Palavras-chave
artroplastia - joelho - comorbidade - epidemiologia - complicações pós-operatórias
Introdução
A artroplastia total do joelho (ATJ) é a opção de tratamento para pacientes portadores
de osteoartrite (OA) severa, refratária ao tratamento conservador. Essa cirurgia é
capaz de melhorar a dor, proporcionando o alinhamento do membro e o retorno da mobilidade.[1] Em sua maioria, os candidatos a ATJ são pacientes idosos, com baixa demanda física,
e portadores de patologias associadas.[2]
A ATJ é um dos procedimentos mais bem-sucedidos do último século.[3] Mais de 13 mil procedimentos foram realizados no Brasil em 2019.[4]
[5] Esse número deve crescer de forma exponencial, impulsionado pelo envelhecimento
da população, pelo aumento da obesidade,[6] e pela maior demanda da população idosa por qualidade de vida.[7] Apesar de segura, a cirurgia é considerada de grande porte, e está sujeita a possíveis
complicações.[8] Uma parcela significativa dos pacientes permanece insatisfeita após a cirurgia.
Por essas razões, um índice que possa predizer o resultado funcional e os possíveis
candidatos com maior chance de complicação seria extremamente útil.
Comorbidades são definidas como doenças ou condições médicas sem relação de causalidade
com o diagnóstico principal, que coexistem com a patologia de interesse.[9] Já complicações são eventos adversos que ocorrem durante uma doença, não sendo parte
dessa patologia, embora possam resultar dela.[10] A grande maioria dos pacientes candidatos a ATJ tem doenças clínicas associadas
que podem, de forma significativa, contribuir para um maior índice de complicações
per e pós-operatórias.[11] A fim de predizer o resultado funcional após a ATJ e a possível chance de complicação,
respectivamente, dois questionários práticos e objetivos podem ser usados: o índice
funcional de comorbidades (do inglês Functional Comorbidity Index, FCI),[10] e o índice modificado de cinco fatores de fragilidade (do inglês 5-Factor Modified
Frailty, mFI-5).[11]
O Brasil apresenta um grande déficit de assistência para cirurgias de artroplastia,
que são procedimentos complexos e de alto custo.[7] Antecipar os possíveis fatores que levam a complicações e piores resultados funcionais
pode contribuir para um maior controle dos gastos e melhor seleção dos pacientes.
Para tanto, é fundamental conhecer o perfil do paciente submetido a ATJ e as incidências
das patologias associadas, o que melhora a qualidade da assistência e evita resultados
desfavoráveis.
O objetivo deste estudo foi definir o perfil epidemiológico dos pacientes submetidos
a ATJ e suas comorbidades associadas em dois hospitais de referência para a realização
desse procedimento.
Materiais e Métodos
Este estudo observacional transversal foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa
(CEP) das instituições. Todos os procedimentos foram realizados de acordo com os padrões
éticos da declaração de Helsinki de 1964, com suas alterações posteriores ou padrões
éticos comparáveis. Os pacientes foram recrutados em dois hospitais de alta complexidade
(atendimento terciário), referências para o procedimento de ATJ. A amostra foi composta
por pacientes de vários níveis socioeconômicos. A etnia foi diversa, como é característica
da população brasileira. Embora a manifestação fenotípica de cor da pele tenha pouca
relação com a ancestralidade, essa característica foi documentada por autodeclaração.
O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os pacientes
antes da sua inclusão na pesquisa. A coleta de dados foi realizada entre agosto de
2012 e dezembro de 2016. No total, 294 pacientes foram prospectivamente avaliados,
sendo 203 do sexo feminino e 91 do sexo masculino. Os dados sobre comorbidades foram
coletados por entrevista direta, com diagnóstico autodeclarado. Após a documentação,
foram calculados o FCI[10] e o mFI-5.[11] Conforme definido no protocolo de avalição pré-operatória, os pacientes foram pesados
e tiveram sua estatura medida usando apenas roupas íntimas e um avental. Após essas
medidas, foram calculados os índices de massa corporal, e realizou-se a categorização,
de acordo com os parâmetros descritos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O grau
radiográfico da OA foi classificado pelo autor principal conforme os critérios da
classificação de Ahlbäck modificada Keyes et al.[12]
A análise descritiva dos dados foi feita com base em gráficos e cálculo de estatísticas
descritivas (proporções de interesse, mínimo, máximo, média, mediana, e desvio padrão).
