] [5] apresentando um risco 3 vezes maior de necessitar de transfusão de sangue alogênico (TSA).[6] A TSA está associada à riscos inerentes, consistindo de infecções, cicatrização retardada dos ferimentos, sobrecarga de fluidos e lesão pulmonar relacionada à transfusão (TRALI).[7] [8] Os estudos também associaram a TSA a uma prolongada permanência hospitalar.[9] Além disso, os hemoderivados tem preço elevado, além de ser um recurso limitado. Portanto, tratar a anemia pré-operatória faz sentido do ponto de vista clínico e econômico da saúde.

Estima-se que 15% a 25% dos pacientes encaminhados para cirurgia ortopédica eletiva de grande porte, apresentem algum grau de anemia no pré-operatório, podendo chegar a 80% no período pós-operatório.[10] [11] As cirurgias ortopédicas são responsáveis por 10% dos glóbulos vermelhos transfundidos, sendo que na artroplastia total de quadril (ATQ), esse percentual alcança 4,6%.[12] Somente em 2017, o National Joint Registry registrou pouco mais de 105.000 ATQs, realizadas na Inglaterra e no País de Gales.[13] A artroplastia de quadril, portanto e, um dos campos mais relevantes para abordagem da anemia pré-operatória, já que frequentemente envolve perda significativa de sangue, sendo que o tempo entre o encaminhamento e a cirurgia, costuma ser longo o suficiente para detectar e tratar a anemia. Além disso, o envelhecimento da população significa mais artroplastias de quadril, em pacientes que apresentam cada vez mais fragilidade e comorbidade, inclusive a anemia.

Em 2011, a Organização Mundial da Saúde apoiou o programa Patient Blood Management (PBM) (Controle do Volume de Sangue do Paciente), com o propósito de tratar a anemia pré-operatória, consequentemente, reduzindo a necessidade de transfusões de sangue. Os três pilares de sustentação do programa PBM são: o controle da anemia pré-operatória, a redução da perda de sangue e o uso racional dos hemoderivados alogênicos.[14] O programa PBM demonstrou melhorar os resultados, ao reduzir as taxas de transfusão, morbidade, tempo de internação e as taxas de readmissão hospitalar.[15] Numerosas organizações de saúde apoiam a correção pré-operatória da anemia. Um relatório da OMS sobre a disponibilidade, segurança e qualidade dos hemoderivados, recomenda que todas as medidas razoáveis sejam tomadas, a fim de otimizar o volume de sangue do paciente no pré-operatório,[16] ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde do Reino Unido, recomenda que políticas sejam implementadas, visando a identificação e o tratamento da anemia pré-operatória nos hospitais,[17]

Este artigo descreve nossa estratégia pré-operatória no programa PBM, com o intuito de detectar e tratar os pacientes anêmicos, que são encaminhados para artroplastia total de quadril (ATQ) primária eletiva, com o uso do dispositivo de teste rápido e em conjunto com a clínica especializada em anemia pré-operatória. Foi realizada uma análise retrospectiva das taxas de TSA, em pacientes submetidos a artroplastia total de quadril (ATQ) primária, antes e após a implementação dos testes rápidos e da implantação da clínica de tratamento da anemia pré-operatória. Acreditamos que este rastreamento rápido, juntamente com a clínica de tratamento especializado, seja o primeiro modelo do tipo, destinada aos pacientes que vão ser submetidos à cirurgia de artroplastia do quadril.


