CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(01): 128-135
DOI: 10.1055/s-0041-1726059
Artigos Originais
Ombro e Cotovelo

Avaliação isocinética do ombro após procedimento cirúrgico de Bristow/Latarjet em atletas[*]

Article in several languages: português | English
1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo

Objetivos Avaliar a força muscular dos rotadores medial (RM) e lateral (RL) do ombro após cirurgia de Bristow/Latarjet.

Métodos Estudo transversal com 18 pacientes (36 ombros). A avaliação isocinética foi realizada por meio do dinamômetro Biodex 3 System Pro (Biodex Medical System, Inc., Shirley, NY, EUA). A escala de avaliação dos resultados do ombro do esportista (EROE) e a escala visual analógica (EVA) da dor foram aplicadas.

Resultados Os valores do pico de torque e o trabalho máximo no modo concêntrico e excêntrico no ombro não-operado foram maiores que no lado operado, tanto para o RM e como para o RL (p < 0,01). O equilíbrio convencional e funcional entre o RL e o RM não apresentou diferenças entre o lado operado e o não operado. Na comparação entre pacientes com o tempo pós-operatório < 1 ano ou ≥ 1 ano, não se observou diferenças nos valores do pico de torque em 60°/s e 240°/s e do trabalho máximo em 60°/s e 240°/s do RM para o ombro operado. No entanto, os valores de do pico de torque em 60°/s e 240°/s e do trabalho máximo em 60°/s e 240°/s do RL foram superiores em indivíduos com tempo pós-cirúrgico ≥ 1 ano em todas as variáveis (p < 0,05).

Conclusões Houve diminuição da força do RM e do RL no ombro operado em relação ao ombro saudável; porém, o equilíbrio convencional e funcional foi mantido.


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Introdução

A articulação glenoumeral é a que tem maior mobilidade no ser humano. Esta grande amplitude de movimento, juntamente com a baixa congruência óssea entre a cavidade glenoidal e a cabeça do úmero, confere-lhe maior suscetibilidade ao deslocamento.[1] [2]

O procedimento de estabilização Bristow/Latarjet é um tratamento cirúrgico descrito para luxação anterior recidivante do ombro em pacientes com déficit capsular e ósseo. Tanto o procedimento aberto como o artroscópico produzem excelentes resultados clínicos com baixas taxas de recidiva.[3] [4] [5] [6] [7] [8] [9]

De fato, uma das grandes preocupações no pós-operatório são as complicações normalmente relatadas, tais como diminuição ou perda da amplitude de movimento do ombro. Esta questão é de grande relevância na medicina esportiva atual, pois o retorno ao gestual esportivo anterior à lesão é primordial para o atleta. A transferência através do músculo subescapular representa uma violação do estabilizador ativo mais importante da articulação glenoumeral. Esta agressão cirúrgica pode levar à atrofia e ao desequilíbrio da musculatura do ombro.[10] [11] [12] [13] [14] [15]

Neste sentido, as avaliações de imagens e isocinéticas têm sido referidas, tanto na seleção dos pacientes com melhor indicação cirúrgica quanto no pós-operatório, permitindo um programa de reabilitação adequado e direcionado. No entanto, poucos estudos descreveram problemas específicos que afetariam o sistema da articulação do ombro após cirurgia da instabilidade anterior, através da metodologia isocinética, cuja avaliação pode servir como uma ferramenta útil para o retorno do atleta ao esporte.[11] [12] [13] [14] [15]

Os objetivos do estudo foram: avaliar o resultado funcional; avaliar a força muscular dos rotadores medial (RM) e lateral (RL) do ombro após cirurgia de Bristow/Latarjet; analisar a associação entre o padrão de força e o tempo de cirurgia, e verificar se existe associação entre a perda de amplitude de movimento com os parâmetros isocinéticos. A hipótese é que a cirurgua de Bristow/Latarjet leva a uma diminuição de força dos RMs e RLs, com manutenção do equilíbrio funcional.