Na análise inferencial, foram feitos testes de significância estatística. Dada a não
normalidade das distribuições das variáveis FCI e mFI-5, foi usada uma abordagem não
paramétrica. A comparação de dois grupos independentes foi feita pelo teste de Mann-Whitney,
e, para a comparação de mais de dois grupos independentes, foi usado o teste não paramétrico
de Kruskall-Wallis. O nível de significância adotado foi de 5%. A associação entre
duas variáveis quantitativas ou ordinais foi investigada pelo coeficiente de correlação
de ordem de Spearman. A significância dos coeficientes de correlação foi avaliada
pelo teste do coeficiente de correlação. As análises foram feitas usando-se os programas
Statistical Package for the Social Sciences, (SPSS, IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão
22.0, e Microsoft Excel (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA), versão 2011.
Resultados
Foram submetidos aATJ 294 pacientes que preencheram os critérios de inclusão e aceitaram
participar da pesquisa, assinando o TCLE. A amostra foi composta de 203 (69%) pacientes
do sexo feminino e 91 (31%) do sexo masculino, havendo diferença na distribuição em
relação ao sexo (p = 0,000).
A idade dos pacientes variou entre 40 e 86 anos. A idade média foi de 69 anos, sendo
68,3 anos para o grupo masculino e 69,4 anos para o grupo feminino. Não houve diferença
significativa de faixa etária entre os sexos (p = 0,239). As estatísticas de idade estão demonstradas na [Tabela 1].
Tabela 1
Idade (anos)
|
Feminino
|
Masculino
|
Global
|
Média
|
69,4
|
68,3
|
69,0
|
Mediana
|
70,0
|
68,0
|
69,0
|
Desvio padrão
|
7,5
|
7,9
|
7,6
|
Mínimo
|
40,0
|
43,0
|
40,0
|
Máximo
|
86,0
|
82,0
|
86,0
|
Gama
|
46,0
|
39,0
|
46,0
|
Coeficiente de variação
|
0,11
|
0,12
|
0,11
|
Número de casos
|
203
|
91
|
294
|
Valor de p do teste de Kolmogorov-Smirnov
|
0,053
|
0,044
|
0,002
|
Valor de p do teste de Shapiro-Wilk
|
0,032
|
0,054
|
0,0011
|
Valor de p do teste de Mann-Whitney
|
0,293
|
Os pacientes da amostra, em sua maioria, se declararam brancos (72,7%), seguidos por
pardos (15,9%) e pretos (11,4%). O índice de massa corporal (IMC) variou de 17,3 kg/m2 a 44,1 kg/m2, com média de 30 kg/m2, desvio padrão de 4,9 kg/m2, e mediana de 29,7 kg/m2, e distribuição normal em ambos os grupos. As mulheres foram significativamente mais
pesadas do que os homens (p = 0,017), embora não tenha havido diferença significativa na proporção de obesos
(p = 0,70). As análises do IMC na amostra global e dividido por grupos estão demonstradas
na [Tabela 2].
Tabela 2
Classificação do Peso
|
Gênero
|
Feminino
|
Masculino
|
Global
|
Baixo neso
|
1 (0,5%)
|
0
|
1 (0,3%)
|
Peso normal
|
30 (15%)
|
18 (20,2%)
|
48 (16,6%)
|
Sobrepeso
|
65 (32,5%)
|
35 (39,3%)
|
100 (34,6%)
|
Obesidade I
|
64 (32,0%)
|
29 (32,6%)
|
93 (32,2%)
|
Obesidade II
|
32 (16%)
|
6 (6,7%)
|
38 (13,1%)
|
Obesidade III
|
8 (4,0%)
|
1 (1,1%)
|
9 (3,1%)
|
As comorbidades foram analisadas por gênero e por sua distribuição na amostra total.
Não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos na distribuição
das patologias, exceto para artrite reumatoide, que foi mais frequente no grupo feminino
(p = 0,021). As principais estatísticas da distribuição das patologias estão demonstradas
na [Tabela 3].