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Materiais e Métodos

No momento do encaminhamento para artroplastia total primária do quadril (ATQ), todos os pacientes são submetidos a uma medição rápida dos níveis de hemoglobina na clínica ortopédica, por meio do analisador de hemoglobina (HemoCue®, ver [Fig. 1]), Este dispositivo fornece uma leitura instantânea, portanto, uma rápida identificação do quadro de anemia. Um resultado baixo leva a uma investigação mais aprofundada, caso o paciente apresente índices de Hb inferiores (<130 g/L homens ou <115 g/L mulheres), neste caso deve ser realizado um hemograma completo em laboratório. O paciente também inicia a terapia com ferro por via oral, sendo encaminhado para a Clínica de Anemia Pré-operatória de Acesso Rápido (RaPAC), um laudo expondo os resultados e o tratamento é enviado ao clínico geral do paciente. A cirurgia é colocada em uma lista espera, até que o quadro de anemia do paciente seja otimizado (ver [Fig. 2]). Em nosso departamento todos os pacientes deveriam fazer a triagem de hemoglobina com resultados instantâneos, por meio do analisador de hemoglobina Hemocue®, no momento do encaminhamento para clínica ortopédica. Infelizmente, alguns pacientes deixaram de participar, consequentemente, não foram tratados por essa clinica integrada. Esses pacientes então participaram como grupo de controle, proporcionando assim uma oportunidade para comparar a eficácia da clinica integrada, embora de forma não randomizada.

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Fig. 1 Dispositivo de testagem rápida de hemoglobina.
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Fig. 2 Diagnóstico de anemia pré-operatória.

Na clínica de tratamento da anemia, é realizada uma anamnese cuidadosa e completa, juntamente com exames de sangue adicionais. Os pacientes são submetidos a um hemograma completo, incluindo contagem de reticulócitos e CHr (conteúdo de hemoglobina reticulocitária), ferro sérico, ferritina, níveis de transferrina, saturação de transferrina, B12, folato, testes das funções renais, hepáticas e tireoidianas, LDH sérico e proteína C reativa como um marcador de inflamação. Se a história for sugestiva de qualquer sintoma de alerta neoplásico, serão solicitados exames de imagem apropriados, como TC. ou endoscopia.

Esses exames ajudam a determinar a causa da anemia no paciente pré-operatório, que pode ser complexa, assim orientando o tratamento posterior. A maioria dos pacientes tem anemia por deficiência de ferro (ADF), que pode ser devida à deficiência de ferro absoluta ou funcional. Na deficiência absoluta de ferro, os estoques de ferro são esgotados por ingestão alimentar inadequada, absorção inadequada ou aumento da perda por sangramento oculto. Em contraste, na deficiência funcional de ferro, geralmente está presente em pacientes com inflamação crônica, sendo secundária ao metabolismo anormal do ferro. A inflamação causa uma regulação positiva da hepcidina, levando à redução da absorção intestinal, consequentemente, promovendo o sequestro de ferro no fígado e macrófagos. Este processo é comumente conhecido como anemia de doença crônica. A próxima causa mais comum de anemia pré-operatória é a deficiência de B12/folato, sendo geralmente secundária à reduzida ingestão dietética, má absorção, como anemia parietal ou medicamentosa, como no caso do metotrexato.

Dependendo da causa da anemia, das comorbidades e da resposta à terapia de ferro por via oral é definido um nível de hemoglobina alvo. Isso geralmente está acima do limiar para anemia, no entanto, se houver comorbidades significativas, como insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, doença cerebrovascular, doença renal crônica avançada ou anemia grave de doença crônica, esse limiar pode não ser seguro ou difícil de ser alcançado, sendo que a hemoglobina alvo do paciente pode ser reduzida. As opções de tratamento incluem ferro por via oral de forma contínua, ferro intravenoso, quando a resposta ao ferro oral não é satisfatória ou o CHr permanecer baixo, ou ainda um ciclo curto de eritropoietina com terapia de ferro oral/parenteral. Os pacientes que responderam bem à terapia de ferro por via oral, que não apresentaram quaisquer sintomas de alerta e nem anemia, receberam alta da clínica de tratamento, sendo aconselhados a continuar com a terapia de ferro por via oral, por mais três meses após a cirurgia.

Os pacientes que ainda permaneciam anêmicos receberam um tratamento adicional com ferro por via oral. Caso o paciente não tolerasse o ferro por via oral ou na hipótese da data programada para a cirurgia ficar dentro de quatro semanas, seria iniciado o tratamento com ferro parenteral (IV). Os pacientes que necessitaram de ferro parenteral foram atendidos como um procedimento ambulatorial. Os pacientes que tinham anemia de doença crônica e aqueles que não respondiam adequadamente à terapia com ferro, foram tratados com um ciclo curto de eritropoietina, que normalmente consistia em doses semanais, pelo período de três a seis semanas (mediana 4), a fim de atingir o nível de hemoglobina alvo.