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Metodologia

Este foi um estudo observacional, transversal que analisou pacientes atendidos no período de janeiro de 2013 a dezembro 2017 no ambulatório de ombro da nossa instituição. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para a participação na pesquisa antes da coleta dos dados. O projeto foi aprovado pela Plataforma Brasil e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com número CAAE: 89698818.5.0000.5505.

Foram incluídos os atletas com diagnóstico de instabilidade anterior traumática do ombro com o tempo de pós-operatório de Bristow ou Latarjet maior que 6 meses.

Os critérios de não-inclusão foram: cirurgia prévia no ombro, presença de lesões associadas, tais como lesão do manguito rotador ou lesão do labrum superior anterior a posterior (SLAP, na sigla em inglês), e presença de lesões no ombro contralateral.

Foram excluídos pacientes que apresentaram dor ou desconforto durante a avaliação isocinética.

O presente estudo incluiu 23 pacientes, cujo tamanho amostral baseou-se em uma série de casos operados em nossa instituição. No entanto, foram excluídos três pacientes que já haviam sido submetidos a um procedimento cirúrgico prévio e dois pacientes que apresentaram alterações no ombro contralateral (instabilidade anterior). Dessa forma, um total de 18 pacientes (36 ombros) foram avaliados.

Os pacientes foram selecionados de acordo com o fluxograma para cirurgia de instabilidade glenoumeral anterior do grupo de ombro e cotovelo da disciplina de medicina esportiva da nossa instituição ([Figura 1]). Os procedimentos cirúrgicos foram realizados por meio de anestesia geral associada ao bloqueio do plexo braquial com o paciente posicionado em cadeira de praia. Foi realizada a via deltopeitoral com uma incisão de aproximadamente 5 cm, seguida pela osteotomia do processo coracoide e fixação do enxerto na região anteroinferior da glenóide através de uma incisão longitudinal no terço médio do tendão subescapular, com um ou dois parafusos (Bristow ou Latarjet). Não foi suturado o ligamento coracoacromial. Todos os pacientes participaram do mesmo protocolo de reabilitação da nossa instituição. Uma tipóia tipo velpeau foi mantida por 3 semanas em tempo integral, iniciando após a 3ª semana movimentos passivos controlados bem como exercícios de controle escapular. Após a 6ª semana os exercícios ativos foram iniciados, e após 10 semanas exercícios de fortalecimento e alongamento foram introduzidos. O retorno ao esporte foi permitido após 4 meses.

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Fig. 1 Fluxograma do tratamento.

Os participantes do estudo responderam a um questionário demográfico específico e aos seguintes escores traduzidos e previamente validados para o português para avaliação do resultado funcional: escala dos resultados do tratamento cirúrgico do ombro do atleta (EROE),[16] que avalia a estabilidade do ombro, arco de movimento e dor (resultados ruins ≤ 50 pontos; resultados bons 75–89 pontos e resultados excelentes 90–100 pontos) e escala visual analógica (EVA) da dor[17].

Avaliação Isocinética

O teste isocinético é caracterizado pela avaliação da força muscular em uma velocidade constante e prefixada. A avaliação isocinética foi realizada através do dinamômetro Biodex 3 System Pro (Biodex Medical Systems, Inc., Shirley, Nova York, EUA) ([Figura 2]). Os pacientes foram posicionados na cadeira do dinamômetro com o ombro em 45° de abdução (plano da escápula), e cotovelo em 90° de flexão com antebraço neutro. O arco de movimento foi fixado em 90° (45° RM e 45° RL) de acordo com a metodologia de Davies, que possibilita maior reprodutibilidade e menor risco de apreensão em comparação com ombro a 90°.[14] Esta posição possui uma biomecânica mais vantajosa por proporcionar máxima segurança e conforto nos testes. Isso ocorre devido a maior congruência das superfícies articulares, que além de manter uma posição neutra, relaxa as estruturas capsulares e coloca os músculos em uma posição mais vantajosa.[18]

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Fig. 2 Dinamômetro Biodex 3 System Pro.

Os testes foram realizados com 1 minuto de recuperação entre cada exame. Os atletas executaram 4 repetições no modo concêntrico nas velocidades de 60°/s e 240°/s e 4 repetições no modo excêntrico a 60°/s (protocolo padrão) ([Figura 3]).