Tabela 3
Comorbidades
|
Incidência da comorbidade (%)
|
Valor de p do teste que compara as incidências nos grupos feminino e masculino
|
Feminino
|
Masculino
|
Global
|
Hipertensão arterial sistêmica
|
67,5
|
58,2
|
64,6
|
0,125*
|
Obesidade
|
52,0
|
40,4
|
48,4
|
0,070*
|
Diabetes mellitus
|
14,8
|
14,3
|
14,6
|
0,912*
|
Artrite reumatoide
|
5,9
|
0,0
|
4,1
|
0,021**
|
Dislipidemia
|
4,4
|
2,2
|
3,7
|
0,512**
|
Cardiopatia
|
3,0
|
3,3
|
3,1
|
1,000**
|
Hipotireoidismo
|
3,9
|
0,0
|
2,7
|
0,062**
|
Asma
|
2,0
|
0,0
|
1,4
|
0,315**
|
Doença pulmonar obstrutiva crônica
|
1,0
|
1,1
|
1,0
|
1,000**
|
Glaucoma
|
0,5
|
2,2
|
1,0
|
0,227**
|
Insuficiência venosa
|
1,5
|
0,0
|
1,0
|
0,555**
|
A [Figura 1] ilustra a distribuição das patologias mais comuns na amostra total e sua distribuição
por sexo.
Fig. 1 Distribuição das patologias mais comuns na amostra total e por sexo.
A maior parte da amostra se encontrava entre 60 e 70 anos, e as comorbidades também
foram mais frequentes nessa faixa etária, embora não tenha havido diferença estatística
no FCI (p = 0,221) e no mFI-5 (p = 0,365) entre as faixas etárias. A distribuição das patologias por faixa etária
está demonstrada na [Tabela 4].
Tabela 4
Faixa etária/Comorbidades
|
41–50 anos
|
51–60 anos
|
61–70 anos
|
71–80 anos
|
> 80 anos
|
Número
|
3
|
36
|
128
|
113
|
14
|
Hipertensão arterial sistêmica
|
33,3%
|
56,6%
|
60,6%
|
69,9%
|
64,3%
|
Diabetes mellitus
|
–
|
16,7%
|
16,5%
|
20,4%
|
7,1%
|
Artrite reumatoide
|
33,3%
|
16,7%
|
0,8%
|
1,8%
|
7,1%
|
Dislipidemia
|
–
|
2,8%
|
3,2%
|
4,4%
|
–
|
Cardiopatia
|
–
|
2,8%
|
3,1%
|
3,5%
|
–
|
Hipotireoidismo
|
–
|
2,8%
|
3,1%
|
0,9%
|
7,1%
|
Asma
|
–
|
0
|
0,8%
|
1,8%
|
–
|
Doença pulmonar obstrutiva crônica
|
–
|
2,8%
|
0,8%
|
0,9%
|
–
|
Glaucoma
|
–
|
–
|
–
|
2,7%
|
–
|
Insuficiência venosa
|
–
|
–
|
0,8%
|
1,8%
|
–
|
Média do índice funcional de comorbidades funcionais
|
1,7 ± 0,6
|
1,8 ± 0,6
|
1,8 ± 0,8
|
1,8 ± 0,8
|
1,6 ± 0,5
|
Mediana do índice funcional de comorbidades funcionais
|
2,0
|
2,0
|
2,0
|
2,0
|
2,0
|
Média do índice modificado de cinco fatores de fragilidade
|
0,07 ± 0,12
|
0,16 ± 0,15
|
0,16 ± 0,14
|
0,19 ± 0,13
|
0,14 ± 0,12
|
Mediana do índice modificado de cinco fatores de fragilidade
|
0,00
|
0,20
|
0,20
|
0,20
|
0,20
|
O FCI apresentou uma relação direta com o sexo feminino (p = 0,038) e com o IMC (p < 0,001), não estando relacionado com a idade (p = 0,221), a cor da pele (p = 0,058) ou a classificação radiográfica da OA (Ahlbäck) (p = 0,420). A única variável que apresentou correlação significativa com o mFI-5 foi
o IMC (p = 0,022), não estando relacionado ao sexo (p = 0,237), à idade (p = 0,365), à cor da pele (p = 0,251) ou à gravidade da OA (p = 0,874).