O projeto foi registrado como uma auditoria, junto ao “the trust's audit department”. A clínica de anemia pré-operatória foi criada em 2011, todos os pacientes submetidos a uma ATQ primária em 2009 e 2017, foram identificados a partir do banco de dados do “the trusts NJR”. A partir de uma lista de pacientes que compareceram à clínica de anemia pré-operatória, foram identificados todos aqueles que foram submetidos a uma ATQ primária. O departamento de transfusão de sangue do hospital teve condições de fornecer os dados de todos os pacientes, que receberam transfusão e que tenham sido submetidos a uma ATQ primária em nossa instituição. Realizamos uma análise cruzada das informações, a fim de identificar os pacientes que precisaram de uma transfusão de sangue alogênico, até duas semanas após a cirurgia. O sistema de Ambiente Clínico Integrado (ICE) do hospital, foi usado para determinar os níveis de hemoglobina pré-operatória de todos os pacientes, nos grupos de estudo submetidos a ATQ, portanto, visando identificar os pacientes que apresentavam anemia pré-operatória. A análise estatística para comparação das taxas de transfusão sanguínea foi realizada com o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, sendo que a comparação dos níveis de Hb, idade e ASA entre os grupos foi realizada com o teste U de Mann-Whitney.

As diretrizes da instituição determinam que as TSA, ocorram quando os níveis de hemoglobina caírem para <70 g/l, ou <80 g/l, caso existam comorbidades cardíacas significativas ou se o paciente for sintomático. Não houve mudanças nas diretrizes de transfusão de sangue entre 2009 até 2017. No tratamento profilático do tromboembolismo venoso pós-operatório, o fármaco dalteparina deve ser usado em paciente hospitalizado, seguida por seis semanas de aspirina 150 mg por dia, a não ser que já estivesse sob tratamento com anticoagulante de forma regular ou fosse considerado com maior risco para TEV, neste caso a dalteparina deve ser usada profilaticamente. A menos que existam contraindicações, o ácido tranexâmico 15mg/kg deve ser administrado rotineiramente no pré e pós-operatório, em pacientes submetidos à cirurgia de artroplastia de quadril. O implante de escolha da nossa instituição para a realização da ATQ primária é a haste femoral Exeter cimentada (Stryker) e a taça acetabular cimentada Contemporary (Stryker), inserida por abordagem posterior ao quadril, tendo permanecido inalterada durante o período do estudo. Também não houve alterações significativas na equipe de cirurgiões consultores, que realizaram ATQs primárias durante este período em nossa instituição.


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Resultados

Em 2009, antes da implantação da clínica de tratamento da anemia pré-operatória, nossa instituição realizou 598 ATQ primária e 497 em 2017. Um total de 60 pacientes, necessitaram de transfusões de sangue alogênico em 2009, na comparação com 31 em 2017. Houve uma redução significativa nas taxas de TSA, em pacientes submetidos a ATQ primária de 10,0% para 6,2% (p <0.05 χ2 teste) de 2009 até 2017.

Em 2009 entre os 598 pacientes que foram submetidos a uma ATQ primária, 110 (18,4%) apresentavam uma taxa de Hb <130 g/L (masculino) ou <115 g/L (feminino), dos quais 32 (29,1%) necessitaram de uma transfusão de sangue, representando 53,3% das transfusões de sangue alogênico para cirurgia ATQ primária naquele ano. As taxas de transfusão em pacientes com Hb ≥130 g/L (homem) ou ≥115 g/L (mulher) foi de 5,7% (ver [Fig. 3]).

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Fig. 3 As taxas de TSA em pacientes submetidos a ATQ primária, antes e depois da implementação da testagem rápida e da clínica especializada no tratamento da anemia.

