Palavras-chave osteoartrite do joelho - ácido hialurônico - infiltração
Introdução
A osteoartrose (OA) do joelho é uma doença de caráter degenerativo, predominantemente
no sexo feminino, que provoca a destruição da cartilagem articular de forma progressiva.
Esta doença leva à deformidade da articulação, potencialmente com desequilíbrio muscular,
ligamentar, e alterações principalmente nas regiões de maior carga, com sinais radiográficos
típicos, tais como esclerose óssea, cistos e osteófitos.[1 ]
[2 ]
[3 ]
A articulação do joelho com OA apresenta grande impacto no desempenho físico e é considerada
uma das 10 principais causas de incapacidade no mundo. Os tratamentos conservadores
padrão para osteoartrose do joelho incluem: perda de peso, exercícios físicos, uso
de antiinflamatórios não esteroides, analgésicos, injeção intraarticular de ácido
hialurônico (AH) e glicocorticoides.[4 ]
O AH é uma das opções utilizadas no tratamento da doença articular degenerativa. Trata-se
de um glicosaminoglicano que atua na matriz extracelular proporcionando maior lubrificação
e proteção das articulações.
No entanto, recentemente, as injeções ortobiológicas surgiram como uma opção potencialmente
segura e eficaz no tratamento da osteoartrose do joelho; entre elas, podemos citar
o concentrado de medula ósseo (CMO), as células tronco mesenquimais (CTM) e o plasma
rico em plaquetas (PRP).
O PRP é composto por plasma com uma concentração de plaquetas acima do valor normal.[5 ] Dependendo do método utilizado no processamento do PRP, este também pode conter
células brancas do sangue em concentrações acima do valor normal.[6 ] Plaquetas e glóbulos brancos são fontes de elevadas concentrações de citocinas,
que apresentam papel bem documentado no controle de uma série de processos relacionados
com a regeneração tecidual. Esses processos incluem a movimentação e proliferação
celular, angiogênese, controle da inflamação e síntese de colágeno.[6 ]
As plaquetas, além de realizar a hemostasia local, contêm uma abundância de fatores
de crescimento e citocinas, que são cruciais na cicatrização de tecidos moles e mineralização
óssea.[7 ] Além disso, estas liberam uma série de proteínas responsáveis pela atração de macrófagos,
células-tronco mesenquimais e osteoblastos, que não só promovem a remoção de tecidos
necróticos, mas também aceleram a regeneração tecidual.[4 ]
Recentemente, alguns estudos foram realizados investigando os possíveis efeitos benéficos
do PRP no tratamento de doenças crônicas, incluindo epicondilite lateral e fascite
plantar.[4 ] No entanto, a maioria dos estudos presentes na literatura com uso de PRP são não
randomizados e com amostra insuficiente.
O objetivo do presente estudo é determinar o efeito do tratamento com aplicação intraarticular
de PRP nos pacientes com diagnóstico de OA e compará-lo ao efeito do tratamento com
AH em relação aos desfechos de dor e função.
Método
O presente estudo é um ensaio clínico randomizado com 29 pacientes incluídos consecutivamente.
Todos os pacientes que participaram deste estudo concordaram e assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido.
O estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinque e as Diretrizes de
Boas Práticas Clínicas. O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética local (Parecer
da Plataforma Brasil: 3.293.253)
Seleção dos pacientes
A amostra total contou com a presença de 29 pacientes de ambos os gêneros, com idade
entre 49 e 75 anos, que preencheram os critérios diagnósticos clínicos e radiográficos
da American College of Reumathology (ACR) para a OA do joelho e classificados como graus II e III de Kellgren-Lawrence.[2 ]
Os critérios de exclusão foram: cirurgias prévias no joelho acometido a qualquer tempo
ou cirurgia ortopédica nos membros inferiores nos últimos 12 meses; infiltração prévia
de AH ou corticoide nos últimos 3 meses; casos avançados de OA (graus IV e V); diagnóstico
de doenças autoimunes ou reumatológicas; índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual
a 35; OA secundária (ex: fraturas, neoplasias); história de doenças transmissíveis
agudas ou crônicas; diabetes tipo I ou II de difícil controle ou insulino-dependentes;
diagnóstico de coxartrose, mediante a alteração de exame físico ou imagem radiográfica;
infecção ativa ou história de infecção na articulação a ser infiltrada; desvio axial
em varo de 10 graus, valgo de 15 graus, ou discrepância de membros inferiores de 1 cm;
uso de anticoagulantes ou imunossupressores; descontinuidade no uso de condroprotetores
orais nos últimos 3 meses e função renal e/ou hepática com valores fora da normalidade.