Discussão
A ATJ é uma das cirurgias mais realizadas no mundo. Nos Estados Unidos, são realizadas
cerca de 700 mil ATJs por ano, atingindo a média de 213,28 ATJs para cada 100 mil
habitantes.[7] No Brasil, foram realizadas 13.210 ATJs no em 2019,[4]
[5] representando 6,29 ATJ/100 mil habitantes. Além das indicações mais restritas e
do diferente perfil populacional, o déficit de assistência e problemas com a notificação
contribuem para essa diferença tão grande. Há previsão de um aumento exponencial,
impulsionado por mudanças populacionais e maior acesso aos serviços de saúde, sendo
importante direcionar os recursos para os pacientes que obterão maiores benefícios
com o procedimento.[13]
A amostra foi composta por um número maior de pacientes do sexo feminino, o que reflete
a incidência da OA, que atinge de duas a três mulheres para cada homem.[14] Embora seja controverso na literatura, o índice de satisfação após ATJ não parece
divergir entre homens e mulheres. Singh et al.,[15] após avaliarem quase 18 mil pacientes submetidos a ATJ, encontraram nos homens a
maior chance de infecção (+31%), de readmissão nos primeiros 30 dias (+25%), de revisão
nos primeiros 5 anos (+20%), e o maior índice de mortalidade no primeiro ano (+48%).
Robinson et al.[16] estudaram 32.848 pacientes submetidos a ATJ, e concluíram que o sexo feminino é
um fator protetor para sepse e para complicações cardiovasculares e renais, embora
apresente maior risco de desenvolver infecção urinária, de precisar de transfusão
sanguínea, e de ter dificuldade de carga no membro operado.
Para a avaliação dos resultados cirúrgicos, é importante conhecer o perfil epidemiológico
dos pacientes tratados, pois diversas comorbidades clínicas podem impactar diretamente
o desfecho,[17] comprometendo a demanda metabólica, a cicatrização da ferida operatória, e a administração
da anestesia.[18] Apesar dos benefícios associados à ATJ, até 24% dos pacientes operados podem enfrentar
sérios eventos adversos, sendo primordial considerar quem deve ser submetido ao procedimento.
A avaliação pré-operatória visa otimizar clinicamente o paciente, minimizando seus
riscos e facilitando sua recuperação.[19]
Utilizamos o diagnóstico autorrelatado como ferramenta para listar as comorbidades,
por se tratar de um método atrativo para doenças crônicas. Najafi et al.[20] afirmaram que essa estratégia é confiável e eficiente, e apresenta algumas vantagens
com relação à análise do prontuário, pois não depende do viés do notificador. Além
disso, por motivos administrativos e contratuais, essas patologias podem estar omitidas
e subnotificadas. Todos os pacientes da nossa amostra foram tratados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), o que é ideal para este tipo de estudo, pois eles não sofreram
pressão da seguradora, e não houve influência para a omissão de patologias.
A comorbidade mais frequentemente encontrada foi a hipertensão arterial sistêmica
(HAS), que atingiu 64,9% da amostra. A maior incidência ocorreu na oitava década de
vida (69,9%). A prevalência da doença foi semelhante nos grupos masculino e feminino
(p = 0,125). Esse resultado é condizente com o descrito por Feng et al.,[21] que destacam a HAS como a comorbidade mais comum na prática ortopédica. A literatura
é escassa em estudos sobre a possível influência da HAS no resultado final de pacientes
submetidos à ATJ. Elmallah et al.[22] encontraram resultados funcionais piores em hipertensos quando comparados a normotensos,
embora a melhora da dor tenha sido semelhante. Dessa forma, a HAS pode influenciar
negativamente o resultado funcional da cirurgia. A dislipidemia atingiu menos de 5%
dos pacientes, sendo também mais frequente na oitava década de vida. O uso de estatinas
deve ser continuado, pois existem evidências de que essa medicação pode diminuir tanto
o índice de mortalidade precoce quanto a chance de soltura asséptica da prótese nos
primeiros dez anos.[19]
O diabetes mellitus (DM) esteve presente em 14,6% da amostra total, sendo maior na
oitava década de vida (20,4%). Não houve diferença entre os sexos (p = 0,912). Segundo Flor e Campos,[23] a incidência na população brasileira acima de 65 anos é de 16,7%. A amostra incluiu
pacientes abaixo dessa faixa etária, entre 41 e 50 anos, que não apresentaram DM e
influenciaram a média total. O DM é uma patologia que interfere na cicatrização das
feridas, diminui a atividade osteoblástica, e prejudica o sistema imunológico.[19] Pacientes diabéticos têm um aumento no índice de complicações, como infecção periprotética
