Palavras-chave
enxertos - ortopedia - ligamento cruzado anterior
Introdução
Devido a sua alta incidência na população economicamente ativa, há grande interesse nos avanços de técnicas cirúrgicas de reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA), inclusive em relação aos enxertos utilizados.[1] Apesar dos avanços, estima-se que ∼ 25% dos pacientes evoluem com falha nos 10 anos seguintes à cirurgia primária, seja por ruptura do enxerto ou por falha clínica; portanto, muitos destes são submetidos a nova cirurgia, necessitando um segundo enxerto.[2]
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Considerado por alguns autores como o “enxerto esquecido”, o tendão do músculo quadríceps é versátil e pode ser usado com ou sem plugue ósseo na reconstrução ligamentar.[4] As vantagens incluem resposta clínica favorável e baixa morbidade do sítio doador, principalmente quando é retirado sem o plugue ósseo. Podem ocorrer complicações, como extravasamento de líquido durante a artroscopia, gap muscular, retração do reto femoral, deformidade estética e hematoma no local do enxerto.[5]
Ainda que seja um tendão versátil, apenas 1% dos cirurgiões optam por utilizar o tendão quadricipital como enxerto na reconstrução do LCA em decorrência da não familiaridade com as técnicas de retirada do enxerto e falta de instrumentação específica.[4]
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O presente artigo tem o objetivo de descrever uma técnica de retirada do enxerto quadricipital na qual a camada mais profunda, composta pelo vasto intermédio, é mantida.
Descrição Técnica
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa através do parecer 35471420.2.0000.5225.
Técnica Cirúrgica
Passo 1: Preparação e Posicionamento do Paciente
O paciente é posicionado em decúbito dorsal, geralmente sob raquianestesia. O joelho é posicionado a 90°. Após o esvaziamento do membro com bandagem de Esmarch, o garrote é insuflado ([Figura 1]).
Fig. 1 Posição de 90° do joelho.
Passo 2: Acesso e Dissecção Subcutâneo
O centro da patela é utilizado como referência no acesso da pele, o qual é iniciado do centro em direção proximal, de aproximadamente entre 4 e 5 cm. A dissecção de partes moles e do tecido subcutâneo é realizada com o auxílio de bisturi e de uma rugina.
Passo 3: Retirada do Enxerto
Após o acesso, inicia-se a incisão no enxerto pela porção medial, a entre 3 a 5 mm laterais à transição miotendínea do bordo proximal do vasto medial oblíquo até o polo proximal da patela ([Figura 2]).
Fig. 2 Primeira incisão no tendão quadricipital, a 3 a 5 mm da miotendínea medial (a. enxerto curto; b. enxerto ideal). M – medial, L – lateral.
A segunda incisão no tendão é realizada a 10 mm laterais à primeira incisão, determinando a largura do enxerto.
Disseca-se o tendão cuidadosamente, observando suas camadas. A primeira camada é a do reto femoral. Ao dissecá-lo, é possível observar uma lâmina de tecido adiposo separando-o da confluência do vasto medial e lateral. Em seguida, aprofunda-se o bisturi abaixo da gordura e das porções do vasto medial e lateral. Abaixo disso, como terceira camada, está o vasto intermédio, e nesta técnica temos a intenção de preservá-lo. Para auxiliar a medida da profundidade das primeiras duas camadas, a porção mais alta do corte da lâmina do bisturi número 23 pode ser um parâmetro, pois ela possui ∼ 5 mm. Essa é a profundidade aproximada da superfície do tendão quadricipital até o início da terceira camada, o vasto intermédio ([Figura 3]).
Fig. 3 Bisturi número 23, inserido no tendão quadricipital, com 5 mm de profundidade.
Após a definição da profundidade, uma pinça hemostática tipo Kelly é posicionada de forma transversal 3 cm acima do polo proximal da patela, separando o vasto intermédio íntegro do restante do quadríceps. A pinça pode ser forçada proximal e distalmente para ajudar na dissecção ([Figura 4]).
Fig. 4 Tendão quadricipital – o vasto intermédio preservado, enquanto o reto e vastos medial e lateral são reparados pela pinça cirúrgica.
Uma vez definida a camada de corte, a dissecção para proximal e distal pode ser feita de forma romba, forçando a própria pinça Kelly, ou com uma ferramenta de corte. Normalmente, preferimos fazer a dissecção proximal com uma tesoura tipo Metzenbaum e a dissecção até o plugue ósseo com bisturi.
Costumamos utilizar o cautério elétrico para a marcação do plugue ósseo, e temos a preferência por um baguette pequeno (15 mm de comprimento e 10 mm de largura). Antes de realizar os cortes laterais, o meio do plugue é perfurado com uma broca 3,5 mm para a passagem da sutura de ancoragem.