Todos os pacientes incluídos no estudo tinham diagnóstico confirmado de OA do joelho
e foram submetidos ao tratamento conservador com fisioterapia, alongamentos e uso
de analgésicos pelo período mínimo de 6 meses antes do início do estudo. A avaliação
da OA foi realizada com imagens radiográficas dos joelhos em duas projeções com carga:
anteroposterior e perfil.
Os exames solicitados nas visitas de pré-seleção foram: exames bioquímicos (transaminase
glutâmico-oxalacética [TGO], transaminase glutâmico-pirúvica [TGP], gama-glutamil
transferase [GGT], glicose de jejum, creatinina, sódio, potássio, hemoglobina glicada,
e hemograma completo), sorologia para doenças transmissíveis, ressonância magnética
do joelho acometido, radiografia bilateral de joelho e radiografia panorâmica de membros
inferiores.
Randomização
A randomização dos pacientes foi feita por meio do sistema Research Randomizer .[8 ] Desse modo, o estudo contou com dois braços: grupo estudo, no qual foi realizada
a aplicação intraarticular de PRP, e o grupo controle, com aplicação do AH.
Método de aplicação
Os pacientes de ambos os braços do estudo foram agendados ambulatorialmente na semana
seguinte para aplicação da medicação. Os pacientes do grupo controle foram submetidos
a uma aplicação única de Synvisc One Hylan G-F20 (Lancaster, Pennsylvania, Estados
Unidos) intraarticular no joelho, seguindo medidas específicas de assepsia e antissepsia.
Os pacientes do grupo estudo, na chegada ao hospital, foram direcionados para o setor
de coleta de sangue, onde foi coletado uma amostra de 15 ml de sangue por acesso periférico
de modo estéril em tubo específico, sendo então transportada em temperatura controlada
para processamento em laboratório localizado no mesmo hospital.
A coleta foi centrifugada a 1.500 rotações por minuto pelo período de 5 minutos em
temperatura ambiente. A partir daí, a amostra foi quantificada e considerada aceitável
se apresentasse o dobro do basal da amostra inicial.
Após a obtenção do PRP na quantidade de aproximadamente 5 ml, este foi direcionado
para o procedimento de infiltração no joelho do paciente, que foi realizado na sala
de pequenos procedimentos cirúrgicos. O PRP foi aplicado através de uma punção intraarticular
do joelho. Todo o processo foi realizado através do sistema Autologous Conditioned Plasma (ACP) da empresa Arthrex (Arthrex Inc., Naples, FL, EUA). O processo de aplicação
foi repetido nas duas semanas seguintes, 7 e 14 dias após a primeira infiltração,
respectivamente, somando um total de três infiltrações de PRP.
Seguimento clínico e avaliação dos desfechos
Os investigadores coletaram dados dos participantes, tais como: idade, lateralidade,
índice de massa corpórea (IMC), edema e rigidez no joelho submetido à intervenção.
Os pacientes do grupo estudo seguiram a mesma frequência de acompanhamento do grupo
controle após a terceira aplicação, e ambos os grupos foram acompanhados pelo período
de 6 meses.
O seguimento padronizado contou com monitoramento através de visitas ambulatoriais
médicas totalizando 5 visitas no período de 6 meses: a primeira em 1 semana e as seguintes
em 2 semanas, 1 mês, 3, e 6 meses, e outros 2 contatos telefônicos nos meses 2 e 4
após a aplicação.
Além disso, aplicou-se o escore de Western Ontario and McMaster Universities Arthritis Index (WOMAC) nos seguintes tempos: pré-infiltração, 1, 3, e 6 meses após a infiltração.
A aplicação da escala visual analógica (EVA) da dor foi realizada nos intervalos de
2 e 4 meses após a aplicação.
Análise estatística
A análise estatística foi feita pelo com o do software de estatística R (R Foundation
for Statistical Computing, Viena, Áustria).[9 ] As variáveis contínuas foram mensuradas através da análise descritiva pela média
e desvio padrão, e testadas quanto à sua distribuição seguindo a curva normal ou não,
pelo teste de Shapiro.[10 ] As variáveis categóricas foram apresentadas de acordo com a sua proporção.