Em 2017, entre os 497 pacientes, 82 (16,5%) apresentavam uma Hb <130 g/L para homens e <115 g/L para mulheres no momento do encaminhamento. 30 pacientes (36,5%) foram encaminhados para o ambulatório de anemia pré-operatória (média de idade 72, mediana ASA 3) e 52 (63,4%) não foram (média de idade 72, mediana ASA 3) (ver [Tabela 1]). 14 (26,9%) dos 52 pacientes não atendidos na clínica necessitaram de uma transfusão de sangue, correspondendo a 45,2% do sangue transfundido em pacientes com ATQ primária naquele ano. Apenas 2 (6,7%) dos 30 pacientes que foram atendidos na clínica necessitaram de transfusão de sangue (p <0,05 teste exato de Fisher). A taxa de transfusão no restante da população não anêmica foi de 4,4%. A concentração média de hemoglobina pré-operatória (Hb) foi de 112 g/L no grupo não tratado, em comparação com 124 g/L para aqueles foram tratados na clínica de anemia (p <0,001 teste U de Mann-Whitney). A Hb pré-operatória que foi considerada, foi aquela mais próxima da cirurgia; isso significou, em média, 11,4 dias antes da cirurgia para o grupo não tratado e 11,0 dias para o grupo tratado no ambulatório. Em média, o tratamento na clínica levou a um aumento significativo na taxa de hemoglobina de 20 g/L, passando de 104 g/L para 124 g/L (p <0,001).

Tabela 1

Encaminhados para clínica de anemia

Sim

Não

Número

30

52

Idade Mediana (anos)

72

72

ASA mediano

3

3

Sexo

Masculino

Feminino

Masculino

Feminino

Número

12

18

23

29

p = 0.71

Hb média no encaminhamento para clínica (g/L)

115

98

Não encaminhados

Hb média pré-operatória (g/L)

124

124

117

108

Média geral da Hb pré-operatória (g/L)

124

112

p<0.001

Aumento médio da Hb (g/L)

20

N/A

Hb média pré-transfusão (g/L)

86

85

Taxa de Transfusão de Sangue Alogênico (TSA)

2 (6.7%)

14 (26.9%)

p<0.05

Dos 30 pacientes tratados na clínica, 19 foram tratados com ferro por via oral, 3 necessitaram de ferro parenteral, 2 fizeram terapia com eritropoietina e 6 foram tratados com eritropoietina e ferro. A maioria dos pacientes (>60%) respondeu ao ferro oral sozinho. A infusão intravenosa de ferro era normalmente reservada para os pacientes, que apresentavam deficiência de ferro absoluta ou funcional, ou que não toleravam nem respondiam ao ferro por via oral. Quando os pacientes receberam ferro intravenoso foi administrada uma dose única fixa de 1000 mg de Monofer® (derisomaltose férrica) ou Ferrinject® (carboximaltose férrica).

Uma análise de custo-efetividade não foi incluída neste manuscrito e será assunto de uma publicação separada. No entanto, incluímos uma breve análise para comparação. Em virtude de uma redução significativa de custo nas preparações de eritropoietina na última década, o custo médio de quatro doses de eritropoietina alfa (Eprex®), usadas nesta coorte foi de £ 180 para um ciclo de 10.000 unidades semanais, durante uma média de quatro semanas.[18] O custo de uma dose única de 1000 mg de ferro intravenoso é cerca de £ 160.[19] Apenas três pacientes receberam uma dose única de ferro intravenoso a um custo total de £ 480, sendo que 8 pacientes receberam Eprex® com um custo médio de £ 180 por paciente, perfazendo um custo total de tratamento com Eprex® de £ 1.440. O custo total de ferro IV e Eprex® nesta coorte foi de £ 1.920 aproximadamente. O custo de duas unidades de concentrado de hemácias no Reino Unido é £ 332,[20] excluindo custos adicionais de comparação cruzada e administração. Com base em uma taxa de transfusão de ∼27% no grupo de controle de pacientes anêmicos no pré-operatório, estima-se que a transfusão de hemácias de ∼12 unidades totalizando £ 1.992 pode ser evitada, atingindo assim a neutralidade de custos. No entanto, isso não leva em consideração a economia com a redução do tempo de internação hospitalar, custos com pessoal e equipamentos para administração do sangue e economia com a redução de complicações secundárias à anemia. Uma vez que a grande maioria dos pacientes (>60%) nesta coorte respondeu bem apenas ao ferro oral, acreditamos que o uso criterioso e seletivo do ferro intravenoso e/ou eritropoietina pode ser vantajoso, quando estiverem envolvidos números maiores.