(risco relativo – RR: 1,6), trombose venosa profunda (RR: 2,57), e soltura asséptica
(RR: 9,36).[24] Singh e Lewallen[25] avaliaram 7.139 pacientes diabéticos submetidos a ATJ, e concluíram que o DM é um
fator de risco independente para resultados desfavoráveis após a cirurgia. Apesar
do maior número de complicações e resultados funcionais piores, os pacientes diabéticos
apresentam um índice de satisfação semelhante ao dos não diabéticos, e o procedimento
é capaz de gerar outros benefícios, como a redução do IMC em 50% dos operados.[26] Atenção deve ser dada aos níveis glicêmicos pré-operatórios, sendo o valor de 200 mg/dL
o limite máximo.[27]
A análise da idade revelou que 82% dos pacientes encontram-se entre a sétima e oitava
décadas de vida. Esses dados refletem as indicações mais restritas dessa cirurgia
em pacientes latinos. Embora pacientes mais jovens tenham uma recuperação mais rápida
e ótimos resultados funcionais,[28] estes apresentam menor índice de satisfação e maior risco de revisão. A expectativa
de vida no Brasil tem aumentado exponencialmente, e alcançou 76,74 anos para nascidos
em 2020. Projeções indicam que, em 2050, ela alcançará 81,29 anos. Cher et al.[29] avaliaram 209 octogenários submetidos a ATJ e encontraram excelentes resultados
funcionais, que não diferiram dos de seus pares mais jovens. Porém, os autores destacam
que, aomemso tempo que há melhora na qualidade de vida, há um aumento do custo para
se oferecer o tratamento cirúrgico a pacientes cada vez mais idosos. Cada ano acrescentado
à idade aumenta a chance de reinternação e de mortalidade.[30]
A obesidade é um fator claramente envolvido na gênese e na progressão da OA do joelho.[6] Esse fato foi comprovado na nossa amostra, em que apenas 16,9% dos pacientes foram
normotróficos, sendo o restante com sobrepeso ou obesos. O sexo feminino esteve associado
ao maior IMC (p = 0,017). A obesidade é um fator de risco independente para complicações per e pós-operatórias,
como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, infecção periprotética,
e necessidade de revisão,[19]
[21] além da maior chance de reinternação e mortalidade.[30] Várias instituições têm restringido a realização de ATJ em pacientes com IMC maior
do que 40 kg/m2, devido ao maior custo e chance de eventos desfavoráveis.[21] O controle ponderal deve ser encorajado para pacientes com IMC acima de 25 kg/m2, e a cirurgia bariátrica pode ser um recurso anterior à ATJ para obesos reistentes
ao tratamento conservador. Traven et al.[11] criaram um protocolo com cinco fatores (mFI-5) capazes de antever a chance de complicação
após ATJ. Na amostra estudada, a obesidade foi o único fator diretamente relacionado
ao mFI-5 (p = 0,022), o que comprovou a relação do excesso de peso corporal com um prognóstico
pior.
Apesar do sucesso da ATJ em restaurar a função e melhorar a qualidade de vida, até
20% dos pacientes podem apresentar dor ou insatisfação no pós-operatório. Vários autores
desenvolveram ferramentas a fim de predizer o resultado funcional. Groll et al.[10] desenvolveram o FCI. Diferente de outros índices, que avaliam o tempo de internação
e o índice de mortalidade, o FCI indica o provável resultado funcional dos pacientes,
com 77% de eficácia. Os autores incluíram 18 patologias no questionário, que pode
ser autoaplicável. As perguntas incluem a avaliação da saúde mental e doenças respiratórias,
fatores importantes ligados ao resultado da ATJ. A amostra estudada apresentou um
prognóstico funcional pior para os obesos (p < 0,001) e pacientes do sexo feminino (p = 0,038), o que é condizente com os achados de Robinson et al.,[16] que descreveram maior dificuldade de deambulação após a cirurgia em pacientes femininos
e obesos.
Este estudo apresenta algumas limitações. Por ser um estudo observacional e transversal,
os pacientes não tiveram seu desfecho analisado. Porém, acreditamos que os resultados
cumprem o objetivo de definir o perfil epidemiológico dos pacientes submetidos à ATJ.
Os instrumentos incluídos, FCI e mFI-5, são ferramentas interessantes, mas não são
capazes de estabelecer um limite para a realização da ATJ. Portanto, a participação
dos pacientes e familiares no processo decisório deve ser estimulada.
Conclusão
Os pacientes submetidos à ATJ são essencialmente portadores de comorbidades clínicas
que podem influenciar negativamente os resultados funcionais e elevar o índice de
complicação da cirurgia. A identificação dos fatores de risco contribui para a segurança
e melhor seleção dos candidatos.