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Fig. 3 Foto da avaliação isocinética do paciente.

As seguintes variáveis isocinéticas foram analisadas:

  • Pico de torque (Newtons-metros/kg)

  • Trabalho máximo (joules/kg)

  • Equilíbrio convencional (RL concêntrico/ RM concêntrico) 60°/s (%)

  • Equilíbrio funcional (RL excêntrico / RM concêntrico) 60°/s (%)

O trabalho máximo e torque máximo de RLs e RMs do ombro foram normalizados pela massa corporal. Dentre as medidas adotadas, o trabalho máximo é a que mais representa a função muscular, pois indica a produção de força durante toda a amplitude da contração, enquanto o torque máximo mensura apenas um ponto ou pico de força dentro da amplitude total.[19]

Avaliação principal da goniometria do ombro foi realizada com paciente deitado, com ombro em abdução de 90 graus e cotovelo flexão de 90 graus. A rotação medial e lateral foi avaliada no plano sagital com auxílio de um goniômetro da marca Carci (São Paulo, SP, Brasil) feito de PVC, medindo 22 cm de comprimento e 0,8 mm de espessura, comparando a amplitude do arco de movimento do ombro operado com o saudável.


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Análise Estatística

Para se testar a homogeneidade entre as proporções, foi utilizado o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. A média entre dois grupos após a cirurgia foi comparada através do teste t de Student pareado, pois os dados são pareados, ou seja, quando o mesmo sujeito é pesquisa e controle dele mesmo. Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas aquelas que apresentaram o nível de significância de 5% (p < 0.05).


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Resultados

A média de idade dos atletas foi de 26,7 anos, variando de 19 a 38 anos. A média do escore de EROE[16] foi de 91,0, sendo 62,5% de excelentes e 37,5% bons. A EVA de dor teve uma média menor que 1. O tempo de retorno médio ao esporte foi de 4,81 meses, sendo o tempo máximo 6 meses e o mínimo de 4 meses.

Na comparação da avaliação isocinética do RM entre o lado operado e o não-operado, foi observada uma diferença estatisticamente significante. A média do pico de torque e o trabalho máximo em 60°/s e 240°/s pelo protocolo padrão no ombro não-operado foi maior que a média do lado operado, apresentando p ≤ 0,01 ([Tabela 1]).

Tabela 1

Rotador medial

Rotador lateral

Média/DP

P

Média/DP

P

Pico de torque 60°/s (Nm/kg)

Operado

0,487 ± 0,116

< 0,001

0,252 ± 0,081

0,002

Não operado

0,589 ± 0,157

0,328 ± 0,094

Pico de torque 240°/s (Nm/kg)

Operado

0,411 ± 0,149

0,004

0,188 ± 0,079

0,001

Não operado

0,471 ± 0,160

0,265 ± 0,123

Trabalho máximo 60°/s (J/kg)

Operado

47,9 ± 11,5

< 0,001

23,0 ± 8,4

< 0,001

Não operado

60,0 ± 16,1

33,5 ± 10,0

Trabalho máximo 240°/s (J/kg)

Operado

34,3 ± 13,6

< 0,001

13,1 ± 7,0

0,001

Não operado

42,6 ± 16,7

20,1 ± 9,1

A avaliação isocinética dos RLs entre o lado operado e O não-operado também apresentou uma diferença estatisticamente significativa. Semelhante à análise do RM, os valores médios do pico de torque e do trabalho máximo pelo protocolo padrão no ombro não-operado foram superiores que os do lado operado, apresentando p ≤ 0,01 ([Tabela 1]).

Quando avaliamos o equilíbrio convencional e funcional entre os RMs e RLs([Tabela 2]), podemos verificar que não existem diferenças entre as médias encontradas no lado operado versus o lado não operado.