O tempo cirúrgico médio para uma ATQ primária em 2009 foi de 86 (13) minutos em comparação com 89 (15) minutos em 2017 (p > 0,05). Aqueles que foram tratados com eritropoietina na clínica, tiveram a data da cirurgia confirmada antes de iniciar o tratamento; isso ofereceu uma proteção adicional contra atrasos e cancelamentos. A clínica também ofereceu o benefício adicional de fornecer aos pacientes, uma avaliação médica bem antes da cirurgia, permitindo a investigação e o tratamento precoce de problemas clínicos que poderiam adiar ou cancelar a cirurgia.


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Discussão

O impacto negativo da anemia pré-operatória na morbidade e mortalidade pós-operatória, tempo de internação e ônus sobre os recursos hospitalares, tem sido bem documentado nas especialidades cirúrgicas ao longo do tempo.[5] [21] A anemia pré-operatória é um fator de risco significativo passível de mudança, na hipótese de ser necessário uma TSA no paciente cirúrgico, estando também relacionado ao aumento de outras complicações pós-operatórias, incluindo infecções, AVCs, eventos cardíacos, morte e problemas de cicatrização.[22] [23] Antigamente, as transfusões "complementares" eram realizadas antes da cirurgia, a fim de aumentar os níveis de hemoglobina do paciente; no entanto, não há evidências que respaldem este benefício para o paciente, nem uma redução das necessidades totais de transfusão perioperatória.[24] Além do mais, essa prática expõe os pacientes aos riscos da TSA, sendo um uso irresponsável de um recurso de saúde dispendioso e limitado.

Este estudo demonstrou que uma quantidade desproporcional de transfusões é necessária para os pacientes com anemia pré-operatória não tratada. Em uma situação ideal, os pacientes deveriam ter os níveis de hemoglobina, dosado pelo médico no encaminhamento, porém devido às restrições financeiras e de tempo, isso nem sempre é possível. A configuração aqui descrita engloba a identificação rápida dos pacientes que apresentam anemia, através de um analisador de testagem rápida de hemoglobina, com o objetivo de fazer triagem da anemia (Hemocue®), sendo que o tratamento eficaz é realizado por meio de uma clínica especializada em anemia pré-operatória. O modelo do aparelho que utilizamos para esta triagem é o Hemocue® 201 + , que apresenta acurácia de ± 1,5%, quando comparado ao método de referência internacional para hemoglobina (método ICSH), conforme informado pelos fabricantes.[25] O dispositivo também tem demonstrado excelentes resultados, quando usado como uma ferramenta de triagem da anemia,[26] e também quando comparado com outros dispositivos de teste de hemoglobina do mercado.[27] Outros estudos investigaram a precisão do dispositivo Hemocue®, relatando haver uma boa correlação entre os resultados instantâneos, realizados a partir deste dispositivo portátil e os exames laboratoriais tradicionais.[28] Neste estudo, o Hemocue® foi usado apenas como uma ferramenta de triagem da anemia, já que os pacientes continuaram a realizar os exames laboratoriais tradicionais, antes de serem atendidos na clínica.

Foi relatado um estudo retrospectivo sem randomização, entre os pacientes portadores de anemia que receberam tratamento e aqueles que não receberam nenhum tratamento. No entanto, os dois grupos não apresentaram diferenças em termos de idade, sexo e ASA. Contudo, este estudo forneceu evidências significativas de que a triagem rápida e a clínica especializada no tratamento da anemia, são processos eficazes na redução das necessidades de transfusão em pacientes submetidos a ATQ primária. É interessante observar, que a terapia com ferro foi adequada para a maioria dos pacientes atendidos na clínica, sugerindo que o tratamento para anemia costuma ser descomplicado e com baixo custo. A clínica também teve condições de identificar aqueles pacientes que precisaram de um tratamento mais complexo, na forma de ferro parenteral e/ou eritropoietina.