Na comparação intragrupo, utilizaram-se os testes análise de variância (ANOVA) com
diferença mínima significativa de Fisher (least significant difference )[11 ] para avaliar se houve diferença no escore WOMAC, e o teste t de Student pareado
na análise da EVA da dor.
Já na mensuração da diferença intergrupos, realizaram-se os testes t de Student[12 ] para as variáveis paramétricas, e o teste de Mann-Whitney[13 ] para as não paramétricas. A avaliação das variáveis categóricas entre o grupo estudo
e o grupo controle foi realizada através do teste do Qui quadrado[14 ] ou pelo teste exato de Fisher.[15 ]
Resultados
Não houve nenhuma perda de pacientes durante o seguimento. Os grupos de controle e
de estudo foram homogêneos, sem diferença estatística entre os parâmetros mensurados,
conforme demonstrado na [Tabela 1 ].
Tabela 1
Plama rico em plaquetas
Ácido hialurônico
Valor de p
Número de pacientes
14
15
–
IMC
28.3 (2.9*)
28.1 (3.9*)
0.60
Idade (anos), média (DP)
62.78 (6.10*)
63.40 (4.99*)
0.77
Sexo
11 mulheres
3 homens
13 mulheres
2 homens
0.93
Lateralidade
Direito = 7
Esquerdo = 7
Direito = 11
Esquerdo = 4
0.36
Classificação radiográfica
Grau II = 9
Grau III = 5
Grau II = 9
Grau III = 6
1
Edema no joelho
Sim = 1
Não = 13
Sim = 2
Não = 13
1
Rigidez no joelho
Sim = 1
Não = 13
Sim = 2
Não = 13
1
A comparação entre os grupos estudo e controle em relação ao desfecho de função (WOMAC)
não apresentou diferenças estatísticas entre eles, desde o grau pré-intervenção até
com 6 meses de acompanhamento ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
WOMAC Inicial
WOMAC 1 mês
WOMAC 3 Meses
WOMAC 6 meses
PRP
Média
42.5
29.0
23.7
41.1
Desvio padrão
17.9
16.0
22.0
24.8
AH
Média
41.1
24.0
26.0
35.7
Desvio padrão
15.5
14.6
22.0
35.7
Valor de p
0.82
0.39
0.78
0.73
O escore de dor avaliado pela EVA também não apresentou diferença estatística no 2°
(p = 0.50) e 4° (p = 0.45) mês após a aplicação intraarticular, como demonstrado na [Figura 1 ].
Fig. 1 Distribuição da escala visual analógica da dor entre os grupos ácido hialurônico
e plasma rico em plaquetas.
Na avaliação intragrupos, observou-se uma melhora na função após o procedimento, porém
com piora no último mês de avaliação. No grupo que realizou a infiltração com PRP,
houve diferença estatística entre o WOMAC inicial e 3 meses após o procedimento (p < 0.05). Também se observou uma diferença entre o 1° e 6° mês do procedimento, evidenciando
um aumento no escore (p < 0.05). Outra diferença encontrada foi no critério de dor, com uma diferença média
da EVA de 1.64 entre o 2° e o 4° mês (p < 0.05). Na [Figura 2 ] pode-se observar a distribuição dos tempos de avaliação do WOMAC no grupo estudo.
Fig. 2 Distribuição do escore do Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index no grupo plasma rico em plaquetas.
Em relação ao grupo do AH, houve uma diferença estatística no escore de WOMAC entre
o resultado inicial e com 1 mês (p < 0.05) e o resultado inicial e com 3 meses (p < 0.05). Não houve diferença estatística em relação à dor do 2° e 4° meses (p = 0.49) pela EVA. A [Figura 3 ] revela essa distribuição
Fig. 3 Distribuição do escore do Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index no grupo ácido hialurônico.
Não houve nenhum caso de infecção ou alguma reação alérgica durante os 6 meses de
acompanhamento dos pacientes. Os casos de dor foram tratados com medicações analgésicas,
crioterapia e reabilitação.
Discussão
O principal achado do estudo foi a ausência de diferença entre os resultados funcionais
e avaliação de dor com acompanhamento a médio prazo (6 meses) dos pacientes submetidos
à infiltração intraarticular de AH e de PRP. No entanto, ambos os métodos de tratamento
foram efetivos na melhora da dor e função dos pacientes ao longo do período estudado
e se mostraram seguros na presente amostra.