Tabela 2

Equilíbrio

Média

P

Convencional (RLc/RMc) 60°/s (%)

Operado

51,9% ± 13,7%

0,199

Não operado

56,3% ± 12,0%

Funcional (RLecc/Rc) 60°/s (%)

Operado

2,68 ± 1,86

0,568

Não operado

2,54 ± 1,59

A fim de analisar se os resultados da avaliação isocinética poderiam ser influenciados pelo tempo decorrido após a realização do procedimento cirúrgico, os pacientes foram divididos entre aqueles com menos de 1 ano de operados e aqueles com 1 ano ou mais de operados ([Tabela 3]). Para o ombro operado, foi observado que os valores do pico de torque e do trabalho máximo pelo protocolo padrão do RM não apresentaram diferenças. No entanto, quando considerarmos os valores do pico de torque e do trabalho máximo pelo protocolo padrão do RL, esses foram superiores em indivíduos com tempo pós cirúrgico igual ou superior a 1 ano em todas as variáveis, p ≤ 0.05.

Tabela 3

Tempo isocinético (operado)

Média ± DP

P

Pico de torque 60°/s RM (%)

< 1 ano

0,469 ± 0,148

0,546

≥ 1ano

0,506 ± 0,079

Trabalho máximo 60°/s RM (J)

< 1ano

43,4 ± 13,0

0,123

≥ 1ano

52,4 ± 8,4

Pico de torque 240°/s RM (%)

< 1ano

0,382 ± 0,173

0,46

≥ 1ano

0,440 ± 0,125

Trabalho máximo 240°/s RM (J)

< 1ano

32,8 ± 17,5

0,679

≥ 1ano

35,8 ± 9,3

Pico de torque 60°/s RL (%)

< 1ano

0,191 ± 0,065

< 0,001

≥ 1ano

0,314 ± 0,036

Trabalho máximo 60°/s RL (J)

< 1ano

16,9 ± 7,2

0,001

≥ 1ano

29,0 ± 4,1

Pico de torque 240°/s RL (%)

< 1ano

0,147 ± 0,075

0,034

≥ 1ano

0,228 ± 0,063

Trabalho máximo 240°/s RL (J)

< 1ano

9,4 ± 5,6

0,03

≥ 1ano

16,8 ± 6,6

Equilíbrio convencional (RLc/RMc) 60°/s (%)

< 1ano

41,2% ± 9,9%

< 0,001

≥ 1ano

62,6% ± 6,4%

Equilíbrio funcional (RLecc/Rc) 60°/s (%)

< 1ano

2,60 ± 2,20

0,866

≥ 1ano

2,77 ± 1,60

O equilíbrio convencional 60°/s também apresentou diferenças estatísticas, com p ≤ 0,001, sendo que os pacientes com 1 ano ou mais de operados obtiveram média superior em relação a indivíduos com tempo pós-cirúrgico menor que 1 ano. Já para o ombro não operado, não foi observada nenhuma diferença estatística (p ≥ 0.05) entre as variáveis isocinéticas.

Com o objetivo de averiguar se a perda angular de movimento influenciava na avaliação isocinética, os pacientes foram divididos em perda menor que 10 graus e maior ou igual a 10 graus. Para o ombro operado ([Tabela 4]) não foram observadas diferenças estatísticas em nenhuma das variáveis isocinéticas (p ≥ 0,05).

Tabela 4

Perda de rotação lateral

Média

P

Pico de torque 60°/s RM (%)

< 10

0,460 ± 0,123

0,359

≥ 10

0,515 ± 0,110

Trabalho máximo 60°/s RM (J)

< 10

47,8 ± 13,5

0,959

≥ 10

48,1 ± 10,1

Pico de torque 240°/s RM (%)

< 10

0,351 ± 0,110

0,109

≥ 10

0,471 ± 0,165

Trabalho máximo 240°/s RM (J)

< 10

30,9 ± 12,9

0,329

≥ 10

37,7 ± 14,3

Pico de torque 60°/s RL (%)

< 10

0,250 ± 0,083

0,925

≥ 10

0,254 ± 0,085

Trabalho máximo 60°/s RL (J)

< 10

24,4 ± 8,7

0,51

≥ 10

21,5 ± 8,5

Pico de torque 240°/s RL (%)