No ano de 2016,[29] A Auditoria Nacional Comparativa de Transfusão de Sangue do Reino Unido (The UK National Comparative Audit of Blood transfusion), informou que apenas 65% dos pacientes submetidos à cirurgia ATQ, que necessitaram de uma transfusão pós-operatória, tiveram seus níveis de hemoglobina dosados pelo menos 14 dias antes da cirurgia. Em nossa instituição, apenas 36% dos pacientes que preencheram os critérios para encaminhamento ao ambulatório de anemia pré-operatória, compareceram e foram tratados. A adesão dos pacientes foi excelente, todos os pacientes encaminhados à clínica de anemia pré-operatória de acesso rápido (RaPAC), cumpriram todo o tratamento. Esperamos poder resolver esta baixa taxa de triagem e encaminhamento, com a inclusão de um quadro no formulário de encaminhamento, onde seria inserido o resultado da taxa de Hb realizada por meio do dispositivo de testagem rápida, assim que a cirurgia tenha sido marcada, servindo como um alerta para o cirurgião. Esperamos que essas mudanças, juntamente com o feedback para os cirurgiões que não cumprem o procedimento de triagem e encaminhamento, venham reduzir ainda mais as necessidades de transfusão nos pacientes que estão sendo submetidos a artroplastia total primária do quadril. Essas deficiências, no entanto, exemplificam a experiência do mundo real de baixa conformidade entre médicos sobrecarregados, destacando a importância dos lembretes regulares sobre os benefícios do serviço que agora estão sendo comprovados.


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Conclusão

Uma população crescente com uma expectativa de vida cada vez maior, isto vai significar mais cirurgias de artroplastias primárias do quadril em pacientes idosos, os quais apresentam mais comorbidades, incluindo anemia. A artroplastia do quadril realizada de forma eletiva, traz o benefício para os pacientes serem encaminhados para tratamento meses antes da cirurgia. Desta forma, com tempo suficiente para a triagem e tratamento adequado da anemia, reduzindo assim as transfusões e as sequelas adversas associadas à anemia pré-operatória e às transfusões de sangue alogênico. Aqui foi descrito uma alternativa rápida de triagem e tratamento com o uso do dispositivo de testagem rápida de hemoglobina, além da clínica especializada no tratamento da anemia, trazendo melhores resultados para os pacientes. É uma excelente estratégia para qualquer hospital, que tenha como objetivo melhorar a estratégia de controle do sangue do paciente no pré-operatório, reduzindo assim a demanda por transfusões de sangue.


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Conflito de interesses

Dr. Chatterji relata honorários pessoais, provenientes da consultoria DePuyn (jon & Johnson), fora do trabalho apresentado.

Agradecimento

Leicester Arthroplasty Remote Clinic (LARC) pelo fornecimento dos dados.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


* Estudo desenvolvido no University Hospitals of Leicester, Leicester General Hospital, Gwendolen Rd, Leicester LE5 4PW.



Endereço para correspondência

Darren Sandean, MBBS
University Hospitals of Leicester, Leicester General Hospital
Gwendolen Rd, Leicester LE5 4PW
Reino Unido   

Publication History

Received: 15 July 2020

Accepted: 01 December 2020

Article published online:
01 October 2021

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Fig. 1 Dispositivo de testagem rápida de hemoglobina.
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Fig. 2 Diagnóstico de anemia pré-operatória.
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Fig. 1 Near-patient hemoglobin testing device.
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Fig. 2 Preoperative anemia diagnosis.
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Fig. 3 As taxas de TSA em pacientes submetidos a ATQ primária, antes e depois da implementação da testagem rápida e da clínica especializada no tratamento da anemia.
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Fig. 3 ABT rates for primary THR patients before and after implementing near-patient testing and a dedicated anemia clinic.