A avaliação funcional dos pacientes foi realizada utilizando o questionário WOMAC
e não foram observadas diferenças entre os dois grupos estudados ao longo dos 6 meses
de acompanhamento. A literatura ainda é controversa em relação a este desfecho. Uma
revisão sistemática publicada recentemente, utilizando o WOMAC total na avaliação
funcional, concluiu que o PRP é superior ao AH nos estudos com acompanhamento de médio
prazo (3–6 meses). Porém, o mesmo estudo não encontrou diferenças entre os grupos
quando analisaram os escores fracionados do WOMAC para rigidez e função física.[16 ]
Outra metanálise demonstrou superioridade do PRP em relação ao AH na melhora da dor
avaliada pelo WOMAC. No entanto, o estudo concluiu não existir uma superioridade óbvia
entre os grupos no tratamento da osteoartrose do joelho.[17 ]
Alguns ensaios clínicos randomizados comparando estes dois métodos no tratamento da
OA também não encontraram diferenças nos escores funcionais após 6 meses de acompanhamento.[18 ]
[19 ]
A avaliação do quadro álgico dos pacientes no presente estudo não encontrou diferenças
entre os grupos avaliados (PRP x AH). Da mesma forma, os resultados são bem divergentes
na literatura. Zhang et al.[17 ] também não encontraram diferenças na EVA da dor entre os 2 tratamentos no período
de 3 e 6 meses após infiltrações. Entretanto, Cole et al.[19 ] demonstraram melhora significativa da dor medida pela EVA no grupo de pacientes
tratados com PRP após 6 e 12 meses de infiltração.
A maioria das revisões sistemáticas sobre o assunto relata grande dificuldade de comparação
entre os diversos estudos publicados devido a grandes variações na metodologia do
preparo e na composição do PRP, número de aplicações realizadas, estudos com amostras
pequenas e seguimentos curtos e com diferentes critérios de inclusão e avaliação.[20 ]
Nosso estudo utilizou um kit padronizado para preparo do PRP, amostras homogêneas
e uma infiltração semanal por 3 semanas. Estudos prévios haviam mostrado vantagens
das múltiplas aplicações de PRP quando comparadas com infiltração isolada. Inclusive
mostrando efeitos mais prolongados da ação do PRP quando eram realizadas mais de uma
aplicação.[21 ]
[22 ]
O presente estudou demonstrou que ambos os tratamentos realizados (PRP e AH) foram
efetivos no tratamento da dor e na melhora da função dos pacientes. No entanto, o
efeito das medicações vai deteriorando com o tempo e praticamente esgota-se após 5
a 6 meses após o tratamento. Di Martino et al.,[23 ] num ensaio clínico randomizado, encontraram resultados semelhantes. No estudo, os
pacientes relatavam melhora dos sintomas até 9 meses após a aplicação de AH e até
12 meses após a infiltração intraarticular com PRP, mostrando, desta maneira, perda
progressiva dos efeitos proporcionados pelos tratamentos.
Filardo et al.[18 ] também encontraram resultados semelhantes num ensaio clínico randomizado com um
ano de follow-up. Neste estudo, os autores mostraram melhora do quadro álgico e função nos grupos de
pacientes tratados com PRP e AH, mas os resultados mantiveram-se praticamente estáveis
após 2 meses do tratamento.
Em relação aos efeitos adversos de ambos os tratamentos, tanto o PRP quanto o AH mostraram-se
seguros em nossa amostra. Nenhum dos medicamentos apresentou efeitos colaterais severos
e duradouros. Han et al., em uma metanálise, não encontraram diferenças entre os grupos
de tratamento em relação aos efeitos adversos.[24 ] Outros estudos também concluíram que os dois métodos de tratamento são seguros e
com poucos efeitos colaterais observados durante o período de acompanhamento.[25 ]
[26 ]
O presente estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, apesar de se tratar
de um estudo apresentado com resultados preliminares, a amostra é pequena. Depois,
o período de acompanhamento foi relativamente curto (6 meses), e alguns estudos apresentam
resultados mais prolongados do PRP quando comparado ao AH. A ausência de um grupo-controle
(placebo ou corticoide) e a falta de cegamento dos grupos são outras limitações do
presente estudo.
Conclusão
A infiltração intraarticular com AH ou PRP nos joelhos dos pacientes com gonartrose
primária apresentou melhora temporária dos sintomas de dor e função, sendo ambas as
técnicas seguras. Não houve diferença entre as duas intervenções.