< 10

0,169 ± 0,069

0,35

≥ 10

0,207 ± 0,087

Trabalho máximo 240°/s RL (J)

< 10

11,9 ± 6,3

0,522

≥ 10

14,3 ± 7,9

Equilibrio convencional (RLc/RMc) 60°/s (%)

< 10

53,9% ± 11,2%

0,565

≥ 10

49,9% ± 16,3%

Equilibrio funcional (RLecc/Rc) 60°/s (%)

< 10

2,80 ± 2,15

0,807

≥ 10

2,56 ± 1,66


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Discussão

Nosso estudo envolveu a avaliação isocinética de 36 ombros de 18 atletas submetidos a cirurgia de Bristow-Latarjet. Na literatura estrangeira, encontramos poucos artigos sobre esta avaliação após a cirurgia de Bristow-Latarjet.[10] [11] [12] [20] [21] [22] Já na literatura nacional encontramos apenas o estudo de Castropil,[22] que realizou avaliação isocinética após à reparação da lesão de Bankart associada à capsuloplastia ântero-inferior. Isto evidencia a importância desta avaliação, levando-se em consideração a escassez de referencias nacionais e internacionais.

Houve comparação entre as medidas isocinéticas entre o ombro operado e ombro contralateral saudável após a cirurgia de Bristow-Latarjet, assim como em trabalhos prévios.[10] [19] [20] [23] Apesar disso, outros métodos foram descritos, como a comparação entre ombro antes e após a cirurgia.[20] [21]

O escore de EROE[16] foi bom em 37,5% e excelente em 62,5% dos nossos pacientes, sendo que este escore não foi previamente avaliado. Entretanto, Wredmark et al.[18] avaliaram fatores relacionados ao EROE,[16] como mobilidade, força e estabilidade, e encontraram valores bons ou excelentes em 42 de 44 pacientes (95%).

A metodologia da avaliação isocinética não é homogênea na literatura,[18] [19] [20] sendo que diversos trabalhos apresentam protocolos com 30° ou 0° de abdução,[19] enquanto que no nosso estudo as avaliações foram realizadas com 45° de abdução. Enquanto fixamos um arco de movimento (ADM) de 90° (45° de rotação medial e 45° de rotação lateral) e velocidades angulares de 60°/s e 240°/s, Wredmark et al.[19] apresentaram velocidades angulares de 30°/s e 90°/s (sem demonstrar ADM), Dauty et al.[20] apresentaram velocidades angulares de 60°/s e 120°/s com ADM de 105° (60° rotação medial e 45° rotação lateral), Edouard et al.[21] apresentaram velocidades angulares de 60°/s, 120°/s e 180°/s com ADM de 70° (15° rotação medial e 55° rotação lateral), e Caubère et al.[10] apresentaram velocidades angulares de 60°/s, 180°/s e 240°/s com ADM de 60° (30° rotação medial e 30° rotação lateral).

Em nossos resultados, a média do pico de torque e o trabalho máximo pelo protocolo padrão no ombro não-operado foi maior que a média do lado operado para os RMs e RLs, apresentando p ≤ 0,01. Observamos um déficit no pico de torque do modo concêntrico de 17,3% dos RMs e 23,2% dos RLs a 60°/s, e 12,7% dos RMs e 29,1% dos RLs a 240°/s. Dauty et al.[20] encontraram uma recuperação quase completa da força do ombro após 3 meses da cirurgia. No entanto, foi relatado um déficit no pico de torque no modo excêntrico dos RMs do ombro operado em relação ao ombro saudável de 9 a 15%.[20] Outro estudo apresentou uma redução significativa de força no modo concêntrico de 13% e 10% para os RMs, e de 19% e 10% para o RLs para o pico de torque em 60°/s e 240°/s, respectivamente, do ombro operado versus saudável após 1 ano de cirurgia.[10] ([Tabela 5])

Tabela 5

Autor

Avaliação

Pico de torque

Rotação medial

Rotação lateral

Wredmark et al., 1992

Ombro operado x saudável

Semelhante

Semelhante

Dautya et al., 2007

Pré-operatório: Ombro lesionado X saudável

Semelhante

Semelhante

Pós-operatório: Ombro operado x saudável

Semelhante

Semelhante

Ombro lesionado: pré-operatório X pós-operatório

Excêntrico (défict de 9–15%)

Semelhante

Edouard et al., 2012

Ombro lesionado: pré-operatório X pós-operatório

3m: -28% ± 20%

3m: -17% ± 17%

6m e 21m: Semelhante

6m e 21m: Semelhante

Caubère et al., 2017

Ombro operado X saudável

60°/S -13% // 240°/S -10%

60°/S -19% // 240°/S -10%

Ribeiro et al.