Os cortes são realizados com uma serra oscilatória com uma angulação de 45°, de modo a retirar um plugue trapezoidal. Distalmente, o corte é reto em 90°. Após o uso da serra, o plugue do leito é destacado com um osteótomo estreito . Como o tendão quadricipital envolve toda a espessura da patela, é comum que ela continue presa por parte do tendão após a soltura do bloco ósseo ([Figura 5]).
Fig. 5 Enxerto e plugue ósseo do quadríceps. Na foto, observa-se a patela ainda presa no tendão quadricipital.
Para soltar o enxerto, esta transição é dissecada cuidadosamente para não perfurar o vasto intermédio e expor a articulação, além de evitar a queda do enxerto.
Passo 4: Preparação do Enxerto
A parte tendinosa do enxerto é preparada com pontos tipo Krackov, com fio de poliéster número dois. O plugue ósseo é preparado aparando arestas para formar um túnel ósseo de menor diâmetro. Pelo furo realizado no plugue ósseo, é passado um fio de poliéster número cinco para tração.
Passo 5: Fechamento
A inspeção do leito é realizada para verificar se não houve violação da Bursa suprapatelar; caso tenha ocorrido, é realizado o fechamento por meio de uma sutura simples com fio de ácido poliglicólico número um.
Realiza-se o procedimento artroscópico antes do fechamento da pele, pois caso haja extravasamento de líquido, é possível localizar por visualização direta o local de drenagem e fechar o orifício.
O garrote é desligado e é realizada uma inspeção e hemostasia.
Não é realizado o preenchimento do defeito da patela e nem a aproximação dos bordos do tendão quadricipital, já que foi preservada a porção mais profunda do vasto intermédio.
Discussão
Ao preparar e posicionar o paciente, é importante que, ao insuflar o garrote, o joelho esteja fletido em 90° a fim de manter o músculo quadríceps em sua maior distensão, o que manterá o tendão quadricipital sob menor tensão para a retirada do enxerto.[6] Para a retirada de enxerto dos tendões flexores, o contrário é realizado: o garrote é insuflado com o joelho estendido ([Figura 1]).
Diferente das descrições que iniciam a retirada do enxerto quadricipital pelo bloco ósseo,[7] julgamos fundamental que a primeira incisão seja no tendão quadricipital. Iniciamos com uma incisão linear, paralela ao tendão, de 3 a 5 mm laterais à região miotendínea do vasto medial. O motivo de insistirmos nesse ponto é que o enxerto quadricipital é triangular e sua porção medial é mais paralela ao fêmur do que a lateral. Assim, temos o cuidado de não realizar a incisão muito lateral, pois isso nos traria um enxerto muito curto ([Figura 2]).
Existe uma fina camada de tecido adiposo que separa o reto femoral do vasto intermédio, sendo mais fácil separar o reto femoral da segunda camada do que a segunda da terceira. Como estamos propondo uma técnica na qual haja uma preservação da última camada do tendão quadricipital, é necessário aprofundar a incisão além da divisão do reto femoral com a segunda camada. Assim, aumenta-se a espessura do tendão e preserva-se o vasto intermédio. Este passo nem sempre é simples, pois há uma tendência de pararmos após o reto femoral.
Após a retirada do tendão e do garrote, consideramos importante a inspeção para verificar se há comunicação com o meio articular e a avaliação da hemostasia. Isto é especialmente importante em casos de cirurgias intra-articulares, pois essa comunicação pode causar um grande hematoma no quadríceps no pós-operatório.[5] Este tipo de hematoma é doloroso e dificulta a reabilitação. Por isso, deixamos a pele e o subcutâneo para serem fechados no final do procedimento, pois caso haja sinais de saída de líquido durante a cirurgia, pode-se fazer o fechamento.
Ferrer et al.[8] realizaram um estudo por tomografia computadorizada (TC) para verificar o padrão das patelas que sofreram fratura após a retirada do enxerto do tendão quadricipital. Fraturas são mais comuns em casos nos quais o bloco foi retirado mais lateralmente e quando excede 30% da espessura da patela. Isto reforça nosso pensamento em manter a primeira incisão próxima ao vasto medial. Também acreditamos que um baguette pequeno é o suficiente para a realização da maioria dos procedimentos que requerem este tipo de enxerto.
Considerações Finais
O início da incisão 5 mm laterais à região miotendínea medial pode evitar a retirada de um enxerto curto.
É possível retirar duas das três camadas do enxerto quadricipital preservando parte do aparelho extensor e obter um enxerto adequado.