Ombro operado x saudável

60°/S - 17,3% // 240°/S - 12,7%

60°/S - 23,2% // 240°/S - 29,1%

A análise do equilíbrio convencional e funcional entre os RLs e RMs, não mostrou diferenças entre as médias encontradas no lado operado versus o lado não operado. Esta avaliação é importante para averiguar se o ombro se encontra biomecanicamente estável. Na literatura, o estudo de Caubère et al.[10] mostrou que o equilíbrio funcional do ombro foi mantido após o procedimento cirúrgico de Latarjet. O motivo pelo qual existe uma redução de força dos RLs não é evidente, podendo-se conjecturar que esteja relacionado ao simples processo de inativação muscular do pós operatório.

Atualmente, os dados da literatura são conflitantes a respeito dos efeitos da cirurgia de Bristow-Latarjet nos parâmetros isocinéticos. Enquanto o estudo de Wredmark et al.[19] mostrou que não ocorre alteração da força muscular e da amplitude de movimento dos RMs e RLs após o procedimento cirúrgico, outros mostraram a redução da força muscular.[10] [12] [22] [23] O tempo de recuperação parece ser um ponto importante, e nossos resultados associados a dados da literatura verificaram que a função e a amplitude de movimento podem se restabelecer com o tempo de recuperação.

Nosso estudo apresenta como fatores positivos a homogeneidade da amostra (todos os pacientes eram atletas), o seguimento do protocolo da modificação de Davies, a comparação inédita da perda de amplitude doADM com avaliação isocinética e de acordo com nosso conhecimento, a presente pesquisa se trata do primeiro estudo brasileiro que aborda esta temática. Entretanto, tivemos algumas limitações, tais como o número de participantes inferior aos dos estudos anteriores, que variam de 20 a 44 pacientes, a n = ão investigação da correlação com imagem do subescapular na ressonância magnética para avaliar se a perda de força foi devida a uma atrofia muscular ou degeneração gordurosa, e a não avaliação da consolidação do enxerto. Devido ao desenho transversal, não pudemos caracterizar as diferenças de avaliação isocinética no pré- e pós-operatório.

Dessa forma, acreditamos que o dinamômetro isocinético pode servir como um instrumento de análise objetiva do ombro, tornando-se uma ferramenta eficaz e segura para a avaliação após a cirurgia de Bristow-Latarjet, já que há poucos critérios de retorno ao esporte validados pela literatura.


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Conclusão

Houve diminuição da força dos RMs e RLs no ombro operado em relação ao ombro saudável após cirurgia de Bristow/Latarjet; entretanto, o equilíbrio convencional e funcional foi mantido.

Houve uma maior força dos RLs no grupo com mais de 1 ano de cirurgia e a perda da ADM em 10 graus de rotação lateral não influenciou na perda de força.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Não houve apoio financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


* Trabalho desenvolvido no Centro de Traumatologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.


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Endereço para correspondência

Paulo Henrique Schmidt Lara, MD
R. Estado de Israel
636, Vila Clementino, São Paulo, SP, 04022-001
Brasil   

Publication History

Received: 26 February 2020

Accepted: 28 October 2020

Article published online:
31 March 2021

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Fig. 1 Fluxograma do tratamento.
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Fig. 2 Dinamômetro Biodex 3 System Pro.
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Fig. 3 Foto da avaliação isocinética do paciente.
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Fig. 1
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Fig. 2 Biodex 3 System Pro ® dynamometer.
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Fig. 3 Photo of the patient's isokinetic evaluation.